Roseana desmancha os planos do PSDB
Roseana desmancha os planos do PSDB
No início, a governadora do Maranhão era apenas um ensaio para manter o PFL na briga pela vice-presidência. Mas seus bons resultados e o desempenho pífio dos pré-candidatos do PSDB animam o PFL
Cada dia os partidos aliados se entendem menos. A cúpula do PFL deixou Brasília na última quinta-feira completamente isolada depois que Ramez Tebet (MS) foi eleito presidente do Senado, numa articulação do PSDB com o PMDB. Ontem, o partido apresentou novo vigor e a perspectiva de suplantar até mesmo a supremacia do PSDB na hora de escolher o candidato da base aliada a presidente da República em 2002. O motivo da animação foram duas pesquisas eleitorais, uma do Ibope, patrocinada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), e outra do Instituto Sensus, apresentada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Nas duas, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), ficou em segundo lugar, à frente dos presidenciáveis do PSDB e tecnicamente empatada com Ciro Gomes (PPS).
‘‘O potencial dela está apenas começando’’, comemorou o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). ‘‘Os tucanos agora terão que rebolar e encontrar um candidato que tenha voto’’, comentou um deputado pefelista. As frases apontam uma mudança na expectativa dos pefelistas. Em julho, quando deflagraram o que chamavam de operação Roseana, eles queriam apenas evitar que o PMDB ficasse com a vaga de vice presidente na chapa governista.
Mas, agora, quando os presidenciáveis do PSDB parecem não emplacar, os pefelistas começam a citar Roseana como perspectiva real para a Presidência da República e uma forma de isolar o PMDB. Até mesmo os especialistas em pesquisa que o governo sempre consulta já avisaram ao presidente Fernando Henrique Cardoso que seu preferido — o ministro da Saúde, José Serra — será ‘‘pesado demais’’ para a campanha de 2002.
Na pesquisa Sensus/CNT, realizada entre 14 e 20 de setembro, na qual foram ouvidos dois mil eleitores em 195 municípios, Serra perdeu metade das intenções de voto que registrou há um mês. Agora, ele está com 4,2%, tecnicamente empatado com Enéas Carneiro (4,3%), do Prona. Roseana subiu de 11,2% para 14,4%. Está na frente do ex-ministro Ciro Gomes (PPS), que tem 12%, e do governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), com 10,6%. Roseana só perde para Lula, que continua na frente, com 31,3% dos votos.
A pesquisa CNI/Ibope (que também ouviu dois mil eleitores entre os dias 13 e 17 de setembro) também registrou o favoritismo de Lula, com 30% dos votos, e o crescimento de Roseana, que pulou de 7% para 12%, empatada com Ciro. Serra obteve os mesmos 6% de agosto.
O presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), considera que ainda é cedo para dizer que seu partido não emplacou. ‘‘Isso não me inquieta nesse momento. Roseana é candidata. O espaço dela é o da novidade. Quando expusermos o candidato do PSDB, ele crescerá’’, confia Aníbal.
A última chicana de Jader Barbalho
Às vésperas de assistir ao arquivamento de seu recurso na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que vai negar hoje o seu direito a apresentar defesa antes do início do processo por quebra de decoro parlamentar, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Ele quer impedir, judicialmente, a votação do relatório da comissão de inquérito, prevista para ocorrer amanhã no Conselho de Ética. Assinado pelos senadores Jefferson Péres (PDT-AM) e Romeu Tuma (PFL-SP), o relatório recomenda o início do processo de cassação.
Jader é acusado de ter mentido ao negar seu envolvimento nas irregularidades no desvio de recursos públicos do Banco do Estado do Pará (Banpará). A votação no conselho poderá ser suspensa se for atendida a liminar pedida por Jader no mandado de segurança. O relator do caso no STF é o ministro Maurício Corrêa, ex-senador da República pelo PDT do Distrito Federal, que decide até o final desta tarde.
No mandado de segurança encaminhado ao Supremo, o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, sustenta que a comissão de inquérito foi criada pelo conselho ‘‘ao arrepio’’ do regimento interno do Senado. E reclama que os senadores não têm competência para tratar do caso. E sustenta que o STF ainda está analisando o inquérito sobre as irregularidades no Banpará. Senadores avaliam que o recurso de Jader é a sua última esperança de salvar o mandato. ‘‘Ele está desesperado’’, opina Carlos Wilson (PTB-PE). Para superar a tendência do Supremo ignorar o recurso, sob a alegação de que se trata de assunto interno do próprio Senado, a defesa de Jader apegou-se à jurisprudência do tribunal.
O relator do pedido de Jader na CCJ, senador Osmar Dias (PDT-PR), adiantou ontem que vai indeferir o recurso. O argumento de Dias é simples: como o processo por quebra de decoro não foi instaurado, está ainda na fase de inquérito, não cabe ao senador paraense apresentar sua defesa neste momento. ‘‘Prevalecendo esta tese, Jader Barbalho não poderia sequer renunciar mais ao cargo para livrar-se da sanção da perda das funções públicas’’, argumenta a senadora Heloísa Helena (PT-AL).
O parecer de Dias será aprovado por maioria absoluta dos 23 integrantes da CCJ. Segundo o líder Renan Calheiros (PMDB-AL), Jader não irá participar da votação do recurso que ele próprio apresentou. ‘‘Ele está moralmente impedido’’, disse, reconhecendo, contudo que a situação de Jader ‘‘é dramática’’.
Voando com James Towers
Documentos bancários em poder da Justiça e depoimento de ex-diretor do Banco OK mostram como o ex-senador manipulava contas em Miami, usadas até para pagar o aluguel de aviões
Pagamentos de aluguel e peças de avião, além de taxas aeroportuárias da OK Táxi Aéreo resumem a anatomia das movimentações bancárias do empresário Luiz Estevão nas contas James Towers e Leo Greene. Na segunda-feira, o Ministério Público denunciou o ex-senador por enviar e manter 17,7 milhões de dólares em depósitos no Delta Bank, nos Estados Unidos, sem registros na Receita Federal e no Banco Central. Desse dinheiro, pelo menos US$ 377 mil foram usados para despesas com aeronaves. As operações estão detalhadas nas mais de mil folhas de documentos enviados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos ao governo brasileiro.
As movimentações nas contas James Towers e Leo Greene para pagamento de serviços foram confirmadas pelo ex-diretor do Banco OK Jairo Torres, 63 anos, em depoimento a procuradores na última quinta-feira (20). No depoimento, Jairo Torres afirma ser sua a assinatura que aparece no pedido de transferência de US$ 3,2 mil da conta James Towers, no Delta Bank, em Miami, para a empresa Evan Enterprises. A ordem para a transação é da OK Táxi Aéreo. A conta bancária foi movimentada por fax, enviado do Banco OK, às 10h39 do dia 5 de abril de 1994. A confirmação do Delta Bank veio em seguida. O contato de Miami para confirmação era Jairo Torres, então diretor do Banco OK em Brasília.
ASSINATURAS
Nesse documento, o nome de Estevão não aparece. Em pelo menos outros 22 pedidos de transferências de dinheiro para pagar despesas aéreas, entretanto, os rastros do ex-senador estão lá. As assinaturas são idênticas àquelas registradas na aberturas das contas James Towers e Leo Greene. Na última segunda-feira, Estevão disse ao Correio que a assinatura se parece de fato com a sua, mas negou ter aberto as duas contas. Nos pedidos feitos por fax dos dias 17 de outubro e 30 de novembro, para que sejam debitados US$ 6,5 mil na conta James Towers, a assinatura que aparece é a mesma das apresentadas nas fichas bancárias das contas James Towers e Leo Greene. Em um dos documentos há uma anotação, em inglês, abaixo do nome de Estevão, explicando a despesa: “para pagar seu jato particular”.
A movimentação de mais alto valor para pagar serviços aéreos é do dia 25 de abril de 1996. Refere-se a um contrato de leasing (aluguel com possibilidade de compra) de um avião. No fax, em que misturam-se os idiomas português e inglês, há uma ordem para que o Delta Bank deposite US$ 300 mil na conta da empresa CBIC Finance para pagar o aluguel de um jato BAE 800B utilizado entre 27 de outubro de 1995 e 29 de abril de 1996. O texto traz a assinatura de Luiz Estevão. Um carimbo demonstra que um funcionário do banco falou com o empresário depois de receber o fax, para confirmar a operação. Em outras transações, quem confirma é o diretor Jairo Torres.
JATINHOS
Procuradores do Ministério Público ouvidos pelo Correio acreditam, a partir de informações de ex-funcionários do Grupo OK, que os contratos de leasing seriam a forma encontrada por Estevão para adquirir aviões em outros países. Das contas James Towers e Leo Greene, saiu dinheiro para o ex-presidente do Fórum Trabalhista de São Paulo (TRT-SP) Nicolau dos Santos Neto. Para os procuradores, isso fecha o círculo de corrupção na obra do tribunal. As contas pagaram também despesas em nome de Estevão e de sua mulher, Cleucy Meireles de Oliveira. Ela também é acusada pelo Ministério Público. A denúncia, assinada pelos procuradores Luiz Francisco de Souza, Adriana Brockes e Marcelo Serra Azul, foi entregue segunda-feira (24) na 12ªVara de Justiça Federal.
Estevão nega a autenticidade das assinaturas nas ordens de pagamento. ‘‘Se as ordens eram minhas, por que o banco confirma a operação com um funcionário?’’ Ele diz que nunca trabalhou no mesmo endereço de Jairo Torres. O ex-senador pediu ontem à Justiça da Florida a quebra do sigilo bancário do Delta Bank. Ele vai tentar demonstrar com isso que não houve ligações do banco para seu escritório, em Brasília. Quer também acesso às fitas com gravações dos telefonemas entre o Delta Bank e o Banco OK.
Denúncia de extorsão preocupa Aécio Neves
O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), trabalha para evitar que o quadro de desgaste que tomou conta do Senado nos últimos meses não contamine a Câmara. Por isso, decidiu criar logo uma comissão de sindicância para que, em 15 dias, aponte se houve tentativa de extorsão a empresários por parte de deputados integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das obras inacabadas, especialmente, o presidente da CPI, Damião Feliciano (PMDB-PB).
A primeira atitude da comissão será ouvir o líder do PSDB, deputado Jutahy Magalhães (BA). Um empresário baiano contou a Jutahy no dia 14 de setembro que fora procurado por um repreentante de um deputado da CPI que lhe pediu R$ 1,5 milhão para não incluí-lo no relatório. ‘‘Com base nessa denúncia e nas informações que eu já tinha dos deputatos, pedi aos líderes que a CPI não fosse prorrogada’’, disse Jutahy.
Jutahy não revelou o nome do empresário, porque garantiu ao denunciante que preservaria a sua identidade. ‘‘Vou manter o anonimato, mas já liguei para ele e fiz um apelo para que conte tudo’’, afirmou. O líder tucano informou ainda que o empresário não lhe citou nomes.
TESTEMUNHAS
Segundo Jutahy, além do empresário, ‘‘outros quatro deputados falaram do esquema de propina’’. O líder contou ainda que o relator da CPI, Anivaldo Vale, do PSDB, havia inclusive pedido para sair da relatoria por causa das denúncias. ‘‘Não havia organização nos trabalhos da CPI e, além disso, havia boatos’’, contou Anivaldo, também sem citar nomes.
‘‘Esse empresário terá que aparecer’’, disse Aécio, disposto a não deixar que o caso crie um clima de desconfiança em relação à Câmara. ‘‘Se for necessário, faremos a CPI da CPI, mas isso não pode ficar assim’’, completou o líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE).
Coordenador da Comissão de Sindicância, o corregedor-geral da Câmara, Barbosa Neto (PMDB-GO), avalia que, se o empreiteiro não der mais detalhes sobre o caso, a representação será arquivada. ‘‘Precisamos saber o nome do empreiteiro e ter provas concretas. Não se pode dar andamento a um processo que pode ser de cassação de mandato somente com base em conversas’’, afirmou.
CPI INACABADA
A comissão de sindicância foi idéia dos partidos de oposição, depois que o líder do PPS, Rubens Bueno (PR), apresentou o pedido para que Damião Feliciano fosse investigado pela corregedoria. Os partidos quiseram ampliar as investigações, para não deixar que o caso fosse apurado apenas por Barbosa Neto, colega de partido de Feliciano.‘‘A situação é muito grave e acho que muita coisa ainda vai aparecer e era preciso ampliar isso’’, disse o líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA).
Feliciano adiou para hoje a sessão da CPI que analisará a quebra de sigilo bancário e fiscal de empreiteiras. ‘‘Desse jeito, essa CPI ficará inacabada e não haverá relatório‘‘, disse o deputado Régis Cavalcanti (PPS-AL), integrante da CPI. Régis defende a continuidade dos trabalhos, concluído o relatório da comissão da sindicância. O assunto realmente é importante. Das 304 obras analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), 121 apresentaram graves irregularidades, conforme demonstra relatório entregue ontem pelo presidente do TCU, Humberto Souto, ao Congresso.
Lula vai à Europa
O presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva (foto), viaja para a Europa, sábado, dia 29, onde terá encontros com chefes de Estado e lideranças de esquerda em diversos países. A França deverá ser o primeiro país a ser visitado pelo petista. Na sexta-feira, Lula participa, em São Paulo, de um encontro com os governadores do PT.
Fogaça recusa convite
O senador José Fogaça (PMDB-RS) recusou o convite feito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, para ser o novo ministro da Integração Nacional. O convite que foi articulado pelo ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, junto ao comando político do governo. O presidente pediu que Fogaça aguardasse 24 horas para pensar, mas o senador foi taxativo na recusa. Antes de falar com FHC o ministro Padilha viabilizou o apoio do PMDB consultando o senador Renan Calheiros (AL), líder do partido no Senado. Pesou para o convite o fato de Fogaça estar deixando a vida pública. Ele não precisaria sair do cargo para desincompatibilização em abril.
Oposição xinga Tebet em sessão tumultuada
Terminou em confusão, ontem à noite, a primeira sessão do Congresso Nacional comandada pelo recém-eleito presidente do Senado, senador Ramez Tebet (PMDB-MS), quando foram aprovadas propostas de alterações no Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para o período de 2001 a 2003. A principal delas autoriza a utilização de R$ 1,5 bilhão do Fundo de Universalização das Comunicações (Fust) para a instalação de computadores com serviço de internet nas escolas e bibliotecas públicas. E permite que as concessionárias de telefonia participem das licitações. O deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG), acusou Teteb e os parlamentares governistas de estarem patrocinando ‘‘uma roubalheira‘‘, sugerindo que o dinheiro seria desviado para campanhas eleitorais de 2002. Oposicionistas gritavam: ‘‘É roubo, é roubo‘‘, enquanto faziam gestos para Tebet sugerindo que ele era o responsável. Tebet anunciou que suspenderia a sessão por cinco minutos. Quando a reiniciou, o tumulto persistiu, prolongando-se por cerca de 30 minutos. Tebet então encerrou a sessão e continuou sendo xingado: ‘‘Fujão, larápio, rábula, Bin Laden!! Renuncia! Renuncia!‘‘
Artigos
Morri de briga!
Denise Rothenburg
Os resultados das últimas pesquisas eleitorais refletem o grau de cisão do PSDB. Eles estão numa guerra interna tão acirrada para ver quem será o candidato a presidente que ninguém decola: o ministro da Saúde, José Serra, o da Educação, Paulo Renato Souza, ou mesmo o governador do Ceará, Tasso Jereissati. Enquanto isso, o PFL, que de bobo não tem nada, uniu-se em torno do nome da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e fez dela a sua estrela maior.
A decolagem de Roseana é somatório de carisma pessoal e muito — muito mesmo — trabalho de mídia. Em todos os programas de TV do partido, ela é garota-propaganda. No PSDB, embora o presidente Fernando Henrique Cardoso esteja na torcida de José Serra, ninguém trabalha por ninguém. É um puxando o tapete do outro e sempre jogando com desculpa de que não emplacam porque o governo está numa fase ruim, o dólar subiu e coisa e tal. Ora, o PFL faz parte do mesmo governo. Então, por que a Roseana sobe e os tucanos não? A explicação de todos os analistas é a brigalhada interna.
No governo, todos sabem que o candidato que obtiver as bênçãos de Fernando Henrique só sairá vitorioso se PSDB e PFL estiverem unidos em torno de um nome capaz de dar ao eleitor a garantia da estabilidade revestida com a perspectiva real de desenvolvimento social. O PFL, mais esperto, pegou logo seu melhor nome e partiu para a ofensiva. No PSDB, não foi assim. Tasso não quer Serra, Serra não quer Paulo Renato, Paulo Renato não quer Tasso e nenhum deles quer abrir mão para Geraldo Alckmin, o governador de São Paulo. O somatório desse estica-e-puxa é igual a Enéas Carneiro, do Prona.
Sem unidade no governo, o que sobressai na pesquisa é o programa social, com o qual o PT e Luiz Inácio
Lula da Silva têm destaque, e o novo representado por Ciro Gomes. A questão internacional e a visão de mundo tão proclamadas por Fernando Henrique influenciarão no voto, mas não se mostrarão suficientes para vencer a eleição. O eleitor quer, guardadas as devidas proporções, algo de novo, que tenha consistência política e compromisso com transformações sociais. Algo parecido com a eleição de 1989, em que deu Fernando Collor.
Vale lembrar a eleição de 1989. Naquele tempo, os partidos governistas se dividiram e nenhum deles decolou. Desta vez, a história parece se repetir. Lula e Ciro Gomes, do PPS, estão com a vantagem. Ciro só é incomodado por Roseana. Por isso, ninguém se espante se, daqui a um ano, alguém perguntar ao PSDB: ‘‘Oh, tucano, você morreu de quê?’’. E obtiver a seguinte resposta: ‘‘Morri de briga!’’
Munique, 2001
Estamos em situação bem diferente, é certo, mas não muito. Como antes, estão em jogo o domínio dos mercados, o acesso a reservas naturais importantes (como é o caso do petróleo) e o controle político e ideológico dos povos
Mauro Santayana
No dia 29 de setembro de 1938, quatro homens sentaram-se em torno de uma mesa, na velha cidade bávara, depois de intensas conversações entre os diplomatas de seus países. Três deles haviam sido convidados por Hitler, que agia como queixoso, e reclamava os direitos humanos da minoria alemã que ocupava a região montanhosa dos Sudetos, sob jurisdição tcheco-eslovaca.
Os três convidados eram Benito Mussolini, ditador da Itália, Edouard Daladier, primeiro-ministro da França, e Neville Chamberlain, primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Mussolini via, na reivindicação de Hitler, precedente para movimentos idênticos e futuros sobre áreas na fronteira com a França, com a Áustria e com os Bálcãs, que a Itália pretendia. A França de Daladier enfrentava grandes dificuldades internas e sabia que a Alemanha marchava rapidamente para a revanche: só podia contar com a Inglaterra. Chamberlain, fosse por astúcia — a fim de ganhar tempo —, fosse por outras razões, entre elas a de usar Hitler contra a União Soviética, acatou a proposta do ditador alemão de anexar o território dos sudetos, com a expulsão dos tchecos ali residentes; em troca, a Alemanha renunciaria a qualquer outra postulação territorial na Europa.
O acordo foi firmado, sem que os dirigentes tchecos sequer tivessem sido ouvidos. Chamberlain, ao desembarcar em Londres, exibiu uma cópia do pacto, afirmando que ali estava a paz. Seis meses depois Hitler invadia o resto do território tcheco-eslovaco, de cuja indústria bélica necessitava para o prosseguimento de sua aventura expansionista. A concessão de Munique levou a Praga, Dantzig, Varsóvia, Bruxelas, Paris — e quase Moscou. Hitler terminou sua aventura expansionista no meio de uma fogueira de trapos sujos, em seu bunker de Berlim, já com as ruas ocupadas pelos soldados soviéticos.
Estamos em situação bem diferente, é certo, mas não muito. Como antes, estão em jogo o domínio dos mercados, o acesso a reservas naturais importantes (como é o caso do petróleo) e o controle político e ideológico dos povos. E o mesmo princípio moral: não podemos nos submeter a ameaças e chantagens que possam comprometer o que ainda resta da soberania dos Estados nacionais e da segurança dos povos.
Felizmente, os norte-americanos, apesar de toda a pressão sobre a mídia, ainda não se encontram sob uma censura férrea à imprensa, como ocorria na Alemanha de Hitler. Não obstante o sofrimento sincero de sua população, há os que questionam a posição do governo. As dúvidas são expostas, sobretudo, nas cartas que os leitores enviam aos grandes jornais. Em uma dessas cartas, publicada na edição de anteontem do New York Times, Dorian Fourgeres se dizia chocado pela ignorância dos dirigentes norte-americanos quanto ao resto do mundo. ‘‘Pode alguém crer realmente que a solução para o terrorismo seja a retaliação militar, em lugar de amenizar as causas pelas quais tanta gente no mundo odeia, em primeiro lugar, a América?’’
Segundo o jornal norte-americano, em sua edição de ontem, não há provas de que a responsabilidade tenha sido da organização de Osama Bin Laden ou de outros grupos muçulmanos. As informações mostram o quanto ainda patinam as investigações, e já se chega a supor que o grupo se tenha decidido pelo suicídio de todos e a destruição de quaisquer indícios, antes da operação. Pesquisa realizada pelo New York Times e pela rede CBS, ao confirmar que a maioria apóia Bush e concorda com a guerra, registra a ponderação dos entrevistados: o governo deve esperar provas concretas que apontem o responsável, antes de qualquer ação militar.
Como em outros casos, o FBI vem desprezando pistas que possam envolver grupos internos da extrema direita, não obstante os precedentes trágicos, como os do Unabomber e de Timothy McVeigh, o detonador de Oklahoma, cuja execução se deu exatamente seis meses antes da explosão do World Trade Center. Os governantes europeus, pressionados pela opinião pública, também estão esperando provas. Todas essas dúvidas devem orientar a prudência dos chefes de Estado, mas o governo do sr. Fernando Henrique Cardoso não as levou em consideração.
O presidente da República revelou, mais uma vez, que só se preocupa com a sua sobrevivência política e procura usar o episódio em seu proveito. A dar crédito às informações, já divulgadas, e não desmentidas, o chefe de governo acha que a crise mundial (que pode levar a uma guerra) é oportunidade para que ele e o seu grupo permaneçam no poder. Isso talvez explique por que o presidente foi açodado em invocar o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, em defesa dos Estados Unidos, quando lhe seria conveniente expressar os nossos sentimentos de pesar e esperar que os fatos fossem devidamente apurados antes de qualquer outra manifestação.
O presidente exagera a situação, para que possa levar adiante o seu plano contra a democracia, e já está, com a entusiasmada assessoria do general Cardoso, disposto a criar uma organização de propaganda, controle e repressão da cidadania, no molde das que existiram na Itália fascista e na Alemanha nazista: segundo a imprensa, o Sistema Nacional de Mobilização se dividirá em setores responsáveis pelos aspectos políticos, econômicos, sociais, psicológicos, científico-tecnológicos e militares. E todas as esferas do poder — estaduais e municipais — estarão sob o controle do Sinamob. Nem o governo militar chegou a tanto. Nos dois casos — a invocação do Tiar e a criação do Sinamob —, não sabemos onde termina o açodamento e onde começa a insensatez.
Ninguém pode aceitar o terrorismo, e nós mesmos escapamos de duas grandes tragédias — a da explosão do Gasômetro do Rio de Janeiro e das bombas do Riocentro — por muito pouco. Em ambos os casos, como se sabe, tratava-se de provocação de um pequeno grupo de fanáticos, a fim de atribuir a adversários do regime os atentados monstruosos. Combater o terrorismo de qualquer natureza — e sobretudo o terrorismo de Estado — é dever de todos os homens, mas não se pode contribuir para que os Estados Unidos, ou outra nação, se aproveitem do episódio a fim de ampliar o seu poder ditatorial sobre o mundo.
Cabe ao Congresso manter-se vigilante, em defesa da soberania nacional e da Constituição da República: é seu dever impedir que nos metamos em aventuras externas ou internas, a pretexto do que quer que seja. Devemos nos lembrar de 29 de setembro de 1938, em Munique, e de 10 de novembro de 1937, aqui mesmo, quando, a pretexto da instabilidade internacional, se instituiu a ditadura do Estado Novo.
Editorial
Longo caminho
Sabem os estrategistas que uma guerra não se ganha apenas com planejamento operacional, mobilização de aparato bélico e efetivos militares. Vai além disso. São indispensáveis avaliações políticas, exame de fatores ideológicos, levantamento de causas e prevenção de efeitos. A complexidade ainda é maior quando o inimigo está oculto nos subterrâneos da clandestinidade, como os terroristas que fizeram desabar as duas torres do World Trade Center e reduziram a ruínas parte do Pentágono.
O presidente George W. Bush parece tatear em meio às ambigüidades e ao cenário caótico que se seguiram aos ataques de 11 de setembro. Adota as medidas julgadas necessárias para enfrentar o desafio pelos flancos que, a cada passo, despontam nos relatórios da investigação policial. Coube-lhe agora baixar ordem executiva para congelar contas de 27 pessoas e organizações associadas a Osama Bin Laden.
E, com gesto imperativo, exigiu que os bancos estrangeiros rastreiem a origem de depósitos e operações com recursos oriundos de fontes suspeitas. O objetivo é imobilizar os ativos para assim enfraquecer ou mesmo cancelar a atividade terrorista no plano internacional. ‘‘Quem faz negócios com terroristas ou os financia, não fará negócios com os Estados Unidos’’, disse.
À parte o caráter autoritário da conclamação de Bush, o controle da movimentação de contas pode resultar em algum efeito positivo, de qualquer forma longe de quebrar a espinha dorsal do terrorismo. No mercado bancário norte-americano, será surpreendente, depois do que aconteceu, se forem identificados lançamentos disponíveis em nome de criminosos estrangeiros filiados ao terror.
Bush recorre a medidas pontuais ao sabor das circunstâncias. Pior, contudo, seria se não o fizesse. Mas age com o sentido posto na necessidade de dar alguma satisfação ao povo. A sociedade americana permanece em virtual estado de choque. Ainda não se refez do impacto emocional provocado pela monstruosidade dos que atacaram os símbolos do poder financeiro e da hegemonia militar do país. Afinal, mais de seis mil pessoas perderam a vida.
A guerra aos antros que conspiram para colocar de joelhos governos e nações está na lógica de um país ofendido de forma brutal e traiçoeira. Mas há guerras e guerras. No caso de operações contra redes terroristas, manda a lógica militar, se acaso compreender a consciência civilizada do mundo, promover ações tópicas. Vale dizer, assaltos localizados, não a generalização do conflito.
Ao mesmo tempo, não se deve cultivar a ilusão de que a eliminação de Bin Laden e asseclas significará o fim do terrorismo. Um exemplo: o fuzilamento de Pablo Escobar, o mais temido chefão das drogas na Colômbia, não impediu a continuação do narcotráfico. O mesmo se pode dizer em relação aos comandantes da máfia nos Estados Unidos.
A guerra contra o terror só será completa e definitiva quando uma nova ordem internacional abrir espaços à eliminação da miséria e garantir efetivo gozo dos direitos humanos para todos os povos.
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