Serra promete criar Ministério da Segurança
Serra promete criar Ministério da Segurança
No lançamento de sua candidatura, tucano afirma compromisso com a justiça social
BRASÍLIA - O PSDB aclamou o senador José Serra candidato à Presidência da República em pré-convenção realizada ontem, com a presença de ministros, prefeitos, governadores e 3.500 tucanos que se acotovelavam dentro e fora do auditório do Hotel Nacional. Saudado com fogos e batucada, o candidato anunciou os compromissos que pretende cumprir, caso chegue ao Planalto, e antecipou a criação do Ministério da Segurança Pública.
Serra discursou por meia hora e fez agradecimentos especiais a dois tucanos que criaram suspense e até mal-estar por causa do atraso na chegada: o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, e o governador do Ceará, Tasso Jereissati. A partir daí, os cinco dedos que representaram as prioridades de Fernando Henrique Cardoso na campanha da reeleição deram lugar às sete bandeiras do candidato Serra: o compromisso com a verdade, com o trabalho, com o desenvolvimento, a justiça social, a redução das desigualdades regionais, a segurança pública e a democracia.
Ao mesmo tempo em que um grupo de bumba-meu-boi do Maranhão desfilava na porta do hotel, Serra agradecia no auditório à "militância boa de briga" ali presente: "Os tucanos não sabem fazer jogo baixo na política nem chantagem, mas sabem brigar e têm bico afiado para defender nossas bandeiras." Nos bastidores, dirigentes do PSDB queixavam-se do "jogo baixo" da exposição de fotografias inaugurada na quinta-feira no Congresso. A mostra exibe o sofrimento de pacientes mal tratados em hospitais públicos de vários Estados, deixando de fora o Maranhão da governadora Roseana Sarney, pré-candidata do PFL à Presidência.
Desenvolvimento - "Chega de político que faz questão de prometer e não pode cumprir, que esconde suas posições e que exagera na desgraça", disse Serra. Em seguida, prometeu muito trabalho, "para tirar as boas idéias do papel", e ênfase total no desenvolvimento, relacionando o crescimento com busca de justiça social e combate à desigualdade regional. "Quando falo em desenvolvimento para todos, não estou fazendo retórica, estou expressando os compromissos da minha alma."
O candidato lembrou que há mais gente hoje trabalhando na segurança privada do que na pública: "Ou se tem segurança para todos, ou a segurança é de ninguém." Prometeu envolver "de forma mais decidida" o governo federal na luta contra a violência, dando uma missão "mais ostensiva" à Polícia Federal e criando o Ministério da Segurança Pública. "Mas o novo ministério vem para reforçar e não para acabar com a pasta da Justiça", explicou, depois da festa, o presidente do PSDB, José Aníbal.
Segundo os organizadores, a solenidade foi montada para receber no máximo 2 mil pessoas. "É sempre assim", conformava-se, em meio ao tumulto, a deputada Lúcia Vânia (GO). "O partido nunca tem confiança na presença de muita gente e acaba apertando todo mundo em auditórios pequenos." Apesar disso, sobravam bandeirolas, leques e balões, distribuídos e pendurados aos milhares, em meio a faixas saudando Serra.
Tasso chega tarde e vê-se obrigado a fazer discurso
BRASÍLIA - O atraso do governador do Ceará, Tasso Jereissati, que só participou dos 40 minutos finais das quatro horas e meia da pré-convenção tucana, foi o único fato que fugiu ao script traçado pelo comando do PSDB.
Colocado ao lado de José Serra na mesa da cerimônia, Tasso - que durante algum tempo alimentou a esperança de ser ele próprio o candidato - viu-se obrigado a fazer um discurso de apoio ao ex-ministro.
"Eu normalmente não falo nessas solenidades, e nem tinha a menor intenção de discursar, mas não teve jeito", disse o governador após o evento. O pronunciamento de Tasso foi resultado da rapidez do presidente do PSDB, José Aníbal, que colocou um microfone na mão do governador, mal ele pisara no palanque, e ainda anunciou seu discurso. "Nenhum projeto pessoal pode estar acima do objetivo do PSDB", disse Tasso, então, para a platéia tucana.
Mais tarde, depois de almoçar num restaurante com alguns integrantes da cúpula do partido, Tasso justificou o atraso alegando que a viagem era longa e que, de manhã, tivera em Fortaleza outro compromisso inadiável: levar seu filho à missa. O governador assegurou que vai trabalhar pela candidatura de Serra e mostrou as mangas arregaçadas da camisa que vestia, mas lembrou que também tem uma campanha para enfrentar em seu Estado: "Vou ajudá-lo no Ceará." Defendeu ainda o diálogo com os outros partidos da base governista, inclusive o PFL.
Expectativa agora é por decisão do TSE
Tucanos aguardam definição sobre regras para coligações nos Estados
BRASÍLIA - O PSDB oficializou ontem a candidatura presidencial de José Serra em compasso de espera pela decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a obrigatoriedade de os Estados acompanharem o modelo da coligação nacional nas eleições. A decisão é aguardada para esta quinta-feira. Tucanos experientes arriscam o palpite de que o TSE pode revolucionar o processo eleitoral, "verticalizando" as coligações. "Bom para o Serra", diz um deles.
Mas a avaliação não se aplica a todo o partido. "Não há base legal para isto e é uma interferência indevida nas políticas estaduais", preocupa-se o governador do Mato Grosso, Dante de Oliveira, que vive às turras com o PMDB do seu Estado. "É mudar a regra no meio do jogo", emenda o governador do Ceará, Tasso Jereissati.
Em meio à polêmica, Serra reassume amanhã sua cadeira no Senado, com um discurso mais acadêmico, sobre seus projetos e idéias para o País e a respeito do cenário econômico nacional e mundial. Mas, seja qual for a decisão do TSE, a prioridade dos tucanos a curto prazo será a montagem das alianças.
Ministros, governadores e líderes tucanos avaliaram ontem que a base aliada entrará rachada na corrida presidencial e que o PSDB terá mesmo de enfrentar o PFL da governadora Roseana Sarney (MA).
"Nossa preocupação agora é manter aberta as diversas possibilidades de aliança", afirmou Serra. Nos bastidores, porém a ordem era mais objetiva:
Investir ao máximo na parceria com o PMDB, que poderá ser empurrado para os braços de Serra de Norte a Sul, dependendo da decisão do TSE.
Nem os ex-tassistas que entraram atrasados na candidatura Serra admitem que o tucano abra mão de sua candidatura em favor do PFL. É o caso do secretário-geral da Presidência, ministro Arthur Virgílio, que anunciou ontem sua disposição de ir com Serra até o fim. "Estamos com Serra para ganhar, mas ele tem tantas qualidades que nos honraria ir com ele até para perder uma eleição".
O entendimento geral foi o de que a pré-convenção pôs um ponto final na questão do prazo que Serra terá para crescer nas pesquisas. Embalados pela performance do candidato nas últimas pesquisas, que mostram Serra com dois dígitos na preferência do eleitorado, cardeais do PSDB reafirmaram que ele tem todo o prazo que a lei permite para crescer: 5 de outubro, véspera da eleição.
FHC defende "continuidade sem mesmice"
Em mensagem enviada da Europa, ele também pregou manutenção da aliança governista
BRASÍLIA - Em viagem oficial à Europa, o presidente Fernando Henrique Cardoso deixou uma mensagem com declaração de voto em José Serra para ser lida na pré-convenção tucana. No texto, ao mesmo tempo em que afirmou que a candidatura de Serra significava a "continuidade sem mesmice", Fernando Henrique insistiu em pregar a manutenção da coalizão partidária que sustenta seu governo.
"Espero que tenhamos a humildade e competência política para manter a aliança", ressaltou o presidente, na última linha d a mensagem, depois de dedicar a maior parte do texto, de duas páginas, aos feitos de seu partido e de sua administração. "Vamos auscultar os quatro cantos do País e oferecer uma nova proposta de governo que signifique a continuidade sem mesmice, a experiência com ousadia, a renovação da nossa certeza num futuro de prosperidade, participação e justiça social."
A interpretação dos tucanos foi a de que a principal preocupação do presidente é garantir condições de governar até o último dia de seu mandato, a despeito das divergências entre os maiores partidos aliados - PSDB, PMDB e PFL. Nos bastidores da pré-convenção, ministros, dirigentes e governadores tucanos avaliaram que será muito difícil reverter as candidaturas de Serra e da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL).
No início da mensagem, o presidente diz que seus sentimentos são de "tranqüilidade e confiança" com a candidatura Serra. "O Brasil de 2002 é um país melhor do que o que assumimos em 1995: com moeda estável, uma economia mais forte, uma presença cada vez mais reconhecida no mundo, um Estado renovado, mais ágil, transparente e aberto às demandas da sociedade."
Ele reconhece, no entanto, que ainda há muito a fazer. "O povo está disposto a preservar o que conseguimos nestes anos e a fazer disso o ponto de partida para novas conquistas", disse. "Cabe a nós sintonizar esse sentimento e oferecer ao Brasil as duas coisas: a segurança da continuidade e a esperança de uma visão de futuro."
Na pré-convenção, a melhoria dos índices de popularidade do presidente era motivo de comemoração. Para os tucanos, esse reconhecimento ao governo FHC ajudará seu candidato. "Serra é o único que está crescendo sem inserção na TV, mas pelo seu conteúdo, pelo convencimento", salientou o líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Júnior (BA). Para ele, esses novos índices contribuirão para uma aliança com o PMDB e gerarão "um estresse" no PFL.
Todos, porém, insistiam na necessidade de manutenção da aliança até o fim do mandato. "A aliança é fundamental e precisamos conservá-la", defendeu o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O próprio Serra, em seu discurso de candidato, defendeu a coalizão. "Um bom presidente é aquele que é capaz de unir forças políticas em torno de um compromisso, de um projeto compartilhado de construção de um Brasil democrático, soberano e justo para todos nós."
No “El País”, Lula busca tranqüilizar investidor
GENEBRA - A edição de domingo do El País, jornal de maior influência da Espanha, dedica duas páginas a entrevista com o pré-candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva, que classifica de "o eterno candidato da esquerda brasileira" à Presidência. Nela, Lula garante que, em caso de vitória petista nas eleições, a relação entre o País e os investidores estrangeiros não estará ameaçada.
"O Brasil não ficará isolado (do mundo) se o PT ganhar, pois nenhum capitalista investe em um país de acordo com seu regime político", argumentou. Ele deu como exemplo a China que, apesar de seu regime, é um dos mercados preferidos dos Estados Unidos.
Refletindo a apreensão de empresários espanhóis, que fizeram pesados investimentos no Brasil nos últimos anos, o El País quis saber se há possibilidade de um eventual governo do PT reverter as privatizações. Lula disse que o Estado não tem dinheiro para recomprar empresas privatizadas e avaliou que seria um "erro" investir dinheiro público nisso. "O que temos de fazer é não privatizar o que não foi privatizado, fiscalizar corretamente as empresas privatizadas."
O petista também criticou a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). "A proposta da Alca não é uma proposta de integração, mas sim de anexação da economia da América do Sul à economia dos Estados Unidos", afirmou. Sobre a dívida externa brasileira, Lula defendeu uma reavaliação do pagamento dos juros.
Vice de Tarso decide apoiar Olívio Dutra
PORTO ALEGRE - O vice-prefeito de Porto Alegre, João Verle, anunciou seu apoio à reeleição do governador Olívio Dutra (PT). Embora vice do prefeito Tarso Genro, que disputa com Olívio a indicação do partido para o governo estadual, Verle preferiu seguir sua corrente, Democracia Socialista, que apóia o governador.Além do vice-prefeito, Olívio também recebeu a adesão de cinco dos nove vereadores petistas da capital.Os dois pré-candidatos dedicaram o fim de semana à campanha interna para as prévias, marcada para 17 de março. Olívio encontrou-se com militantes de alguns municípios da região metropolitana. Tarso participou de um encontro com a sua corrente, a Rede, e de reuniões com apoiadores de Sapiranga e Canoas. No domingo, o prefeito esteve no litoral.
César Maia comemora crescimento de Roseana
RIO - O prefeito do Rio, Cesar Maia, aposta numa arrancada da candidata do PFL à Presidência, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, nas pesquisas: "Neste momento nos preparamos para uma ultrapassagem de Roseana (sobre o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva) nos próximos dias e, por isso, teremos de antecipar a organização da campanha." Pesquisa divulgada ontem indica queda na diferença entre Lula, que caiu de 30% para 26%, e Roseana, que subiu de 21% para 23%. O governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), foi de 11% para 13% e o candidato do PSDB, José Serra, de 7% para 10%. Ciro Gomes, do PPS, caiu de 10% para 8%. Maia disse que o crescimento de sua candidata ocorreu um mês antes do que esperava. Segundo o prefeito, seu partido entrará em abril discutindo alianças em torno da "única candidatura viável da base do governo".
Artigos
Brasil-Alemanha, parceria no rumo certo
Alcides Amaral
A visita que o chanceler alemão Gerhard Schroeder efetuou ao nosso país há dez dias se revestiu da mais alta importância para o Brasil de hoje e, principalmente, para o País que deveremos ser num futuro não muito distante.
Basta que não venhamos a perder essa grande oportunidade de aliar-nos aos fortes, aqueles que dominam o mundo globalizado e que não estão dispostos a perder essa liderança.
Quando ele afirma que "o Brasil está para a América Latina assim como a Alemanha está para a Europa" reconhece, publicamente, o papel importante que temos no novo cenário internacional e a liderança natural junto aos países do nosso continente. Essa é na verdade a constatação a que chegam todos aqueles que participam, de uma maneira ou de outra, das esferas internacionais, sejam elas políticas ou comerciais. Não é, infelizmente, a percepção interna da grande maioria do povo brasileiro. O presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro Pedro Malan e o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, são considerados, cada um no seu campo de atuação, líderes e não apenas no continente sul-americano. E o chanceler alemão, sabedor dessa realidade, veio abrir novas portas para nossa inserção no bloco de cima, daqueles que dirigem e não são apenas dirigidos.
A comitiva do sr. Schroeder foi composta por 30 empresários para demonstrar que quer estreitar relações de fato e não ficar apenas no discurso. Embora a Alemanha tenha, ao longo dos últimos anos, perdido posições junto aos maiores investidores estrangeiros do País, ainda assim, aqui está localizado o maior número de empresas alemãs fora de seu próprio território. Como as empresas alemãs não participaram ativamente do recente processo de fusões, aquisições e privatizações, a Alemanha ocupa hoje a 7.ª colocação com estoque de investimentos próximos de US$ 9 bilhões. Mas, em virtude da pujança de sua economia - próxima de US$ 1,9 trilhão -, o potencial para novos aportes financeiros continua sendo imenso.
Não é, entretanto, apenas isso que o chanceler alemão veio nos oferecer.
Quer dar um pulo de qualidade nas nossas relações comerciais o que viria a fortalecer o adormecido Mercosul e nos aproximaria rapidamente do bloco formado pelos países do mercado comum europeu, um mercado superior US$ 6 trilhões. E aí está a grande oportunidade.
Quando sabemos das dificuldades que temos - e continuaremos a ter - até a implementação da Alca, uma maior aproximação com a Alemanha nos colocaria dentro do segundo maior mercado mundial que gera riqueza superior a US$ 6 trilhões por ano. As oportunidades comerciais são óbvias e ainda nos fortaleceriam nas futuras negociações com os representantes dos países da Alca, especialmente os norte-americanos.
Além de enfatizar o interesse da retomada da grande parceria que tivemos no passado - em 1995 a Alemanha era o segundo maior investidor estrangeiro, vindo logo após os Estados Unidos -, o chanceler Gerhard Schroeder veio também buscar aliança política da maior importância. Quer, com o Brasil, investir em favor da reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de eliminar as resistências à ampliação do conselho e com isso garantir assento permanente para os dois países.
Quando sabemos, mais uma vez, que a busca de parceria é oferecida pelo dirigente máximo da terceira maior economia individual do mundo e que possui um Produto Interno Bruto (PIB) superior em mais de três vezes ao brasileiro, fica claro que não podemos desperdiçá-la.
Para que tal aconteça temos de, inicialmente, pensar grande. Pensar grande significa não ter medo de efetuar acordos bilaterais de proteção e promoção de investimentos, como esse entre Brasil e Alemanhã que está parado no Congresso desde 1995. Todo acordo oferece riscos e oportunidades e, para podermos de fato obter vantagens políticas e comerciais dessas novas portas que estão se abrindo, teremos de, eventualmente, nos submeter a um tribunal internacional caso alguma empresa multinacional tenha problemas por ações arbitrárias de governo. É esse o maior entrave no momento para que o acordo evolua. Mas ele deve ter vida curta. Espera-se que no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) o tema seja tratado de maneira geral, envolvendo todos os países membros desse organismo multinacional.
Resta-nos, portanto, aguardar que o Congresso entenda essa realidade visando à aprovação de acordo que satisfaça aos dois países, o que nos permitirá dar início à construção de um novo país. Não podemos jogar fora todo esse importante trabalho diplomático que vem sendo efetuado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e, para isso, basta que os congressistas abram essa nova avenida no nosso relacionamento com a Alemanha e, por tabela, o fortíssimo mercado comum europeu. Só assim, juntando-nos aos fortes, poderemos vir a ser um deles.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Do Nordeste ao infinito
Afinal, aqui no Rio, já curtimos uma temperatura compatível com a vida humana. Pois que, até poucos dias atrás, a gente escaldava dentro de casa, torrava na rua, estacionava imóvel diante de qualquer fonte de ar refrigerado, bebendo o fresco como quem bebe champanhe.
O pessoal diz: "Você, do Ceará, estranhando o calor?" E eu respondo: "No Ceará temos calor, mas temos o vento e a brisa." O famoso vento aracati que sopra às tardes e traz até o sertão o seu cheiro de mar.
Aracati, em língua de índio, quer dizer vento bom, vento bonito: "Ara, vento, catu ou cati, bom, bonito ou agradável." Pelo menos foi o que nos ensinou na escola o professor Mozart Pinto, homem suave e sábio, nosso guru no curso Normal.
Aliás, o pessoal do Sul do Brasil é cheio de preconceitos contra o Nordeste, fonte de onde lhe chegam em massa cearenses, paraibanos, piauienses, etc. Imaginam que somos pouco melhor do que índios mansos; quando desembarcam em nossas cidades (que hoje já estão incomodamente crescidas e adiantadas) são tais as exclamações com que nos brindam, que nós, nativos, conscientes até demais das nossas deficiências, temos vontade de lhes oferecer furarem o beiço, enfiar nele um batoque, como rito de boas vindas...
Será exagero esse nosso ressentimento. Mas não é exagero muito grande. A idéia com que se fica ao primeiro contato com gárrulos turistas nacionais, é que eles nos festejam tanto, nos elogiam tanto, na surpresa de não terem encontrado algo muito pior. Não sei o que esperavam encontrar no Recife, em Fortaleza, Belém do Pará. Mas com certeza não era o que encontram.
E nós não lhes devolvemos o troco, porque não fazemos turismo na terra deles; quando pegamos uns trocados extras vamos passear na Europa ou visitar nosso filho que estuda nos Estados Unidos (Meu Deus, um perigo, agora, com todas essas ameaças terroristas!) Brincadeiras à parte, no Brasil, as diversas espécies de brasileiros deveriam se conhecer muito melhor. O turismo interno segue roteiros imutáveis: velhas igrejas de Minas, cavaleiros gaúchos do Sul, delírio urbano no Rio de Janeiro.
Do Nordeste, só se fala nas praias - ninguém se lembra de mostrar as nossas serras - Guaramiranga, por exemplo, onde as crianças têm faces rosadas e as frutas têm cheiro de flor.
Mesmo sertão adentro, tanta coisa para mostrar! Por exemplo, os serrotes do Quixadá, monolitos que guardam a cidade como se a guardassem bastiões em sólido granito; o sol quando bate neles esquenta a pedra até altos graus. A gente da terra já sabe disso e evita escaladas. Mas quantas vezes temos de acudir incautos turistas, que tiram os sapatos para facilitar a ascensão e ficam lá de cima pedindo ajuda, com as solas dos pés sangrando, deixando marcas na pedra quente. Então! Mas turista é uma raça de gente que imagina tudo "uma aventura", sem saber que toda aventura tem seus riscos.
Outra imagem difundida nas cidades é o sertão tradicional, só a caatinga, a galharia seca. Pois vão ver como está agora, neste começo de inverno de 2002. (É tão estranho, pensar que já estamos escrevendo com naturalidade este número, 2002, século 21).
Mas a gente se acostuma. Até as crianças dão ênfase ao escreverem a data nos cadernos: antes das férias ainda era o século 20, começam o novo ano letivo já no século 21. E acham injustiça não terem probabilidades de ver o século seguinte. E, quando tentamos consolá-las, dizendo que a ciência moderna está tão adiantada que, em breve, muitos deles conseguirão atingir o centenário, ele objetam: "Mas então já vai todo mundo estar gagá!" (O fato é que elas já nos consideram gagás, só não o dizem abertamente por delicadeza.) E, de certa forma, já estamos mesmo. Gente de mais de 60 anos recusa muita coisa do progresso, justamente as coisas que embriagam os jovens: altas velocidades, máquinas que são quase humanas, a possibilidade próxima de vôos interplanetários. A colonização de Marte, já que a Lua é sabidamente morta. Tudo isso eles discutem como ainda possibilidades da sua geração. Eu não duvido deles. A alma dos homens não se sacia nunca, é capaz de todas as ousadias.
O que dói é a sua falta de constância diante dos desafios. Mal se atinge uma marca difícil, eles já a abandonam, não querem mais. Nós todos que nos lembremos, entretanto, que aquilo que perdeu os homens foi a sua incapacidade de parar e curtir devidamente cada conquista. Assim como somos, não nos satisfazemos com nada. Lembram-se da corrida atômica? Era o grande desafio. Hoje já vai para trás e hoje eles deixam de lado o interesse pelo infinitamente pequeno e tratam de enfrentar o infinito, propriamente dito.
Editorial
GRANDE MUTIRÃO PELA SEGURANÇA
Como um reflexo político, inquestionavelmente saudável, de uma forte pressão de opinião pública, em favor de mudanças urgentes no campo da Segurança Pública, que possam colocar um freio no crescimento assombroso da criminalidade e da violência, em nosso país, está em curso um verdadeiro mutirão, do qual participam entidades representativas da sociedade, integrantes da Administração e legisladores - em níveis federal, estadual e municipal -, tendo em vista a introdução de regras legislativas e a implementação de medidas administrativas que, numa palavra, assegurem um mínimo de paz e proteção de vida aos cidadãos e às famílias deste país. Sem dúvida alguma, já existe um consenso, entre todas as correntes político-ideológicas que atuam na vida pública brasileira - e isso é espelho fiel de um sentimento de toda a sociedade -, de que no atual momento foram ultrapassados os limites do tolerável, no campo da insegurança.
A facilidade com que os facínoras eliminam suas vítimas - sem nem levarem em conta o proveito material de seus crimes -, a crueldade inominável, a futilidade, o desrespeito brutal pela vida humana, traços característicos de grande parte dos crimes contra a vida e o patrimônio, que se assiste todos os dias em todas as regiões do País - notadamente nos grandes centros urbanos, mas não mais só neles -, estão despertando uma reação social de intensidade correspondente ao que dita o instinto de sobrevivência. E, quando isso reflete na classe política - como está agora refletindo, com intensidade -, parecem cair por terra as velhas diferenças de visões ideológicas (como as de "direita" ou de "esquerda") sobre Segurança Pública.
Todos estão de acordo - e esta é outra opinião consensual - de que, por sobre quaisquer fatores de estímulo à criminalidade e à violência, no Brasil, está a reinante sensação de impunidade.
Por coincidência, esse processo se estabelece em um ano de eleições gerais, em que se prevê e já se trava, entre os nossos partidos políticos, uma das disputas mais acirradas pelo Poder - bem entendido, considerando-se as que têm ocorrido na plena vigência do regime democrático. Como não poderia deixar de ser, todas as forças políticas, neste momento pré-eleitoral, se utilizam do tema da Segurança Pública, tanto para atacar quanto para defender-se dos adversários. Se a oposição e a sociedade podem cobrar do governo a omissão administrativa, em relação a inúmeros tópicos da Segurança, que foram negligenciados, a ausência de recursos alocados - para investimentos em pessoal, treinamento, equipamentos, etc. - ou as idas e vindas dos projetos governamentais nessa área, como a confusa Lei Antidrogas, sancionada em janeiro e já em (oportuno) processo de mudança -, o governo e a sociedade também podem cobrar da oposição pela falta de uma efetiva colaboração legislativa, pela falta de apoio no apressamento de todos os projetos de lei que têm por objetivo mudar (espera-se que para melhor) a Segurança Pública brasileira - e no Congresso Nacional estes já atingem o número de 246!
Mas, se o governo parece correr contra o tempo, para tentar diminuir o prejuízo eleitoral da cobrança - pela Segurança -, a oposição também sabe que não pode se omitir, em termos de esforço legislativo, sob pena de poder ser responsabilizada por um boicote eleiçoeiro, extremamente prejudicial ao País. Veja-se esse exemplo: quando os líderes partidários da Assembléia Legislativa de São Paulo programaram reunir-se em Brasília, para pressionar as Casas Legislativas federais por uma maior rapidez na tramitação dos projetos sobre segurança pública, a oposição, em princípio, foi contra a viagem, por achar que se tratava de uma tentativa de transferência de responsabilidade - pelos graves problemas da segurança paulista - do governo estadual para o Legislativo federal. Mas a oposição acabou concordando em participar da missão - sem abrir mão da responsabilização que faz do governo estadual - porque, certamente, sabe o quanto pode ser eleitoralmente negativa qualquer omissão de esforço, nessa área.
Pode-se dizer, pois, que, mesmo pelas linhas "tortas" da finalidade eleitoral, se está escrevendo certo a resposta da classe política à grande ansiedade da sociedade brasileira, em relação à Segurança Pública. Trata-se, assim, de um momento em que se podem operar efetivas transformações, em uma área de interesse que sobreleva a quaisquer outras, porque diz respeito ao valor maior dos cidadãos: ou seja, sua própria vida.
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02/25/2002
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