Governo muda estratégia e diminui uso de medidas provisórias, diz consultor
No ano passado, foram editadas 27 medidas provisórias (MPs), o menor número desde 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República. Em 2008, foram editadas 40 MPs. Mas o contraste fica mais evidente quando se consideram os anos de 2007 e 2006: respectivamente, 70 e 67 medidas provisórias. Para Rafael Silveira e Silva, cientista político e consultor legislativo do Senado, a queda iniciada em 2008 revela uma mudança na estratégia do Executivo em relação ao Congresso Nacional.
- O governo mudou seu padrão de atuação, apresentando menos medidas provisórias e mais projetos de lei - afirmou o consultor durante entrevista à Agência Senado.
Como exemplo, Rafael citou as propostas do Executivo que estabelecem aumentos de salários para servidores públicos: em 2007, o governo federal editou cinco MPs com esse objetivo e nenhum projeto de lei; em 2008, foram quatro MPs e quatro projetos de lei; já em 2009 houve quatro MPs e sete projetos de lei.
Ao apontar as possíveis causas dessa "mudança de estratégia", o consultor destacou fatores como a decisão do Supremo Tribunal Federal que restringiu o uso de medidas provisórias destinadas a abertura de créditos extraordinários; o desgaste que o uso excessivo das MPs estava provocando nas relações entre Executivo e Legislativo; e as recentes decisões do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, em relação à tramitação das MPs naquela Casa.
Além disso, Rafael também avalia que a redução no uso das medidas provisórias - que estariam sendo substituídas, em diversos casos, por projetos de lei - se tornou possível porque "o governo está, agora, com uma base de apoio no Congresso mais sólida do que a do primeiro mandato, principalmente depois que o PMDB foi incorporado à coalizão". Esse partido, além de deter a maior bancada tanto na Câmara como no Senado, é a legenda a qual estão filiados os presidentes dessas duas Casas (Michel Temer e José Sarney, respectivamente).
Nesse contexto, Rafael lembrou que há estudos que associam o maior uso de MPs a governos com bases de apoio menos articuladas, ao passo que governos com bases mais articuladas fariam uma "mescla mais equilibrada" entre MPs e projetos de lei.
- Se a base governista no Congresso estivesse menos consolidada, provavelmente o Executivo não estaria em situação tão confortável para diminuir o número de medidas provisórias - declarou ele.
Supremo Tribunal Federal e MPs
Em 2008, em resposta a uma ação impetrada pelo PSDB (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4048), o Supremo Tribunal Federal apresentou uma decisão que reitera as restrições à edição de medidas provisórias para abertura de créditos extraordinários. A corte lembrou que tais MPs precisam atender não apenas aos critérios de relevância e urgência, mas também que "a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes" - e não, por exemplo, despesas correntes.
Segundo Rafael, os efeitos dessa decisão puderam ser percebidos nesse mesmo ano: se em 2007 houve 20 MPs de crédito extraordinário, em 2008 e 2009 houve, em cada ano, cinco MPs do gênero.
- Para se submeter à decisão do Supremo, o governo provavelmente teve que ajustar sua política fiscal e adotar outras estratégias quanto à aprovação e à gestão do Orçamento - observou ele.
Executivo versus Legislativo
O desgaste provocado pelo excesso de MPs nas relações entre Executivo e Legislativo é outro fator apontado pelo consultor para a redução na edição dessas medidas. Para Rafael, "o grande número de MPs que o governo vinha editando demandava um grande esforço de mobilização e negociação para aprová-las, tanto das lideranças como das bancadas governistas".
- Daí os constantes protestos dos parlamentares, cujo exemplo mais visível foram as críticas de Garibaldi Alves quando ele presidia o Senado - ressaltou ele.
O consultor destacou ainda as decisões adotadas no ano passado pelo presidente da Câmara. Michel Temer determinou que as medidas provisórias não podem mais receber emendas cujo teor seja estranho ao das MPs. Segundo Rafael, "isso diminuiu a margem de manobra das lideranças da base aliada, que utilizavam essas emendas para negociar e viabilizar a aprovação das MPs".
Além disso, o consultor recordou que Temer mudou a interpretação dada pela Câmara para a tramitação de medidas provisórias. De acordo com a nova interpretação, as propostas de emenda à Constituição (PECs), os projetos de lei complementar, as resoluções e os decretos legislativos podem ser votados em sessões extraordinárias, mesmo quando a pauta estiver "trancada" por MPs durante as sessões ordinárias. Isso seria possível porque as medidas provisórias, nessa interpretação, não podem tratar dos temas reservados àquelas propostas.
- Foi uma forma de tentar liberar a pauta da Câmara - afirmou Rafael.
O consultor disse ainda que "essa ação, ao fortalecer as prerrogativas do Legislativo, diminui o poder de agenda do governo, ou seja, o poder de mobilizar o Congresso e, principalmente, a Câmara, por meio de medidas provisórias e trancamentos de pauta". Rafael avalia que, dessa forma, "o Executivo foi obrigado a conviver com uma agenda compartilhada".
22/01/2010
Agência Senado
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