PEC tenta quebrar monopólio eleitoral dos partidos



No Brasil, disputar cargo eletivo não é para qualquer um. Ou, pelo menos, se esse "qualquer um" não for filiado a um partido político. É o que os estudiosos chamam de "monopólio da representação", assegurado pelo artigo 14, parágrafo 3º, inciso V da Constituição Federal. Ali se estabelece a filiação partidária como condição para elegibilidade. Mas uma proposta de emenda constitucional em debate no Senado quer mudar isso e instituir as chamadas candidaturas avulsas.

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A possibilidade de candidatos independentes concorrerem aos mandatos eletivos é regra adotada, em menor ou maior grau, por nove em cada dez democracias mundiais, dos países desenvolvimentos Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha a nações da África e até regimes fundamentalistas como o Irã. O tema ganha força porque coloca no debate questões como o fortalecimento ou não dos partidos, a ampliação da participação do eleitor na vida pública e a maior representatividade das instituições políticas.

Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) vai decidir novamente sobre o tema, ao votar a proposta de emenda constitucional (PEC 21/06) apresentada por Paulo Paim (PT-RS) e assinada por outros 30 senadores. Há cerca de dois meses, o placar foi desfavorável à iniciativa. Na Câmara, a medida não entrou na lista de itens "consensuais" da reforma política que hoje tramita na Casa. Uma PEC (229/08), do deputado Léo Alcântara (PR-CE), aguarda votação na CCJ. O parecer do relator, deputado Geraldo Pudim (PMDB-RJ), recomenda a aprovação.

Uma chance para os movimentos sociais

Paulo Paim resume o motivo central em sua decisão de apresentar a proposta, que teve como ponto de partida os recentes escândalos de crise política e ética no país.

- Desejo dar espaço e maior credibilidade aos movimentos sociais. A proposta não inviabiliza os partidos, apenas contempla uma parcela da população que necessita ser representada. Essa já é uma prática normal em países como Itália, Israel e Estados Unidos.

Segundo o senador, o Congresso Nacional deveria analisar com muita atenção a PEC porque ela pode representar uma aproximação com os eleitores.

- Trazemos uma proposta nova em que a flexibilização possibilita que os sistemas políticos contemplem maior abertura à participação da sociedade. Isso contribui para que representantes políticos e sociedade civil possam aproximar-se.

Autor de PEC semelhante já derrotada na CCJ (prevendo candidaturas avulsas apenas para as eleições majoritárias), o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) reforça os argumentos de Paim.

- Os indicadores da insuficiência dos partidos para a tarefa da representação são reveladores. A abertura de novos canais para a manifestação da vontade dos eleitores, como a possibilidade de candidaturas avulsas, é, na verdade, mecanismo de fortalecimento do sistema representativo.

Partidos fracos e dificuldades de se governar

A PEC que introduz as candidaturas avulsas na cena política brasileira foi assinada por 31 senadores, quatro a mais do mínimo exigido pela Constituição (um terço dos parlamentares de cada Casa do Congresso). Mas os nomes na lista de apoio não se transformam necessariamente em votos. É comum no Parlamento o senador assinar uma PEC como ato de cortesia com o colega, permitindo assim o início da tramitação, mas se reservando o direito de votar até contra na hora apropriada.

Marco Maciel (DEM-PE), apesar de ser um dos signatários da PEC, apresentou relatório contrário à aprovação. Para ele, se a proposta virasse lei, provocaria o enfraquecimento das agremiações partidárias e produziria problemas de governabilidade, ao ponto de forçar o Executivo a negociar apoios individualmente com parlamentares, e não com os líderes partidários.

­- Partidos fracos geram problemas de governabilidade, na proporção em que, para o Poder Executivo, fica mais difícil construir uma base de apoio no Congresso, o que gera a necessidade de confirmação em acordos individuais com parlamentares, muitas vezes envolvendo instrumentos necessários a campanhas eleitorais, como nomeações e a aprovação de emendas ao orçamento - justificou Maciel, em seu relatório.

Sociólogos aprovam iniciativa

Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Almira Rodrigues acha que a questão das candidaturas avulsas não deve ser encarada com uma tentativa de esvaziamento dos partidos políticos, "que têm sua função a desempenhar na construção de projetos para sociedade".

- Trata-se de abrir espaços para a criação de outras possibilidades; de invenções de organização, de expressão e representação política; de experiências que possam animar a vida política brasileira - defendeu a professora, ao comentar as várias propostas de reforma política em discussão no Congresso Nacional.

O consultor legislativo do Senado, Caetano Araújo, autor do artigo Partidos Políticos: há futuro para o monopólio da representação?, lembra que a polêmica que antecedeu a criação das chamadas "listas cívicas" na Itália considerou, essencialmente, a necessidade de se recuperar o interesse de grande parcela do eleitorado pela participação política, pelo menos em nível local, fatia essa que o leque tradicional de partidos não conseguia mais sensibilizar.

- A possibilidade de constituir listas livremente faria retornar ao processo candidaturas e votos que não se apresentariam de outra maneira. Houve, portanto, um reconhecimento da incapacidade dos partidos políticos de cumprirem sua função - explicou o consultor, que é também doutor em Sociologia pela UnB.

Sylvio Guedes / Jornal do Senado



15/06/2009

Agência Senado


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