Ricardo Sérgio na mira
Ricardo Sérgio na mira
As investigações sobre a suposta cobrança de propina de R$ 15 milhões no processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, segundo denúncia do empresário Benjamin Steinbruch, serão aprofundadas pelo Ministério Público Federal. O procurador Luiz Francisco de Souza vai requisitar hoje à Receita Federal a ampliação da devassa no patrimônio do acusado, o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira.
O procurador Luiz Francisco também pedirá que a auditoria inclua as empresas de Ricardo Sérgio e o patrimônio do sócio Ronaldo de Souza. Foi o crescimento do patrimônio de Ricardo Sérgio, incompatível com seus rendimentos de funcionário público, que levou a Receita Federal a iniciar as investigações sobre seus bens. Já existe um pedido do Ministério Público de quebra de sigilo bancário de Ricardo Sérgio. Luiz Francisco vai pedir também a quebra do sigilo bancário das empresas e dos sócios, além da quebra de sigilo fiscal de Ricardo Sérgio.
A denúncia afetou o mercado financeiro. De manhã, o dólar subiu 1,37%, batendo R$ 2,441. Os juros futuros pularam de 19,19% para 19,32%. À tarde, o dólar recuou para R$ 2,42, o que representou alta de apenas 0,5%. O cenário político também influiu. A Bolsa de São Paulo caiu 1,42%, por causa de mais um relatório de banco, dessa vez, do Goldman Sachs, que recomendou a troca de ações brasileiras por mexicanas, por causa do crescimento do pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, nas pesquisas.
Corregedoria agora também investigará
A Corregedoria Geral da União, depois de quatro anos, resolveu ontem abrir uma investigação para apurar se houve danos ao Erário. Mas a corregedora, Anadyr de Mendonça Rodrigues, foi evasiva ao responder se as investigações chegariam ao presidente Fernando Henrique. O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros diz ter relatado ao presidente, em 1998, a versão do empresário Benjamin Steinbruch de que Ricardo Sérgio teria cobrado comissão de R$ 15 milhões na venda da Vale:
— Não tenho bola de cristal.
Como a denúncia envolve ilícitos penais, Anadyr pediu a Brindeiro o resultado de investigações feitas pelo Ministério Público Federal.
— Vamos trabalhar em harmonia com o Ministério Público. Se os fatos constituírem irregularidade administrativa, terá a mesma gravidade de um ilícito penal — disse.
O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, requisitou informações e documentos à revista “Veja” e vai encaminhá-los a Anadyr.
Ricardo Sérgio é investigado pelo Ministério Público desde 1997, por causa de sua atuação na privatização das telecomunicações e da Companhia Vale do Rio Doce.
O advogado José Carlos Dias disse que Ricardo Sérgio não deve se pronunciar sobre a denúncia de propina na privatização.
— No momento vamos andar de farol baixo. Enquanto ficam falando, prefiro trabalhar — disse.
Comissão de Ética do governo fica fora
O processo administrativo aberto por Anadyr é o primeiro contra Ricardo Sérgio na Corregedoria Geral da União. Cautelosa, Anadyr se recusou a afirmar se ouvirá as autoridades citadas na reportagem da revista “Veja”, como o ex-ministro das Comunicações Mendonça de Barros e o ministro da Educação, Paulo Renato Souza.
No âmbito do governo, as investigações ficarão restritas à Corregedoria Geral da União. O presidente da Comissão de Ética Pública do governo, João Geraldo Piquet Carneiro, disse que não cabe ao órgão entrar nas investigações.
PMDB pede que Serra escolha logo seu vice
BRASÍLIA- O PMDB quer que o pré-candidato tucano à Presidência, o senador José Serra, formalize já quem será o candidato a vice de sua chapa. O comando do PMDB acredita que o anúncio do candidato a vice indicaria que a coligação entre os dois partidos está consolidada. Argumentam que a decisão também desestimularia as especulações do PFL sobre a substituição de Serra ou daqueles que são contrários à aliança no PMDB.
O presidente do partido, deputado Michel Temer (SP), defendeu esta tese para Serra durante conversa pelo telefone no domingo.
— Se o vice fosse indicado logo isso seria um fato positivo para o Serra. Quanto antes sair o vice melhor — disse Temer.
Hoje, está previsto outro encontro entre as direções do PMDB e do PSDB para tratar das questões regionais. E ainda esta semana deve ocorrer um encontro entre Serra e Temer. Desta vez para bater o martelo e escolher o candidato a vice, que pela vontade da cúpula do partido será o deputado Henrique Eduardo Alves (RN).
Ontem, os dirigentes do PMDB desmentiram a possibilidade de abandonarem o apoio a Serra por causa das denúncias contra o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio.
As denúncias que atingem indiretamente Serra, por suas ligações com Ricardo Sérgio, preocupam a direção do PMDB. Mas seus integrantes reconhecem que eles não têm condições de se afastar da candidatura Serra. Segundo a direção do partido, se isso ocorresse, a cúpula perderia o controle do PMDB para o grupo dissidente. Um integrante da direção do PMDB afirmou ontem que os peemedebistas estão ligados à candidatura de José Serra tanto para o bem quanto para o mal.
Garotinho diz que pode desistir de Costa Leite
SALVADOR e PORTO ALEGRE. O pré-candidato do PSB à Presidência da República, Anthony Garotinho, ameaçou ontem rever a escolha do ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Costa Leite para vice em sua chapa, dependendo das explicações que este der sobre sua atuação no extinto Serviço Nacional de Informações (SNI). Garotinho disse ter ficado surpreso com a revelação de que Costa Leite foi instrutor de arapongas do SNI, como mostrou reportagem da revista “Época” desta semana.
O líder do PSB na Câmara, José Antônio Almeida (MA), disse, porém, que toda a executiva do partido e o próprio Garotinho sabiam da atuação de Costa Leite no SNI no regime militar.
— Ele (Costa Leite) nunca omitiu isso do partido. Todo mundo sabia — disse o deputado.
Mas Garotinho ontem ameaçou:
— Se algo ficar provado, eu serei o primeiro (a defender a revisão da candidatura de Costa Leite).Também fui vítima da ditadura. Não tinha conhecimento sobre esse período da vida do ministro Costa Leite. Para mim foi uma grande surpresa. Eu o conheço como um homem combativo na presidência do STJ, combateu inclusive o excesso de medidas provisórias assinadas pelo presidente Fernando Henrique, e também como defensor do funcionalismo público federal, contra o arrocho salarial. É uma pessoa por quem tenho grande apreço — disse.
“Pelo que li, ele era um funcionário público”
Para Garotinho, é necessário, porém, diferenciar o funcionário que trabalha para o SNI do araponga do SNI:
— Pelo que li até agora, ele era um funcionário público, um consultor jurídico e não um agente. Em momento algum participou de qualquer ato contra a integridade física de quem quer que seja.
O candidato disse que o partido deve esperar pelos esclarecimentos para depois se pronunciar.
— Qualquer pronunciamento precipitado poderá levar ao julgamento de um homem que presidiu o STJ com honra e dedicação, servindo muito bem ao povo brasileiro — disse.
Em Porto Alegre, Costa Leite admitiu que deu aulas para agentes do SNI e disse que, se isso prejudicar a campanha de Garotinho, pode abrir mão de sua candidatura. Ele contou que conversou ontem com Garotinho e que deixou nas mãos do partido seu futuro político.
— Abro mão das minhas pretensões políticas com a maior tranqüilidade se algo for provado contra meu passado. Estão colocando chifre em cabeça de cavalo — disse Costa Leite.
Segundo o ministro, o fato de ter trabalhado no SNI “não é desabonador nem motivo de vergonha”.
— Nunca fiz nada contra a minha consciência nem participei de atos ilegais ou irregulares — disse.
Segundo Costa Leite, não há contradição no fato de ter trabalhado para um órgão ligado ao aparelho repressor nos governos militares e hoje integrar um partido de perfil de esquerda.
— O SNI existiu como existe hoje a Abin. São órgãos que foram criados legalmente e têm uma finalidade específica de atuarem na área de informação. Se houve desvirtuamento de suas funções é outra história, mas não significa que quem trabalhou no SNI tenha se envolvido com atos de natureza condenável — disse.
Ex-ministro diz que fez assessoria jurídica
O ex-ministro classifica como “assessoria jurídica especializada à Presidência da República” o trabalho que fez durante o tempo em que foi do SNI.
— Trabalhei ao lado de dois juristas que mais tarde foram procuradores-gerais da República: Paulo César Cataldo e Inocêncio Martirez Coelho. Elaborávamos pareceres e informes sobre as questões jurídicas de interesse do presidente João Figueiredo. Inclusive colaborei no projeto de anistia e da abertura política do país — disse o vice na chapa de Garotinho.
Ele afirmou também que elaborava informes sobre questões de segurança específicas de interesse do SNI e foi professor da Escola Nacional de Informação (Esni). Costa Leite se disse indignado e triste com o enfoque da reportagem:
— Ela levanta insinuações e julga comportamentos. Nunca estive envolvido com atos de tortura.
Segundo ele, políticos de esquerda sabiam de suas ações no período do regime militar e nunca houve restrições ao seu nome:
— Desafio quem aponte qualquer ato indigno nos 17 anos que estive na magistratura. Sempre fui patrocinador de seminários e discussões sobre direitos humanos e minha visão como jurista não seria compatível com o desrespeito à ordem e com à adoção de atos ilegais.
PFL aproveita crise para pedir troca de Serra
BRASÍLIA. Num jantar que reuniu o presidente do PSDB, José Serra (SP), o coordenador político da campanha tucana, Pimenta da Veiga, e outros pefelistas, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), disse ao presidente Fernando Henrique Cardoso que seu partido não vai explorar politicamente as denúncias envolvendo o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio, tesoureiro da campanha de Serra ao Senado em 1994. Ele afirmou que o PFL não apoiará a criação de uma CPI para apurar as denúncias.
— Não há sentimento de revanche — disse Bornhausen.
PFL considera que vice de Serra deve ser do PMDB
O discurso oficial do PFL é que cabe ao PSDB decidir se mantém a candidatura de Serra e que o vice na chapa deve ser mesmo do PMDB.
— O PFL não vai agravar a situação política. Mas vou mostrar ao presidente que o quadro político atual não levará seu candidato à vitória. Queremos procurar alguém que possa ganhar realmente a eleição, manter a estabilidade do país e promover o crescimento com inserção social — disse Bornhausen, antes do encontro no Palácio da Alvorada.
— Vamos ficar olhando. O PFL não vai jogar graveto na fogueira. Mas Serra deveria dar alguma explicação, já que seu nome foi envolvido — acrescentou o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN).
À noite, Fernando Henrique se encontrou novamente com Bornhausen e Pimenta. Da reunião, também participaram o vice-presidente do PFL, senador José Jorge (PE) e o presidente do PSDB, José Aníbal. Eles avaliaram o quadro eleitoral e o impacto das denúncias na candidatura de Serra.
Bornhausen acredita que ainda há tempo para que outro candidato seja escolhido. O discurso do PFL é que Serra não conseguiu agregar a base aliada e que o partido está disposto a apoiar um candidato do governo, desde que não seja o ex-ministro da Saúde:
— Há tempo de sobra para se encontrar a convergência e assim garantir a vitória.
Bornhausen expôs pesquisa do PFL para o presidente
Perguntado se a reunião era uma reaproximação com o governo, Bornhausen respondeu:
— Estamos dando espaço para termos um candidato viável.
Bornhausen apresentou a Fernando Henrique a pesquisa do PFL sobre a eleição. Na consulta, o partido optou por não participar da eleição presidencial, liberando as coligações regionais. A maioria, porém, informou que aceita apoiar o candidato do governo se ele não for Serra.
— Queremos um candidato com chances de vitória. E não há condições políticas de o PFL voltar ao governo para apoiar Serra — disse José Jorge.
A avaliação de Fernando Henrique, segundo assessores, foi a de que a situação é preocupante. Para o líder do PSDB no Senado, Geraldo Melo (RN), é preciso criar um “cordão de proteção” em torno de Serra.
— Dizem que Ricardo Sérgio foi tesoureiro de Serra. Ele poderia ser pai, irmão, filho. Não importa. Serra é responsável pelas coisas que fez e não pelos outros — disse Melo.
OIT: trabalho infantil no Brasil caiu 23%
GENEBRA e SÃO PAULO. Num contraste com anos anteriores, quando figurava como um dos piores exemplos, o Brasil foi citado ontem pelo diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavia, ao divulgar relatório sobre o assunto, como um dos países empenhados em acabar com o trabalho infantil. Segundo a OIT, o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham caiu 23% de 1992 a 99. O estudo revela que em 92 havia 8,42 milhões de crianças e adolescentes trabalhando no Brasil, contra 6,49 milhões em 99.
A OIT estima que 870 mil crianças e adolescentes brasileiros trabalham em atividades perigosas e insalubres. Em todo o mundo, seriam 170 milhões. Para Armand Pereira, diretor da OIT no Brasil, a erradicação do trabalho infantil em situações perigosas poderia gerar um milhão de empregos.
— O trabalhador infantil causa um círculo vicioso: não gera renda suficiente para aumentar o consumo, a economia não cresce e não há novos empregos. A criança trabalhadora de hoje é o desempregado de amanhã — afirmou.
O relatório indica, porém, que 70% do trabalho infantil está nas atividades primárias. A indústria e o comércio empregam 9% cada. O trabalho infantil doméstico 6,5% e 3% estão em atividades consideradas perigosas, como construção civil e mineração.
A OIT menciona iniciativas positivas. O programa Bolsa-Escola, segundo a organização, está sendo usado como modelo na África. A OIT elogia a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), que organiza cursos de formação para incorporar os direitos das crianças nas cláusulas coletivas.
Dirceu se reúne hoje com oposições
SÃO PAULO e BRASÍLIA. André Singer, porta-voz do pré-candidato petista, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que o presidente do PT, deputado José Dirceu, se reúne hoje com o Núcleo pela Unidade das Oposições, uma frente de parlamentares de esquerda que trabalha pela articulação de uma candidatura única de oposição à Presidência. Segundo Singer, o PT não fará proposta para a retirada das candidaturas de Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB).
— O PT tem conversado com Ciro, mas em nenhum momento sugeriu a retirada da candidatura. O objetivo é manter uma conversa de alto nível para mudar o Brasil — disse o porta-voz.
Na semana passada, no Dia do Trabalho, Lula disse que a conjuntura política favoreceria uma candidatura unida dos partidos de esquerda. A possibilidade de união no primeiro turno foi rechaçada por Garotinho e Ciro.
PL desautoriza nota contra aliança com PT
O presidente do PL no Rio Grande do Sul, deputado Paulo Gouvêa, disse q ue foi surpreendido anteontem com a divulgação de uma nota em que o partido no estado manifesta oposição à aliança com o PT e na qual ele aparece como um dos signatários. Segundo Gouvêa, a nota é falsa.
— Há 40 dias divulguei outra nota, assinada e registrada em cartório, me posicionando contra a aliança, já que no Rio Grande do Sul havíamos nos preparado para lançar candidato próprio. Mas jamais aceitaria as expressões usadas nessa nota divulgada. Não sabia da sua existência, sequer fui consultado ou assinei esse texto — garantiu ontem Gouvêa, depois que o presidente nacional do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), lhe telefonou pedindo explicações.
A nota contra o PT teria sido produzida pelo pré-candidato do PL ao governo do Rio Grande do Sul, Aroldo Medina, outro dos signatários do texto que contaria com o apoio do presidente do diretório metropolitano, Valdir Caetano. Mesmo discordando dos termos usados na nota, Gouvêa admite que a aliança com o PT poderia inviabilizar a sobrevivência do partido no estado.
Artigos
Campanha eleitoral, boas reformas
Lucia Hippolito
Pouco a pouco, o Poder Judiciário está promovendo uma verdadeira reforma nos usos e costumes das campanhas eleitorais brasileiras. Primeiro, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu — e o Supremo Tribunal Federal confirmou — obrigar os partidos a verticalizarem as coligações eleitorais. Medida mais do que polêmica, porque contraria toda a lógica política brasileira, que sempre privilegiou a força da política estadual e as alianças daí decorrentes.
Uma das razões pelas quais a campanha presidencial ainda não decolou reside justamente na dificuldade de compor palanques estaduais. Podemos encontrar aí a origem da “cristianização” da candidatura Ciro Gomes, das dificuldades de composição da chapa de José Serra, e mesmo das alianças do PT.
A segunda manifestação do Poder Judiciário no campo eleitoral veio diretamente do Supremo, que praticamente extinguiu a figura da candidatura nata — praticamente, porque ainda se trata de uma liminar, mas com grandes possibilidades de virar regra definitiva.
O fim da candidatura nata deve ser saudado como uma lufada de ar fresco no sentido do fortalecimento dos partidos políticos e suas convenções, do fortalecimento da fidelidade partidária e da disputa política, do aumento da competição, e pode servir como um poderoso incentivo para acabar com o controle que alguns grupos oligárquicos ainda exercem sobre os partidos políticos brasileiros.
Ao contrário do que pensam alguns, podemos estar assistindo ao início do fim da hegemonia dos caciques partidários, que distribuíam a conta-gotas as vagas que sobravam nas chapas dos partidos. Isto porque a candidatura nata representava uma verdadeira reserva de mercado para os detentores de mandato parlamentar, que, assim, não apenas não precisavam disputar lugar na chapa nas convenções partidárias, como podiam pintar e bordar em termos de compromisso com diretrizes do partido.
Detentor de uma vaga cativa na lista de candidatos a serem apresentados ao eleitorado, o parlamentar menosprezava a fidelidade partidária e as diretrizes da liderança. O clima de “estouro da boiada” em que vive permanentemente o PMDB ilustra bem o comportamento de políticos que se julgavam proprietários de uma reserva de mercado.
Mais recentemente, veio pelas mãos do TSE a terceira medida reformadora: o vice-presidente da República e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não precisam mais viajar para o exterior quando o presidente da República fizer o mesmo em período eleitoral. A Lei Complementar n 64/90, que trata das inelegibilidades, tornava inelegível para qualquer cargo quem ocupasse a Presidência da República nos seis meses anteriores à eleição. Ora, como os titulares desses cargos são os substitutos constitucionais do presidente, qualquer um deles que assumisse a presidência, por 24 horas que fosse, ficaria inelegível. Ou bem o presidente Fernando Henrique deveria ficar confinado ao Palácio do Planalto durante seis meses — inimaginável, tendo em vista o apreço de Sua Excelência por viagens ao exterior — ou o vice-presidente Marco Maciel, o deputado Aécio Neves e o senador Rames Tebet teriam que praticar verdadeiros contorcionismos turísticos para escapar ao braço da lei. Quem sabe umas comprinhas no Paraguai, ou mesmo uma voltinha no Caribe?
O TSE deu uma vigorosa contribuição para a modernização dos usos e costumes eleitorais. Pura e simplesmente, os substitutos constitucionais do presidente deverão abrir mão da duvidosa honra da interinidade, transferindo-a ao próximo substituto, isto é, o presidente do Supremo Tribunal Federal que, felizmente, não é candidato a nada e poderá desincumbir-se da função. Simples, funcional, e sobretudo, barato.
Bem que o Judiciário poderia continuar e abolir de vez esta anacrônica figura da transmissão de cargo. Existe coisa mais provinciana e inútil do que um vice-presidente perfilado sob a escada de um avião, para se despedir de um presidente que, às vezes, passa apenas um dia fora do país? Quando presidentes viajavam de navio e as comunicações eram precárias, ainda fazia algum sentido empossar o vice. Hoje, com todos os recursos disponíveis, isto é apenas uma tolice, coisa dos tempos da Presidência a vapor.
Com providências desse tipo, um dia ainda abandonaremos a política de anquinhas e ingressaremos no século XXI.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel
CPI para não sair
Nem cataclisma nem mero trololó. O caso Ricardo Sérgio é uma rajada forte contra o governo para atingir seu candidato, disparada por descontentes da aliança governista e do próprio PSDB com munição que ajudaram a esconder sob o tapete. Mas PT e aliados pedirão a CPI para desgastar a candidatura Serra, não para matá-la, o que possibilitaria sua substituição por outro nome que reunifique a aliança governista.
Já o governo tem coisas a explicar e, se não o fizer de forma convincente, cumprirá o desígnio da oposição, o de intoxicar o próprio candidato. No mínimo, o caso inviabilizou, pelo menos por enquanto, a estratégia de colar o candidato ao presidente e ao governo. Nessa linha, decidiu ontem o PSDB ocupar-se apenas do aspecto secundário do caso, provar a coerência entre as doações do empresário Carlos Jereissati e a prestação de contas da campanha de Serra ao Senado, em 1994. O resto é com o governo.
Tudo bem, então, mas se não houver CPI. Pois se houvesse — a situação recomenda deixar o verbo assim, no condicional — mais uma vez ninguém poderia prever o fim. No mínimo o presidente seria acusado de prevaricar, se Mendonça de Barros repetisse, sob juramento, tê-lo informado de que um alto funcionário do governo cobrava propina em negócios públicos, e que de seu aviso não resultou qualquer providência. E se o governo afunda, leva junto partido e candidato.
Mas ainda que se tenha batido com verdadeiro ardor por outras CPIs que o governo enterrou, desta vez a própria oposição o faz por cálculo, não por convicção ou real interesse. Não tendo sozinha o número de apoios suficientes, e não contando mesmo com o PPS, sabe que o PFL não perderá esta oportunidade de negociar sua colaboração, mesmo não conseguindo o intento de substituir Serra por outro nome tucano. Depois, nesta altura do campeonato eleitoral, sabem petistas e aliados que mesmo em suas fileiras todos querem cuidar da campanha eleitoral. Tanto que na reunião de hoje com os colegas de PDT, PSB e PCdoB (o PPS, em respeito a sua posição, nem foi convidado), o líder do PT, deputado João Paulo, proporá uma CPI para atuar em 30 dias, prorrogáveis pelo mesmo prazo. CPI de vida tão breve nunca houve naquela casa. Maio está correndo e depois de junho ninguém pensa em vir a Brasília.
Mais do que tudo, porém, ao PT não interessa detonar o governo em seu ocaso, nem ferir de morte a candidatura Serra. Interessa sangrá-la, debilitá-la, mas nunca a ponto de justificar sua substituição. Com a base unida, o trabalho seria dobrado e o segundo turno mais arriscado para Lula. O governo estará condenado a colaborar com essa estratégia, entrando em campo para evitar sua instalação. CPI bloqueada, dependendo do caso e da hora, é mais danosa do que CPI que sai.Com uma pergunta, o próprio ministro Paulo Renato selou sua permanência no governo: "Queriam que eu mentisse?". Demiti-lo seria responder afirmativamente.CPMF: mais atraso, mais desgaste
A ida do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, ontem à noite ao Alvorada, onde se reuniu com o presidente Fernando Henrique e líderes tucanos, estava marcada antes do estouro do caso Ricardo Sérgio. E o que o presidente pretendia dizer-lhe é que espera ver o PFL honrando seus compromissos com a estabilidade, ajudando a aprovar logo a CPMF no Senado.
Claro que acabaram falando foi da crise em curso, embora Bornhausen não tenha ido com a pretensão, a ele atribuída ao longo do dia, de sugerir a troca de Serra por outro nome. Mas trataram da CPMF, um grave problema paralelo que pode comprometer o término do governo. E o PFL continuava fazendo sua parte ontem no Senado, apresentando emendas que podem forçar o retorno da emenda à Câmara. E tome perda de arrecadação, que a equipe econômica promete compensar com aumento de IOF e cortes orçamentários, para desgosto dos que disputarão a eleição sob a bandeira do governo.Sombras
A coincidência, os tucanos não engolem. No início de março, quando prepararam uma “semana Serra”, a ser coroada com a exibição de seu programa televisivo, Roseana Sarney veio a Brasília comandar a rebelião do PFL e acabou ofuscando-o. O de ontem, produzido com tanto esmero, teve como concorrente o caso Ricardo Sérgio.
Já o PT, com o programa fechado, estudava ontem reabri-lo para abordar o assunto.Espera
O Datafolha e o Ibope divulgam pesquisas novas esta semana. Consulta pela internet, feita ontem pelo Globo.com, já mostrou queda de José Serra, crescimento de Lula e também de Ciro Gomes, por causa do caso Ricardo Sérgio. A última pesquisa divulgada em abril, a CNT/Sensus, deu 39% de preferência a Lula. O líder petista João Paulo espera que agora ele atinja os 40%. Maio, que começa com o Dia do Trabalho, sempre foi um bom mês para a oposição.NOS DISCURSOS que fez ontem no interior de Alagoas, o líder do PMDB Renan Calheiros pediu votos para o candidato José Serra, que o acompanhava. Para calar os que o acusam de sabotar a aliança PSDB-PMDB. Já o presidente do Senado, Ramez Tebet, declarou-a em banho-maria.
Editorial
VOTO EXEMPLAR
Com Charles de Gaulle, François Mitterrand ou Jacques Chirac na Presidência, a França tem sido um modelo de democracia republicana, onde outros países se miram. Também é, juntamente com a Alemanha, um dos pilares da União Européia. Mas justamente na eleição do seu novo presidente — momento crucial para qualquer democracia — tudo que existe de europeu e de democrático na França parecia estar ameaçado pelo bom desempenho de Jean-Marie Le Pen.
Talvez não seja exagero imaginar que, se isso fosse permitido, democratas e europeístas de outros países teriam invadido a França para interferir no processo eleitoral e impedir a vitória do candidato de extrema-direita.
Seria, obviamente, além de um abuso inconcebível, excesso de zelo. Como se viu, a democracia francesa, uma das mais maduras do mundo, sabe cuidar de si mesma. E o resultado das duas consultas às urnas para decidir quem governará o país — haverá uma terceira em junho, nas eleições legislativas — foi, mais que positivo, exemplar.
Ganhou a União Européia, construção que apesar de sólida pode, como deu para sentir, ser destruída. Na França, na Alemanha, na Áustria, na Itália, o crescimento de movimentos antieuropeístas ainda representam uma ameaça. Acalmaram-se também países que, geograficamente distantes da União Européia, procuram ajustar-se a uma ordem mundial que tem na Europa unida uma de suas pedras angulares.
Acima de tudo, a derrota de Le Pen no segundo turno foi uma vitória importante da democracia como regime de governo. Nas democracias maduras há lugar não só para esquerdas plurais, mas também para uma pluralidade de opiniões e projetos políticos.
Não é preciso calar os extremistas para preservar o equilíbrio e a governabilidade de um país. Os que preferem a França para os franceses, e atribuem os males do país aos imigrantes e à influência estrangeira, também têm o direito de se expressar e organizar politicamente.
Isso lhes está garantido, como direito fundamental; e na eleição de domingo eles acabaram revelando o seu tamanho, em números e em influência política: nem menos nem mais do que 18% do eleitorado.
Mais importante ainda: ficou demonstrado que a democracia que lhes concede espaço é a mesma que dispõe de mecanismos para se livrar deles, quando se sente ameaçada. Só é preciso que todos participem com o voto, sem dúvida a arma suprema do arsenal democrático.
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05/07/2002
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