Olívio tenta aliviar PT e pede pressa no processo







Olívio tenta aliviar PT e pede pressa no processo
Governador quer que caso seja repassado o mais rápido possível da Assembléia para a Justiça

PORTO ALEGRE - O governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT), tentará apressar a análise do relatório da CPI da Segurança Pública e do pedido de seu impeachment, na Assembléia Legislativa, para evitar que um prolongamento do processo até as vésperas das eleições cause mais prejuízos, além de desgaste ao PT em âmbito nacional. Ontem, ele pediu, em ato no Palácio Piratini, que as conclusões da comissão - que o acusam de improbidade administrativa e crime eleitoral - fossem encaminhadas imediatamente aos promotores de Justiça.

"Queremos que esse relatório inconsistente vá de uma vez ao Ministério Público, para que lá esse assunto seja tratado sem ressentimento e quizila política", afirmou o governador. O relatório final da CPI, que incrimina 42 pessoas - autoridades, líderes petistas, policiais e empresários -, precisa ser aprovado no plenário da Casa.

A abertura de processo por crime de responsabilidade também depende do parecer de admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a oposição tem maioria. Mais que isso: metade dos 12 integrantes da CCJ tiveram assento na CPI, entre eles o próprio relator Vieira da Cunha (PDT), que apontou os supostos crimes de Olívio. "Qualquer cidadão pode pedir o impeachment do governador. Não existem intocáveis", diz o líder do PPS, Bernardo de Souza.

Apesar da maioria, os oposicionistas não vêem possibilidade de iniciar a análise do pedido de impeachment antes de fevereiro, na volta do recesso.
Alguns acham que "o remédio foi amargo demais" para Olívio. "Ninguém imaginou que o relator chegasse tão longe", afirmou o deputado Mário Bernd (PPS). "A oposição já ganhou o que tinha de ganhar. Qualquer passo adiante pode ter efeito contrário", avalia um colega do relator.

Caça-níqueis - Olívio foi acusado de cometer crime de responsabilidade por causa de um decreto de janeiro, no qual o governo regulamentava as videoloterias no Estado. A medida infringiu a Constituição, que reserva esse tipo de autorização à esfera federal.
Advertido pelo Ministério Público, ele revogou a decisão e alega que nesse período nenhum caça-níquel foi instalado no Estado, a não ser por determinação judicial. "É bom lembrar que a lei foi aprovada pela unanimidade dos deputados", defende-se Olívio.

Germano Bonow (PFL), membro da CPI e da CCJ, argumenta que as conclusões do relatório da Comissão de Segurança foram técnicas e obedeceram ao rigor da lei. Ele admite, porém, que pode mudar de voto. "Não posso partir do princípio de que votarei do mesmo jeito. Por enquanto, fecho com o relator."
Outra alternativa da oposição é adiar qualquer decisão sobre o impeachment.

Vários pedidos semelhantes estão há três anos na CCJ, sem uma solução definitiva. "Queremos que a comissão analise logo, para não ficar fazendo chantagem no ano que vem", cobrou ontem o líder do governo, Ivar Pavan (PT).
Olívio defendeu ontem a punição do presidente do Clube de Seguros da Cidadania, Diógenes de Oliveira, que arrecadou doações para o partido, e sugeriu que a sede utilizada pela legenda seja devolvida à entidade. O presidente nacional do PT, José Dirceu, lançou uma nota de solidariedade ao governador: "O relatório da CPI confirma a farsa contra o PT."


Ministério Público vai apurar caso em várias frentes
PORTO ALEGRE - O Ministério Público do Rio Grande do Sul dividirá as denúncias apresentadas pelo relatório da CPI da Segurança Pública em várias frentes de investigação para agilizar suas conclusões e ações. "Estamos preocupados em dar uma resposta rápida à sociedade", disse o sub-procurador-geral de Justiça, Mauro Renner.

"Vamos dividir em expedientes próprios e escalar promotores da área criminal e outros especializados na defesa do patrimônio público", explicou. Além da denúncia de improbidade administrativa contra o governador Olívio Dutra (PT), o vice Miguel Rossetto (PT) e os secretários Arno Augustin (Fazenda) e Flávio Koutzii (Casa Civil), os promotores também vão analisar as denúncias contra os diretores do Clube de Seguros da Cidadania. Eles são acusados de fraudar recibos de doações e prestar falso testemunho na comissão parlamentar de inquérito.

O presidente da entidade, Diógenes de Oliveira, confessou ter dado um "carteiraço" no então chefe de Polícia, Luiz Fernando Tubino, pedindo para que o jogo do bicho não fosse reprimido.
De acordo com o sub-procurador-geral de Justiça, as denúncias que estiverem suficientemente documentadas poderão levar a indiciamentos imediatos.
Renner evitou antecipar qualquer juízo de valor sobre as denúncias, mas reafirmou, diante das declarações do governador, que vai depurar os elementos de "cunho político" do relatório.

Surpresa - O presidente da Assembléia Legislativa, Sérgio Zambiasi (PTB), afirmou que se surpreendeu com o pedido de impeachment contra Olívio Dutra. "Tenho procurado evitar qualquer tipo de comentário sobre a CPI, mas acho, pessoalmente, que a Assembléia deve examinar esse aspecto, não é sua função fazer julgamento", afirmou o petebista.
Apesar de integrar a oposição, Zambiasi disse concordar com algumas queixas de Olívio. "Eu concordo com o governador. Acho que ele tem razão em despolitizar esse processo", afirmou o presidente da Assembléia gaúcha.


Para Diógenes, governador era o 'Truta'
Como na guerrilha, petista usava codinomes em sua agenda; alguns podem se referir a bicheiros

PORTO ALEGRE - O presidente do Clube de Seguros da Cidadania, Diógenes de Oliveira, uma das 42 pessoas acusadas pela CPI da Segurança Pública, usava codinomes para se referir a autoridades, empresários e bicheiros em suas anotações pessoais. As alcunhas - método habitual de ex-guerrilheiros como Diógenes para disfarçar a verdadeira identidade, na época da ditadura - foram descobertas nas agendas apreendidas na casa do petista.
O governador gaúcho, Olívio Dutra (PT), é tratado como Truta e seu chefe de gabinete, Laerte Meliga, como Rasputin (monge siberiano que tinha forte influência na corte do czar Nicolau II, na Rússia, e morreu envenenado). O presidente e ex-tesoureiro do partido, Davi Estival, recebeu o codinome Estivador, o sócio Daniel Verçosa era chamado de Versalhes e o ex-chefe de polícia Luiz Fernando Tubino, aparece nos registros das agendas como Tubo.

Nos registros há, ainda, anotações em nome de Whisky e Mudo, que seriam na verdade os bicheiros João Carlos Franco Cunha e Evaristo Mutte, sócios do Bingo Roma, em Porto Alegre. O empreiteiro Athos Cordeiro, um dos doadores que auxiliaram na compra da sede do partido, é identificado como Agnus Dei.
As conclusões, do relator Vieira da Cunha (PDT), podem ser reforçadas pela quebra do sigilo telefônico do petista.
"As agendas fornecem indícios de ligação de Diógenes até mesmo com algumas figuras notoriamente ligadas à contravenção", revela o deputado pedetista.

Em uma gravação obtida pela comissão de inquérito, o petista disse ao delegado Tubino que ele e o PT tinham relação "muito estreita com o pessoal do carnaval e do jogo do bicho". No depoimento aos parlamentares, porém, Diógenes alegou que havia feito uma bravata e não conhecia nem nunca tinha recebido qualquer doação de bicheiros.
O petista reconheceu apenas ser amigo de Evaristo Mutte - nesse ponto, porém, ele não foi mais questionado pela oposição, porque Mutte é um assessor do PFL, partido de um dos subrelatores da CPI da Segurança. "Não sabia que o Mutte era bicheiro", disse um dos membros da comissão, há dois dias.

Campanha - De acordo com o relator, a agenda de 1998 registra o ingress o de recursos no clube que, somados, superam o montante de R$ 2 milhões. "Ora, se apenas nessas agendas já se descortinam valores dessa ordem, de origem não explicitada, a quanto não terão ido as despesas da campanha do PT e de Olívio?"
O valor da campanha ao governo do Estado em 1998 - declarado pelo PT à Justiça Eleitoral - é de R$ 2,4 milhões. Na conversa com Tubino, entretanto, Diógenes se define como responsável por arrecadar "no atacado" e chega a dizer que a campanha do governador Olívio teria custado entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões.


PSDB mostra plataforma à espera do candidato
Programa de TV não exibe nomes para Presidência e, em vez de falar do Real, defende projetos sociais

Sem ter ainda um candidato para apresentar, o PSDB preferiu lançar no seu programa de TV, ontem à noite, a plataforma política para quem assumir a candidatura tucana à Presidência, em 2002. Em vez da defesa do Plano Real e dos temas econômicos que marcaram as eleições de 1994 e 1998, o novo mote dos tucanos será a "Rede de Proteção Social", expressão criada para resumir os projetos sociais do governo. "Tenho certeza de que o próximo governo vai consolidar e ampliar essa rede", afirmou o presidente Fernando Henrique Cardoso, principal estrela do programa.
O discurso de Fernando Henrique deixou claro que o tema será obrigatório para quem assumir a candidatura do PSDB ao Planalto. Para alguns pré- candidatos, como o governador do Ceará, Tasso Jereissati, que chegaram a criticar a política econômica, o programa serviu como advertência. "O presidente Fernando Henrique e o PSDB caminham juntos", disse o presidente nacional do partido, deputado José Aníbal (SP).

Ao contrário do que queriam Tasso e o governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira, o programa não abriu espaço para nenhum pré-candidato. Apenas Aníbal e Fernando Henrique falaram nos 20 minutos do horário político. Em compensação, os dois governadores apareceram mais do que os outros concorrentes: os ministros da Saúde, José Serra, e da Educação, Paulo Renato Souza.
Serra e Paulo Renato não foram nem mencionados por Fernando Henrique, que preferiu falar das conquistas nas áreas da saúde e da educação. O presidente elogiou o Programa de Saúde da Família e a lei dos medicamentos genéricos.

Na educação, destacou o Bolsa-Escola e o programa de merenda escolar. O programa de TV destacou ainda projetos na área de previdência e agricultura.
Tasso e Dante também não foram citados, mas apareceram, durante dez segundos, enquanto o locutor falava das realizações dos governos tucanos no Ceará e em Mato Grosso. Para não caracterizar qualquer privilégio, tiveram a mesma exposição os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, do Pará, Almir Gabriel, e de Sergipe, Albano Franco. Outro a aparecer no vídeo foi o presidente da Câmara, Aécio Neves (MG), enquanto o locutor elogiava as medidas aprovadas pelo Congresso para limitar a imunidade parlamentar.

Parâmetros - Em linhas gerais, o programa procurou estabelecer alguns parâmetros para o debate com a oposição. A idéia dos tucanos é procurar concentrar a discussão nas grandes questões sociais, deixando de lado temas econômicos ou discussões éticas. Também será criticada na oposição o excesso de promessas e a distância entre esses planos e a realidade do País. "Combater a pobreza e a miséria para nós não é apenas um desafio ético, mas um pré-requisito para o desenvolvimento", afirmou Fernando Henrique. "Não estamos falando de promessas, mas de coisas que estamos fazendo."

Outra estratégia tucana - de valorizar a atuação internacional do presidente - ficou mais clara no fim do programa, quando foi ressaltada a repercussão das últimas viagens de Fernando Henrique à Europa e aos Estados Unidos. "O Brasil tem voz na ONU"... "O Brasil que a Europa pára para ouvir e aplaudir"... foram algumas frases ouvidas, enquanto as imagens mostravam os parlamentares franceses aplaudindo de pé o discurso que ele fez na Assembléia Nacional da França, no fim de outubro.


Erundina é cotada para vice de Alckmin
Composição, considerada 'perfeita' por Feldman, ainda não foi discutida com a deputada

O governador em exercício, Walter Feldman (PSDB), disse ontem que seu partido "gostaria muito" de ter a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) como candidata a vice, na chapa do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), nas eleições de 2002. "Seria perfeito", comentou Feldman na sede da Sociedade Amigos de Bairro da Vila Progresso, zona leste, durante inauguração do Infocentro - espaço comunitário que garante acesso gratuito à Internet para a população de baixa renda.

Feldman afirmou que o PSDB já está "namorando" o PSB, mas ainda não discutiu a possibilidade com Erundina. Segundo o governador interino, foram feitos apenas contatos com representantes da executiva e com membros da bancada do PSB na Assembléia. "A base do Alckmin é grande, mas a decisão de quem vai ser o vice é pessoal", afirmou o deputado, que preside a Casa.
"Mais até do que partidária, porque se trata de um casamento."

Prefeito - Durante a inauguração de outro Infocentro, em São Miguel Paulista, Feldman chegou a dizer que projetos sociais como os espaços para acesso gratuito à Internet vão continuar recebendo atenção do governo do Estado, "quando Alckmin ganhar a próxima eleição (em 2002)". Depois, negou ter dado tom de campanha à cerimônia de entrega do Infocentro. "Não sou eu quem diz isso. São as pesquisas."
Feldman, que afirmou ser "apaixonante" o fato de "estar governador" durante a viagem de Alckmin a Washington, garantiu que não tem pretensão de ser vice na chapa tucana ao governo do Estado. Ele já cogitou publicamente a possibilidade de ser o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo em 2004.


Desafio de Tasso vira troca de acusações
Governador pede que Assembléia divulgue quanto paga a terceiros e é acusado de 'desequilibrado'

FORTALEZA - A entrevista do governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), ao jornalista Boris Casoy, no domingo, deu início uma onda de acusações e discussões entre tucanos e os partidos de oposição no Estado.
Depois de desafiar o presidente da Assembléia cearense, Wellington Landim (PSB), a divulgar a Folha 8 - que paga prestadores de serviço do Legislativo -, Tasso foi alvo de críticas da oposição.

Em seu discurso no plenário, na terça-feira, Landim, que trocou o PSDB pelo PSB em outubro, chegou a chamar o governador de "mentiroso e desequilibrado". O deputado Artur Bruno (PT) sugeriu que fosse investigada a "relação promíscua do governador com a MCI", empresa que realiza e divulga pesquisas eleitorais no Estado.
Em resposta aos ataques, o PSDB divulgou uma nota, na quarta-feira, repudiando as agressões de Landim. A nota desafia o deputado a mostrar à opinião pública a folha de pagamentos, especificar os critérios adotados, quem e quanto recebe por ela.

A oposição revidou, também por meio de notas pagas divulgadas ontem. Uma, assinada pelo PSB e outra, por 26 deputados (23 estaduais e 3 federais) que fazem oposição a Tasso.
Na nota do PSB, o governador é acusado de tentar encobrir com a Folha 8 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que está investigando, na Assembléia cearense, denúncias de irregularidades no Banco do Estado do Ceará (BEC), durante seu segundo mandato como governador. O partido assegura que a folha é legal, paga salários a 372 profissionais e o maior deles é de R$ 3.650.
No texto do bloco de oposição, o governador é chamado de "prepotente". E diz que "a riqueza, o tráfico de influência e o oportunismo político sempre lhe serviram de esteio e o beneficiaram de uma imagem que, fabricada nacionalmente, está longe de corresponder à verdade".


Artigos

Para não haver c rise
WASHINGTON NOVAES

Com a aproximação das festas de fim de ano, abrandam-se as regras para iluminação pública e se anuncia que o racionamento de energia poderá logo ser reduzido para uns 5%. Antes que a "crise" caia no esquecimento, com prováveis altos custos presentes e futuros - nas tarifas, no meio ambiente e talvez até no suprimento de energia mais à frente -, vale a pena considerar o que parecem ser as principais lições do sofrimento vivido.
A primeira constatação, já comentada neste espaço, é do altíssimo nível de desperdício em que vivemos. Quase sem sacrifício, foi possível poupar 20% no consumo geral e 35% no consumo do setor público. Ou seja, em tempos de aperto, aplica-se parte importante dos orçamentos domésticos em despesas supérfluas. E em tempos de crise orçamentária o setor público se dá ao luxo de desperdiçar 35% da conta de energia (paga pelos contribuintes).

A constatação do desperdício corrobora uma verdade que vai sendo esquecida, no afã de encontrar soluções imediatas para a "crise" - a de que nossa prioridade deveria ser a conservação de energia, e não a expansão pura e simples de investimentos na geração. Apontada desde o relatório do consultor da Eletrobrás Howard Geller, em 1990, e reforçada pelas discussões no âmbito da Agenda 21, essa prioridade continua a ser desprezada (em boa parte por causa do imbróglio no setor de tarifas gerado pelas privatizações - consumir menos significa reduzir a receita das distribuidoras, que dizem ter direito contratual à receita da venda nos níveis anteriores à "crise"; belos contratos).

A expansão de investimentos está sendo programada e executada antes mesmo de providências elementares, como ampliar a eficiência em equipamentos industriais e seu uso, regras severas para eficiência mínima em equipamentos domésticos. E uma revisão profunda da matriz energética brasileira.
Diz o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas que as chamadas energias alternativas - eólica, solar, geotérmica, da biomassa, da cogeração - poderão suprir até 24% da demanda mundial de energia. No Brasil, provavelmente esse número será maior, dada a abundância da maioria dos fatores aqui. Mas nossos investimentos e nosso planejamento na área são tímidos.

Enquanto isso, no mundo a energia eólica, por exemplo, aumentou sua capacidade instalada em 25% ao ano na última década (o petróleo cresceu 2%).
É um mercado de US$ 4 bilhões ao ano. Só a Alemanha pretende instalar 4 mil turbinas no Mar do Norte e suprir, com energia eólica, 60% da energia produzida pelas usinas nucleares que fechará, e chegar a 2050 com 50% de seu consumo suprido por energia alternativas. Nos Estados Unidos, os agricultores começam a descobrir o valor do "direito ao vento" em suas terras, que está sendo calculado em US$ 2 mil por hectare/ano.

Por aqui, nem sequer se está discutindo com a sociedade a questão tarifária, que lhe poderá custar muito - só o pagamento da energia não consumida no racionamento e reivindicado pelas distribuidoras em quanto ficará? R$ 6 bilhões, como ora se diz ? Ou R$ 20 bilhões, como se chega a dizer?
Muito menos se discute a questão das tarifas do setor eletrointensivo, em grande parte subsidiadas (com o subsídio bancado pela sociedade). O subsídio vai continuar (alguns contratos da energia de Tucuruí estão chegando ao fim)? E as tarifas industriais, comparadas com as domiciliares?

Ao que parece, entretanto, tende-se a considerar a "crise" um episódio esporádico e seguir no mesmo rumo. Não se planeja a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, tão polêmica, já embargada na Justiça, e ao custo de alguns bilhões de dólares? Não se planeja a hidrelétrica de Santa Isabel, no Araguaia, que pode ter repercussões igualmente indesejáveis? Afrouxam-se as regras para licenciamento ambiental de usinas, gerando conflitos em toda parte. Projetam-se termoelétricas sem considerar devidamente o aumento das emissões de gases poluentes, o sobreuso de água escassa (como as discussões públicas sobre a usina Carioba II têm demonstrado - o uso poderia cair 90%, embora aumentando custos).

Nem sequer se discute amplamente, como o País precisaria, o que deveria ser a terceira grande lição: faltam-nos informações essenciais sobre recursos hídricos e sua influência na redução observada nos reservatórios. O próprio ministro do Meio Ambiente admitiu que a "crise" é ambiental, motivada em boa parte pelo desmatamento, pelas mudanças no uso da terra, pela reposição insuficiente dos aquíferos que determinam o fluxo nos rios. Talvez se possa acrescentar que também pelo aumento da evaporação e mudança na dispersão da água, por causa da substituição da vegetação originária por plantas de ciclo curto (soja, principalmente), irrigadas em grande parte por pivôs centrais (desperdício de até 50% da água). Só há poucas semanas se anunciou que a Agência Nacional de Águas começará a sistematizar esse tipo de informação.

Talvez não seja exagero concluir que a quarta grande lição é a de que vivemos uma crise de informação no setor energético. Crise de governo e crise da própria comunicação. O primeiro, em todos os níveis, desprezando informações que deveria ter considerado (as recomendações de Geller, as advertências sobre a proximidade da "crise") e não discutindo com a sociedade como deveria discutir; não reavaliando com esta a matriz energética; tomando decisões precipitadas e inconvenientes. A segunda, só acordando - com honrosas exceções - para o problema depois de instalada a "crise". Faltou informação, faltou discussão. Praveleceu o vezo de só dar atenção a crises.
Se essas e outras lições forem consideradas, a "crise" poderá até haver sido útil, oportuna. Providencial, mesmo. Mas os indícios, até aqui, são em outras direções.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

O coreto e a orquestra
Nos tempos da minha mocidade havia dois tipos de música, não digo irreconciliáveis porque um ignorava o outro: a música erudita, que se tocava e se ouvia nos concertos que os alunos aprendiam com grande superioridade, e, do outro lado a música dos botocudos que se tocava e se dançava nos salões da mocidade.
A música clássica era uma espécie de religião dos bem pensantes; os jovens que se dedicavam a ela aprendiam a ler o texto musical, uma misteriosa escrita feita sobre a pauta em pontinhos e bolinhas que se multiplicavam e já traduziam sons para os que a sabiam ler mas, absolutamente indecifrável para os analfabetos musicais.

E analfabetos éramos quase todos. As bandas que nos animavam os saraus eram chamadas de "pancadaria" pelos melômanos que se deleitavam com a grande música. E a Grande Música era privilégio dos iniciados e não estava à altura da plebe inculta, que éramos quase todos nós, usuários da música primária constituída geralmente com a música de carnaval.
Numa família onde se destacava um jovem capaz de interpretar Chopin ou Beethoven não cabia a rude categoria amante dos ragtimes e congêneres. A mocidade em geral, adepta da música dançante não freqüentaria jamais os concertos onde se tocasse Mozart ou Liszt. Wagner, nem falar - Wagner tinha sua tribo especial. Os moços queriam apenas a música dançante dita de "baticum" que lhes permitisse deslizar ou pular nos salões de baile. Os amantes da boa música formavam quase uma seita de pequenas proporções onde se deliciavam com seus ídolos. Enquanto nós, a plebe rude queríamos dançar as novidades americanas que nos iam chegando em discos e os foxtrotes que as orquestras populares forneciam para o nosso consumo.

Hoje em dia, o panorama musical mudou no mundo inteiro. As duas linguagens, a popular e a erudita não se misturam, já se misturando. Compositores importantes deixam de lado as suas sonatas para se arriscarem - em ger al com êxito - na música popular. Já a música clássica não é mais privilégio dos grandes intérpretes, e os bons compositores populares se arriscam em ritmos que seriam territórios dos "mestres".
Na verdade, parece que a música popular e, no nosso caso, a música popular brasileira não aceita limites rígidos nos territórios que ocupa. Sei que não tenho a mínima autoridade para me meter nesses assuntos musicais, mas dou um palpite que foi o maestro Villa-Lobos um dos responsáveis pela fusão da bandinha do coreto com a partitura da orquestra clássica. Ele revigorou o folclore brasileiro, dando-lhe um sopro de vida. Até para as canções folclóricas infantis, o Villa fez arranjos. Depois dele, ficou mais fácil romper limites. Hoje, muitos dos nossos autores populares têm formação erudita e armados com esses conhecimentos se sentem capazes de navegar em quaisquer águas. Muitos até já retrabalharam os temas de Villa-Lobos, fazendo novas leituras da fusão do maestro. No Nordeste, os músicos do movimento armorial, animados pelo meu amigo Ariano Suassuna, usam sua erudição para desencavar instrumentos e ritmos ibéricos executados nas feiras pelos cantadores e tocadores de rabeca. Na verdade, para os incultos, meus colegas, a música clássica ou popular se divide em duas categorias: a boa música que nos seduz a todos, seja qual for a sua família e a música imposta pela ciência de alguns e que nos longos concertos dá à maioria um desejo vergonhoso de dormir. Ou então aquela que de tão ruidosa, não deixa ninguém dormir.


Editorial

Final feliz da conferência da OMC

Mais de 140 países estarão envolvidos, nos próximos três anos, na maior e mais ambiciosa negociação visando à liberalização do comércio até hoje tentada. O comércio global movimenta anualmente mais de US$ 6 trilhões em mercadorias. Esse número deveria bastar, aparentemente, para mostrar a importância do evento. Quem julgar apenas por esse critério, no entanto, será incapaz de uma avaliação correta. A agenda aprovada em Doha, depois de seis dias de intenso trabalho na Conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC), tem objetivos muito mais amplos que a expansão dos negócios.
Além disso, o próprio lançamento da rodada, um resultado incerto até o anoitecer de quarta-feira, constitui um fato político de relevância incomum.
Trata-se de um sinal positivo para os mercados, um reforço para o sistema multilateral de comércio e, ao mesmo tempo, uma aposta reiterada numa forma de ordenação da vida internacional. A admissão da China e de Taiwan como sócios plenos da OMC realça sua importância. Em breve, será a vez da Rússia.

Tornou-se especialmente importante, depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, essa manifestação de confiança nos mecanismos de cooperação internacional.
Para o Brasil, o balanço da reunião é bastante satisfatório. Em primeiro lugar, interessa ao País, como observou o chanceler Celso Lafer, o fortalecimento dos sistemas multilaterais. A razão básica é muito clara: com todos os defeitos que possam ter - e que são corrigíveis -, sistemas desse tipo são os mais favoráveis a relações internacionais equilibradas. No caso do comércio, regras multilaterais são particularmente importantes, porque estabelecem as condições mínimas para todos os demais acordos.

A agenda aprovada para as próximas negociações, no âmbito da OMC, inclui alguns temas, de grande interesse para o Brasil, que os Estados Unidos rejeitam nas discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Esses assuntos - subsídios à agricultura, especialmente às exportações, e normas de ações antidumping - foram introduzidos na pauta da OMC depois de negociações muito complexas.
Seja nas discussões da Alca, seja nas negociações do Mercosul com a União Européia, nenhuma concessão poderá ser inferior àquelas acertadas no plano multilateral. A nova pauta da OMC, portanto, melhora as condições do Brasil e de seus parceiros de bloco nas negociações com a Europa e com os países das Américas. Essa é a avaliação do ministro Celso Lafer, e ela é evidentemente correta.

A conferência ministerial de Doha produziu, além de uma pauta de novas discussões, duas declarações conjuntas de grande importância. Uma delas trata das condições de implementação dos acordos da Rodada Uruguai, com as quais há muita insatisfação entre os países em desenvolvimento. Isso inclui, entre outros, o tema da liberação dos mercados para produtos têxteis. A outra declaração refere-se à relação entre patentes farmacêuticas e políticas de saúde, sendo vitoriosa a posição do Brasil, assunto que comentamos em editorial da quarta-feira.
A delegação brasileira deu, ainda, uma contribuição decisiva para o avanço das negociações futuras em torno da liberalização do comércio agrícola. A Conferência de Doha quase terminou em fiasco, sem uma agenda para a nova rodada global, entre outros motivos porque a União Européia se recusava a aceitar que uma das metas das negociações dos próximos três anos fosse a eliminação gradual (phasing out) dos subsídios às exportações de produtos agrícolas. Graças à habilidade dos negociadores brasileiros, foi mantida, no final, a referência à eliminação gradual dos subsídios, acrescida da frase "sem prejulgar o resultado das negociações". Com essa ressalva, o comissário de Comércio da União Européia, Pascal Lamy, abandonou a posição de inflexibilidade que ameaçava o êxito da conferência, pois entendeu que "phasing out" é indicativo de "direção, esperança, ambição; não é eliminação". De qualquer forma, ficou evidente, em Doha, que a Europa vai se isolando cada vez mais na defesa do protecionismo agrícola.

O importante papel da delegação brasileira para o êxito da conferência foi reconhecido pelo diretor-geral da OMC, Mike Moore, que chamou o chanceler Celso Lafer, um dos "sábios" convocados para eliminar os impasses, de "herói e padrinho". Pela primeira vez, a delegação brasileira foi composta por quatro ministros de Estado, apoiados por uma equipe técnica de alto nível.
Além disso, como observou à colunista Sonia Racy o secretário Pedro de Camargo Neto, do Ministério da Agricultura, as posições do Brasil refletiram um grande senso de realismo, "uma posição muito firme em torno de nossas prioridades, com a exata consciência de até onde poderíamos chegar".


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11/16/2001


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