Suplicy indica que pode desistir de candidatura







Suplicy indica que pode desistir de candidatura
Senador pede consulta sobre prévia no encontro estadual que começa hoje em Serra Negra

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) dá sinais de que pode recuar e desistir de sua pré-candidatura à Presidência da República em favor de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele pediu que no 15.º Encontro Estadual do PT, a ser realizado de hoje a domingo, em Serra Negra (SP), o partido faça uma consulta para saber se os petistas querem ou não prévia para escolher o candidato. O presidente do PT paulista, Paulo Frateschi, aceitou a proposta e deve distribuir questionários aos 1.200 delegados que participarão do encontro.
"Quero saber se os delegados do PT estão tão distantes dos filiados a ponto de serem contrários à prática da democracia", afirmou Suplicy. Embora deixe em aberto a possibilidade de voltar atrás, o senador diz não acreditar em resultado desfavorável a ele. "Se imensa margem dos delegados disser que não me quer candidato, vou refletir, mas onde vou não é isso que escuto, tanto que estou me preparando para a corrida da São Silvestre e da Presidência".

A proposta de Suplicy já começou a provocar polêmica. Motivo: o encontro do PT foi convocado para homologar a pré-candidatura do deputado José Genoíno (SP) ao governo de São Paulo, debater alianças, nomes para o Senado e aprovar diretrizes da plataforma eleitoral. "Sou totalmente contra transformar esse encontro em debate sobre prévia", criticou Genoíno. "Parece que o PT quer arranjar sarna para se coçar."
Na noite de ontem, porém, Frateschi e assessores de Suplicy se reuniram para formular as perguntas do questionário, com apenas dois tópicos. O senador queria que o primeiro fosse direto: se ele deveria desistir da inscrição para propiciar a "escolha consensual" de Lula. Frateschi, por sua vez, sugeria algo mais ameno, do tipo "Você é a favor da prévia neste momento?".

O texto final ainda não estava fechado até as 21 horas.
"Ninguém mais questiona regimentalmente a prévia, que está marcada para 3 de março de 2002, mas vemos esta iniciativa do senador como um caminho para o diálogo", justificou Frateschi. Amigo de Lula há 20 anos, o presidente do PT paulista disse ainda que vai propor aos companheiros a ampliação da consulta para os diretórios municipais.
Até agora, Suplicy é o único inscrito para a disputa, mas o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, garante que também apresentará seu nome. Lula, não. Tanto que seus apoiadores prometem registrar sua candidatura à revelia.

Durante a reunião do diretório nacional, no último fim de semana, o deputado Geraldo Magela (DF), secretário-geral do PT, chegou a propor a anulação da inscrição de Suplicy. Foi voto vencido. "Não quero desautorizar a cúpula do PT, mas acho absurdo submeter Lula a esta disputa", observou Magela. Vários dirigentes já pediram ao senador que pense melhor sobre a conveniência de um embate com o presidente de honra do PT, favorito em todas as pesquisas.
Há quatro dias, Suplicy retomou a enquete para conferir a opinião dos eleitores. Ele promete anunciar sua decisão somente no 12.º Encontro Nacional do PT, de 14 a 16 de dezembro, no Recife.


CPI evitou ligar bicheiros a vereadores de Porto Alegre
A ligação entre o jogo do bicho e políticos gaúchos de vários partidos esteve prestes a vir à tona, no ano passado, com a criação da CPI do Carnaval, na Câmara de Porto Alegre. Nascida em agosto, para investigar o convênio entre a prefeitura do PT e a Associação dos Carnavalescos da capital gaúcha, a comissão, no entanto, durou apenas três sessões.
O encerramento-relâmpago da CPI ocorreu quando as evidências apontaram também para o relacionamento indevido de vereadores do PFL, do PMDB e do PTB (muitos deles integrantes da CPI) com os maiores promotores do carnaval porto-alegrense: os bicheiros.
"Estávamos no caminho certo, mas era ano eleitoral, e muitos vereadores eram ligados ao carnaval e a esse pessoal", afirma o vereador Nereu D'Ávila (PDT), ex-presidente da CPI do Carnaval. A comissão deveria esclarecer o destino de R$ 700 mil da prefeitura, repassados a uma empresa de fachada, a Golin & Castro Ltda, para construção de um sambódromo na capital gaúcha. A empresa não tinha sede, e a pista nunca foi construída.

O responsável pela empresa, Antônio Ademir Moraes, diretor da associação dos carnavalescos - a quem cabia distribuir as verbas - não foi sequer ouvido pela CPI. Assim como Evaristo Mutti, ex-presidente da associação e funcionário do vereador Reginaldo Pujol (PFL).
Na recém-concluída CPI da Segurança Pública - que investigou as ligações do governo Olívio Dutra (PT) com os bicheiros -, a quebra de sigilo telefônico revelou 39 telefonemas entre Mutti e Diógenes de Oliveira (o ex-presidente do Clube de Seguros da Cidadania, ligado ao PT). O nome de Mutti, com o codinome "Mudo", aparece na agenda de Diógenes.

"Sou intimamante ligado ao carnaval, sou patrono de escola de samba, mas minha escola não recebe de bicheiros, só de bingos e raspadinhas", diz o vereador Pujol. Ele afirma que mantém Mutti como assessor porque ele garantiu-lhe não ser ligado ao jogo do bicho.
"As bordas da CPI do Carnaval tangenciaram muito essa relação, clara para a sociedade, entre carnaval e bicheiros", diz o ex-relator da comissão, Hélio Corbelini. "Mas não se pôde ir mais adiante porque há vereadores do PFL, PTB e PMDB muito alinhados ao carnaval." O relatório foi inconclusivo.

Entrevistas - O relator da CPI da Segurança Pública, deputado estadual Vieira da Cunha (PDT), disse ontem em São Paulo, que, ao contrário do que diz o PT, Diógenes integrava o governo estadual. O deputado mostrou cópia do Diário Oficial de 29 de março de 1999 com a eleição dele a uma vice-presidência da Caixa Estadual gaúcha.


Garotinho promete mudar economia radicalmente
SALVADOR - O governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), disse ontem que se for eleito presidente da República vai extinguir todos os impostos em cascata - principalmente a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Também prometeu baixar radicalmente os juros e manter a estabilidade econômica.
"O esforço visará a desonerar a produção e fazer com que os impostos incidam sobre o consumo, além de oferecer crédito para irrigar a economia, implantando um política de redução dos juros a níveis internacionais", explicou, em Salvador. O governador planeja reduzir os 50 impostos e taxas que são cobrados hojes das empresas brasileiras para apenas 10.

Garotinho garantiu que não atacará os concorrentes na campanha, nem mesmo o atual líder das pesquisas, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. "Lula já tem muitos críticos", disse. "Ele que apresente sua proposta e eu vou apresentar a minha. O eleitor que escolha." Ele acrescentou que o eleitor vai acreditar na sua candidatura quando for conhecendo suas idéias e sua administração no Rio.
Após a entrevista na sede do PSB em Salvador, Garotinho almoçou com mil pastores evangélicos dos 417 municípios da Bahia para apresentar propostas de governo e pedir apoio. Ele espera que o PSB confirme sua candidatura a presidente domingo.


Roseana já quer cabeça-de-chapa para o PFL
Para governadora, partido deve ter o candidato caso aliança com PMDB e PSDB seja reeditada

RIO - A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), defendeu ontem que o PFL indique o nome da cabeça-de-chapa para a sucessão presidencial, em 2002, caso a aliança com o PSDB e o PMDB seja reeditada.
"Você abriria mão se estivesse lá na frente? É como time de futebol que está ganhando por quatro a um. Você daria oportunidade ao adversário: pode marcar quatro pênaltis que meu goleiro vai ficar parado?", disse.
"Hoje ainda não sou candidata, mas poderei ser. Há muitas coisas para serem analisadas, mas é o meu partido que vai decidir." Pesquisa estimulada do instituto carioca GPP, divulgada ontem pelo PFL mostra que Roseana obteve 20,5% das preferências de intenção de voto, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 32,4%. Para a governadora, o motivo de seu crescimento é resultado da identificação dos eleitores com o seu discurso contra o preconceito e a discriminação.

"Acho que é um fato novo (ser mulher). Já sou governadora em segundo mandato e fui prefeita de capital", comentou. "Isso mostra que a mulher está cada vez mais habilitada e capacitada para disputar qualquer cargo político."
Roseana esteve na sede da Fundação Getúlio Vargas, em Botafogo, zona sul do Rio, onde assinou convênio de cooperação com a entidade.
Ela foi informada de um estudo que mostra que o Maranhão foi o Estado que teve a melhor taxa de variação de progresso social entre 1992 e 1998. O trabalho foi coordenado pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV.

Em junho, Neri havia divulgado o Mapa do Fim da Fome, que apontava o Maranhão como o segundo Estado mais pobre do País, perdendo para o Piauí. Na ocasião, Roseana protestou. Segundo Neri, o novo trabalho não tem como finalidade medir a pobreza, mas o grau de mudança dos indicadores de acesso dos mais pobres a bens de consumo duráveis, serviços públicos e moradia.
"Apesar de os dados do Maranhão demonstrarem precariedades, foi o Estado que apresentou uma taxa de progresso das mais altas do País nestes últimos anos", afirmou Neri.

Para Roseana, a pesquisa da FGV é um "reconhecimento" do seu trabalho no Estado. "O Brasil não vai mudar da noite para o dia. Vamos passar por um processo de mudanças de governadores, de presidente, e aquele candidato que disser 'olha, amanhã o Brasil será um País maravilhoso, sem problema nenhum, vai acabar o desemprego', estará faltando com a verdade", ressaltou.

Ironia - A governadora evitou criar polêmica com seus possíveis adversários. Ela disse ter "bom relacionamento" com Lula e com o governador Anthony Garotinho (PSB-RJ). E respondeu com ironia a frase em que Lula afirma que ela seria uma espécie de madre Tereza de Calcultá.
"Nem de longe eu posso ser comparada à madre Tereza de Calcutá, porque ela é um exemplo de solidariedade, humildade, de atos de humanidade excepcionais."


Em Minas, Serra reforça discurso pró-FHC
Ministro elogia ações do governo em palestra para empresários e faz provocação a Tasso

BELO HORIZONTE – O ministro da Saúde, José Serra, um dos pré-candidatos do PSDB à Presidência, defendeu ontem o governo Fernando Henrique Cardoso, dizendo que houve muitos avanços nas áreas econômica e social. Em palestra na Federação das Indústrias do Estados de Minas Gerais (Fiemg), elogiou várias iniciativas do governo e até aproveitou para provocar o governador do Ceará, Tasso Jereissati, que também disputa a candidatura a presidente pelo PSDB.
Serra disse aos cerca de 250 empresários presentes que a estabilidade dos preços, o equilíbrio econômico, a responsabilidade fiscal, a reforma agrária e a melhora da infra-estrutura são fatores positivos creditados ao governo Fernando Henrique. Quanto à área social, ele avaliou que o País está no rumo certo, afirmando que o salário mínimo teve aumento real de 46% desde 1994. Citou vários programas de sua pasta e elogiou o Ministério da Educação, que conseguiu “tremendas taxas de escolarização”.

“As vezes, a baixa auto-estima de alguns, mesmo no meu partido, impede que eles considerem essas coisas”, acrescentou, numa referência a Tasso, que vem fazendo críticas ao governo. O governador e o candidato do PPS, Ciro Gomes, já deram palestras na Fiemg.
Em Belo Horizonte, Serra teve recepção frustrante dos tucanos, se comparada à oferecida semana passada a Tasso. Enquanto o governador, com o ministro Pimenta da Veiga (Comunicações) e o presidente da Câmara, Aécio Neves, foi recebido em encontro de mais de 400 tucanos mineiros e banda de música, Serra passou pela capital sem alarde.

Números – Ele foi à Fiemg com o ex-governador Eduardo Azeredo, o presidente estadual do PSDB, o deputado Danilo de Castro, 5 deputados federais e 5 dos 8 parlamentares estaduais do PSDB. Já Tasso foi prestigiado, na visita à federação, por 9 dos 12 deputados federais e todos os estaduais. Além da palestra, o ministro da Saúde inaugurou uma obra num hospital filantrópico na periferia. Na solenidade, Serra teve a companhia apenas de Azeredo e Danilo de Castro.


STF ameaça São Paulo de intervenção
Diante do silêncio de Alckmin sobre precatórios, Marco Aurélio diz que vai pôr pedidos em votação

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, está irritado com o silêncio do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ameaça pôr em votação o primeiro dos 2 mil pedidos de intervenção no Estado.
Há três semanas, Marco Aurélio convidou Alckmin para discutir soluções em relação ao pagamento de precatórios. Até ontem, o chefe do Executivo paulista não havia dado sinais de querer dialogar.
Até ontem, o STF afirmava que Alckmin havia ignorado o convite de Marco Aurélio. O governador chefia o Estado com mais pedidos de intervenção federal por falta de pagamento de precatórios. Ao todo, são 1.549 pedidos.

Se Alckmin não fizer um contato, Marco Aurélio pretende colocar em votação os pedidos de intervenção.
No ofício encaminhado há três semanas ao governador paulista, o presidente do STF afirmou que tramitam no Supremo processos sobre pedidos de intervenção que têm parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. "É sabido que a intervenção consubstancia ato de extrema gravidade, devendo, assim, ser evitada", alertou o ministro.
A Assessoria de Imprensa do Palácio dos Bandeirantes informou que o governador Geraldo Alckmin "tem todo interesse" em tratar das pendências sobre precatórios, tanto que esteve recentemente em Brasília para discutir o assunto com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele também aguarda que Marco Aurélio marque uma reunião com os governadores sobre o tema, encontro proposto há cerca de um mês pelo próprio presidente do STF.


Artigos

Inverter o jogo
WASHINGTON NOVAES

Ao longo das discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Catar, várias vezes se registraram discordâncias de ONGs quanto à posição brasileira, que, segundo elas, negligenciava as questões ambientais envolvidas e até vetava a inclusão desse tema na pauta de negociações, por temerem os representantes brasileiros que ele simplesmente fosse pretexto para posturas protecionistas dos países industrializados/importadores.
Se, por um lado, os delegados brasileiros têm razões para desconfiar, nessa área, dos países industrializados, por outro perdem a oportunidade de uma inversão radical, que transforme o meio ambiente em tema central das negociações e ajude a virar o jogo a nosso favor. Se exigíssemos uma verdadeira contabilidade ambiental no âmbito agrícola - e de outros produtos também -, poderíamos demonstrar que continuamos arcando com custos ambientais, energéticos, sociais e outros que os importadores não incluem no preço (até transferem para cá os ônus da produção sempre que custos desse tipo afetam sua atividade interna).

Entre outros, poderiam ser mencionados, na agropecuária, os custos da erosão (exigindo mais insumos químicos para repor a fertilidade do solo perdido); degradação de bacias hidrográficas; êxodo da população para as cidades ao longo de décadas, determinando novos custos na expansão urbana desordenada; desmatamento; perda da biodiversidade, e por aí fora. Na carcinocultura, a degradação de mangues. Em outras áreas, os custos ambien tais, energéticos e econômicos da produção subsidiada de eletrointensivos; o rebaixamento de custos salariais (inclusive via relocações no País) para competir em setores como os de tecidos e calçados. E assim por diante.
Ainda recentemente (3/11), o diretor do Banco Mundial para o Brasil, Vinod Thomas, lembrava nesta página que, "quando levamos em conta a depreciação do capital natural, a poupança interna (do mundo em desenvolvimento) foi estimada em apenas 14% do PIB", caindo de 25%. No Brasil, ela cai de 19,3% para 12,2% - isto é, 7,1% do PIB ao ano (uns R$ 100 bilhões/ano). E dizia que só "o valor do desflorestamento é estimado em cerca de US$ 8 bilhões ao ano, ou 1,5% do PIB, usando taxas de juros conservadoras". Esse é um dos custos ambientais/econômicos que o País absorve, em grande parte nas suas transações externas. Pior ainda, como demonstrou recente relatório do Tribunal de Contas da União (Estado, 19/11), parte desse estrago é feita com incentivos fiscais em projetos no âmbito da Sudam e da Sudene.

Se se levar ainda em conta o valor dos "serviços naturais" que se degradam com práticas inadequadas - e não compensadas no comércio exterior -, a conta pode ir muito mais longe. A partir dos estudos do economista Robert Constanza e outros, na Universidade da Califórnia, demonstrou-se há alguns anos que os chamados serviços naturais valem, no mínimo, o dobro do PIB mundial - tomando por base o que custaria substituir por ações humanas aquilo que a natureza faz de graça: manter a fertilidade do solo, a qualidade dos recursos hídricos, a estabilidade do clima, a cadeia da vida nos mangues, as funções que o mar desempenha, e assim por diante. No Brasil, estimativa preliminar do Ibama é de que esses serviços naturais valham, a cada ano, cinco vezes mais que o PIB nacional.
Há países que já tentam calcular os custos ambientais. Na agricultura, a Grã-Bretanha, por exemplo, no Centre for Environment and Society, da Universidade de Essex, estimou que anualmente eles equivalem, no mínimo, a toda a renda gerada pelo setor no período, que pode chegar a US$ 4,2 bilhões. Isso considerando apenas os custos da poluição da água, da erosão do solo, emissões de poluentes atmosféricos, perda de hábitats, custos de saúde. Só a remoção de pesticidas e nitratos da água custa uns US$ 300 milhões ao ano. O custo do estrago geral por hectare está próximo de US$ 300. Quanto seria no Brasil?

Não bastassem os custos não absorvidos pelos importadores, ainda é preciso lembrar que, só de 1997 para cá, a própria OMC estima em 27% a queda média nas cotações de produtos primários, que têm forte ponderação na balança comercial.
Só recentemente se anunciou que o IBGE vai produzir "indicadores de desenvolvimento sustentável" no País. É um passo decisivo, exatamente na medida em que poderá ajudar a avaliar os custos embutidos em vários setores e colocá-los sobre a mesa nas negociações. Enquanto isso não acontecer, os países industrializados/importadores poderão continuar a transferi-los para os produtores - ao mesmo tempo em que valorizam progressivamente as cotações de produtos que incorporam tecnologias que detêm. Ao mesmo tempo, subsidiam sua produção, principalmente de produtos agropecuários (subsídios de quase US$ 400 bilhões/ano - mais que o PIB conjunto dos países da África subsaariana), contribuindo também para que os preços internos não pressionem para cima as cotações internacionais dos primários que importam.

A mudança de postura não se fará sem conflitos internos e externos. Mas, se não começarmos a explicitá-los, não se avançará.
No setor agropecuário, deveríamos, por outro ângulo, atentos ao pânico mundial com segurança alimentar, abrir mais os olhos para a possibilidade de produtos certificados e da agricultura orgânica no mundo. Na Europa, estes últimos viram seu mercado expandir-se 10% ao ano no último triênio. Nos Estados Unidos, já representam um mercado de US$ 8 bilhões/ano; na Alemanha e na Itáilia, US$ 2,1 bilhões; na França, quase US$ 1 bilhão.
É preciso pensar e abrir novos caminhos, romper com a estagnação que nos condena há 40 anos a ter em torno de 1% apenas do comércio mundial. Não é pelos desvios tradicionais de abrir mão de impostos, rebaixar a massa salarial (com prejuízos na expansão do mercado interno) e degradar o meio ambiente que vamos inverter o jogo, reverter o quadro.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Os portões que não foram
Na década de 40, quando vim morar no Rio, a Barra da Tijuca era um lugar quase campestre, seu único acesso conhecido era a Avenida Niemeyer. Teve até uma marchinha carnavalesca, que fez sucesso e dizia assim: "Na Barra da Tijuca/ eu fui tarrafear/ veio uma onda maluca/ me atirou no quebra-mar." Era isso, tinha até quebra-mar; e os namorados iam pescar siri, de puçá, no alto da ponte que escalava o canal.
Depois, no pós-guerra, com a brutal expansão da cidade do Rio, a moradia na Barra da Tijuca virou uma opção para os mais ricos, que tinham carro (nesse tempo também tudo era importado). Encomendou-se ao grande Lúcio Costa um plano urbanístico para o novo bairro; veio o plano e era, como de se esperar, maravilhoso. Mas aí entrou areia, quero dizer, entraram os especuladores, perverteram o plano e, do projeto de mestre Lúcio Costa, ficaram apenas aquelas torres redondas à beira-mar. E aí, como o resto do Rio, com o crescimento sem ordem e sem lei, a Barra se desumanizou; multiplicaram-se desordenadamente os edifícios, altíssimos, com seus apart-hotéis. E os grandes supermercados, que nas grandes cidades do resto do mundo se localizam nos arredores distantes das megalópoles, se instalaram por lá, achando talvez que ali ainda eram "arredores", ocuparam vastas áreas com as suas instalações. E a Barra foi crescendo, Quem queria comprar apartamento novo, a opção era a Barra. Os mais se instalavam a meio caminho, naqueles grandes prédios aristocráticos à saída de São Conrado. No governo Carlos Lacerda, abriu-se o túnel Dois Irmãos - hoje Zuzu Angel - mais outro túnel, o falso; duplicaram-se os acessos. E mais acesso, mais gente - lá nave vá.

Hoje, realmente, morar na Barra é um martírio, quase uma impossibilidade para quem trabalha na cidade. Engarrafamentos tremendos até dentro dos túneis e viadutos, ninguém chega mais de lá pra cá em menos de uma hora, hora e meia e vice-versa. E isso para quem tem carro; de ônibus é ainda muito mais penoso.
Pois é no meio desse caos, no aperto desse nó gordio, que alguém (ou alguéns?) não faz muito tempo apareceu com uma idéia alucinada: fechar com portões de ferro todas as entradas da Barra da Tijuca! Já pensaram, nossos amigos e inimigos, mesmo os que não moram na cidade do Rio? Trancar pra que - se o grande problema do bairro é sair e entrar? Os imensos shoppings, de centenas de lojas, que já se multiplicam, de onde iriam tirar a freguesia? Só os da Barra? Não iria dar. As velhas cidades européias mantêm a tradição de suas antigas portas; Paris, por exemplo: já morei perto da Porta de Versailles, mas de tal porta só havia mesmo a lembrança. Qual o maluco que pretenderia fechar o acesso de Paris? Mas se eles, na Barra, tivessem mesmo cometido essa loucura, já pensaram no atropelo sem fim dos engarrafamentos, a polícia em cada portão, examinando os papéis de cada carro, a cara de cada possível suspeito? Só louco mesmo.

Não, barristas-bairristas, não se pode medievalizar uma megalópole, agredindo um dos mais democráticos direitos humanos, que é o de ir-e-vir. E se acham que se trancando todos lá dentro, se garante a segurança, é outra loucura. Os ladrões vão se trancar com vocês, e aí é que fazem a festa. Em família.
O Rio, como São Paulo, como todas as grandes cidades do Brasil (e do mundo) padecem do crescimento excessivo, provocado pelo êxodo rural; o campo fica cada vez mais pobre e deserto e as grandes cidades são poderosos ímãs, atraindo a gente rural com o sonho de desfrutarem também os confortos e deleites da vida urbana. Com a esperança de trabalho mais fácil e algum dinheiro (qualquer dinheiro) que os liberte da incerteza e da miséria. E não será se trancando em guetos, atrás de grandes portões, que os ricos moradores dos bairros aristocráticos vão se defender dos pobres que os invadem. Mesmo porque pobre anda a pé, não passa pelos portões. Desce morro sobe morro, abre veredas e, quando os ricos dão fé, já foram invadidos. Em massa. E tudo trancado dentro!


Editorial

Concordata soberana

Concordata de países tem sido até agora uma figura de retórica.
Quando a insolvência parece inevitável, o que se faz, tradicionalmente, é buscar a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e tentar uma negociação com os credores. Quando os credores são bancos, normalmente se consegue algum acerto, porque ninguém tem interesse num desastre completo.
Mas o reescalonamento dos débitos não é um direito legal - é um arranjo que depende da cooperação dos financiadores. Isso pode mudar, se for aprovada a idéia em discussão no FMI: um país poderá tornar-se legalmente concordatário, com base numa decisão proferida por uma autoridade reconhecida, e os credores deverão aceitar a nova situação. Algo semelhante ocorre quando um juiz declara uma empresa concordatária: conhecida a sentença, os credores têm de aceitar as condições e os prazos previstos em lei. Pode haver vantagens e desvantagens, tanto para os países devedores quanto para os credores, se a concordata soberana for instituída, mas a discussão está apenas começando e é cedo para conclusões definitivas.

O assunto foi explorado amplamente em público, pela primeira vez, na última segunda-feira, durante um jantar, em Washington, do Clube Nacional de Economistas, dos Estados Unidos. A professora Anne Krueger, que há pouco substituiu Stanley Fischer como número dois na hierarquia do FMI, dedicou seu discurso à proposta de uma nova forma de reestruturação das dívidas soberanas. A fórmula por ela aventada pode ser um meio de se envolver o setor privado na solução de crises financeiras.
Até agora, as crises mais graves, como as dos anos 90, têm sido resolvidas com a intervenção do FMI, de outras instituições multilaterais, como o Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento, e de Tesouros nacionais, em geral mobilizados sob a liderança de algum governo influente, como o dos Estados Unidos. O auxílio oficial concedido ao país em dificuldade acaba servindo, no final das contas, para salvar o dinheiro de credores privados.

Isso estimula o chamado "risco moral" (moral hazard): emprestadores e investidores privados vão além dos limites da prudência, em suas aplicações, porque acreditam que algum socorro oficial surgirá em caso de grave dificuldade. Políticos e economistas, de modo especial nos Estados Unidos, têm criticado essa prática tradicional, dizendo que não se pode continuar deixando a conta para os contribuintes, que fornecem direta ou indiretamente o dinheiro usado no socorro.
Anne Krueger lembrou, no discurso, outra razão para mudar o sistema: há um número cada vez maior de credores não bancários, e alguns deles têm a clara disposição de atrapalhar as negociações. São os chamados abutres do mercado, como aqueles que acionaram o Peru, em 1997, para receber dinheiro, em vez dos títulos Brady usados na renegociação com as instituições financeiras.

Num sistema de concordata, em que o FMI assumiria um papel comparável ao dos tribunais, seria reconhecido ao país em dificuldades o direito ao reescalonamento. Isso permitiria, segundo Krueger, resolver de forma ordenada o problema, com envolvimento direto dos credores e segundo regras válidas para todos.
Falta definir uma porção de detalhes, para que a idéia possa ser posta em prática. Será preciso, por exemplo, encontrar meios de estimular os credores a continuar financiando o país durante a concordata. Além disso, falta saber de que forma os credores minoritários serão obrigados a aceitar o esquema acertado com a maioria.

Há quem considere a idéia perigosa para os países que necessitam, normalmente, de financiamento externo, como a maior parte das economias em desenvolvimento. O temor de uma concordata imposta poderia levar os bancos a adotarem políticas mais seletivas, tornando mais difícil o acesso ao crédito externo. O ministro Pedro Malan tem manifestado, em público, dúvidas quanto à conveniência da inovação.
De toda forma, o debate está no começo e, em caso de aprovação, a nova fórmula não seria adotada antes de dois ou três anos, segundo a própria Anne Krueger. Não se pode desprezar, seja como for, a possibilidade de que os países venham a dispor, como as empresas, de mecanismos legais de reescalonamento de suas dívidas, em caso de graves dificuldades.


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11/30/2001


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