20 anos depois da Constituinte, Paulo Paim diz que, ali, o povo semeou e molhou a terra



"Até hoje, quando lembro daquele período, é difícil segurar as lágrimas". A afirmação é do senador Paulo Paim (PT-RS) que, em 1987, com 37 anos, chegou a Brasília como deputado constituinte, disposto a incluir o maior número possível de direitos sociais na Constituição que começaria a ser escrita. No momento em que a Agência Senado entrevista personagens que participaram do pacto republicano que devolveu o Brasil à democracia, o senador gaúcho define aquele como um período em que o povo brasileiro "semeou e molhou a terra".

Durante os trabalhos da Constituinte, Paim dividiu, em regime que identifica como de república estudantil, um apartamento com os então deputados petistas Luiz Inácio Lula da Silva (hoje presidente da República) e Olívio Dutra (atual presidente do diretório gaúcho do PT). Na luta política para fazer a Constituição avançar na criação de direitos trabalhistas, o senador diz que viveu, naquela época, um dos momentos mais bonitos da História do Brasil. Em sua análise, ali foram garantidos direitos que a pátria devia a brasileiros situados até então à margem da sociedade. "Isso tudo, sem quebrar a economia do país" - celebra ele.

Agência Senado- É verdade que, nos trabalhos da Constituinte, o senhor pediu ao então senador Jarbas Passarinho que fizesse a apresentação da sua emenda de lei de greve porque, se fosse apresentada por um sindicalista, a mudança não passaria?

Paulo Paim- A lei de greve era uma antiga bandeira de luta que nós trazíamos do movimento sindical. Democraticamente, havia um grupo que não aceitava essa posição, mas nós conseguimos, através de muito diálogo, nos articularmos. Nós nos reunimos várias vezes com Ulysses Guimarães, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Olívio Dutra, João Paulo Pires de Vasconcellos e Ronan Tito, entre outros, para chegar a um entendimento. Enfim, quando a redação ficou pronta, e volto a insistir, com muito diálogo e participação, pedimos carinhosamente que Jarbas Passarinho, em comum acordo com sua bancada, lesse e defendesse o projeto. O texto estava equilibrado e foi aprovado por unanimidade. Foi um dos momentos mais bonitos da Constituinte.

Agência Senado - Os direitos trabalhistas ali aprovados foram suficientes ou o senhor teria aprovado outras mudanças?

Paulo Paim- Naquele momento, nós tínhamos uma missão histórica para com os direitos dos trabalhadores. Era impossível nós recuarmos. Praticamente, ainda estávamossaindo de um regime de exceção e sabíamos das nossas responsabilidades. Tínhamos o dever e a obrigação de abrir novos caminhos e foi o que fizemos. O próprio Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, criado para lutar pela transformação de reivindicações trabalhistas em leis) teve sua participação, ao apresentar para a nossa bancada uma proposta de texto para as leis trabalhistas. Conseguimos aprovar leis necessárias para os trabalhadores, não todas, é claro. Queríamos que a jornada de trabalho fosse de quarenta horas semanais, sem redução de salários, como lutávamos também pelo turno de seis horas e pelo décimo quarto salário. Não tenho dúvidas nenhuma de que avançamos muito.

Agência Senado - As garantias trabalhistas aprovadas não serviram, posteriormente, de pretexto para a indústria demitir e aumentar o desemprego no país?

Paulo Paim- Olha só, naquela época, uma das manobras que alguns grupos tentaram fazer foi justamente dizer que a economia ia dar para trás, que o desemprego iria correr solto. Claramente, eles fizeram terrorismo. Só que a realidade provou o contrário. Aprovamos direitos e garantias para a classe trabalhadora, como por exemplo a licença-maternidade e a licença-paternidade, a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 44 horas, e o número de postos de trabalho aumentou. Portanto, ficou provado que a garantia de direitos trabalhistas não traz prejuízos para a economia nem para o mercado de emprego.

Agência Senado - Na hipótese de uma nova revisão constitucional, que artigos o senhor acrescentaria hoje à Constituição? Que artigos o senhor excluiria?

Paulo Paim- Entendo que mexeríamos muito pouco. Se tivéssemos de acrescentar novos artigos, é claro que a redução da jornada de trabalho, das atuais 44 horas semanais para 40 horas, sem redução salarial e, posteriormente, para 36 horas, seria prioritária. Essa proposta ainda hoje continua como pauta de reivindicação dos trabalhadores brasileiros. Um outro assunto, que eu considero também de extrema importância, é o fim do voto secreto em todas as instâncias e decisões do Congresso. Entendemos também que é uma forma de melhorarmos a nossa democracia, e isso faz parte do processo.

Agência Senado - O texto promulgado, 20 anos atrás, é motivo de orgulho para o senhor?

Paulo Paim- Cada vez mais, estamos convencidos de que fizemos o que tínhamos de fazer. Os artigos da nossa Constituição foram cravados lá com muita luta e suor, não estão lá de graça. Carregávamos naquele momento todas as esperanças do povo brasileiro. Fomos soldados da nossa pátria, e isso é motivo de orgulho para nós. Isso ninguém vai nos tirar. Os artigos da Constituição são direitos assegurados a todos os brasileiros. Lembro que alguns grupos queriam fazer uma Constituição apenas com grandes princípios. Graças à nossa unidade, isso não ocorreu, e os direitos estão lá, para todos os brasileiros exigirem o seu cumprimento. Nós somos contra a realização de uma nova Assembléia Constituinte. Mas não descarto a possibilidade de fazermos mudanças pontuais. Isso vai depender de um grande entendimento. Faz parte da nossa democracia.

Agência Senado - O tempo mostrou que os direitos sociais foram um avanço, então?

Paulo Paim- Afirmo isso com absoluta certeza. O que nós temos hoje de avanço foi dado a partir da Constituição Cidadã, como bem a chamava o doutor Ulysses. É claro que nem todos os artigos estão regulamentados, mas aquelas chamadas normas auto-aplicáveis significaram esignificam avanços. Se pegarmos o número de pessoas que compunham a faixa de miserabilidade naquela época e o compararmos com agora, veremos que os números se reduziram em muito. Então, a Constituição de 88 cumpriu o seu papel de garantir avanços sociais.

Agência Senado - A principal lembrança daquela época é o cansaço?

Paulo Paim - No meu livro de memórias, O Rufar dos Tambores, eu dedico um capítulo especial aos trabalhos da Constituinte. Posso dizer que foram momentos inesquecíveis. Os debates nas comissões eno Plenário, os estudantes se manifestando, o movimento sindical pressionando legitimamente os parlamentares, o próprio tema reforma agrária, as situações que levaram alguns companheiros quase às vias de fato, a plantação de árvores no bosque aqui ao lado da Praça dos Três Poderes. Tudo isso traduz momentos extraordinários. Lembro até hoje das palavras do doutor Ulysses: "Esta será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, segregados nos guetos da perseguição social. O povo nos mandou fazer a Constituição, não ter medo. Viva a vida que ela vai defender e semear".Fizemos história ali.

Agência Senado - Nessa época, o senhor dividia um apartamento com os então deputados Luiz Inácio Lula da Silva e Olívio Dutra. Quais as reminiscências desse período?

Paulo Paim - Nós morávamos, praticamente, numa república estudantil. No café da manhã, após tomarmos chimarrão - e o Lula gostava de sorver um amargo -, nós conversávamos sobre a pauta do dia. À noite, no jantar, o assunto centrava-se nos acontecidos do dia. Posso dizer que tive também o privilégio de acompanhar Lula e Olívio em alguns debates que tiveram grande importância na minha vida. Eu sempre digo que a Assembléia Nacional Constituinte foi um dos momentos mais bonitos da história do Brasil. Até hoje, eu me emociono e, às vezes, não tenho como segurar as lágrimas. Para mim foram meses em que o povo brasileiro semeou e molhou a terra. E hoje, vendo as mãos calejadas desse mesmo povo, sei que a nossa democracia social e econômica está sendo consolidada. No dia em que assinei a Carta, ao meu lado, estava meu filho, Jean Cristian, hoje com 32 anos. A foto que tiramos naquele momento, até hoje, está na cabeceira da cama dele.

Mais informações sobre os 20 anos da Constituição no endereço http://www2.camara.gov.br/internet/constituicao20anos



19/09/2008

Agência Senado


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