O pacto da transição
O pacto da transição
Todos os presidenciáveis teriam que se comprometer com a manutenção das metas de inflação e superávit primário já estabelecidas pelo governo para o ano que vem
O governo espera fechar um acordo de transição com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e todos os candidatos à Presidência até setembro. A idéia é elaborar uma carta de intenções, assinada pelos presidenciáveis, com pelo menos dois compromissos considerados fundamentais para acalmar o mercado: a manutenção das metas de inflação e de superávit primário (receitas menos despesas, descontados os juros da dívida) para o ano que vem.
Como o Brasil só dispõe de menos de US$ 1 bilhão — valor que corresponde ao que ainda não foi usado no acordo que deixa de vigorar em dezembro — há duas possibilidades em estudo para o acordo com o FMI. A primeira, a solicitação de outro empréstimo, cujo valor seria decidido em conjunto pela equipe econômica e os candidatos. A segunda, uma nova flexibilização do piso das reservas cambiais, como ocorreu em junho, para que o governo tenha mais liberdade de gastar os recursos no pagamento de dívidas, por exemplo. Atualmente, o piso é de US$ 15 bilhões.
A fixação das metas terá como ponto de referência as projeções da equipe econômica de inflação e superávit primário para 2003. A inflação estimada para o próximo ano é de 4%, admitindo-se uma margem de 2,5 pontos para baixo ou para cima. O superávit primário é o que está previsto no Orçamento de 2003, de 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo integrantes do governo, poderão ser feitos pequenos ajustes nesses parâmetros.
O prazo de duração do novo acordo também está em discussão. Para uma fonte da área econômica, embora tecnicamente seja mais fácil de se monitorar, um ano é considerado longo demais. Se a carta de intenções for mesmo assinada em setembro, seis meses serviriam para que o próximo governo pudesse analisar, já no primeiro trimestre, se valeria a pena ou não prorrogar o acordo. Mas isso ainda não está decidido.
Sinal para mercado já foi dado em junho
Em junho, além do reforço de caixa de US$ 10 bilhões, que foram sacados do FMI num momento de turbulência no mercado financeiro e de forte desvalorização do real frente ao dólar, o governo conseguiu autorização do fundo para reduzir o piso das reservas líquidas de US$ 20 bilhões para US$ 15 bilhões. Foi um sinal para os investidores de que o Brasil, se precisasse, teria uma folga para honrar compromissos.
As reservas cambiais estão em torno de US$ 40 bilhões. Se for descontado o dinheiro do FMI, há uma reserva líquida de US$ 27 bilhões que pode ser usada pelo governo para fazer pagamentos. O problema é que o fundo exigia que, apesar do montante, fosse mantido um piso de US$ 20 bilhões. Na prática, livres mesmos só havia US$ 7 bilhões. Com a redução do piso para US$ 15 bilhões, a folga aumentou para US$ 12 bilhões. Isso não significa que o governo vá mexer nesse dinheiro. Como dizem alguns analistas, o efeito é mais psicológico.
O impacto esperado pela aprovação do acordo também é psicológico. Como o Brasil tem o apoio formal do FMI e do Tesouro dos EUA, o compromisso dos candidatos de que não haverá rupturas nos fundamentos econômicos daria mais credibilidade. O acordo funcionaria como uma espécie de cheque especial, que não seria usado necessariamente.
Outra vantagem do acordo seria a redução dos riscos de instabilidade econômica durante as votações.
Lula defende novos acordos com FMI
ARACAJU. O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu ontem novos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI, ao reagir à chamada Agenda 100, estabelecida pelo Palácio do Planalto com os compromissos mais importantes a serem assumidos nos primeiros meses de mandato do próximo presidente. Ele, no entanto, garantiu que cumprirá todos os acordos internacionais já feitos pelo Brasil.
— O presidente Fernando Henrique Cardoso é o responsável por governar o Brasil até 31 de dezembro de 2002. Se ele quiser, Pedro Malan vai continuar ministro da Fazenda até lá, Armínio Fraga vai continuar presidindo o Banco Central. Então até lá eles que tomem as medidas que quiserem tomar. Mas a partir de 1 de janeiro de 2003, o presidente será outro, o ministro será outro, o presidente do Banco Central também não será o mesmo. O que queremos é a chance de fazer novos acordos. Portanto, vamos fechar acordos com outros critérios sobre os que tiverem por vencer no nosso mandato, de outras formas, e vamos sempre brigar para defender da melhor maneira os interesses do povo — disse ele.
O petista foi recebido no aeroporto de Aracaju por centenas de militantes aos gritos de “Brasil urgente, Lula presidente”. O candidato achou engraçado um homem vestido de estrela que o aguardava no saguão e deixou um autógrafo na fantasia de Carlos Alexandre Andrade, cabo eleitoral de candidatos petistas à Assembléia Legislativa.
Lula prometeu acabar com a guerra fiscal entre os estados. E disse esperar que as verbas do Orçamento que vêm sendo liberadas em ritmo mais acelerado pelo governo não sejam aplicadas na campanha do candidato oficial.
— Não é a primeira vez que isso ocorre na História do Brasil. O que sabemos é que já soma R$ 1,5 bilhão o total de verba liberada nos últimos meses. Isso me cheira muito a questão eleitoral, num momento em que o governo se encontra em situação delicada. É lamentável que um presidente como Fernando Henrique, com uma história de intelectual, use esse padrão de comportamento.
Lula diz que FH age como político de duas caras
Na questão regional, Lula foi bombardeado pelos repórteres sobre a polêmica transposição do Rio São Francisco, um projeto que, segundo ele, se discute desde 1847 mas que até hoje não saiu do papel. Lula afirmou que mais importante do que pensar na transposição seria revitalizar as cabeceiras, cuja degradação já extinguiu afluentes do rio mais importante do Nordeste.
Ele prometeu, no entanto, estudar os efeitos da transposição.
— Não vou fazer como o presidente Fernando Henrique. Quando candidato, ele tinha um discurso para cada público. Ia ao Rio Grande do Norte, era favorável à transposição. Ia à Paraíba, ao Ceará, também era favorável. Quando chegava a Sergipe, à Bahia e a Pernambuco, era contra, porque fazia o que o político de duas caras faz.
Menina contrai vírus da Aids em transfusão
SÃO PAULO. Uma menina de 10 anos foi contaminada com o vírus HIV, transmissor da Aids, durante uma transfusão de sangue em cirurgia no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. O sangue utilizado era do Hemocentro do hospital, que é referência nacional na coleta e na análise de sangue e que abastece toda a região. O caso foi divulgado hoje pelo diretor-presidente do Hemocentro, Dimas Tadeu Covas.
Segundo ele, a garota, que veio do Maranhão para ser operada em Ribeirão Preto, recebeu o sangue de um homem cujo nome não foi revelado, assim como a identidade da menina. O homem já havia doado sangue outras 11 vezes no Hemocentro e nenhuma contaminação foi constada até então.
Segundo Covas, existe um período entre 22 e 45 dias entre a contaminação do doador pelo vírus e a confirmação da existência deste no organismo que não pode ser identificada pelos exames feitos e que é chamada de janela imunológica.
— Infelizmente a transfusão de sangue não é 100% segura. Existe uma chance em 300 mil de essa contaminação acontecer — afirmou Covas.
O Hemocentro do HC de Ribeirão Preto é o único no Brasil que tem um sistema de busca ativa de pessoas que identifica para quem o sangue foi doado e isso fez com que os receptores fossem encontrados. Seg undo a coordenadora do Hemocentro, Eugênia Maria Amorim, o sangue doado foi separado em duas partes. Uma foi destinada à menina contaminada e outra para um homem que morreu durante a cirurgia na qual era feita a transfusão. Segundo ela, não existe a possibilidade de outras pessoas terem sido contaminadas.
Dirceu afirma que, sem Serra, FH poderá apoiar Lula no segundo turno
Segundo deputado, ‘o BID já tem uma relação com o Brasil consolidada, inclusive com governos do PT’
WASHINGTON. O presidente do PT, deputado José Dirceu, disse ontem, numa reunião na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na capital dos Estados Unidos, que, numa conversa por telefone com o presidente Fernando Henrique, ficou com a impressão de que ele poderá apoiar o petista Luiz Inácio Lula da Silva caso seu candidato, o tucano José Serra, não chegue ao segundo turno. Dirceu telefonou para Fernando Henrique para dizer que iria aos EUA conversar com investidores e credores do Brasil.
O deputado almoçou no Instituto para Economia Internacional, onde disse considerar cedo para que pesquisas determinem o resultado da eleição. Para Dirceu, o adversário de Lula no segundo turno será Serra e não Ciro Gomes (Frente Trabalhista) que, está segundo lugar nas pesquisas.
Dirceu se reuniu também com representante do FMI
Da reunião no BID participaram representantes do Banco Mundial e um representante do Fundo Monetário Internacional (FMI), Lorenzo Perez. Dirceu disse aos jornalistas brasileiros que ouviu do presidente do BID, Enrique Iglesias, “a disposição de continuar trabalhando com os governos municipais e estaduais e com o governo brasileiro”:
— O Brasil é um país que tem uma demanda enorme de investimentos sociais, de meio ambiente e de infra-estrutura. O BID já tem uma relação com o Brasil muito consolidada, inclusive com governos do PT — disse Dirceu.
Dirceu foi o primeiro integrante do PT a pôr os pés na Casa Branca — esteve no Old Executive Office, um dos prédios do complexo. Em 1969, foi um dos militantes de esquerda trocados pela liberdade do embaixador americano Charles Elbrick. O deputado foi recebido pelo embaixador John Maesto, vice-assessor de Segurança Nacional do presidente George W. Bush e secretário para Assuntos do Hemisfério Ocidental, e pelo principal assessor econômico da Casa Branca, Lawrence Lindsey.
A conversa durou cerca de uma hora e meia e foi acompanhada pelo embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Barbosa. Dirceu disse que fez questão de ser acompanhado por Barbosa para reforçar o caráter institucional da visita
Segundo Dirceu, a reunião não incluiu temas contenciosos como a posição divergente dos dois países sobre a Corte Criminal Internacional e Cuba.
— Eles reafirmaram a posição do governo americano de respeitar o resultado das eleições brasileiras, dizendo ser importante que a democracia brasileira decida quem vai governar o Brasil. Reafirmei os termos do compromisso de Lula e expressei nossa posição de que vamos fazer tudo para que não haja uma crise e para que haja uma transição de maneira que se possa retomar o crescimento e o desenvolvimento. Não estamos propondo um programa socialista para o Brasil — disse o petista.
Sobre Cuba, “nós concordamos na discordância”, afirmou Dirceu:
— Os dois países não têm um acordo a respeito desse tema.
Dirceu enfatizou que o interesse maior se referiu à entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca), prevista para 2003.
— Isso diz respeito à decisão do Congresso dos EUA. Existem problemas internos, relativos ao aumento do protecionismo, às leis, e aos juros, que criam uma incógnita sobre o que acontecerá com a Alca — disse Dirceu.
Petista participa hoje de nova rodada de conversas
Em Washington, Dirceu reafirmou o que dissera em Nova York: não há alternativa para o Brasil se não crescer.
— É um erro qualquer posição de não renovar o crédito do Brasil. É confundir uma crise conjuntural com a situação de um país que tem uma estrutura produtiva, potencial e condição de se desenvolver.
Dirceu insistiu que tanto uma possível renovação do acordo com o FMI como a transição dependem de uma proposta de Fernando Henrique. Hoje, ele volta a Nova York para retomar conversas com investidores e credores.
Aliados de Ciro mantêm aliança com Collor
Jefferson afirma que seria farisaísmo dele e do presidente do PTB, pois foram os responsáveis pela entrada no partido dos adeptos do então presidente: ‘Éramos da turma dele’
BRASÍLIA E MACEIÓ. Um dia depois de o PPS e o PTB, da Frente Trabalhista do candidato à Presidência Ciro Gomes, terem anunciado que desistiriam da aliança com o PRTB do ex-presidente Fernando Collor para o governo de Alagoas, o líder do PTB na Câmara, deputado Roberto Jefferson, reafirmou seu apoio.
— Seria um farisaísmo. Eu e Martinez (José Carlos Martinez, presidente do PTB) éramos da turma dele (Collor). O PTB não vai intervir nem pedir a anulação da ata da convenção estadual. E não voltaremos atrás.
Seria desmoralizador — disse Jefferson.
Segundo ele, a decisão foi tomada em reunião com Martinez. Meses atrás, contou ele, o presidente do PDT, Leonel Brizola, soube da aliança e protestou. Ciro Gomes, disse ele, teve a mesma atitude, mas o PTB não abandonará Collor, de acordo com Jefferson.
— Collor é problema meu e do Martinez. Fomos nós que levamos toda a turma dele para o PTB de Alagoas. Bato no peito para dizer isso. Quem deve julgar Collor é o povo, na eleição — disse Jefferson.
Diretório regional afirma que vai recorrer ao TRE
O PPS de Alagoas anunciou que contestará a decisão no Tribunal Regional Eleitoral. A direção regional divulgou nota em que reafirma o apoio a Ciro, mas usa duras palavras para qualificar a decisão dos dirigentes nacionais, que requereram à Justiça Eleitoral a anulação da aliança com o PRTB de Collor. Trata-a como um “monstrengo jurídico, eivado de contradições e encaminhado fora dos prazos legais”. O documento foi protocolado no TRE às 19h03m de anteontem, três minutos depois do fim do prazo para alterar coligações.
Na nota, o diretório regional considera que houve autoritarismo da direção nacional. “O PPS de Alagoas não aceita ser colocado no banco dos réus e tampouco imolado no altar da hipocrisia política nacional, apenas para aparecer como bode expiatório do medíocre debate sucessório presidencial”, diz o documento.
Freire temia exploração eleitoral da coligação
O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), admite o descontentamento dos alagoanos, mas alegou que a decisão reflete a posição do partido no resto do país. Freire afirmou que o simples fato de haver um registro de uma coligação entre o partido de Ciro e o de Collor seria fonte de exploração eleitoral.
— Tínhamos de fazer isso e não quisemos cometer violência. Fomos a única força em Alagoas a não ficar com Collor e os primeiros a pedir a abertura da CPI que resultou no impeachment. Podemos ser derrotados na Justiça Eleitoral, mas era preciso deixar clara a posição do partido — disse Freire.
Ciro respondeu rispidamente quando perguntado sobre as reclamações do diretório regional do PPS:
— Eles que se reportem à direção nacional.
O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas confirmou que recebeu os pedidos do PPS e do PTB com três minutos de atraso. Mas ainda não determinou a data para julgá-los.
O presidente do diretório regional do PPS, Anivaldo Miranda, afirmou que a decisão da direção nacional é “inócua, extemporânea e ilegal”.
— Essa foi uma decisão de cima para baixo. Se for aceita pelo TRE, vai provocar o suicídio político do PPS alagoano — lamentou.
Ciro nega pacto de não-agressão com governo
Uma das condições do PTB para a montagem da Frente Trabalhista foi manter abertos os canais com o presidente: ‘Respeito, mas minha crítica não está à disposição de acordos’
RIO BRANCO. O candidato da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB) à Presidência, Ciro Gomes, desmentiu ontem que exista o pacto de não-agressão e reciprocidade que os petebistas dizem ter firmado, segunda-feira, com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Para se caracterizar como candidato de oposição, Ciro fez severas críticas ao governo federal e a propostas de seu candidato à Presidência, José Serra (PSDB-PMDB).
Poupou o do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e até elogiou o governador do Acre, o petista Jorge Vianna.
Chamando o governo de anti-social e complacente com a corrupção, Ciro negou que teria se comprometido a evitar ataques à administração de Fernando Henrique. Em conversas com aliados, disse que respeita a decisão do PTB de manter abertos os canais com o presidente, uma condição imposta para a montagem da frente.
Mas, excluindo-se do acordo, avisa:
— Quem dá os rumos da minha campanha sou eu.
E mais:
— Minha crítica não está à disposição de acordos.
Ciro: ‘Nunca agredi ninguém’
Na madrugada de ontem, quando chegou ao Acre, Ciro mostrou que mantém a estratégia de ataque.
— Não há pacto de não-agressão. Nunca agredi ninguém na minha extensa biografia pública. Critico políticas. Como sigo, firmemente, criticando o modelo econômico equivocado, a política anti-social, antinacional e excessivamente complacente com a corrupção que, infelizmente, há na prática do atual governo — afirmou.
Ciro chamou de estupidez inominada, de inacreditável e chocante, a proposta — defendida por Serra — de criação de uma Polícia Federal fardada para a proteção das fronteiras. Sobre um trio elétrico, o candidato criticou as dificuldades por que passam as Forças Armadas e chamou ainda de perversos e injustos os sistemas tributário e previdenciário.
O candidato também se esforçou para evitar que as denúncias contra integrantes do PTB contaminem sua campanha. Ontem, por exemplo, ele disse que pediu que fosse investigada a informação de que Emerson Palmieri, tido como coordenador administrativo da Frente Trabalhista, teria participado de um esquema de caixa dois na campanha de Cássio Taniguchi (PFL) para a Prefeitura de Curitiba.
Segundo Ciro, o que há é uma lista com centenas de nomes com os gastos que teriam sido executados por essas pessoas ao longo da campanha de Taniguchi. Nesse caso, de acordo com o candidato, Palmieri teria apenas a responsabilidade sobre o fluxo operacional dos gastos com vereadores:
— Isso é muita forçação de barra. O Cássio Taniguchi, que é do PFL do Paraná e apóia Serra, é acusado de fazer caixa dois e sou eu quem tem de responder!
Além disso, Ciro fez questão de frisar:
— Ele (Palmieri) mesmo afirma que não é o coordenador administrativo da minha campanha, que é apenas um peão.
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A velha retórica
Luiz Paulo Horta
Movem-se as pedras da sucessão e, mais uma vez, Lula parece empurrado para uma situação que já viveu antes: a possibilidade de perder na última curva da estrada. O fenômeno tem sido analisado de diversas maneiras — sendo o argumento mais comum o da rejeição que pesaria sobre o ex-torneiro mecânico. Mas pesquisas recentes não tinham registrado substancial declínio nessa rejeição?
A chave do problema, então, deve estar em outro lado. Por exemplo, na falta de um discurso.
Discurso não é só uma sucessão de palavras bonitas. É, antes, uma espécie de janela aberta para o futuro, uma perspectiva de horizonte.
O mundo é vasto — e desafiador. A vida real é uma sucessão de perplexidades. O homem comum, então, anseia por alguém — ou alguma coisa — que dê sentido a essa confusão. Pode ser uma ou duas idéias; pode ser apenas uma imagem — como a de Roseana, antes que a essa imagem se sobrepusesse a dos pacotes de dinheiro.
De alguns discursos fortes é feita a História da Humanidade. Na Antiguidade clássica, ficou famosa a cena em que Marco Antonio, sacudindo os despojos ensangüentados de César, arrasta para o seu lado, com um discurso eloqüente, a multidão que, minutos antes, ainda acreditava que o assassinato de César fora um bem para a República romana.
Cá deste lado do mundo, também temos experiência em discursos. Quem é que, tendo passado dos cinqüenta, não se lembra da campanha de Jânio Quadros em favor da moralidade? O discurso vinha acompanhado da vassoura — a imagem que fala mais do que mil palavras. Mas era, também, um discurso castiço, capaz de provocar êxtases num professor de português. Depois, foi o que se viu.
Versão mais chinfrim foi a de Collor, que descobriu uma tecla parecida: “Abaixo os marajás.” Mais uma promessa frustrada; mas foi suficiente para derrotar o torneiro mecânico em sua primeira aventura presidencial.
Discurso não precisa ser sinônimo de demagogia. É arte que, bem aplicada, pode ter efeitos surpreendentes.
Com um discurso heróico, Churchill deu aos ingleses razões de esperança, na guerra que já parecia perdida para Hitler; e olhem que só prometia “sangue, suor e lágrimas”. Mas os ingleses foram com ele.
Os mesmos ingleses embarcaram no discurso não menos duro da sra Thatcher, lá pelos idos de 1980. A Inglaterra tinha estagnado, amarrada nas correntes de um Estado beneficente que não funcionava mais. O discurso de Thatcher marcou época — é considerado a peça inaugural do que hoje se chama de “neoliberalismo”. Como o de Churchill, também só prometia durezas, a perda de uma série de benefícios, a desmontagem de algumas fortalezas sindicalistas. No caso da Inglaterra, aparentemente, deu certo, e o país tornou-se um dos mais ricos e dinâmicos da Europa.
Tudo isso é o que os velhos gregos e romanos estudavam sob o nome de “retórica” — que, ainda hoje, funciona tão bem quanto antes.
Nem só de retórica vive a política. A era Fernando Henrique começou com um fato estrondoso, que não dependeu de discursos: o Real, responsável por duas campanhas vitoriosas. O Real continua aí; mas já não serve como discurso: esgotou a sua carga de fascínio, e isso deixa o candidato oficial quase numa sinuca de bico: o que defender? O que rejeitar? De que modo sinalizar o futuro?
O caso de Lula parece ainda mais dramático, porque ele teria todas as condições de falar com voz forte: descontando-se o fato de que não tem experiência administrativa (o que poderia ser relevado), ele é honesto, encarna todo um capítulo da nossa política moderna, é o símbolo da chegada dos mais pobres à estratosfera do poder, é o líder do mais consistente partido de oposição, que há anos espera a sua vez... e no entanto, quando chega a hora de engrenar o discurso, não engrena.
Do candidato hoje em ascensão também não temos um discurso coerente (há quem diga que o discurso efetivo, até agora, foi o da possível primeira-dama); mas está ali a expectativa de um discurso — político jovem, descompromissado com o poder, dono de razoável experiência administrativa, etc.
E assim é o povo; não havendo discurso, fica esperando até a possibilidade de um discurso. Como aconteceu com Roseana, que quase sem abrir a boca já estava batendo Lula no segundo turno.
Não havia discurso, mas o desejo de um discurso, vindo de uma mulher charmosa, governadora de estado, firme expressão facial, naturalidade no trato com o poder. Lula estava sendo derrotado pela simples expectativa do novo.
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PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel< /b>
Minissérie eleitoral
A queda inesperada dos juros deu um sinal do engajamento do governo na campanha de José Serra, mas a participação ostensiva do presidente Fernando Henrique virá mesmo com os programas eleitorais. Colherão os tucanos agora, porém, o que plantaram para facilitar a reeleição em 1998, quando a propaganda eleitoral foi reduzida de 60 para 45 dias e o tempo diário total, de duas horas para uma hora e dez minutos, dividido em duas edições de 50 minutos.
Naquele momento, quanto menos debate, melhor. Que fosse menor o tempo para as “cassandras da oposição”, como dizia o presidente, atacar o regime irreal do câmbio fixo que ele mesmo mudaria logo depois, para questionar as privatizações e fazer profecias sobre o endividamento e o futuro da economia.
A maioria governista deixou a oposição esperneando e aprovou, no fim de 1997, a lei eleitoral hoje em vigor, alterando entre outras regras o tempo de propaganda oficial. Da redução temporal de 60 para 45 dias resultou que o período agora estará mais para minissérie do que para telenovela. Os candidatos a presidente terão cada um 19 programas. Aparecerão às terças-feiras, quintas e sábados, antes dos candidatos a deputado federal. A alternância fará com que, depois de se apresentarem no sábado, só voltem a falar ao povo na terça-feira, pois o domingo é de dia de folga do eleitor e na segunda o horário será ocupado por candidatos a governador, senador e deputado estadual. Já ninguém se lembrará do que falavam na semana anterior.
Quanto à duração, o horário eleitoral tinha 60 minutos na hora do almoço e mais uma hora à noite. A lei de 1997 reduziu-o a duas edições de 50 minutos, sendo 25 para os presidenciáveis e 25 para os que disputarão a Câmara. Cada bloco desses terá um terço do tempo distribuído igualitariamente aos partidos, e os outros 2/3 repartidos segundo a regra de proporcionalidade ao tamanho das bancadas federais.
A coligação de Serra, composta por dois grandes partidos, PSDB e PMDB, ficará com a maior fração do tempo total de televisão. A idéia é exibir todo dia uma fala do presidente Fernando Henrique pregando a continuidade, a preservação das conquistas de seu governo e pedindo voto para Serra. Um trunfo nada desprezível. Há um nicho governista no eleitorado, que seria de pelo menos 20%, e os índices de aprovação melhoraram, voltando à casa dos 30%. Depois, Fernando Henrique é um excelente comunicador. Tem aquele discurso televisivo natural, convincente, quase coloquial, que deve ter tido seu peso nas vitórias de 1994 e 1998. Mas, por conta do feitiço da reeleição, o maior cabo eleitoral de Serra também aparecerá bem menos do que poderia se não tivesse podado o tempo eleitoral.Transição e democracia
A propósito dos ensaios que estamos assistindo para uma transição de governo pactuada e responsável dentro da democracia, aqui se disse que nos últimos 50 anos apenas um presidente eleito pelo voto direto, Juscelino, transmitiu a faixa a outro também democraticamente eleito. O professor David Fleischer, da UnB, especialista em história eleitoral brasileira, observa: a prova dos nove de uma democracia ocorre quando um presidente, democraticamente eleito, recebe a faixa de um antecessor também saído das urnas e a transmite a um terceiro, eleito nas mesmas condições. Não alcançamos essa seqüência de três nem como Juscelino. Ele entregou o governo a Jânio, mas o recebeu de Nereu Ramos, presidente do Senado, que concluiu o mandato de Getúlio após o afastamento do vice Café Filho e do presidente da Câmara, Carlos Luz.
— Esperemos que os sucessores de Fernando Henrique façam isso em 2006 e 2010 — diz.
A Argentina fez a trinca ao eleger Fernando De la Rúa, mas o processo se rompeu. O Chile, com a eleição do atual presidente, Ricardo Lagos.Ciúmes e desenvoltura
Alguns tucanos voltaram a eriçar penas ontem. Armínio Fraga ficou 40 minutos com José Aníbal e mais de duas horas com o petista Aloizio Mercadante. E ainda ofereceu almoço!, diziam uns. As pesquisas explicam a bronca e também o comportamento de Armínio. Com Serra não haverá transição, e sim continuação.
Conversa que vale, para um acordo, é com o partido que lidera na oposição.
Mercadante esteve um peixe nágua no Banco Central. Mas tinha outra razão para estar feliz. Segundo o site do PT, pesquisa do instituto Unidade de Pesquisa apontou-o em segundo lugar na disputa para o Senado, que em São Paulo tem 27 candidatos para as duas vagas. Em primeiro lugar, Romeu Tuma, do PFL. Em terceiro, Orestes Quércia, do PMDB. E em quarto, José Aníbal, do PSDB.O PPB de Minas prepara-se para subir no barco de Ciro Gomes. Garante que já estavam conversando antes de Ciro subir nas pesquisas.
CIRO é objeto da disputa de dois candidatos ao governo do Paraná. Um é Rubens Bueno, líder do PPS na Câmara. O outro o senador Álvaro Dias, do PDT, apoiado por PTB e PPB.
Editorial
ALENTO NOS JUROS
A taxa de juros é um remédio de política econômica tão poderoso que, se não usado na dosagem certa, pode matar o doente, em vez de curá-lo. Por uma série de deficiências estruturais da economia do país e circunstâncias adversas na economia mundial, o Brasil tem sido obrigado a conviver com taxas de juros excessivamente elevadas há quase uma década. Desde 1999, com a acumulação de superávits primários nas contas públicas e a mudança no regime de câmbio, foram criadas condições para uma efetiva redução nos juros reais, de modo a estabilizar — e se possível reduzir — a dívida governamental em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
As taxas básicas estabelecidas pelo Banco Central chegaram a recuar para menos de 16% ao ano no início de 2001, mas infelizmente a trajetória de redução teve de ser interrompida por força de uma grande pressão sobre o câmbio que ameaçava transbordar para os índices de inflação. Como a economia estava fisicamente impedida de crescer mais por conta do racionamento de energia elétrica na maioria das regiões, o BC elevou os juros para 19%, mantendo as taxas em patamar alto no decorrer de todo o primeiro semestre.
Em política econômica, os objetivos são muitas vezes conflitantes. O ajuste do balanço de pagamentos, por exemplo, tem sido feito através do câmbio (em face da retração de crédito externo), o que inevitavelmente se reflete na inflação. Os juros altos impediram que a variação cambial fosse totalmente repassada para os preços, pois a demanda se enfraqueceu e as empresas que atuam nos mercados competitivos tiveram de absorver os custos. Porém, tal política tem limites, já que a perda de margem enfraquece as empresas, que, assim, perdem capacidade para investir. E o remédio acaba matando o doente.
As autoridades reunidas esta semana no Comitê de Política Monetária (Copom) perceberam que a dosagem estava além do necessário para se manter a inflação dentro das metas estabelecidas para os próximos meses e tiveram a sensibilidade de cortar os juros em meio ponto percentual. Ainda é pouco para se reativar a economia, mas já é um alento. Ao menos pode ajudar a pavimentar a transição de governo.
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07/19/2002
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