Impasse no Orçamento mobiliza Planalto







Impasse no Orçamento mobiliza Planalto
Líderes serão alertados para dificuldade de equilibrar demandas de congressistas com receita

BRASÍLIA - O governo não consegue fechar as contas do Orçamento-Geral da União para 2002. Na semana que vem, o secretário-geral da Presidência da República, Aloysio Nunes Ferreira, chamará os líderes dos partidos da base aliada para alertar mais uma vez sobre as dificuldades para chegar a um equilíbrio entre as demandas por aumento de gastos e as receitas previstas.

O objetivo da reunião, segundo o próprio Aloysio, é tentar um acordo para que seja aprovada uma lei orçamentária com previsão de despesas adequada às expectativas de arrecadação. Isso garantiria cumprimento da meta de ajuste fiscal, que prevê um superávit nas contas do governo equivalente a 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

O encontro será o terceiro de uma série de conversas mantidas entre o Executivo e o Legislativo. "O cobertor é muito curto para tantos gastos", afirma Aloysio.

Até agora, a soma das despesas adicionais reivindicadas pelos congressistas, da oposição e da situação, chega a R$ 15,5 bilhões. Por enquanto, nenhuma fonte nova de receitas foi encontrada pela Comissão Mista de Orçamento para financiar os gastos adicionais.

Queda - Para piorar a situação, o governo teme uma queda na arrecadação no ano que vem por causa das conseqüências da crise na Argentina e da retração da economia mundial em decorrência da guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo.

As duas principais preocupações do Palácio do Planalto são as pressões por um aumento do salário mínimo acima dos R$ 189 propostos pelo Executivo e a correção em 35% da tabela do Imposto de Renda da pessoa física. De acordo com Aloysio, a discussão sobre o valor do salário mínimo a partir de abril terá de ser levada para o "terreno da realidade".

No encontro da próxima semana, o recado do Palácio do Planalto será claro. O governo avalia que cabe aos governadores fixar salários mínimos regionais acima do piso nacional, para o qual a proposta orçamentária prevê um reajuste de cerca de 5%. Desde o ano passado, os Estados têm autorização legal para fazer o que o Palácio do Planalto está pedindo.

"Os partidos e bancadas estaduais devem dirigir aos governadores e Assembléias Legislativas os legítimos anseios de justiça social", diz Aloysio. "Ao governo federal cabe cumprir a Constituição e garantir a recomposição do valor de compra do salário mínimo, o que foi feito."

Cálculos oficiais indicam que a elevação do mínimo dos R$ 189 propostos pelo Executivo para R$ 200 geraria despesa extra de R$ 2,5 bilhões na Previdência Social. A correção da tabela do Imposto de Renda reduziria, por sua vez, a arrecadação em R$ 5 bilhões.

"Polonetas" - O secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guilherme Dias, manifesta preocupação com a decisão da Comissão de Orçamento de analisar a possibilidade de usar os cerca de US$ 2,5 bilhões que Brasil vai receber como pagamento antecipado das "polonetas", conforme o parecer preliminar do relator-geral, deputado Sampaio Dória (PSDB-SP).

O governo está autorizado pelo Senado a negociar a antecipação dessas receitas. "Essa decisão dos congressistas gera expectativa de novos gastos que não poderão ser realizados", afirma Dias. A operação, segundo o secretário, é estratégica para aumentar o nível das reservas internacionais do País, diante da redução da entrada de capitais estrangeiros.

Ao pedir autorização para antecipar o recebimento das "polonetas", a intenção da área econômica foi aliviar o rombo nas contas externas neste ano. No entanto, o Senado determinou que os recursos sejam usados para investimentos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste - e a Comissão Mista decidiu analisar a inclusão dessa receita no Orçamento.

"Isso é impossível porque a legislação orçamentária impede que despesas correntes sejam financiadas com receitas financeiras", explica Dias. "Seria o mesmo que queimar ativos para cobrir despesas de custeio e investimento."


Assembléia vai ao STF para retomar tramitação em SP
A Assembléia Legislativa de São Paulo protocolou ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF), um pedido de suspensão de execução de medida liminar para tentar desbloquear o trâmite do Orçamento de 2002 no Legislativo. O desembargador Luiz Pantaleão conseguiu parar as discussões em torno da proposta orçamantária, sob o argumento de que o projeto do governador reduz a verba destinada ao Judiciário.

De acordo com informações da assessoria técnica da presidência da Assembléia, o pedido tem como linha de "raciocínio" a idéia de que a iniciativa do Judiciário "violou o princípio da separação dos poderes".

Ainda de acordo com assessores, foi utilizada, entre outras, a Lei 4.348, de 1964, como base para a argumentação, que diz: em caso de "grave lesão à ordem e à economia pública" pode-se solicitar a suspensão de execução de medida liminar.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) encaminhou à Procuradoria-Geral do Estado um pedido de análise do assunto. Até ontem, não havia sido decidida qual será a argumentação do governo. De acordo com a assessoria de imprensa do governador, não há data para a entrada no STF. Alckmin reafirmou em entrevistas que vai defender o projeto do governo.

Uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo impede, desde terça-feira, a tramitação do Orçamento de 2002. A medida judicial foi concedida pelo primeiro vice-presidente do TJ, Álvaro Lazzarini. Ele acatou pedido de mandado de segurança do desembargador Luiz Pantaleão contra Alckmin, o presidente da Assembléia Walter Feldman (PSDB) e o presidente do TJ, Márcio Martins Bonilha.

A ação questiona o corte da verba para o Judiciário. A proposta do Órgão Especial do TJ era de R$ 2,72 bilhão. O governo paulista rejeitou e destinou R$ 2,379 bilhão. O orçamento em execução tem recursos de R$ 2,177 bilhões. O presidente do Tribunal de Justiça, Márcio Martins Bonilha, afirmou que poderia ter havido solução "amigável" durante tramitação na Assembléia.


Promotores preparam ação contra cortes
Associação paulista deve entrar na Justiça para garantir manutenção dos valores que reivindica

A Associação Paulista do Ministério Público de São Paulo deve entrar na Justiça com mandado de segurança coletivo para reparar o que classifica de "lesão gravíssima imposta a todos os promotores e à sociedade com o corte no seu projeto de orçamento" para 2002. A medida se inspira em iniciativa do Tribunal de Justiça - por liminar, o vice-presidente do TJ, desembargador Álvaro Lazzarini, decretou a paralisação da tramitação do Orçamento na Assembléia, como reação à redução de R$ 627 milhões que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) aplicou na proposta dos magistrados.

Os promotores estão revoltados com a exclusão de 23% dos recursos previstos no projeto, ou R$ 167,8 milhões. Alckmin já declarou que não vai recuar.

A estratégia da associação independe de apoio do procurador-geral de Justiça, José Geraldo Brito Filomeno, e poderá criar mal-estar entre a entidade e a cúpula do Ministério Público. Para muitos promotores, Filomeno é "submisso ao governo". Ele considera que o orçamento deve ser discutido politicamente e, segundo sua assessoria, vê na Assembléia o campo adequado para isso. O procurador-geral não pode impedir que a entidade recorra à Justiça pelo orçamento que considera adequado e legal.

Para o presidente da associação, José Carlos Cosenzo, Filomeno tem legitimidade para mover ação contra o ato do governador. "O procurador-geral é responsável pelo orçamento do Ministério Público e por sua r ealização; ele tem a obrigação de exigir o que pediu."

Se os promotores não entrarem com a ação, poderão provocar o Órgão Especial (formado por 40 procuradores) a pressionar Filomeno a ingressar com o mandado de segurança. "A decisão do colegiado é vinculante, não é deliberativa", lembrou o presidente da associação.

Os promotores alegam que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a procuradoria tem autonomia orçamentária e direito a 2% da receita líquida corrente do Estado. Alckmin quer repassar 1,5%, ou R$ 524,83 milhões, para todas as despesas. O Ministério Público reivindica R$ 692,71 milhões.

"O mandado busca sensibilizar o governador a cumprir o que está na lei", disse Cosenzo, avaliando que a liminar do TJ "abriu uma porta" para o Ministério Público. "A categoria não quer confronto com o governo, mas apenas condições para exercer suas funções."

Rentável - Cosenzo argumentou que a instituição é uma grande fabricante de receitas para o Tesouro, à medida que freqüentemente conquista vitórias em ações de interesse do governo. "O Ministério Público é como uma empresa rentável para o Estado, porque combate e inibe a ação de corruptos que desviam recursos públicos."

Na sua avaliação, Alckmin "praticou uma violação contra a Procuradoria-Geral de Justiça". Ele confirmou que a estratégia inicial dos promotores era fazer lobby com os líderes na Assembléia para recuperar o que foi cortado - mas agora estão dispostos a adotar o mesmo caminho do TJ.

"O corte promovido pelo governador foi substancial, exatamente nas áreas de atuação do Ministério Público voltadas para o interesse social", avaliou Cosenzo, advertindo que 91 promotores foram aprovados em concurso, mas não poderão ser nomeados por causa do orçamento "insuficiente". Segundo ele, há 340 cargos vagos.


FHC assume comando de articulação da aliança
Presidentes de PSDB, PFL e PMDB são convidados a participar de viagem à Europa

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu assumir o comando das negociações entre os partidos aliados sobre a candidatura à Presidência no ano que vem, para garantir a paz na sua base de sustentação.

Para isso, convidou os presidentes do PSDB, do PFL e do PMDB a integrar a comitiva que o levará a Espanha e França, a partir de quinta-feira.

Até ontem à tarde, só o do PMDB, deputado Michel Temer (SP), não confirmara presença. O do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), e o deputado José Aníbal (SP), do PSDB, já estão com os passaportes.

"O convite veio ontem (quarta-feira) à noite e tenho compromissos agendados, mas vou tentar transferi-los", disse Temer. Ele marcou palestras em universidades de Ribeirão Preto e Botucatu, mas entende a importância da viagem. "É evidente que a sucessão será debatida por lá e todas as conversas são importantes agora. Eu mesmo tomei a iniciativa, há alguns dias, de convidar Aníbal e Bornhausen para um encontro."

O convite do presidente é visto como consequência das conversas que o governador cearense, Tasso Jereissati (PSDB), iniciou para forçar a definição de um candidato da aliança. Tasso e o ministro da Saúde, o tucano José Serra, esperam um sinal de Fernando Henrique sobre o nome que prefere.

Dificilmente, porém, terão pista segura. "Se o presidente comandar a escolha do PSDB, perderá condições de assumir o comando geral de sua sucessão", justifica um ministro que acompanha a movimentação.

Para os principais articuladores do governo, não é o momento de o presidente assumir um candidato, pois seu discurso por uma candidatura da aliança perderia legitimidade. Assessores próximos preferem que ele continue a operar nos bastidores até que sejam escolhidos os candidatos de cada partido.

O líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), adverte que se o presidente só entrar no segundo tempo estará atrasado. "O governo ainda não começou a jogar para valer", critica. Geddel sugere que Fernando Henrique indique claramente o nome de sua preferência, trabalhe por ele e pague o preço.

"Só quem não conhece bem o presidente imagina que ele não está no jogo", contesta o ministro Paulo Renato Souza (Educação). "Ele não faz outra coisa." O ministro considerou muito "saudável, positiva e oportuna" a articulação dos governadores.

Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que poderá encontrar Tasso se ele tiver uma brecha na agenda segunda-feira. "Se der, a gente toma um café." Ele confirmou que irá à palestra do colega, organizada pela família do governador Mário Covas, que apoiava a candidatura de Tasso.

O candidato à Presidência peloo PPS, Ciro Gomes, não quis comentar, em Fortaleza, o golpe que representaria para sua candidatura a movimentação em torno de Tasso. Apenas fez elogios ao governador cearense.


Para Jarbas, se eleição fosse hoje, bloco estaria 'rifado'
Governador de PE quer unir legendas governistas e traçar estratégia comum para 2002

RIO - Articulador, pelo PMDB, do esforço para recompor a aliança com PSDB e PFL para as eleições presidenciais de 2002, o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, diz que ele, a pefelista Roseana Sarney e o tucano Tasso Jereissati reuniram-se na terça-feira, em Brasília, para fazer um trabalho "que as direções dos partidos deveriam estar fazendo". O momento, explica, é de os partidos governistas traçarem uma política de boa convivência, em busca de um candidato e um programa comum. "Se a eleição fosse hoje, estaríamos rifados", reconhece.

Jarbas não aceita a crítica do ministro da Saúde, José Serra, que disse não ter tempo para tititi a um ano da eleição. "Foi uma declaração infeliz. Eu, a Roseana e o Tasso também temos de governar. O que fizemos foi dar a dimensão exata do momento pelo qual estamos passando", afirma.

Jarbas, porém, não aceita a imposição da cabeça de chapa neste momento. Acha que expor um candidato governista antes do ano que vem não seria boa estratégia. "Ele não chega inteiro à eleição. O ideal é março", defende.

Ele também não gostou das declarações do governador tucano Geraldo Alckmin de que o candidato a presidente deve sair do PSDB. "Isso não se diz. Se estamos falando de aliança, não se coloca com essa clareza, até porque o presidente Fernando Henrique Cardoso há 40 dias disse que a cabeça da chapa não precisava ser tucana", insiste.

Embora saiba das dificuldades para realização de prévias conjuntas das legendas governistas, Jarbas por enquanto persiste na defesa dessa alternativa para escolher o candidato a presidente e o vice da uma possível aliança PSDB-PMDB-PFL. Dentro de seu partido, o governador prega o adiamento da convenção, marcada para janeiro, que deverá escolher o nome do candidato peemedebista à Presidência entre o governador de Minas, Itamar Franco, e o senador gaúcho Pedro Simon.

Itamar - O governador é visceralmente contra a candidatura de Itamar e, embora não admita, é certo que será o primeiro a liderar uma dissidência no PMDB se o governador mineiro for o candidato. "O lugar de Itamar não é no PMDB. É em algum partido de oposição. É uma candidatura inconveniente, desarticulada." Que, segundo ele, só é possível caso o PMDB queira entregar os cargos no governo. Mas ainda vai ter problemas para explicar à população por que o governo do qual participou com tantos ministros de repente deixou de ser bom.

"O PMDB não teve posição clara em relação ao Itamar quando ele ficou entre sair e não sair do partido. Não só devia ter deixado, como ter ajudado o Itamar a sair, a tirá-lo do ringue", critica Jarbas. "Se Itamar for escolhido candidato, vai pedaço do PMDB para todo lado." Considerado pela cúpula do PMDB governista o nome ideal para disputar com Itamar as prévias internas, Jarbas já avisou ao presid ente do partido, Michel Temer, ao assessor especial da Presidência, Moreira Franco, e ao senador Sérgio Machado (CE), que não aceita a missão. "Se participo de uma prévia interna, inviabilizo toda a minha tese da escolha conjunta do candidato", diz, garantindo que não pensa em Presidência, nem em mais quatro anos no governo.

Talvez se candidate ao Senado.


Aliados de Itamar buscam negociação com Temer
BRASÍLIA – Peemedebistas aliados e inimigos do governador de Minas, Itamar Franco, concordam em um ponto: a aliança governista perde força a cada dia dentro do partido, mas qualquer coisa pode acontecer até 20 de janeiro, quando estão previstas as prévias eleitorais para a escolha do candidato do PMDB ao Palácio do Planalto. É com a convicção de que há espaço para negociar um acordo em torno da candidatura Itamar que seus partidários estão articulando a visita dele a Brasília na terça-feira, para uma conversa com o presidente nacional do partido, Michel Temer (SP).

Mas, seja qual for o resultado da investida do governador para firmar seu nome como candidato e a operação dos aliados do Planalto para impedir ou derrotar sua candidatura, o racha será inevitável.

Boicote – Tanto que o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), já deu sinais de que não há hipótese de ele ser favorável à candidatura do governador mineiro. Mas a ameça de boicote não assusta quem tem três opções de candidatura dentro do PMDB: ao Planalto, à reeleição no governo de Minas e ao Senado.

“Vamos derrotar Itamar”, diz, sem hesitar, o assessor especial da Presidência, Moreira Franco. A opção oficial da cúpula é o senador Pedro Simon (PMDB-RS), mas já há quem articule a candidatura de Temer.

“As bases querem candidato próprio e o nome forte hoje é o do Itamar”, afirma o senador Amir Lando (PMDB-RO).

Mas se Itamar surpreender com uma articulação abrangente, que envolva acordos de sobrevivência com líderes peemedebistas nos Estados, terá chances de fechar até adversários com sua candidatura. Nesse caso, até o adiamento das prévias poderá ocorrer, dando tempo a Itamar para concluir suas articulações


Câmara aprova pena mais dura para 'lavagem'
Projeto atende a convenção internacional sobre combate à corrupção

BRASÍLIA - O governo federal ganhou um instrumento importante para combater a lavagem de dinheiro. Projeto de lei aprovado ontem pela Câmara, que ainda será submetido ao plenário do Senado, modifica o Código Penal e garante a possibilidade de punições mais rigorosas para quem tentar legalizar dinheiro obtido por meios ilícitos, como narcotráfico e corrupção.

A lei aprovada ontem alcança estrangeiros que atuem no Brasil.

De autoria do Executivo, a proposta atende à convenção internacional assinada pelo Brasil em 1997 sobre o combate da corrupção de servidores estrangeiros em transações comerciais. Envolvida na discussão do texto encaminhado à Câmara, a presidente do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), Adrienne Senna, disse que o projeto vai permitir que, além da lavagem de dinheiro, a corrupção seja punida de forma "mais ampla".

O Coaf é ligado ao Ministério da Fazenda.

"Se uma empresa brasileira corromper um funcionário francês, ela poderá ser alvo de um processo, mesmo que o crime tenha sido praticado fora do País", afirmou Adrienne. "Antigamente, só se aplicava a lei no país onde havia sido registrado o delito", acrescentou.

Ajuda efetiva - Para Adrienne, a proposta ajuda efetivamente o governo brasileiro a combater a lavagem de dinheiro. Pelo texto aprovado na Câmara, foram incluídas duas modalidades desses crimes: a corrupção - cuja pena será de um a oito anos de prisão e multa - e o tráfico de influência em transação comercial internacional, em que poderá ser aplicada pena de dois a cinco anos de prisão e multa.

Pelo projeto aprovado na Câmara, o funcionário público estrangeiro, para efeitos penais, é aquele que estiver exercendo cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas.

O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), explicou ontem que a tramitação da matéria foi acelerada na Casa a pedido do ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. "De acordo com o ministro, a diplomacia brasileira estava sendo cobrada por outros países", contou Aécio.


PSDB menosprezou CPI do Banespa, admite líder
Segundo Jutahy, partido priorizou CPI do Proer e deixou de comparecer aos depoimentos

BRASÍLIA - O líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), reconheceu que o partido falhou ao priorizar a CPI do Proer e relegar a CPI do Banespa para segundo plano. À exceção do primeiro depoimento à CPI, do presidente da Comissão de Inquérito do BC, Antônio Carlos Verzolla - que foi acompanhado pela deputada Yeda Crusius (PSDB-RS) -, os outros três depoimentos não foram presenciados por nenhum parlamentar tucano.

A deputada gaúcha foi a única que justificou as ausências desta semana, pois estava em missão oficial em Montevidéu, no Uruguai. "Vamos corrigir essas distorções na próxima semana, com a indicação de um novo integrante para a CPI", prometeu Jutahy.

O novo nome, que ainda não foi escolhido, irá substituir o deputado Luiz Carlos Haully (PSDB-PR), que pediu para sair porque já integra a CPI do Proer, além de ser membro das Comissões de Finanças e Tributação e de Relações Exteriores. O substituto deverá ser escolhido, provavelmente, entre parlamentares da bancada paulista do partido, que têm maior familiaridade com o assunto.

O líder do PSDB afirmou que o partido ficou desmotivado após a formação da CPI por julgar que ela foi composta de maneira tendenciosa. "Por ser presidida pelo deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP), ex-governador do Estado, nós percebemos que ela nascia com uma idéia já pré-concebida". O deputado Alberto Goldman (PSDB-SP) estende as críticas aos demais integrantes. Ele destaca que os membros do PMDB são ligados a Quércia; o do PPB, é próximo de Maluf; e o do PT, era funcionário do banco, contrário à privatização. "O viés político desqualifica a CPI", ataca Goldman.

Um deputado do PSDB envolvido na discussão acredita que existe ainda outra razão para explicar a apatia momentânea tucana. Para ele, existem poucos tucanos bons de briga para propor a extinção de uma CPI do Banespa presidida por Fleury e a composição de uma nova comissão. "É muito fácil defender o governo nas rodas do alto escalão ou nos salões do Palácio. Quero ver defender aqui dentro, no Congresso, que é uma extensão da sociedade", desafiou.

Proer - Funcionando há um mês, a CPI do Proer já tem um balanço preliminar feito pelo seu relator, deputado Alberto Goldman.

Na segunda fase dos trabalhos, que se iniciam agora, a CPI do Proer vai continuar ouvindo os ex-diretores, interventores e liquidantes dos bancos Bamerindus e Nacional, além do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e do ministro da Fazenda, Pedro Malan.


Maluf chama Suplicy como testemunha
Petista, que votou contra, confirmaria que Senado aprovou emissão de títulos pela Prefeitura em 94

O ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) arrolou um arquiinimigo político – o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) – como sua testemunha de defesa nos autos do processo criminal da 8.ª Vara Criminal Federal em que é réu por suposta prática de fraudes em transações com títulos públicos para pagamento de precatórios. Seu plano consiste em tentar reforçar a versão que deu à Justiça Federal, onde foi interrogado há uma semana e negou irregularidades com os papéis. Segundo Maluf, em 1994 o Senado aprovou pedido da Prefeitura para emissão de Letras Financeiras do Tesouro Municipal. Suplicy já exercia mandato de senado r; Maluf era o prefeito.

Além do petista, deverão depor a pedido da defesa o então procurador-geral adjunto da Fazenda, Carlos Eduardo Monteiro, o sub-procurador-geral Almir Martins Bastos, o presidente do Tribunal de Contas do Município na época, Francisco Gimenez, e o conselheiro do TCM Paulo Planet Buarque. Os nomes foram submetidos à apreciação de Maluf na noite de quarta-feira, durante “reunião de avaliação” que teve em sua casa com seus advogados.

A reunião discutiu os desdobramentos do caso Jersey – suposta existência de fundos em nome de Maluf. Ele estava muito irritado e indignado com o fato de seus familiares terem sido intimados a depor no Ministério Público. O ex-prefeito disse que aceita ser investigado, mas não admite que a família seja submetida a “exploração pública”.

Desvio – Suplicy estranhou ter sido arrolado por Maluf, mas afirmou estar “à disposição da Justiça”. “Fui o único voto contrário ao pedido da Prefeitura.”

Em 1994, quando chegou ao Senado o pedido de autorização de emissão de títulos no valor equivalente a US$ 600 milhões, o petista sugeriu ao relator e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (o então senador pelo PFL amazonense Gilberto Miranda) que incluísse no projeto de resolução duas exigências: a) a Prefeitura só poderia emitir títulos para pagamento dos oitavos (precatórios do artigo 33 das Disposições Transitórias); b) a Prefeitura deveria apresentar demonstração a cada três meses da efetiva utilização de recursos para pagamento de precatórios.

O senador disse ter feito “a recomendação porque sabia que na gestão Maluf a Prefeitura já havia usado indevidamente (recursos dos títulos)”. “Alertado sobre o desvio, propus a inclusão das exigências porque a intenção de Maluf era claramente repetir a operação”, disse Suplicy.

Ontem, procuradores de Justiça saíram em defesa do promotor Silvio Antonio Marques, que conduz o inquérito Jersey. Eles não aceitam as críticas de Maluf que alega estar sofrendo “perseguição”.

Lembram que Marques, mestre em Direito Comercial pela PUC-SP, trabalhou em Diadema, na Grande São Paulo, antes de assumir cargo na Promotoria da Cidadania da Capital. Em Diadema, ele processou 19 vezes por improbidade três prefeitos, filiados ao PT, ao PSB e ao PMDB. Em 1999, Marques conseguiu reduzir de 154 para 43 os assessores dos vereadores.


Garotinho diz que se confundiu ao acusar Benedita
RIO - O secretário executivo do Estado do Rio, Luiz Rogério Magalhães, admitiu ontem que o governador Anthony Garotinho (PSB) se confundiu ao acusar a vice-governadora Benedita da Silva (PT) de ter desviado, em 1999, R$ 500 mil, para a Ação da Cidadania, ONG fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. O dinheiro, doado por uma empresa privada, seria usado para a construção de um restaurante popular na Central do Brasil. "Ele não acusou a Benedita de corrupta em nenhum momento", tentou consertar o secretário. A vice-governadora, no entanto, disse que irá acionar judicialmente Garotinho por calúnia, injúria e difamação. Durante encontro do PSB, na quarta-feira, Garotinho havia dito que a vice-governadora teria "pego" o dinheiro, que seria da Telemar.


Artigos

A Amazônia e a reinvenção do mundo
WASHINGTON NOVAES

Na manhã de 11 de setembro, o autor destas linhas estava sentado na calçada da pracinha de Tefé, no Amazonas, do outro lado da rua onde fica o pequeno hotel onde dormira. Enquanto aguardava que fossem carregados numa van as malas e os equipamentos de TV com os quais iniciaria na reserva ecológica de Mamirauá a gravação de um documentário para a TV Cultura sobre biodiversidade, pensava na uniformização do mundo.

Tefé é uma cidade de menos de 50 mil habitantes, à qual só se chega por água ou pelo ar - não há rodovias. Mas já se parece com as periferias das grandes cidades brasileiras: casas pobres de tijolos expostos e teto de amianto, poluídas por anúncios de todos os tipos e antenas parabólicas; ruas infernizadas por centenas de motos sem placas e sem regras; meninas e adolescentes de minissaia e tamanquinhos, como todas na TV; rapazes de bermudas, camisetas, chinelos e cabeça raspada como os craques do esporte.

O pensamento foi interrompido pela visão do porteiro do hotel, que, esbaforido, contava algo ao pessoal na van, ao mesmo tempo em que, com os braços estendidos, simulava algo que voasse - para em seguida, com os dedos da mão direita estendidos, chocá-los contra a palma da mão esquerda. "Uma das voadeiras (pequenos barcos com motor de popa) em que vamos viajar bateu na outra, a viagem está perdida", pensei, enquanto o produtor da equipe de TV vinha a meu encontro, nervoso, e, baseado no que lhe dissera o porteiro, comunicava: "Um avião bateu no edifício Empire State, em Nova York!" O porteiro confirmava: "A televisão está mostrando, vem ver!"

De fato, o receptor na portaria do hotel mostrava um avião chocando-se com a primeira torre do World Trade Center. Que seria aquilo, santo Deus? Mas tínhamos de ir para o porto, carregar as voadeiras, seguir uma programação já definida para toda a semana.

No terminal flutuante do lago de Tefé, onde as voadeiras se abasteciam, um pequeno aparelho de TV mostrava novas imagens, do Pentágono abalroado, a segunda torre atingida. "Um ataque terrorista? Terá começado uma terceira guerra mundial ainda inexplicada?", todo mundo perguntava, sem resposta.

Seguimos pelo Rio Japurá, que despeja 14,5 milhões de litros de água por segundo no Solimões, para completar a vazão deste, 50 milhões de litros por segundo, que seriam suficientes para, em menos de um minuto, fornecer os 2 bilhões de litros que os 10 milhões de habitantes da cidade de São Paulo consomem a cada dia em suas casas.

A imensidão da Amazônia em Mamirauá, uma reserva de 1,1 milhão de hectares (11 mil km2), que se juntam aos 2,3 milhões de hectares da reserva confinante de Amanã (2,3 milhões de hectares) para formar um conjunto de 34 mil km2 (maior que Alagoas ou Sergipe, maior que a Bélgica) - que, por sua vez, integra o chamado Corredor Central da Amazônia, um projeto de unir terras indígenas, reservas ecológicas, parques nacionais, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental, etc., da divisa Amazonas-Pará à fronteira com a Colômbia, mais de mil quilômetros de extensão, um contínuo capaz de proteger as complexas cadeias da biodiversidade.

Mas em Mamirauá não existem notícias, a não ser numas poucas casas de minúsculas comunidades que dispõem de energia fornecida por geradores a diesel - mas nem sempre têm combustível ou ligam a TV. E o pensamento não parava de perguntar o que estaria acontecendo no mundo, enquanto ao redor só era possível ver o despropósito de água, arco-íris em profusão cruzando o céu que se tingia de rosa no poente e ao amanhecer, botos arqueando o dorso com elegância no breve momento fora da água, mergulhões às centenas emergindo com peixes no bico, uma ou outra canoa de madeira ocupada por pessoas silenciosas, sob sombrinhas coloridas, a floresta inundável tudo cercando.

Pesquisadores capturavam tambaquis, para fazer estudos populacionais e de limites de pesca. Biólogos estudavam a reprodução de quelônios e de gaivotas que ocupam uma praia com milhares de ninhos, cada um deles com ovos, filhotes recém-nascidos ou que rompem a casca, mães enlouquecidas como num filme de Hitchcock, trazendo água no bico e despejando-a para refrescar os pequenos. Engenheiros florestais ensinavam aos raros moradores como extrair madeira sem prejudicar a floresta. Outros biólogos implantavam transmissores de rádio em botos vermelhos ou peixes-bois para decifrar-lhes os hábitos.

Mas ninguém sabia o que estava acontecendo lá fora. Um mundo parecia estar começando, enquanto outro podia estar terminando .

Só três dias depois, o guarda de um flutuante confirmava que em sua casa, ao lado, havia um receptor de TV. Mas ele não sabia o que estava acontecendo.

"Ouvi falar alguma coisa, mas não estou interessado", informava despretensiosamente.

A TV na casa de seu Joaquim desfilava o cortejo de horrores, repetia e repetia as imagens tenebrosas de Nova York, Washington - as mesmas que ainda se reproduzem a cada dia, mas agora acrescentando ao conflito novos lugares e fazendo crescer o medo de algo que não se sabe como será, mas se teme possa estar em qualquer ponto do mundo.

Até o dia 10 de setembro, vivia-se a impressão de que o planeta mal se equilibrava à beira de desastres ambientais indesejáveis e mergulhara em recessão econômica e conflitos perigosos, simultaneamente com outras situações insustentáveis - 1 bilhão de pessoas passando fome, aids alastrando-se, ameaças de pandemias, insegurança alimentar e muito mais.

Agora, angustia também a sensação de insustentabilidade política global.

É possível que se tenha chegado ao fim de um ciclo, precisemos repensar tudo. Lugares como Mamirauá, Amanã, a Amazônia talvez possam ser a inspiração para reinventar nossos modos de viver. Neles está a demonstração de que o mundo e a vida podem ser diferentes.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

As vozes do calabouço
Não o digo por pabulagem, mas modéstia à parte, o Ceará está sempre na frente, quando se trata de direitos e liberdades do cidadão.

E isso vem de longe. Quando, por exemplo, em 1824, o imperador resolveu arbitrariamente dissolver a Assembléia Nacional Constituinte, a Câmara da Vila de Campo Maior de Quixeramobim (situada a 200 quilômetros de Fortaleza) resolveu pronunciar-se: "Considerando a horrorosa perfídia de Pedro I, resolve declarar excluído do trono o Imperador e decaída a dinastia bragantina..."

Assinou a ata Antonio Francisco Barreira de Queiroz (meu antepassado, aliás). Durante a campanha de abolição da escravatura, foi o Ceará o primeiro a declarar extinto o cativeiro dos negros. A Vila do Acarape mudou de nome e passou a se chamar "Redenção"; o movimento expandiu-se até as praias de Fortaleza: é que, de lá, os senhores de negros, temerosos de os perder, pretendiam embarcá-los, para os vender em Pernambuco.

E o chefe dos catraieiros cearenses (por nome Nascimento, que mais tarde passou a ser chamado "Dragão do Mar") decretou a proibição do embarque dos negros, com a seguinte frase, que ficou famosa: "Nesta terra não se embarca mais escravo!"

Nos levantes nordestinos de 1817 a 1824, já entre "correios" e participantes que faziam a ligação entre os "alevantados" do Recife e os do Crato, estava então o seminarista José Martiniano de Alencar, pai do romancista.

No Ceará, o movimento teve o seu trágico desfecho no combate de Santa Rosa:

os imperiais, vencedores, fuzilaram o presidente revolucionário da Província, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe: o cadáver foi insepulto e, mais tarde, encontrado de pé, encostado a uma árvore, mumificado pelo sol.

Relembro estas coisas todas porque poucos dias atrás tive ocasião de ver o calabouço onde esteve presa a heroína dona Bárbara de Alencar, mãe de Tristão Gonçalves (dos quais tenho a honra de ser descendente).

O local é uma relíquia histórica muito bem conservada, onde se evocam principalmente as figuras de dona Bárbara e Tristão.

Fica a prisão dos heróis dentro da própria fortaleza - Fortaleza Nossa Senhora da Assunção -, que deu o nome à capital do Ceará. O calabouço é sinistro como um instrumento de tortura -, o qual, aliás, era mesmo. Em certos trechos é tão baixo que só se pode andar ajoelhado. E dá na gente uma revolta retrospectiva ao pensar naquela heróica antepassada (uma frágil mulher, aliás) ser obrigada a atravessar, posta a ferros, de joelhos o buraco sinistro que lhe servia de prisão.

Tive a honra de lá ser recebida pelo comando e toda a corporação da fortaleza que proporcionou à descendente da mártir gloriosa uma espécie de homenagem póstuma de reparação à memória da heroína. As gotas do sangue heróico que ainda me correm nas veias como que reconheceram a memória de dona Bárbara e parecíamos ouvir na masmorra sufocante os seus ais abafados, pelo orgulho de revolucionária e pelo amor à Pátria esmagada pelos coloniais.

Contudo, a visita não nos deixa uma impressão de tristeza. A oficialidade que cuida da velha fortaleza prima em manter o local tal como deveria ser antes, duro e sóbrio. É chocante o contraste entre as masmorras lúgubres do interior da prisão e a bela edificação da fortaleza, banhada de luz, dando para o verde mar que quase lhe lambe os alicerces, oceano aberto, cuja visão parece levar ao infinito.

A oficialidade da fortaleza talvez nem soubesse direito a importância que tinha para esta velha senhora, que eles recebiam com tanto carinho, o momento de emoção e orgulho suscitados pela evocação dessa saga de sofrimento e heroísmo.


Editorial

Blindagem contra o pânico

Um velho ditado militar inglês diz que a missão primeira do soldado é matar o inimigo - e não ofendê-lo. Talvez, levando a analogia ao extremo, pode-se dizer que, no caso do terrorismo, é do oposto que se trata. A missão primeira do terrorista não é matar o inimigo, mas aterrorizá-lo, perturbando o seu equilíbrio emocional a ponto de abalar sua sensação de segurança e a normalidade de seu cotidiano. Nesse sentido, a destruição de vidas e a devastação material em grande escala, como se viu a 11 de setembro, são acima de tudo instrumentos de guerra psicológica e de propaganda, muito diversos daqueles utilizados nos conflitos convencionais.

Os ataques inimagináveis às torres do World Trade Center e a uma ala do Pentágono não afetaram o poderio bélico americano - nem tinham, obviamente, esse objetivo. Os terroristas sabiam que a capacidade de resposta dos Estados Unidos à agressão ultrajante não seria afetada. Seu objetivo, plenamente atingido, era o de confrontar a população e o conjunto das instituições do Estado com a vulnerabilidade do país, desestabilizando a confiança dos americanos em si próprios e abalando o dinamismo de sua sociedade. Outro não é o alvo da "guerra do antraz". O envio de cartas contendo esporos da bactéria, ou um pó branco inócuo, é uma ação terrorista, na acepção literal do termo.

A sua função não é causar uma chacina, porque o antraz, embora possa ser letal, se inalado, não é transmissível como, por exemplo, o vírus da varíola, esta sim uma arma para assassínios em massa. Com o antraz, o bioterror quer criar, acima de tudo, um clima de pânico - de histeria coletiva, se possível - para transtornar o dia-a-dia das populações, desmoralizar os governos e obrigá-los a se desdobrarem na luta contra um adversário esquivo e imprevisível, travar a economia e onerar as finanças públicas. O mundo não ficou apenas mais inseguro e mais vigiado, como observou o escritor Vargas Llosa. Está ficando também mais caro.

Uma onda de medo, desproporcional à incidência e aos perigos reais do antraz, já contagia diversos países. O jornal parisiense Le Figaro falou em "psicose". Poucos se dão conta de que a possibilidade de serem expostos ao bacilo é infinitesimal. E pouco parece pesar o fato de que, dos cerca de 50 americanos nos quais a presença do esporo havia sido detectada até ontem - 2/3 deles no Capitólio -, apenas quatro adoeceram e um único, com quem tudo começou, veio a falecer. Mas o presidente da Câmara dos Representantes, Dennis Hastert, privilegiou a segurança e fechou a Casa por cinco dias. O Senado continua trabalhando.

Comentou o New York Times em editorial: "Quem quer que esteja remetendo cartas com antraz obteve uma vitória quando a Câmara baixou as portas." É disso que se trata, efetivamente. A escolha dos destinatários - empresas jornalísticas, o Congresso e o governo do Estado de Nova York, ao que se sabe - mostra que a intenção era conseguir o máximo de publicidade e impacto político para mais facilmente disseminar o pânico que inibe, confunde e induz a decisões irrefletidas e equivocadas, em prejuízo de pessoas e da coletividade. No limite, isso pode paralisar o país inteiro.

O indício mais forte da precipitação que se alastra entre os americanos é a corrida às farmácias para a compra do antibiótico Cipro, recomendado contra antraz. Muita gente já o está consumindo preventivamente, sem acompanhamento médico, desconhecendo os seus efeitos colaterais, às vezes graves. O governo dos EUA, de seu lado, anunciou que aumentará os estoques de emergência desse e de outros antibióticos igualmente indicados, para atender a 12 milhões de possíveis pacientes. Essa é uma precaução inegavelmente sensata. O que Washington não está conseguindo é orientar o povo a distinguir entre cuidados racionais exigidos pelas novas circunstâncias e exageros descabidos.

"É inútil dizer aos americanos que devem levar vida normal e ao mesmo tempo adverti-los da iminência de novos e indefinidos ataques terroristas", critica o New York Times. "Em situação de crise, uma das armas mais importantes contra a histeria é a clareza por parte do governo." Por via das dúvidas, eis uma constatação que conviria às autoridades brasileiras ter em mente desde já, porque nenhum país pode imaginar-se imune à insânia do terror. Em toda parte, também os cientistas, líderes comunitários e formadores de opinião devem assumir as suas responsabilidades no combate ao alarmismo, ajudando a criar uma blindagem contra o pânico.


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10/19/2001


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