Projeto de sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas é racista, dizem participantes de debate na CCJ



"Por que introduzir a 'raça' como critério de distribuição de justiça? O objetivo do projeto seria fazer justiça ou dividir o Brasil em brancos e negros para desviar-nos do rumo que devemos seguir, o rumo da melhoria da qualidade do ensino básico para todos os brasileiros?" As dúvidas foram apresentadas pela professora titular do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Yvone Maggie, em debate nesta quinta-feira (18).

Yvonne Maggie foi uma das expositoras da audiência pública realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) para discutir o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 180/08, que estabelece sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas e escolas técnicas.

Contrária ao projeto, a professora da UFRJ criticou artigo que estabelece o preenchimento das vagas das universidades públicas previstas no sistema de cotas por estudantes negros, pardos e indígenas, na proporção de cada segmento na população do estado onde está localizada a instituição de ensino.

Yvone Maggie afirmou, ainda, não ser contrária à parte do projeto que direciona 50% das vagas das universidades federais e escolas técnicas para estudantes que cursam integralmente o ensino médio em escolas públicas nem à distribuição de metade dessa cota a alunos oriundos de famílias com renda de até um salário mínimo e meio per capita.

- Se o projeto tivesse parado aqui, tudo bem, a reserva de vagas seria para estudantes de escolas públicas e metade delas para os mais pobres entre estes alunos - frisou a professora, ao destacar que o projeto não beneficia os brancos pobres.

Para o advogado da Afrosol-Lux Promotora de Soluções em Economia Solidária, José Roberto Ferreira Militão, o problema é que, ao tentar promover uma política de inclusão por meio de cotas raciais, o governo acaba criando também uma política de exclusão por meio desse mesmo aspecto racial. Para Militão, o sistema de cotas não garante a implantação de ações afirmativas voltadas para resolver o problema da inclusão social, pois "produz efeitos colaterais terríveis".

- É possível promover ações afirmativas sem recurso a corte racial.Nesse sentido, apenas a política de cotas por questões econômicas já nos atende. A luta contra o racismo tem que ser vista sob o prisma de se destruir esse conceito de identidade jurídica de raça - argumentou o representante do Afrosol-Lux.

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) afirmou que o pronunciamento de José Roberto Ferreira Militão foi um dos mais brilhantes dos que já ouviu sobre o assunto.

- Se tinha alguma dúvida sobre o sistema de cotas, já não a tenho mais - revelou o representante por Goiás.

Demóstenes disse também que esse projeto ainda precisa ser discutido e aprofundado antes que seja votado no Senado.

- Não há a menor condição de se votar esse projeto neste momento, de afogadilho - completou Demóstenes.

O coordenador do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda, reconheceu que existe um enorme abismo entre as classes sociais, mas a saída para a solução desse problema, em sua avaliação, não deve ser buscada por meio de uma política de cotas, mas sim pela adoção de uma educação pública de qualidade desde o ensino básico.

- O vestibular não cria nenhuma desigualdade, mas só mostra a desigualdade existente desde que a pessoa nasce. Combatemos o racismo pela igualdade e pelo socialismo. Lutamos por vaga para todos e por investimentos em educação e em serviços públicos - salientou José Carlos Miranda, para depois afirmar que a aprovação desse projeto só vai gerar "ódio entre raças".

Essa também é a opinião do coordenador do Movimento Nação Mestiça, Jerson César Leão Alves, para quem as políticas de cotas raciais não visam à melhoria de vida dos pardos, negros e outros grupos.

- Essas cotas visam a dividir o país racialmente e eliminar a identidade mestiça brasileira. A lógica é que se invista mais no ensino básico - enfatizou Jerson César.

No lugar das políticas de cotas, ele defendeu a adoção de políticas sociais para o Brasil.

Esforço

O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), André Lázaro, explicou que o esforço do governo brasileiro em reduzir as desigualdades sociais e raciais não se iniciou com essa proposta de lei. Ele opinou que o projeto é bom, mas ainda não é suficiente para garantir a igualdade de direitos a todos, independentemente de raça e cor.

- Precisamos também garantir que a população brasileira tenha sua equivalente representação nos diferentes níveis do poder - ressaltou.

O projeto, que tramita na CCJ, ainda será votado pelas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Educação, Cultura e Esporte (CE), antes de ser encaminhado para deliberação do Plenário.



18/12/2008

Agência Senado


Artigos Relacionados


Paim defende projeto que cria sistema de cotas nas universidades públicas e escolas técnicas

Sistema de cotas nas universidades públicas passa na CDH e pode tramitar com urgência

CDH debate dez anos do sistema de cotas em universidades

CCJ aguarda inclusão de novo projeto para votar sistema de cotas nas universidades

Aguarda emendas projeto que cria cotas nas universidades estaduais para alunos de escolas públicas

CCJ discute cotas para ingresso nas universidades e escolas técnicas federais