PFL dá apoio maciço e CPMF passa na Câmara
PFL dá apoio maciço e CPMF passa na Câmara
Prorrogação da cobrança de contribuição até 2004 é aprovada em 2.º turno por 384 votos a 55
BRASÍLIA – A Câmara aprovou ontem, em segundo turno de votação, a emenda constitucional que prorroga a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2004. O projeto – que recebeu 384 votos a favor, 55 contrários e 1 abstenção – isenta as operações na Bolsa de Valores. O PT até apresentou um destaque para derrubar a isenção, mas o presidente da Casa, Aécio Neves (PSDB-MG), adiou essa votação para hoje, por falta de consenso.
Para obter a vitória, o governo contou com o apoio maciço do PFL. Mesmo rompido com a base aliada, o partido voltou a ocupar o seu velho lugar de parceiro. O PT também votou em bloco a favor da prorrogação.
Apesar do esforço, o prejuízo de arrecadação, causado pela demora na aprovação, será grande. Além disso, a bancada do PFL no Senado rejeita acordo para reduzir os prazos de tramitação da emenda, que segue hoje para a Casa. Calcula-se que o atraso será de 80 dias, deixando rombo de R$ 4,8 bilhões.
Preocupado com a próxima cartada do PFL, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em viagem ao Chile, decidiu cancelar sua participação na Conferência das Nações Unidas, que ocorre em Monterrey, no México. Segundo a assessoria do Palácio do Planalto, a conjuntura não permite que ele passe uma semana fora do País. O seu embarque para o Brasil está previsto as 15h45 de hoje.
Tramitação – A legislação estabelece que as contribuições só podem ser cobradas 90 dias depois de aprovadas. É o caso da CPMF, que termina dia 17 de junho. Para que não sofresse interrupção, a votação deveria ter sido concluída no dia 18. Cada semana de atraso deixará prejuízo de R$ 420 milhões.
Para cobrir parte do rombo, o governo acena com a possibilidade de aumentar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Integrantes da equipe econômica chegaram a dizer que, por se tratar de prorrogação, a CPMF não necessitaria do prazo de 90 dias, mas parecer do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, informa que a saída não é possível.
Por isso, os líderes governistas vão trabalhar para vencer as resistências do PFL em encurtar os prazos. Hoje, o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Netto, voltará a conversar com os senadores. “Temos de negociar com o PFL até a exaustão, para ganhar tempo: porque, infelizmente, não podemos mudar a data da Semana Santa”, disse ele, prevendo novo atraso na votação.
O ministro acredita que o cenário político para um acordo, hoje, é mais favorável que na semana passada e cita até previsão de queda na taxa de juros – a ser decidida pelo Conselho de Política Monetária (Copom). O governo tem, ainda, outra estratégia para tentar quebrar a resistência do PFL. Usou-a nos últimos dias para pressionar deputados – parlamentares tucanos conversaram com prefeitos do PFL por todo País, avisando que, sem a CPMF, podem ficar sem verbas para fins sociais.
Alíquotas – A CPMF terá alíquota máxima de 0,38%, como é hoje, até o fim de 2003. De 1.º de janeiro a 31 de dezembro de 2004, será de 0,08%. A receita estimada para 2002 era de 20 bilhões. Em 2001, a CPMF arrecadou R$ 17,2 bilhões.
Malan fecha acordo para eliminar efeito cascata
Proposta discutida com comissão da Câmara é aumentar PIS-Pasep, mas reduzir incidência
BRASÍLIA - O ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, fecharam ontem acordo com integrantes da comissão especial da Câmara que estuda mudanças nas contribuições sociais.
Na falta de uma reforma tributária mais abrangente, é um importante avanço no sentido de racionalizar o sistema de impostos. A proposta acertada tem como objetivo eliminar a cumulatividade na cobrança das contribuições, o chamado efeito cascata, a começar pelo PIS-Pasep.
O projeto prevê um aumento da alíquota do PIS-Pasep, dos atuais 0,65% sobre o faturamento das empresas para 1,65%. Em compensação, essa alíquota incidirá sobre uma base menor - o valor adicionado a cada etapa da cadeia produtiva, depois de deduzido o tributo recolhido na compra de insumos.
A eficácia da proposta será testada no PIS-Pasep e só depois será estendida à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), provavelmente no início de 2003. O objetivo é não pôr em risco a arrecadação, dando tempo para "calibrar" a alíquota. "Como os preços relativos vão mudar, é mais prudente testar o novo modelo pelo PIS-Pasep, um tributo de menor peso na arrecadação federal", acentuou o presidente da comissão, o deputado Delfim Netto (PPB-SP).
A reunião foi feita no gabinete de Malan, de manhã, com a participação do secretário-executivo da Fazenda, Amaury Bier, e do relator da comissão especial da Câmara, Mussa Demes (PFL-PI). A meta é aprovar o projeto de lei ordinária com as novas regras até meados do ano, para que as mudanças passem a valer em outubro. Numa primeira fase, as importações continuarão livres da cobrança das contribuições sociais.
"Começar as mudanças pelo PIS-Pasep dá mais segurança para o governo e o setor produtivo", afirmou Demes. Enquanto o PIS-Pasep arrecadará neste ano R$ 10,5 bilhões, a Cofins, cuja alíquota chega a 3% sobre o faturamento das empresas, será responsável por R$ 50 bilhões. Segundo o relator, o aumento da alíquota do PIS-Pasep acaba sendo neutralizado pela redução da base de incidência, do ponto de vista da arrecadação. "Não haverá ganho nem perda de receitas", garantiu. Delfim explicou que para o empresariado também será necessário um prazo de transição, porque os preços relativos serão alterados. Alguns setores serão mais taxados e outros menos, em relação à situação atual.
Pedaço - O fim da cumulatividade das contribuições é a parte da reforma tributária mais reivindicada pelos empresários. Como a reforma ficou parada nos últimos seis anos por falta de apoio do governo, o Congresso decidiu acelerar as mudanças pelo PIS-Pasep e pela Cofins. "O governo resolveu ficar dentro dessa proposta, pois sabe que agora não pode segurar mais", enfatizou Delfim. A medida é considerada crucial para desonerar as exportações e dar mais competividade à economia.
Demes disse que a proposta deixa para uma segunda etapa a taxação das importações para equiparar a carga tributária de produtos nacionais aos estrangeiros. Hoje, as mercadorias importadas não pagam PIS-Pasep e Cofins quando entram no País, o que significa um benefício em relação à produção nacional. Como essa alteração depende de aprovação de uma lei complementar, com tramitação mais demorada no Congresso, ficará para mais tarde.
“Não será desta vez que vamos estrear na oposição”
BRASÍLIA – Duas semanas fora do governo depois de 39 anos no poder deixaram o PFL num dilema. O partido rompeu com o governo, mas não quer ir para a oposição, como chegou a pensar. “Não será desta vez que o PFL estreará na oposição”, disse o líder do partido na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), no início da tarde. “No máximo, somos independentes.”
A decisão da executiva nacional do PFL de autorizar a votação a favor da prorrogação da CPMF e um almoço na casa do deputado Luciano Castro (RR) serviram para dissipar o clima pesado que pairava sobre os pefelistas. Sem a obrigação de continuar a briga com o governo por causa da imposição do rompimento com o governo comandado pela governadora Roseana Sarney (Maranhão), os deputados pareciam aliviados.
Inocêncio dizia ainda que não mais assinaria o requerimento para a abertura de uma Comissão Parlamen tar de Inquérito (CPI) destinada a apurar os grampos telefônicos ocorridos nos últimos anos no País, entre eles os feitos na empresa da governadora Roseana Sarney. Nas últimas duas semanas o líder Inocêncio Oliveira cumpriu bem o seu papel de parlamentar raivoso, implacável com o governo federal. Mas ontem, voltou a sorrir e a fazer brincadeiras, bem ao seu estilo.
Aliados de Sarney votam contra
BRASÍLIA – Dois deputados ligados à família Sarney votaram contra a emenda que prorroga a CPMF: Gastão Vieira (PMDB-MA) e Pedro Fernandes (PFL-MA). Mas foram muito poucas as dissidências, mesmo dentro do PFL, que está brigado com o governo.
Do PMDB, votaram contra a emenda os deputados Márcio Reinaldo Moreira (MG), Lamartine Posella (SP), Marcelo Barbieri (SP), Paulo Lima (SP) e Geovan Freitas (GO). No PFL, foram contra a CPMF Paulo Magalhães (BA) e Paulo Octávio (DF). Também rejeitaram a proposta dois deputados do PPB, Augusto Farias (AL) e Jair Bolsonaro (RJ), e dois do PTB, Max Mauro (ES) e Arnaldo Faria de Sá (SP).
PC do B, PSB e PPS votaram em bloco contra a emenda. O PT foi totalmente a favor, apesar do protesto do deputado Babá (PA), que se disse contra o projeto, mas seguiu a orientação partidária.
Jarbas encontra Serra para definir a chapa
Em Santiago do Chile, FHC aprova o vice e diz ter certeza da vitória em outubro
BRASÍLIA - O governador pernambucano Jarbas Vasconcelos encontra-se hoje com o candidato tucano à presidência da República, senador José Serra, para acertar detalhes sobre sua indicação como vice da chapa presidencial do PSDB. O governador é a mais forte opção para o cargo, mas a definição final do assunto, por acordo entre PSDB e PMDB, ficará para os primeirosdias de abril. Jarbas almoçou ontem com a cúpula peemedebista mas não deu uma resposta definitiva a pedido dos próprios tucanos: eles preferem nada acertar, formalmente, enquanto corre no Congresso a batalha por aprovação da CPMF - na qual o PFL tem um papel crucial.
Em Santiago do Chile, o presidente Fernando Henrique Cardoso informou que aprova a indicação do governador pernambucano. "Claro", respondeu ele ao ser questionado sobre a indicação. "Mas isso quem tem que decidir são o PSDB e o Serra".
Otimista - Entusiasmado, o presidente disse não ter dúvidas quanto à vitória do governo nas eleições de outubro. "Quem encarnar este programa (o do governo) ganha as eleições", afirmou.
O acerto de cúpula entre tucanos e o PMDB foi fechado antes de Jarbas chegar a Brasília. "O PSDB quer primeiro definir o procedimento de votação no Senado, para não passar a idéia de provocação contra o PFL", justificou um dirigente tucano, em conversa com o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), e com o líder na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA). "Temos de separar o processo eleitoral da atividade legislativa", insistiu o tucano.
A senha do adiamento, já fixando uma data limite, partiu do próprio governador pernambucano, logo depois do almoço na casa de Temer. "Falta ainda um ato final", disse Jarbas, referindo-se à necessidade de o PSDB formalizar o convite ao PMDB.
Temer quer que o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), faça diante dos holofotes da imprensa o que ele já fez em conversa reservada e sem testemunhas, no fim da tarde de ontem. Foi uma reafirmação do convite feito a Jarbas em janeiro, quando Serra foi ao Recife conversar com o governador.
Na ocasião, Jarbas aconselhou-o a esquecer as negociações da chapa para perseguir a inclusão do PFL na aliança.
Àquela altura, o governador ainda sonhava em repetir, no plano federal, a aliança que construiu com pefelistas em Pernambuco.
O rompimento do PFL com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso pôs abaixo essa pretensão.O vice-presidente nacional do PFL, senador José Jorge (PE), diz que recompor com o governo em torno da candidatura de Serra é impossível.
Salienta, porém, que não há hipótese de o PFL pernambucano brigar com Jarbas. Nem mesmo se ele concorrer à reeleição em aliança com o PSDB.
Sarney avisou Murad que a polícia ia chegar
Senador pediu ao genro que tirasse do escritório documentos capazes de alimentar escândalo
BRASÍLIA - O senador José Sarney (PMDB-AP) fará hoje, finalmente, seu aguardado discurso com críticas ao governo e aos tucanos. Na tentativa de demonstrar que sua filha, Roseana Sarney (PFL), foi vítima de uma "armação política", ele afirmará ter recebido informações de "arapongas" da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) -15 dias antes da ação da Polícia Federal na Lunus - de que a Justiça expediria um mandado de busca e apreensão na empresa, de propriedade da governadora do Maranhão e seu marido, Jorge Murad.
O ex-presidente não dirá publicamente, mas contou a senadores do PFL, que advertiu o genro para que tirasse do escritório qualquer documento ou objeto capaz de alimentar um escândalo. De acordo com a versão de Sarney, Murad não o obedeceu e a Polícia Federal acabou fotografando pilhas e pilhas de notas de R$ 50, num total de R$ 1,34 milhão - imagem cuja divulgação provocou a derrocada da candidatura presidencial de Roseana.
Ao contrário do que foi dito nas últimas duas semanas, durante as quais adiou três vezes o seu pronunciamento, Sarney não atacará diretamente o presidente Fernando Henrique Cardoso nem seus parentes. As críticas vão atingir em primeiro lugar Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-presidente da Previ - o fundo de pensão do Banco do Brasil - e homem ligado ao senador José Serra (SP), candidato a presidente pelo PSDB.
Operação - A família Sarney e o PFL acusam Serra e a "banda irada do PSDB" de terem armado a ação da PF na Lunus. O objetivo da operação seria prejudicar Roseana, então em ascensão nas pesquisas de intenção de voto para o Palácio do Planalto.
Sarney desistiu dos ataques diretos aos parentes de Fernando Henrique por recomendação do presidente nacional do PFL, senador licenciado Jorge Bornhausen (SC). De acordo com sua assessoria, o ex-presidente pretendia lançar insinuações a respeito de dois filhos de FHC. Sarney perguntaria se, em caso de envolvimento deles em algum escândalo, o presidente da República não sentiria as dores de um pai.
Os reais apreendidos na Lunus, disse Murad na sétima versão para explicar o destino dos recursos, serviriam para financiar a campanha presidencial de Roseana. Até hoje, porém, ninguém apresentou uma explicação para a origem do dinheiro.
Artigos
Inimigos ferozes mas às vezes providenciais
Luiz Carlos Lisboa
Se o presidente George W. Bush não se confessasse sempre um típico representante da geração "baby boomer", e tivesse cultivado ao longo da vida o gosto da História e da meditação do mundo, não precisaria tirar agora da estante de seu pai O Choque das Civilizações, de Samuel Huntington, provavelmente por recomendação de Condoleezza Rice, assessora de segurança nacional, para completar sua educação. Vencendo uma conhecida resistência a livros alentados, que também admitiu na campanha que o levou à Casa Branca, ele se curva aos conselheiros políticos, sociais e psicológicos que o estão transformando no presidente dos sonhos dos seus conterrâneos, tendo em vista uma "regeneração conservadora" de seu país e a própria reeleição em 2004. E mergulhado em Huntington ele tem a impressão de estar dialogando com um misterioso e moderníssimo Nostradamus.
Não que o velho professor de Harvard seja o equivalente ocidental de um profeta muçulmano, ou algo parecido com um mulá. O pensamento de Sam Huntington sempre seduziu o establishment norte-americano por sua alegada praticidade, assim como por sua visão maniqueísta da História e dos perigos deste mundo. Há para ele sempre um a nêmesis contemporânea do Ocidente, agora materializada em Osama bin Laden, maligno e engenhoso maestro de um terror muito meditado que afinal nada conseguiu além de acordar o dragão da suspeita e colocar de sobreaviso o inimigo odiado. Até setembro do ano passado estava muito esmaecida a idéia de um "perigo exterior", e era cada vez mais improvável a votação de verbas especiais para a defesa, ou o financiamento de projetos inspirados na ficção científica, como o Guerra nas Estrelas que fez Gorbachev desanimar mas que nunca saiu do papel. Hoje o Congresso em Washington vota tudo o que o presidente pedir, em nome da segurança nacional.
As opiniões sobre o perigo islâmico que circulam na mídia estadunidense são verdades eivadas de fantasias e desinformação pura, partidas da Casa Branca, de congressistas e políticos, ou do chamado "exército do Dr. Strangelove", tipificado há pouco pelo reverendo Pat Robertson no seu programa de televisão 700 Club. Para este cruzado calvinista, "o Islã não é uma religião pacífica que deseja coexistir com as outras, mas que coexiste até obter o controle e o domínio da situação, para em seguida destruí-las". Um porta-voz da Comissão Árabe-Americana contra a Discriminação contestou essa retórica, lembrando que ela "é exatamente a mesma do anti-semitismo internacional de todos os tempos, bastando trocar no discurso a palavra judeu por muçulmano".
Nos meses que se seguiram ao atentado de 11 de setembro, cada pronunciamento oficial norte-americano incluiu um parágrafo afirmando que a guerra movida pelos Estados Unidos e seus aliados contra o terrorismo não era uma guerra contra o Islamismo. Era um cuidado exigido pelos parceiros da aliança de países que se associou aos estadunidenses na luta contra o terrorismo. Já no começo deste ano a ressalva não era repetida como antes, restando somente as advertências sobre o inimigo solerte. Uma vez ou outra, nas entrevistas informais, alguém ligado a Washington lembra que "claro, há o bom Islamismo", no tom como se dizia depois de Pearl Harbor que havia japoneses bons. E, na época, os campos de trabalho em território norte-americano, para japoneses cuja culpa única era parecerem japoneses, foram mantidos em segredo com seus horrores e injustiças peculiares.
"As linhas de fratura das civilizações serão as linhas de frente das batalhas do futuro", diz o professor Huntington na sua defesa do choque inevitável. Essas fronteiras são visíveis hoje em dia, e com a radicalização do conflito palestino-israelense elas parecem cada dia mais evidentes. A re-islamização do Oriente Médio que cresceu com a política israelense do "olho por olho", conta igualmente com a falta de informação de seus povos, que nada sabem dos seus inimigos e ignoram quase tudo das suas razões e da sua história. No grande crescente que vai do Marrocos à Indonésia, aumentaram desordenadamente as populações, e multiplicam-se em silêncio e ressentimento áreas onde a presença militar norte-americana se faz sentir, colorindo com tintas forte a divisão dos campos. Mas Huntington não fala no adversário conveniente, aquele que afinal justifica o segredo, o poder e a violência, aquele que o radicalismo norte-americano de direita utiliza como alavanca e pretexto para impor sua visão de mundo que ela jamais confessa publicamente, porque tem muito pouco a ver com a democracia que hoje todo homem público jura defender.
E assim o segredo de estado é hoje mais do que nunca uma razão aceitável para calar as dúvidas e evitar as investigações. No oceano da mídia de entretenimento, o pequeno arquipélago de uma grande imprensa que expõe as perplexidades do homem que teima em pensar livremente, é o respiro do mundo moderno. E o resto é uma guerra total contra um inimigo que está em toda parte e em nenhum lugar ao mesmo tempo, e um bocado de dúvidas pairando no ar. Por isso se diz o que sempre se disse, que a situação é delicada e o futuro é incerto.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Estamos quase ultrapassando a linha divisória
Apesar da banalização atual das cirurgias para transplante do coração, a gente ainda não deixa de se perguntar: será que a natureza previa a transplantação de órgãos? Se a não previa, por que teria imposto ao organismo animal tantas e tão intolerantes defesas, essa quase espécie de xenofobia, essa cortina de anticorpos a fechar as fronteiras da carne, tentando proibir qualquer promiscuidade orgânica com outro indivíduo, seja embora o doador da mesma espécie, da mesma raça, do mesmo tipo de sangue do receptor? Promiscuidade, diz a natureza, só mesmo para os fins de reprodução - e pelos canais competentes. Fora disso, nada.
O que é evidente é que Deus Nosso Senhor considera o animal a sua obra-prima por excelência. Cada indivíduo, cada série, tudo ótimo, não são suscetíveis de alteração. Chega-se mesmo a duvidar da teoria da evolução, na qual se acredita mais por uma questão de fé, pois ver de verdade nunca vimos; nunca fomos, que eu saiba, testemunhas de nenhum processo de evolução em marcha num organismo vivo. Tanto quanto me deixa saber a minha ignorância, tudo ainda são teorias. As alegadas provas que se apresentam a respeito, são fósseis. E depois do bicho virado pedra, passados milhões de anos - trata-se pelo menos de um testemunho por demais longínquo, não?
No reino vegetal não há tanto rigor. Milhares de vegetais pegam de galho e recebem enxertos de variedades diferentes. A glória da jardinagem, da horticultura e da floricultura está mesmo na criação desses híbridos por enxertia. E há organismos animais, como a ameba, que se dividem; e há lagartixas que conseguem fazer crescer outra vez a cauda decepada. E os jornais sensacionalistas tentaram fazer crer que em laboratórios já se criam cães de duas cabeças, mas cadê esses cães?
Por ora, a regra velha ainda vinga: Deus considera perfeitos os homens e os bichos, tais como os criou, e não admite alterações na sua morfologia. E até mesmo os híbridos por cruzamento, a natureza permite mas não gosta deles, tanto que os faz estéreis.
Realmente, se e quando o homem puder interferir na morfologia das espécies, mal se pode pensar a que fantasias loucas se entregará a humanidade desvairada. Aliás, o processo já anda muito adiantado com clonagem. Desde que apareceram na mídia as comoventes fotos da ovelha Dolly e sua breve peregrinação por este mundo, o caminho ficou aberto e até a novela de televisão já trouxe o clone humano - aquele patético Leo - para um simulacro da vida real.
Freguesia é que não vai faltar. Os patrões gananciosos que pagassem a criação de operários com quatro braços, para que pudessem trabalhar a quatro mãos? E a cantora riquíssima que pretendesse obter uma garganta tipo Maria Callas? Ou, pior de tudo, o ditador megalomaníaco que exigisse dos clonadores uma espécie de supersoldados, para os seus exércitos, homens com couraça de jacaré, estômago jejuador de camelo, força de cavalo; e, além disso, miolos de burro para que obedeçam cegamente ao seu senhor?
E não se diga que o homem não faria isso, porque tem amor ao seu corpo tal como ele é; o homem não tem amor a nada, o homem é doido. Tanto quanto pode, ele já se desfigura com tatuagens, brincos, batoques, cicatrizes - e operações plásticas de efeitos duvidosos. E só achar quem faça.
Editorial
AS RAÍZES ESTRUTURAIS DA CRISE POLÍTICA
O senador Roberto Freire, do PPS, é uma figura sui generis. Ele é provavelmente o único entre os políticos esquerdistas de primeiro escalão que procura examinar o governo Fernando Henrique com isenção e objetividade, elogiando sem medo e criticando sem chavões. Obviamente, pode-se discordar de suas idéias, mas ninguém negará que são o produto de uma mente aberta e preocupada em situar os embates do cotid iano político numa perspectiva mais ampla. Graças a isso, em abril do ano passado, ele foi o primeiro de seus pares a explicar o conflito entre os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho como a expressão do acirramento da disputa nas elites oligárquicas nacionais, prejudicadas pela diminuição do espaço tradicionalmente disponível no setor público para o exercício da fisiologia e do favorecimento. A desestatização da economia e a reforma do Estado, empreendidas pelo presidente Fernando Henrique, eliminando feudos políticos e corporativos, começou a minar as bases seculares de poder do patrimonialismo, apontou Roberto Freire. "Os escorpiões estão aí se picando porque não têm mais o sapo", resumiu, à época.
Agora, ele volta ao assunto - desta vez ao tratar da crise na base de sustentação do governo. Em artigo publicado terça-feira no Estado - Já vai tarde a resprivada - Viva a República! -, o senador faz uma pertinente análise das raízes estruturais dessa crise - a qual, no seu entender, traduz o antagonismo entre o antigo e o contemporâneo na vida política. "Os métodos utilizados por este campo (a oligarquia) vão sendo descartados por um grande complexo de interesses mais modernos, mais conectado ao mundo globalizado, da ciência e da tecnologia", escreve Freire. "E este complexo, contraditório e não necessariamente renovador, em busca de uma nova hegemonia, negou-se a acompanhar Roseana Sarney e similares." Para ele, por ser "o sepultamento da velha república" um fato auspicioso - prova de que "o Brasil melhorou" -, em hipótese alguma a esquerda deveria fazer coro às acusações da governadora maranhense de que teria sido vítima de uma armação do governo ou do PSDB.
Numa clara mensagem ao PT, o senador diz que a "solidariedade com o anacronismo seria um absurdo ideológico e histórico. Não serve nem como tática de esperteza política".
Presidente de um partido que patrocina a candidatura Ciro Gomes, é natural que Freire sustente que o ex-governador cearense é quem poderá levar mais longe a "ultrapassagem" da herança do poder oligárquico, sugerindo que, se eleito, ele não conciliará com o fisiologismo, como presume que fará o candidato tucano José Serra, nem imitará o atual presidente, "exageradamente conciliador com práticas do passado". À parte as suas lealdades eleitorais, o senador parece desconsiderar as condições objetivas que pesam na conduta dos atores políticos, tanto ou mais do que o seu temperamento, vontade íntima ou concepções doutrinárias. No Brasil, essas condições são impostas por um padrão calcificado de ordenamento político, um sistema que faz a governabilidade depender "apenas das composições conjunturais dos interesses e aspirações em jogo", nas lúcidas palavras do jurista Miguel Reale, no artigo A falta da reforma política, publicado sábado passado neste jornal. A Constituição de 1988, observa Reale, já foi emendada nada menos de 35 vezes.
E as suas disposições contam menos do que "as combinações ou arreglos partidários realizados pelo chefe do Poder Executivo".
Enquanto as concessões ao passado forem o preço a pagar pela construção do futuro - na ausência de uma legislação que faça diminuir a parcela de políticos fisiológicos eleitos para o Congresso e restrinja o poder de barganha espúria daqueles que se elegerem -, problema maior do que um presidente conciliador será um presidente irrealista ou autoritário o suficiente para imaginar que a conciliação é dispensável, como sugere Roberto Freire. "Um dos rasgos de estadista de Fernando Henrique Cardoso", argumenta Miguel Reale, "é representado pela sua extraordinária capacidade de governar com base nas mais variadas formas de articulação de interesses, fazendo prevalecer, via de regra, os imperativos do bem público." É preocupante, portanto, o fato sabido que nenhum dos seus possíveis sucessores seja dotado dessa capacidade. Mesmo porque, nas democracias, quando os partidos influentes são vários e nenhum detém a hegemonia no Congresso, o toma-lá, dá-cá é inevitável e não necessariamente ilegítimo.
Depende do que se toma e do que se dá - e de um presidente que conheça os limites de uma coisa e outra.
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03/20/2002
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