Relatório condenava presídios




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Relatório condenava presídios
BRASÍLIA - O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) enviou relatório, em novembro do ano passado, ao governo de Rondônia cobrando ''providências urgentes e cabíveis para a reestruturação'' dos presídios do Estado. O documento constatava a existência de diversas irregularidades nas prisões. Na quarta-feira morreram 27 presos durante motim no Presídio Urso Branco, em Porto Velho, o maior de Rondônia. Agora, em 180 dias, serão construídos dois outros, com 240 vagas.
No relatório, o Depen observou a falta de agentes penitenciários, médicos, enfermeiros, psicólogos, professores e assistentes sociais nos presídios. O Estado foi alertado para ''graves problemas'' de infra-estrutura, como falta de água potável nas detenções e a presença de mofo nas celas.

A secretária nacional de Justiça, Elizabeth Süssekind, esteve ontem em Rondônia para debater o problema. Considera o assassinato de 27 presos pelos condenados rebelados como ''uma tragédia''. No ano passado, ela esteve em Rondônia e alertou as autoridades estaduais para a precariedade dos presídios. Outros avisos foram feitos pelo diretor do Depen, Ângelo Roncalli, disse a Elizabeth. ''Estivemos em Rondônia cinco vezes para tratar desse assunto.''

Acusação e defensa - Na reunião de ontem com os responsáveis pelos presídios no Estado, a secretária ouviu muitas queixas. O superintendente de Assuntos Penitenciários, coronel Abimael Araújo, denunciou o ''descaso'' dos governos federal e estadual com o sistema penitenciário. ''Não houve descaso'', defendeu Elizabeth. ''Não aceito que o governo federal tenha qualquer espécie de responsabilidade neste problema.''

A secretário confirmou, contudo, que Rondônia não tem recebido recursos federais para o setor desde 1998. Mas inocenta a União. ''O governo federal só vai colocar verbas nos Estados dentro da lei.'' Rondônia saiu da lista dos inadimplentes nos últimos dias de dezembro quando, então, recebeu R$ 3,8 milhões repassados pelo Planalto no dia 28.

A secretária alertou que a falta de manutenção de presídios não é falha exclusiva de Rondônia. Outros Estados incorrem no mesmo erro. ''Não vou mencionar nomes'', esquivou-se. Em Rondônia, o governo vai construir, de forma emergencial, um mini-presídio em Rolim de Moura e outro no complexo do Urso Branco.

Além das penitenciárias, o governo de Rondônia receberá recursos para a compra de detectores de metais a serem instalados nas portas dos presídios. E verbas para treinamento de agentes penitenciários e assistência jurídica a presos. Analisa-se ainda a transferência de 45 presos ameaçados de morte no Urso Branco para presídios menores.


FH faz nova reunião para discutir mínimo
BRASÍLIA - Neste fim de semana, o presidente Fernando Henrique Cardoso vai se reunir com a equipe econômica, em Brasília, para acertar os últimos detalhes de dois projetos: um reajuste em 17,5% a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, e o outro aumenta de R$ 180 para R$ 200 o valor do salário-mínimo. As duas propostas, já aprovadas pelo Congresso, devem ser sancionadas até terça-feira.

Até ontem, Fernando Henrique não tinha recebido o Orçamento da União para 2002. O porta-voz da Presidência, Georges Lamazière, informou que não há previsão para sanção da proposta aprovada. A demora vem ao encontro dos interesses do Executivo. Enquanto não for assinada, o governo usa o duodécimo proporcional do Orçamento do ano passado, garantindo uma sobra de caixa para os cofres públicos. Além disso, sem o novo Orçamento, o dinheiro para investimentos pode ser aplicado da forma que mais interessar ao governo.

Lamazière informou, ainda, que o presidente vai se reunir até o fim de janeiro com o ministério para ''traçar o programa de trabalho do ano em curso''. O porta-voz contestou a informação dada pelo secretária-Geral da Presidência, Arthur Virgílio, que na quarta-feira tinha dito que FH daria, em cadeia de rádio e TV, ''as boas notícias'' do início do ano. Segundo Virgílio, FH informaria o aumento do salário-mínimo, a redução do Imposto de Renda e a queda no preço dos combustíveis. Lamazière garantiu que o pronunciamento nunca foi cogitado. ''Ele (o presidente) soube pelos jornais''.

Ainda este mês, Fernando Henrique viaja para a Rússia e a Ucrânia. Entre os dias 13 e 17, conversa com líderes dos dois países sobre as exportações brasileiras de carne e as importações de aviões. Ele vai acompanhado da primeira-dama, Ruth Cardoso, e do ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer.


Irmão de vice de Minas é réu por homicídio
BELÉM - Manoel Cardoso Neto, o Nelito, irmão do vice-governador de Minas Gerais, Newton Cardoso (PMDB), será julgado em março ou abril pelo Tribunal do Júri da capital paraense. Nelito é acusado de co-autoria no assassinato do advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá, Gabriel Sales Pimenta, em 18 de julho de 1982. A ação penal tramita desde 1983 e, se o réu não fosse pronunciado, o crime prescreveria este ano. O irmão do vice-governador de Minas é acusado de homicídio qualificado de acordo com o artigo 121 do Código Penal. No processo também figuram como acusados José Pereira da Nóbrega, o Marinheiro, e Crescêncio Oliveira de Souza.

Em 31 de agosto de 2000, o juiz Sérgio Augusto Andrade Lima declarou extinta a pena de Marinheiro, que morrera em 1° de agosto do ano anterior, e julgou improcedente a denúncia contra Crescêncio, por inexistência de indícios de participação no crime.

Gabriel Pimenta foi morto com três tiros quando saía do bar Bacaba, em Marabá, depois de participar de uma convenção do PMDB. O crime teve grande repercussão. Nelito, que hoje mora em Vitória da Conquista, na Bahia, foi comunicado em 3 de maio do ano passado por meio de carta precatória, mas seus advogados só foram intimados em 19 de dezembro. Não houve recurso e, portanto, foi reiniciada a contagem do prazo de 20 anos para a prescrição do crime. Desde o primeiro momento Nelito, Marinheiro e Crescêncio foram apontados como suspeitos.

A ação penal estava parada desde julho na 4ª Vara Penal de Marabá, mas a tramitação foi retomada por determinação do Tribunal de Justiça do Pará, atendendo a pedido de entidades envolvidas na defesa de trabalhadores rurais no Sul do Pará. Ainda este mês, o promotor José Luiz Brito Furtado deve elaborar o libelo acusatório, que é a fase que antecede o julgamento. A perspectiva do ouvidor agrário estadual, Otávio Maciel, é que Nelito seja julgado em março ou abril, em Marabá.


Preço da gasolina cairá mais no Rio
Governo estadual reduziu em 8,63% a base de cálculo do ICMS. Queda chega às bombas a partir de segunda-feira

para recolhimento do ICMS sobre a gasolina. Na prática, esta redução poderá fazer com que os preços caiam nas bombas já na próxima segunda-feira, quando entra em vigor uma portaria assinada ontem à noite pelo secretário de Fazenda do Estado do Rio, Fernando Lopes.

Para Gil Siuffo, presidente da federação nacional dos revendedores de combustíveis, a Fecombustíveis, o preço da gasolina pode cair mais dois pontos percentuais no Rio, além do que já foi registrado nos últimos dias. O consumidor, avalia, poderá usufruir de uma redução total de até 16% nos preços, percentual que já se aproxima da meta do governo federal, de 20%. Mas para isso, diz Siuffo, os Estados teriam que reduzir ainda mais o valor de referência para o cálculo do ICMS dos combustíveis.

Mais barato - As distribuidoras e revendas de combustíveis pagarão o tributo com base num litro da gasolina menor: R$ 1,620. Até ontem, o ICMS era cob rado como se o litro do produto custasse R$ 1,773.

A proposta do governo fluminense é fixar o preço presumido dos combustíveis a cada semana, acompanhando a variação dos valores dos derivados de petróleo, que estão sendo monitorados diariamente pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Lopes acredita que esta decisão seja seguida pelos demais Estados.

Pressão - Na próxima sexta-feira, haverá uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em Brasília, para tratar do assunto. O objetivo do governo federal é que o preço do litro da gasolina fique 20% mais barato nos postos; e o diesel, 8%. A reunião foi convocada pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, o que incomodou, num primeiro momento, o Rio de Janeiro e o Ceará.

O representante da Secretaria de Fazenda do Ceará no Comissão Técnica Permanente do ICMS (Cotepe), João Alfredo Montenegro Franco, disse que o Ministério da Fazenda não tem poder para forçar os Estados a reduzir o preço que serve para calcular o imposto. Para a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio, articulações políticas estão tentando transformar os governos estaduais em ''vilões'' da queda de braço.


O socorro do Brasil à Argentina
Governo vai ajudar vizinho a renegociar dívida, fornecerá tecnologia de medicamentos e fará vista grossa no Mercosul

O governo brasileiro definiu como vai intervir na crise argentina. Os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Duhalde conversaram por telefone diversas vezes, nos últimos três dias, e acertaram formas de ajuda do Brasil ao principal parceiro no Mercosul. Uma das ações previstas é o auxílio ao governo da Argentina na reabertura das negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), prevista para o início da próxima semana, quando o ministro da Economia argentino, Jorge Remes Lenicov, deve viajar a Washington.

Fernando Henrique e Duhalde combinaram uma discreta mas intensa mobilização de funcionários do Banco Central, Ministério da Fazenda e Itamaraty, especializados em renegociação de dívida externa, para apoiar Lenicov nos Estados Unidos nas discussões com o Fundo, o Tesouro e bancos privados europeus e americanos. Duhalde informou o presidente dos Estados Unidos, George Bush, sobre a situação numa das três conversas telefônicas que tiveram nos últimos quatro dias.

Emergência - Prevê-se que ainda neste mês a Argentina se entenda com o FMI e receba algum tipo de socorro emergencial. Há rotinas financeiras instituídas para esse tipo de situação. Um exemplo é o mecanismo de recompra de títulos da dívida quando um Estado vai à bancarrota. Apesar da constatação de insolvência do país, o Fundo pode decidir aceitar um acordo inicial pelo qual garante um crédito emergencial, comprando certa quantidade de títulos da dívida do país em plena moratória.

O problema argentino é de credibilidade nos salões de Washington, Nova York, Londres e Paris, principais praças financeiras internacionais. Fernando Henrique e Duhalde acreditam ser possível recuperá-la. O governo brasileiro agiria como uma espécie de avalista da Argentina, que não é e nem está na mesma trilha da Rússia - a do calote permanente.


O conto do euro falso
Policiais de mentira 'apreendem' notas

AMSTERDAM E PARIS - À medida em que passa a integrar o cotidiano dos europeus, a circulação do euro traz consigo histórias curiosas. Na Holanda, dois falsos policiais enganaram aposentados e confiscaram suas notas de euro, alegando que eram falsificadas. Na França, uma senhora foi ao banco para converter seus francos em cerca de 275 mil euros, que ela guardaria em casa.

O caso aconteceu na cidade de Amiens (norte da França). Uma mulher, de 69 anos, levou 1,8 milhão de francos para que seu banco realizasse a troca pela nova moeda européia. Surpresos, os funcionários do banco deram à senhora nada menos que 550 notas de 500 euros.

A cliente explicou que se tratava de uma herança e disse que voltará a guardar a pequena fortuna em seu próprio cofre, como fazia com os francos. Os funcionários pediram a identidade da abastada cliente, como estipula a lei francesa para qualquer câmbio de francos acima de 10 mil euros. A medida visa controlar a origem do dinheiro pelo Fisco.

Conto-do-vigário - Já na Holanda, pelo menos dois idosos caíram num típico conto-do-vigário. Um senhor de 88 anos, na cidade de Arnhem, deu 2.000 euros (cerca de US$ 1.800) para dois homens que se identificaram como policiais. Perto dali, em Rozendaal, uma senhora também entregou a desconhecidos uma quantia da nova moeda do continente europeu.

''É uma fraude. Sempre há pessoas que tentam enganar os mais velhos'', disse Remke Weller, porta-voz da polícia local. Os falsos policiais abordaram os aposentados depois que eles sacaram notas novas de euros de caixas eletrônicos. Em seguida, os homens convenceram suas vítimas de que as notas eram falsificadas.


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O não argentino
GILSON CARONI FILHO


Ante uma dívida pública de 146 bilhões de dólares, sucessivos ajustes recessivos para manter uma fantasia cambial, funcionalismo público e inativos confiscados em salários e proventos, o povo argentino reiventou a política. Derrubou o czar dos financistas de prontidão e levou à renúncia dois presidentes. Há quem veja com preocupação o que deve ser festejado como esperança. Historicamente, mudanças significativas se fazem por forças não mais controláveis por uma institucionalidade que se torna tão arcaica quanto disfuncional.

Tal como nas linhas do realismo mágico, tempo e espaço entraram em suspensão. As mães da Praça de Maio, os curtidos pela hiperinflação do governo Alfonsin e os desempregados pelos 43 meses de recessão deram-se os braços. Como a dizer que na história argentina tudo tem conseqüência e sua tradição não comporta pontos finais ou obediências devidas. Não foi, como apregoa análise apressada, ato de desespero. Foi antes manifestação de soberania popular.

Industrializado a partir de um pujante setor agroexportador, forjado politicamente num outrora sólido sistema partidário de altíssima capilaridade, o país vizinho demonstrou que a história pode não ser contínua mas é cumulativa, e forma o caráter de uma nação. Relembrou por que Frondizi e Illia deixaram inconclusos seus governos. Por que falhou a tentativa golpista de Ongania. Redesenhou a origem e o ocaso da tragicidade peronista. E pedagogicamente mostrou o quão sangrenta teria de ser a ditadura nos anos 70 para se sobrepor a um povo que não existe para ter um papel ancilar.

Sem uma liderança orgânica ou mesmo um projeto alternativo, os últimos dias foram um grande não. Ao monitoramento externo e às razões das finanças que jogam no desemprego quase 20% da população economicamente ativa. Não aos fundamentalismos do Consenso de Washington. Não à geléia disforme do Justicialismo, da UCR e da envergonhada Frepaso. Longe estamos da barbárie. Assistimos a uma antiga lição: a política também se faz fora dos marcos institucionais estabelecidos. Com ou sem estado de sítio em seu intercurso

Será que não vai aparecer alguém para constatar que o povo de Seattle se multiplicou? Não haverá um filólogo de boa-fé para explicar que moratória não tem o sentido pejorativo de calote? Que o ingresso das mães da Praça de Maio na Casa Rosada é o ajuste de contas de uma nação com sua história? Que o cerco a um Congresso subalterno é reapropriação da cidadania parcialmente delegada?


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COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Septicemia no poder público
Quem definiu à perfeição a causa da morte do seqüestrador Fernando Dutra, foi Millôr Fernandes: ''Morreu de falência múltipla dos órgãos - Polícia Federal, Justiça Estadual e Governo do Estado.'' Tenha sido assassinado ou vítima de negligência médica, o criminoso morreu sob custódia do poder público sem que este tenha conseguido explicar o que houve.

Bem como, no âmbito federal, a PF ainda não sabe dizer as razões pelas quais a cantora Gloria Trevi engravidou nas dependências de sua carceragem, em Brasília. Na verdade, o que volta a estar em questão é a política de Direitos Humanos no Brasil, uma vez que, se isso acontece com protagonistas de episódios que ganham fama, lícito supor que haja muito mais nos recônditos não iluminados pela notoriedade.

No caso de São Paulo, o desfecho mostra que estavam corretas as análises segundo as quais o governador Geraldo Alckmin errou ao negociar pessoalmente a rendição do seqüestrador que mantinha o empresário Silvio Santos como refém, e se arriscou ao empenhar pessoalmente sua palavra como garantia de vida a Fernando Dutra. Conseguiu, como argumentaram os defensores da presença de Alckmin, driblar uma circunstância, mas a médio prazo teve sua palavra desmoralizada pelo sistema subordinado a ele.

Todas as autoridades que se pronunciaram sobre o episódio - de médicos ao secretário de Administração Penitenciária - reconheceram a estranheza da morte por septicemia de uma pessoa com a idade e as condições físicas (conhecidas) em que se encontrava Fernando Dutra.

Prejulgamentos não levam necessariamente a sentenças justas, mas é fato que o caso em questão encerra elementos gritantes de suspeição. O mais explícito, descobriu-se só agora. Dias antes de morrer, o criminoso havia sido agredido por um chefe de segurança e dois carcereiros. Não deu queixa, o que denota temor, evidentemente por precedência de ameaça.

Na ausência de registro, a despeito da existência de testemunhas, não houve investigação e fica no ''desentendimento'' a única explicação fornecida. Sim, mas desentendimento por qual razão?

Não se pode esquecer que o caso de Fernando não está enquadrado naqueles em que tradicionalmente os companheiros de prisão fazem, eles mesmos, a justiça que consideram adequada ao tipo de crime cometido. Ao contrário, se houver aí o elemento vingança ele está do outro lado.

Primeiro, porque dois policiais foram mortos num suposto embate com Fernando que, no entanto, negou a autoria do crime, transferiu a responsabilidade para outros policiais que estariam na cena e ainda denunciou que houve intenção de extorquir o dinheiro do resgate em poder do seqüestrador. Este, portanto, transformado em testemunha-chave num processo de corregedoria policial.

Em segundo lugar, visto de agora, já não parece absurdo que o governador Alckmin não tenha comparecido ao enterro dos dois policiais, como seria normal e conforme lhe foi cobrado à época. Talvez informações adicionais e a prudência que faltou quando aceitou ir à casa de Silvio Santos, tenham norteado a decisão de não render homenagens àqueles que, em tese, foram mortos em serviço pelo seqüestrador a quem Alckmin garantiu a preservação da vida.

Pois bem, agora o advogado que representa a família de Dutra fala em processar o Estado para responsabilizá-lo pela morte, baseado no empenho da palavra do governador. Esse direito já seria assegurado, da mesma forma como famílias de presos políticos obtiveram indenizações pelo desaparecimento de parentes em condições misteriosas dentro da prisão, dado o dever de o poder público garantir a vida e a segurança daqueles sob sua custódia.

A explicitação da falência múltipla dos órgãos públicos, a que se referiu Millôr Fernandes, só tornou-se mais evidente porque Geraldo Alckmin forneceu seu cargo como aval de uma garantia que não pôde sustentar. Lastreada na inépcia, portanto.

Dois pesos
Como pessoa física, Marta Suplicy tinha todo o direito de passar as festas de fim de ano onde quisesse, com quem bem entendesse.

Já como pessoa jurídica, a prefeita não avaliou corretamente o prejuízo político de sua viagem com Luis Favre a Paris, ante uma São Paulo cuja maior parte da população julga que a cidade não está sendo administrada a contento.

Faltou um bom assessor ou um bom amigo para dizer a Marta que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e certas coisas são imperdoáveis para a opinião pública.

A luta continua
Avaliação política corrente no governo brasileiro: ainda vai haver muito quebra-quebra na Argentina, cuja situação política - traduzida nas relações da sociedade com os governantes - não será resolvida tão cedo. Sem contar a peculiaridade de o presidente Eduardo Duhalde, eleito indiretamente, ter sido rejeitado pelas urnas há dois anos.


Editorial

DESPERTAR POLÍTICO

O Congresso recuperou-se em tempo de um ano imprevisível e terminou bem 2001. O ano que parecia perdido foi reaproveitado de maneira promissora. A Câmara e o Senado deverão manter o nível de produtividade na auto-convocação extraordinária durante o período de recesso, sem representar custo adicional. Poucas vezes a Câmara e o Senado terão conseguido inverter a opinião pública sempre crítica e ter o reconhecimento da sociedade. Foi claro o esforço do Congresso para revestir a ação política de uma proteção ética historicamente importante.

É natural, portanto, a expectativa de um 2002 produtivo pela ação dos seus presidentes, deputado Aécio Neves e senador Ramez Tebet, como blindagem para um ano reduzido à metade pela campanha eleitoral. Na verdade, 2002 terá de apresentar produtividade no primeiro semestre, porque a partir de julho - depois de cumpridas as etapas formais das candidaturas - não haverá atmosfera para o trabalho legislativo ou debate político à margem do processo eleitoral. Depois da espetacular recuperação do ano passado, a Câmara e o Senado estão no dever de honrar a confiança.

A restauração do compromisso ético não exime, porém, a representação de seus deveres legislativos no curto tempo de que dispõe para retomar o debate e a votação de questões prioritárias, como a reforma tributária que se arrasta há anos, a reforma financeira e as medidas provisórias de natureza polêmica que esperam vez. Há uma cesta de projetos importantes acumulados. Não há como fugir à prorrogação da CPMF, na qual a oposição, por motivos óbvios, é tão interessada quanto o governo.

O líder do governo na Câmara, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), lembra que ''a necessidade de que o Legislativo faça a sua parte''já se tornou a consciência da instituição e representa prova da maturidade política brasileira. O exame e a votação das medidas provisórias têm agora uma dinâmica que impedirá a repetição do vácuo legislativo que marcou negativamente longo período parlamentar. O sentido construtivo consolida a fase responsável dos partidos que não fazem parte do governo mas são interessados diretos no aperfeiçoamento institucional da democracia.

Entram na receita do bolo legislativo que definirá o novo Brasil a previdência complementar para os servidores públicos, a Lei das Sociedades Anônimas (MP), o alongamento do crédito rural (MP) e a greve em serviço público, cuja urgência ficou demonstrada em episódios recentes. Não são mais possíveis restrições e excessos que, pela ausência de normas legais, agravam conflitos de interesses que prejudicam a sociedade. O exercício do direito de greve implica responsabilidade pública das duas partes. A Constituinte de 88 delegou à lei ordinária a regulamentação que o Congresso negligenciou. Chegou para o legislador a oportunidade de ''fazer a sua parte'', como propõe o líder Arnaldo Madeira, em relação a uma obrigação com 12 anos de atraso.

A prorrogação da CPMF, embora controvertida, tem a seu favor a circunstância de significar perda de receita se não for aprovada. O futuro governo é interessado na solução e, portanto, encaminhará a oposição para um acordo que satisfaça ao atual e ao futuro governo. Até junho, terá de ser aprovada a Lei de Diretrizes porque, se não for votada, não poderá haver recesso em julho. O prazo é fator de negociação e, da sua aprovação, dependerá também a aprovação do Orçamento para 2003, sob responsabilidade de outro governo.

A emenda constitucional relativa ao sistema financeiro reúne várias leis complementares, e não uma única. Não há exagero em admitir a véspera da maturidade constitucional brasileira, com o despertar de uma responsabilidade política que extingue a prática do oposicionismo sistemático e põe o governo no centro de negociação e entendimento, sem prejuízo das divergências e com noção de responsabilidade por parte de todos os Poderes da República.


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01/05/2002


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