Ricardo Sérgio defende José Serra



 





Ricardo Sérgio defende José Serra
Nota de apoio irrita tucanos enquanto presidente do STF defende investigação pelo Ministério Público sem uso de CPI

BRASÍLIA - O governo e o PSDB já comemoravam, antecipadamente, ontem à tarde, o esvaziamento da crise na candidatura de José Serra à Presidência, desencadeada pela denúncia de propina envolvendo o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira e o empresário Benjamin Steinbruch. Os tucanos acreditavam que a anunciada disposição do PFL de não colocar lenha na fogueira abortaria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso. Uma nota divulgada por Ricardo Sérgio no início da tarde, contudo, pôs fim às comemorações.

O ex-arrecadador das campanhas do PSDB diz que a história da propina é ''uma mentira sórdida'', e expõe sua fé no candidato tucano. ''Considero José Serra um homem público preparado para conduzir os destinos do país, e me recuso a compactuar com essa trama de baixo nível que claramente visa a atingir sua candidatura'', diz. E prossegue: ''Estou à disposição da Justiça para qualquer esclarecimento''. A divulgação da nota foi vista com uma manobra desastrada pelo governo e pelos tucanos. ''Foi um tiro no pé'', comentou um interlocutor do presidente Fernando Henrique Cardoso.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, defendeu a apuração, pelo Ministério Público Federal, das denúncias de irregularidades na privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Mas disse ser contra uma CPI. ''É necessário afastarmos essa perplexidade pelos meios legais'', disse.

''A CPI deve ser o instrumento de excepcionalidade maior e creio que temos na ordem jurídica os meios legais'', disse.

Factóide - A oposição joga tudo no prolongamento da crise. Mesmo sabendo que a possibilidade de uma CPI é remota, faz jogo de cena mesmo que isso não empolgue. ''Não criaremos um factóide, pois sabemos que não faremos uma CPI sozinhos'', confessa o líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ). Ele sabe que a maioria governista está a postos.

A saída é atrair dissidentes. A CPI requer 171 assinaturas de apoio e precisa vencer a preferência de outros 20 pedidos de CPI. Para furar a fila, é necessário um pedido de ''urgência urgentíssima'' com 257 assinaturas. O líder do PT, deputado João Paulo (SP), insiste: ''Sem CPI, o espírito de Ricardo Sérgio ficará pairando na Esplanada até as eleições''.

A senadora Heloísa Helena (PT-AL) apresenta hoje à Comissão de Fiscalização e Controle requerimento para ouvir Ricardo Sérgio, o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e Benjamin Steinbruch, além do ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Para aprová-lo, contudo, só conta com quatro dos 17 votos. Ontem, em Nova York, o ministro chamou a denúncia de ''armação''.


Acordo com PFL fracassa
PSDB rejeita ultimato que condiciona volta ao governo à substituição de Serra

BRASÍLIA - Fracassou ontem o esforço do presidente Fernando Henrique Cardoso para trazer o PFL de volta à base do governo. A reaproximação tentada em jantar à luz de velas, anteontem, no palácio da Alvorada, regada a vinho alemão, em homenagem ao presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), resultou horas mais tarde em uma guerra de notas oficiais. Irritado com o vazamento antecipado das negociações entre o PFL e o governo e das versões contraditórias sobre os resultados do encontro o presidente do PFL, Jorge Bornhausen exigiu a renúncia do tucano José Serra à presidência como condição como condição apoiar a aliança entre PFL, PSDB, PMDB e PPB.

''Não houve isso'', desmentiu Anibal, rejeitando o ultimato em entrevista cedo ao programa Bom Dia Brasil. Ele revelou que o bom diálogo com o PFL havia sido retomado e que o prazo para uma resposta definitiva do partido sobre o apoio a Serra aguardaria até o final de maio.

Ao ouvir Anibal, Bornhausen convocou imediatamente a cúpula do PFL à sua residência e divulgou nota oficial confirmando que no encontro de três horas com Fernando Henrique, Pimenta da Veiga, coordenador da campanha de Serra e o presidente do PSDB, José Anibal, defendeu a renúncia de Serra e sua substituição por outro candidato mais popular.

O senador entregou ainda pesquisas realizadas pela Sensus e o GPP onde Serra deve cair e Lula, do PT, pode vencer em primeiro turno. Ele reconheceu que ''a candidatura de Serra está nas mãos de Serra'', mas lembrou que, na vida pública, a renúncia revela o espírito público do autor.

A nota desmentiu declarações de Anibal, para quem ''o bom entendimento entre PFL e PSDB já ocorre em 15 estados'' e vai implicar em coligação com Serra. ''Isso é exagero. São apenas três estados: Rio, São Paulo e Goiás'', diz o senador José Jorge (PE), ao assumir ontem a presidência interina do PFL, nos 10 dias que Bornhausen estará na Espanha.

Ontem, após almoço com o PMDB, Anibal estava irado. ''A candidatura Serra não está sujeita a ultimatos'', rebateu Anibal, também em nota oficial.

Anibal declarou-se ''chocado'' com o tom da nota do PFL. ''As conversas foram amenas e em tom diplomático,
marcadas pela descontração e cordialidade. Estou surpreso''. ''A retomada do diálogo entre os dois partidos dispensava este tipo de nota'' protestou Anibal.

Solidário, o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA) atacou o PFL e disse que não haverá outras tentativas de acordo. ''Fizemos tudo para trazer o PFL de volta. Agora, eles é que decidam. Se não quiserem, sigam outro caminho mas parem de fazer marola''.

Em São Paulo, o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, senador José Serra, minimizou a reação do PFL. ''Trata-se de uma estratégia de cacife partidário''. ''Não estou dizendo que o PFL é dispensável e nem indispensável. Não vou dizer mais nada além do que já disse'', desconversou. ''Se puder vir o PFL, é bom'', afirmou Serra, acrescentando que sua campanha continuará normalmente.

Três medidas foram antecipadas para fortalecer a candidatura Serra: apressar o anúncio do vice, inauguração escritório-central da campanha do PSDB e rebater uma por uma as denúncias contra o candidato. ''O PSDB não vai permitir que coloquem em risco a honra de Serra''. anunciou Pimenta.


Procurador pede ampla investigação
Receita fiscalizará outras 17 empresas ligadas a Ricardo Sérgio Oliveira

BRASÍLIA - O procurador da República Luiz Francisco de Souza pediu ontem ao secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, a ampliação da auditoria na vida fiscal de Ricardo Sérgio Oliveira, e da mulher, Elizabeth Salgueiro de Oliveira. Devem sofrer devassa mais 17 empresas e pessoas físicas ligadas ao ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil. O procurador quer a quebra do sigilo fiscal e bancário das empresas de Ricardo Sérgio, a RMC Corretora SA, a Planefin e a Westchester Participações Ltda, criadas na época da privatização das empresas de telefonia, em 1998. Também são alvo do pedido de auditoria os ex-diretores da Previ, o fundo de previdência do Banco do Brasil, Jair Bilachi e João Bosco Madeiro da Costa.

No documento encaminhado à Receita, Luiz Francisco diz que Ricardo Sérgio utilizou procurações para ocultar transações comerciais feitas com o fundo de previdência dos funcionários da Petrobras, a Petros, levantando suspeitas sobre o crescimento de seu patrimônio. Ele destaca o fato de a Planefin ter adquirido da Petros dois edifícios comerciais em Belo Horizonte e no Rio, em operações abaixo do preço de mercado.

O nome do ex-caixa de campanha do tucano José Serra ao Senado, em 1994, não aparece nas escrituras públicas. É o amigo Ronaldo de Souza, dono da Consultatum, também proprietária dos edifícios, que atua como procurador da Planefin. ''Na hora de administrar o dinheiro, no entanto, é Ronaldo quem passa procuração para o ex-diretor do BB'', destaca Luiz Francisco.

O procurador aponta indícios de que outra empresa de Ricardo Sérgio, a RMC, lavou dinheiro da propina cobrada na venda de uma das telefônicas estatais, em 1998. Ricardo Sérgio foi quem atuou, dentro do Banco do Brasil, para montar o consórcio vencedor da tele norte-leste, hoje Telemar. Denúncias feitas pelo ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) apontaram Ricardo Sérgio como beneficiário da comissão que teria sido paga depois da privatização.

Luiz Francisco anunciou que, na próxima semana, deve pedir a inclusão de outras empresas para checar a procedência da denúncia feita pela revista Veja. Segundo a reportagem, Ricardo Sérgio teria cobrado R$ 15 milhões, em 1998, ao empresário Benjamin Steinbruch, pela atuação na privatização da Vale do Rio Doce, arrematada em leilão pelo consórcio liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), capitaneada por Steinbruch. Ricardo Sérgio trabalhou para formar o consórcio vencedor.


Seca desespera agricultores no Sul
Pequenos proprietários pedem seguro

Florianópolis - Agricultores que possuem pequenas propriedades familiares em Santa Catarina fizeram ontem protesto nas rodovias BR 163 e SC 282 para pressionar o Governo Federal a liberar recursos para o combate da seca que atinge a região oeste do Estado e algumas cidades do norte do Rio Grande do Sul. A área está há 180 dias sem chuva. Vinte e cinco municípios foram mobilizados para a manifestação. Foram organizados acampamentos ao longo de várias estradas.

Ontem, um grupo de aproximadamente 200 agricultores ergueu acampamento na rodovia que liga o município de Palmitos (SC) a Iraí (RS). Desde ontem, dois acampamentos formados por 700 produtores rurais foram organizados na BR 153 e na SC 468, entre as cidades de Erexim (RS) e Chapecó (SC).

Catarinenses e gaúchos estão juntos no protesto e têm como objetivo pressionar a liberação do seguro-renda no valor de R$ 2,4 mil, para cada família, que deve ser pago em 12 parcelas. ''Não retornaremos às nossas propriedades enquanto os pedidos não forem atendidos'', adiantou Dirceu Dresch, coordenador da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar.

Em Santa Catarina, 90 mil famílias estão com prejuízos de R$ 200 milhões devido à forte estiagem que atinge toda a região oeste. No Rio Grande do Sul, as perdas já chegam a R$ 500 milhões.


Recadastramento eleitoral termina
Brasília - O prazo para inscrição ou transferência de domicílio de eleitores para outro Estado termina hoje. É também o último dia para o eleitor que mudou de residência, dentro do próprio município, solicitar a alteração em seu título. As pessoas interessadas devem procurar a sede dos tribunais regionais ou um dos cartórios eleitorais de sua cidade. O voto é obrigatório para quem tem mais de 18 anos. Mas é facultativo para os maiores de 70 anos, maiores de 16 e menores de 18 anos, e analfabetos.

Quem é obrigado a votar, e não se justificar, paga multa a ser definida pelo juiz eleitoral. Além disso, fica impedido de participar de concursos públicos e pedir empréstimo a instituições financeiras públicas.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prevê, para as eleições de outubro, um crescimento de 5% do eleitorado, em relação ao último pleito municipal. Ou seja, a participação de cerca de 114 milhões de eleitores.


Indicação de Gilmar é mantida
Brasília - O juiz federal Eduardo Rocha Cubas não conseguiu suspender, por ação popular, a indicação do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, para a vaga do ministro Néri da Silveira, no Supremo Tribunal Federal (STF). Mendes será sabatinado hoje, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e seu nome deve ser aprovado pelo plenário da Casa.

A briga de Rocha Cubas com Gilmar Mendes teve origem numa representação do advogado da União contra o juiz que, ainda em estágio probatório para ser considerado vitalício, cometeu ''erro crasso inaceitável em um magistrado''. O juiz, que estagiava em Belém (PA), citou o presidente da República por editais, em ações contra a privatização da Vale do Rio Doce.

Na época, a Corregedoria do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região advertiu Rocha Cubas pelo erro de natureza técnica. Sua vitaliciedade (condição necessária para se tornar juiz titular) acabou sendo aprovada pelo plenário do TRF por dez votos a nove.

O argumento da ação popular na qual o juiz é representado por seu irmão, Ricardo Cubas, é de que Gilmar Mendes não atende ao requisito constitucional de ''reputação ilibada'', por responder a inquéritos contra ele abertos, no exercício de suas funções de advogado da União.

Esses processos são interpelações feitas a Gilmar Mendes em virtude de declarações a propósito de liminares concedidas quando dos leilões de privatização de empresas públicas, sobretudo a referente ao ''manicômio judiciário'' em que teria se transformado o país. São processos em andamento, não transitados em julgado e, como a recente ação popular do juiz Rocha Cubas, não atingem a ''reputação ilibada'' prevista na Constituição.

Ação anterior do juiz federal contra Gilmar Mendes, por crime de injúria, foi arquivada, em setembro do ano passado, pelo STF.


Artigos

Nos 300 anos do Serro
Paulo Amador

Costuma-se dizer no Nordeste de Minas que o Serro, a bela cidade que coroa o maciço do Espinhaço, é o lugar que produziu para a história do país a maior quantidade de homens ilustres por metro quadrado. E para abonar essa afirmação, capaz de levantar o protesto de outras cidades igualmente célebres pela boa fama de seus filhos, vem a nominata gloriosa dos serranos, encabeçada pela família de Teófilo Otoni, pelos poetas Salomé de Queiroga e Murilo Araújo, pelos governadores João Pinheiro e Efigênio de Sales, pelos juristas Pedro Lessa e Edmundo Lins. Isso para lembrar um tempo em que o Serro, pequena cidade que ainda hoje abriga pouco mais de 15 mil habitantes, ocupava assento na Academia Brasileira de Letras e em boa parte das cadeiras do Supremo Tribunal Federal.

Pois bem, o Serro comemora este ano o tricentenário de sua fundação como assentamento de bandeirantes, que por lá andaram no rastro dos sonhos do padre Aspicuelta Navarro, que imaginava na região minas de prata mais ricas que as de Potosi, e dos bandeirantes Antônio Dias Adorno e Fernão Dias, fascinados pela possibilidade do achamento de ricas jazidas de esmeraldas. E se 300 anos de história não foram o bastante para justificar a fantasia do caçador de esmeraldas, foram mais que suficientes para provar que o Serro Frio do Ivicturuy tinha e ainda tem riquezas muito maiores que a ilusão das minas de prata ou esmeralda.

O povoamento do Serro, berço da civilização em todo o Norte e Nordeste de Minas, tem registro de nascimento datado de 1700, ano em que foram descobertas as minas de Santo Antônio do Bom Retiro do Serro Frio. E já em março de 1702 contribuía para o Fisco, de acordo com assentamentos de Baltazar Lemos Morais Navarro, procurador da Fazenda Real. Começava aí a história de um povoado, depois Vila do Príncipe (1714), e finalmente a cidade (1838), cuja influência e cujo poder, nos tempos da efervescência da economia do ouro e diamante, se estendiam desde as proximidades de Santa Luzia, no centro do Estado, até a fronteira com a Bahia, quase 600 quilômetros lineares ao Norte.

O Serro mantém intactas as dimensões espirituais de seu povo, que o tornam único entre as cidades brasileiras. E embora tenha perdido sua importância relativa no plano puramente estatístico, mantém-se como uma das mais belas atrações para o turismo cultural em Minas. Mantém-se como núcleo urbano conservadíssimo, onde o visitante é surpreendido pela imponência dos sobradões coloniais e das igrejas que preservam uma das maiores concentrações de peças de arte sacra de Minas Gerais.

O Serro é esse passado glorioso, mas é também a cidade que ainda hoje tem ajudado a apurar o olfato e o paladar dos produtores brasileiros de café, produzindo a mais saborosa mistura de grãos. E para acompanhar o melhor café do mundo, oferece o refinamento de um queijo cuja qualidade é tão superior a tudo que se produz no Brasil e no restante, que está em vias de ser tombado pela Unesco.

Isso mesmo: a fórmula mágica e deliciosa do queijo do Serro está para ser reconhecida mundialmente como produto genuíno de uma alquimia regional, que aprendeu a transformar o leite gordo de um rebanho de montanha em um produto que desafia os paladares mais exigentes. E esse queijo tão famoso, inimitável até porque ninguém conseguiria reproduzir em outras terras as condições ideais da bacia leiteira do Serro, além de ser marca de um produto que acabou por servir de emblema a toda a indústria de laticínios em Minas Gerais, presentemente representa muito mais que a bandeira ufanista dos serranos. O queijo é responsável pela vigorosa sobrevivência de toda uma economia regional. No rastro do seu tombamento pela Unesco, certamente acabará por vir o do próprio sítio urbano histórico. O Serro merece.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Será Benedita a Cinderela?
De longe pode até parecer um conto de fadas, mas de perto, lá dentro do Palácio Guanabara, sob o cerco de professores aos urros de ''a greve continua, Benedita a culpa é sua'', a história da mulher, negra e favelada que virou governadora do Rio, não tem esse glamour todo. Se há 30 anos, Benedita da Silva dava duro no tanque para sustentar a filharada, hoje sua o tailleur para manter o Estado funcionando com os R$ 38 milhões que o antecessor, Anthony Garotinho, lhe deixou de herança.

''Só o impacto sobre a folha de pagamentos da primeira parcela do reajuste do plano de carreira dos professor''s é de R$ 43 milhões por mês'', diz ela, já na expectativa de nova viagem a Brasília para tentar garantir a antecipação do repasse dos royalties do petróleo produzido no Estado e dinheiro do BNDES para as obras do metrô. É a terceira vez, em 30 dias, que vai bater às portas dos cofres federais. ''Preciso assegurar a continuidade do que já estava sendo tocado, não tenho tempo nem dinheiro para inventar nada.''

Bené, que quando sai à rua é chamada de ''você'', não pinta o cenário difícil em tom de mágoa ou lamúria. ''Sou muito consciente das coisas e soube que iria enfrentar dificuldades porque simplesmente não tive transição. Chegamos no escuro.'' Garotinho proibiu os antigos secretários de passar qualquer dado à equipe que chegava.

Acostumada com a adversidade, Benedita diz que não se apertou. ''Consegui montar uma equipe de alta qualidade e, em pouco tempo, já posso dar sinais de que tenho respostas às demandas da população.'' A receita é um tanto mais difícil de executar que a feijoada dos fins de semana na casa de Jacarepaguá: ''Como preciso matar dois leões por dia, quem trabalha comigo não tem colher de chá.''

A matança dos leões não guarda relação apenas com o fato de ter assumido a administração de um adversário político que fez questão de proporcionar a ela um ambiente o mais árido possível. Com a falta de dinheiro Benedita até que se vira: ''Precisei tirar R$ 18 milhões da Saúde, a fim de não paralisar a distribuição dos cheques-cidadão que beneficiam 65 mil famílias.''

O desafio mais difícil de enfrentar é aquele de natureza subjetiva, ligado ao gênero e à etnia às quais pertence Bené. ''Esse negócio de mulher, negra e ex-favelada me dá uma responsabilidade muito grande. Primeiro, as pessoas ou ficam morrendo de pena achando que vou ser massacrada ou acreditam que vou me perder no governo. Pois quero informar que não acontece uma coisa nem outra, porque encaro tudo com muita naturalidade.''

O inusitado, aponta Benedita, está na cabeça das pessoas: ''Sou eu a diferente, por quê? Sou como todo mundo que teve uma trajetória bem-sucedida, o que quero é que venham outras Beneditas atrás de mim.'' E, para isso, a governadora não abre mão de incluir entre os critérios para a escolha dos auxiliares a questão de gênero e etnia - ela fala assim, nada de ''sexo'' ou ''raça'', tudo politicamente muito correto.

Por isso, também não se refere a ''cotas'' , mas a ''ações afirmativas''. E estas já asseguraram 20% dos lugares da administração estadual a mulheres e a negros, percentual que Benedita pretende aumentar. ''Tenho uma função didática. Preciso valorizar as pessoas, até porque já está meio cansativo esse negócio de eu ser pioneira: a primeira mulher negra a fazer isso ou aquilo, é preciso ver essas coisas com mais normalidade.''

Ela até entende a certa carnavalização que se faz em torno de sua família, pelo simples fato de mudarem-se todos para um palácio - das Laranjeiras - onde negros, à exceção de titulares de reinos africanos, só entravam pela porta dos fundos. Entende, mas não esconde uma ponta de irritação: ''Acham o quê? Que meus filhos não vão saber se comportar, que nunca viram um tapete na vida? Ora, por favor, piso em tapete vermelho ou ando de pé no chão como qualquer outra pessoa. Ninguém fez essa onda toda quando vários governadores mudaram para lá. Então, repito: a diferente não sou eu, a diferença está é na cabeça dos outros.''

Caudalosa nas opiniões sobre comportamentos sociais e questões de governo, Benedita é cautelosíssima quando o assunto é eleição. Candidata ao governo, já tem escolhido o vice de sua preferência - Luis Eduardo Soares -, mas diz que o partido cuidará da campanha.

Ela governará e só entrará na cena eleitoral ''no momento certo'', cuja data evita revelar. ''Não estou mordida pela mosca azul, acho que consigo ganhar, mas, se no dia 31 de dezembro, tiver de voltar para Jacarepaguá, não tem problema nenhum. Se tem uma coisa que não sou é deslumbrada.''

De fato, alumbramento mesmo Bené só deixa escapar no brilho dos olhos e no sorriso oceânico quando fala do marido, Antônio Pitanga: ''É um amor, agora até vestido separa para mim quando preciso correr de um compromisso para outro.''


Editorial

CANDIDATURA: A HORA DE DECOLAR

Pelos antecedentes e pela posição sustentada nas pesquisas, desde que aceitou a indicação, a candidatura José Serra a presidente da República tornou-se inarredável. A formalidade que falta é a Convenção do PSDB, em junho, como rito legal. A última tentativa de instabilizá-la não foi fogo retórico. Chamuscou a legenda e dará trabalho para o rescaldo do incêndio, mas não altera a ordem dos fatores nem o produto eleitoral.

A reportagem da revista Veja no domingo teve efeito negativo mas restrito porque qualquer pretensão de mudar o curso dos acontecimentos é perda de tempo. Não há como retroagir na candidatura que se deixou manietar pela indicação do vice reservado ao PMDB na aliança de legendas gêmeas, com a mesma origem genética.

Não se improvisa uma candidatura presidencial da noite para o dia. José Serra é vocação consagrada à vida pública desde o tempo de estudante e tem currículo que lhe reserva vantagem sobre outros pretendentes e dificilmente desistiria por acidentes de campanha.

Em vez de retrocesso, a candidatura José Serra espera apenas pela indicação do companheiro de chapa e por um impulso que leve o candidato ao contato direto com a sociedade, por intermédio dos seus setores mais representativos. Só assim seu nome alcançará altura para desenvolver velocidade de cr uzeiro. Falta-lhe galgar patamar de estabilidade e agregar apoios que sejam expressão do Brasil moderno.

Ninguém melhor do que José Serra para entender que a campanha eleitoral não é o que se vê mas o que virá e, quanto mais cedo vier, tanto melhor. Porque a sua campanha está atrasada no mérito, está sendo ocupada por um jogo inferior. Sabe o candidato que a política não é um torneio acadêmico mas os atributos pessoais contam, e muito. Ele os tem.

A sua posição nas pesquisas vale como âncora na campanha de alta volatilidade, na qual vão cair raios e trovões sobre todas as candidaturas. Alianças pedem aproximação de contrários, entendimento e aplicação.

Serra enfrenta duas dificuldades, ele e seus partidários, como se sabe: primeiro, como agregar mais gente à sua campanha, dada a sua natureza solitária; segundo, como se manter num patamar que indique sua efetiva viabilidade. Como a voz mais alta na aliança, José Serra terá de assumir a liderança da campanha antes da Convenção do PSDB. Cabe ao candidato turbinar o programa e acionar os controles para a arrancada e a decolagem. Acostumado à eficiência por onde passou - no governo de São Paulo, na Constituinte, no Planejamento e na Saúde - Serra terá de aproveitar a oportunidade para trocar a posição contemplativa pela ação enquanto espera a formalidade de acionar as turbinas e alçar vôo.


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05/08/2002


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