Tecnologia nuclear: passado sombrio pode dar lugar a energia limpa



A tecnologia nuclear pode ter contribuição fundamental no que se refere a dois dos principais desafios futuros da humanidade - a falta de alimentos e a questão climática. A avaliação é do secretário da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc), Odilon Antônio Marcuzzo do Canto, que participou nesta quarta-feira (7) do seminário sobre a Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), no auditório do Interlegis.

Embora reconheça que o potencial energético da fissão nuclear, descoberta há menos de um século, tenha primeiramente sido usado para destruir, Marcuzzo ressaltou que o desenvolvimento da tecnologia nuclear tem trazido enormes contribuições à indústria, à agricultura, ao meio ambiente e, principalmente, à área da saúde.

- Ninguém visita o sítio zero em Hiroshima sem experimentar um sentimento de profundo horror e descrença na humanidade - reconheceu ele, argumentando porém, que esse passado sombrio pode ceder lugar a uma nova etapa no desenvolvimento da energia atômica.

O secretário mencionou dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), segundo os quais já em 2010 a população mundial com níveis de alimentação abaixo de 1.800 calorias/dia ultrapasse a um bilhão de pessoas. Já o Water Management Institute avalia que somente o continente asiático terá um acréscimo de 1,5 bilhão de pessoas até o ano 2050, com o agravante de que os recursos hídricos da região não suportarão tal demanda, a menos que sejam desenvolvidas novas tecnologias de irrigação para otimizar o potencial existente e espécies vegetais para alimentação que consumam menos água.

Marcuzzo lembrou ainda que a utilização da energia nuclear em forma de energia elétrica, iniciada na então União Soviética na década de 1950, sofreu oposição em todos os países em razão dos acidentes de Chernobyl e Three Mile Island, nos Estados Unidos. O avanço científico dos últimos anos, porém, trouxe desenvolvimentos tecnológicos que produziram aumentos substanciais nos níveis de segurança e confiabilidade dos atuais reatores nucleares.

Esse fato, segundo ele, aliado ao despertar de uma preocupação com o aquecimento global provocado pelo crescimento exponencial da utilização de combustíveis fosseis na matriz energética, fez com que a energia nuclear voltasse a fazer parte da agenda mundial. Nesse contexto, os reatores nucleares de fissão passaram a ser vistos como fontes de energia de baixa emissão de carbono, compatíveis com as preocupações de combate às mudanças climáticas.

Pilares

Marcuzzo afirmou que a não-proliferação, o desarmamento e o uso pacífico da energia nuclear são os três pilares do TNP, hoje ratificado por 189 países e cuja conferência de revisão está prevista para maio deste ano.

- Evidentemente, esses três pilares estão intimamente relacionados e precisam e devem progredir juntos - afirmou.

Infelizmente, disse Marcuzzo, o esforço das nações nuclearmente armadas na direção de ações concretas que visem à diminuição e, finalmente, à eliminação completa de seus arsenais não tem "nem de perto" acompanhado o empenho que os mesmos países têm demonstrado nas tentativas de convencer os não-nuclearmente armados dos perigos da proliferação.

- Tal atitude passa a ser vista mais como uma postura de restrição ao acesso às tecnologias nucleares, criando uma reserva de mercado, do que uma real intenção de cumprimento ao disposto no Tratado de Não-Proliferação Nuclear - afirmou.

Marcuzzo disse ainda que o êxito do TNP será proporcional ao esforço e comprometimento das nações signatárias com todos os objetivos do tratado.

- Os analistas da área nuclear concordam que a postura dos Estados Unidos e da Rússia ditarão o êxito ou o fracasso do tratado.

As últimas notícias são animadoras, disse o secretário da Abacc, já que os dois países acabam de anunciar que chegaram a um novo acordo de limitação de armas nucleares que deverá ser assinado por Barack Obama e Dimitri Medvedev antes da conferência de maio.

Estrutura

Marcuzzo salientou que o fortalecimento do setor nuclear de um país exige uma estrutura de organizações e instituições robustas, tanto na execução quanto na regulamentação do setor. Segundo ele, a tecnologia nuclear engloba interesses comerciais e estratégicos de vulto, o que torna impossível para uma nação obter o seu domínio completo somente por meio de intercambio técnico e científico.

Ele lembrou, no entanto, que o campo da ciência e tecnologia nucleares não é diferente de outros setores e se beneficia enormemente das trocas de experiência e dos intercâmbios de conhecimento.

- No momento em que a indústria nuclear começa a ser reativada, ganham importância os instrumentos e instituições capazes de criar um clima apropriado para essas trocas, havendo a necessidade do fortalecimento dos já existentes e, se necessário, a criação de novos - afirmou.

A América Latina, na avaliação de Marcuzzo, tem construído um conjunto de acordos e instituições que, respeitadas as diferenças geopolíticas específicas de cada região, poderão servir de paradigma para outras regiões do planeta. Esses arranjos binacionais e multinacionais, segundo ele, também servem de suporte e fortalecem os objetivos do TNP.

O ambiente de integração regional na área nuclear na América Latina, segundo ele, fica facilitado pelo fato de que todos os países são signatários do Tratado de Tlatelolco, de 1967, em que se comprometem com a utilização exclusivamente pacífica da tecnologia nuclear e a proibição de ensaio, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de toda arma nuclear, assim como o recebimento, instalação ou qualquer possessão em seu território desse tipo de armamento.

- Com esse tratado, os países da região definiram a América Latina como zona livre de armas nucleares. Alguns países, como o Brasil, elevaram esse compromisso ao nível constitucional - afirmou.

Marcuzzo citou ainda o Acordo Regional de Cooperação para a Promoção da Ciência e Tecnologia Nucleares na América Latina e Caribe (Arcal), que evoluiu para o Acordo de Cooperação Intergovernamental, em 1998. O acordo promove o uso pacifico das técnicas nucleares e a discussão entre profissionais do setor como forma de contribuir para o desenvolvimento dos países menos avançados por meio da transferência de tecnologia. O Arcal contabiliza 49 projetos executados e 20 em execução, a maioria deles envolvendo mais de dois países da região.

Integração

Marcuzzo disse ainda que a Argentina e o Brasil, como os dois países mais desenvolvidos no setor nuclear na América Latina, têm dado exemplo de integração, iniciado com os acordos de entendimento mútuo na década de 1980 e se concretizou em 1991, com a assinatura do Acordo Bilateral para Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, que criou o Sistema Comum de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (SCCC) e a própria Abacc, que o administra.

O Acordo Quatripartite assinado em dezembro do mesmo ano entre os dois países, a Abacc e a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), segundo Marcuzzo, completou o quadro normativo legal para aplicação do sistema de salvaguardas, por meio das quais essas entidades podem verificar se um determinado país está cumprindo seus compromissos internacionais de utilização de seus materiais e instalações nucleares somente para fins pacíficos.

A Abacc foi a primeira organização binacional criada pela Argentina e pelo Brasil, sendo a única organização de salvaguardas binacional existente no mundo.



07/04/2010

Agência Senado


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