Brizola rompe com Ciro
Brizola rompe com Ciro, ataca Lula e admite alianças regionais com PSDB
RIO e PORTO ALEGRE. O presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, disse ontem que a filiação do ex-governador gaúcho Antônio Britto ao PPS praticamente encerra seus entendimentos com Ciro Gomes sobre a formação de uma frente para disputar a sucessão presidencial em 2002. Para Brizola, é impossível subir no mesmo palanque de Britto:
— Como governador, ele fez uma administração lesiva ao estado, se submeteu aos interesses do governo federal. A filiação dele entornou o caldo. Agora, quem está demais nesse palanque somos nós. Suspendemos as negociações. Estamos nos retirando da mesa de entendimento — disse o pedetista.
Ciro vai procurar Brizola quando voltar ao Rio
Em Porto Alegre, Ciro disse que, assim que regressar ao Rio, vai procurar Brizola para tentar convencê-lo a não interromper as negociações.
— É assim que os cavalheiros e os homens de bem procedem. Estava previsto um encontro para o dia 8, mas vou antecipá-lo — disse.
Ciro acrescentou que não pretende interferir se Britto quiser concorrer ao governo gaúcho no ano que vem:
— Ele me disse que não é candidato, mas se desejar fazer isso, será uma decisão dele em conjunto com os políticos gaúchos. Não cabe a ninguém de fora entrar nessa discussão.
Brizola e Ciro trocaram cartas sobre o rompimento. O ex-governador do Ceará afirmou que não podia atender às exigências de Brizola para barrar a ida de Britto para o PPS e lembrou que vem sofrendo críticas por parte de pedetistas. Ciro disse ainda que notou uma preferência de Brizola pelo governador Itamar Franco (PMDB).
Em resposta, Brizola argumentou que tem feito reiterados elogios a Ciro e que não demonstrou preferência por Itamar. O presidente do PDT fez ainda críticas a Britto, mas disse que a ida do gaúcho para o PPS era um problema interno do PSB.
“Lula está mais próximo de FH do que de nós”
Apesar do rompimento com Ciro e da incerteza sobre o futuro de Itamar, Brizola descartou a hipótese de aproximação com o possível candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
— Não sei onde Lula arrumou um sapato com salto tão alto. Os da Carmem Miranda, tipo plataforma, são pequenos perto dos de Lula. Temos de olhar para ele de baixo para cima. Ele está mais próximo do presidente Fernando Henrique e do PSDB do que de nós. Teríamos de percorrer uma distância muito grande — disse.
Ao garantir que as restrições a Lula não impedem as negociações regionais entre o PDT e o PT, Brizola surpreendeu ao admitir também alianças locais com os tucanos:
— Tínhamos vetos a qualquer aproximação com o PSDB, mas hoje cresce no partido o entendimento de que podemos abrir a possibilidade em casos regionais.
Pela punição
Em resposta à decisão do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) de renunciar ao mandato para escapar da cassação e da perda dos direitos políticos por oito anos, começou a tomar forma no Congresso um movimento para derrubar o dispositivo constitucional que permite a parlamentares sob investigação renunciar para ficar inelegíveis. O dispositivo beneficiou os ex-senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (PFL-DF) e deve agora ser usado por Jader. A Câmara dos Deputados ontem decidiu agilizar a tramitação de um projeto que pode inviabilizar a pretensão de Jader de voltar à vida pública.
Pela proposta, de autoria do deputado Orlando Desconsi (PT-RS), os parlamentares que “tenham renunciado ao mandato ficarão inelegíveis pelos oito anos subseqüentes, além de não poder concorrer a qualquer cargo eletivo no período compreendido pelo mandato ao qual abriu mão”.
Pelo texto, Jader, Arruda e Antonio Carlos seriam impedidos de disputar novo mandato nos próximos oito anos. Mas há dúvidas sobre sua constitucionalidade, por causa da retroatividade.
O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), disse que porá o projeto em votação tão logo saia da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde tramita. O presidente da CCJ, deputado Inaldo Leitão (PSDB-PB), designará hoje o relator do projeto na comissão:
— Vou dar celeridade ao projeto.
Ao anunciar a renúncia ao mandato anteontem, Jader afirmou:
— Eu me afasto do Senado mas não da vida pública. No ano que vem participo das eleições.
PFL diz que votará contra a proposta
Na justificativa do projeto, Desconsi diz que a renúncia em meio a processos de investigação é uma afronta ao Parlamento. A proposta não terá, porém, passagem tranqüila pela Câmara. Líder do PFL, partido de Antonio Carlos, Inocêncio Oliveira (PE) descartou ontem as chances de sua aprovação na Casa:
— O árbitro do homem público é o povo. O eleitor da Bahia é que vai julgar o senador Antonio Carlos Magalhães. O do Pará julgará Jader.
Encarregado de acompanhar os projetos na Câmara, o primeiro-vice-líder do PMDB, Mendes Filho (RS), lembra que o tema é delicado e merece uma discussão profunda:
— É um debate válido. Em alguns casos, a renúncia realmente é um prêmio, mas as investigações não devem parar. Porém, num processo em que a punição é a perda de mandato, o caso deve ser encerrado com a renúncia.
No Senado, a idéia de extinguir o benefício da renúncia foi defendida pela senadora Heloísa Helena (PT-AL). Ontem, ganhou o apoio do primeiro secretário da Casa, Carlos Wilson (PTB-PE):
— A renúncia é uma alternativa prevista, mas cabe ao Senado mudar isso e impedir o benefício.
Além de Heloísa e Wilson, outros senadores, como Saturnino Braga (PSB-RJ) e José Eduardo Dutra (PT-SE), também defendem a mudança. Na oposição e no PFL, parlamentares lembraram que mesmo que a renúncia acabe com o processo político, é preciso levar até o fim os processos abertos contra Jader na Justiça.
— A renúncia deixa no ar um cheiro maldito de impunidade. A legislção possibilita que se fortaleça no imaginário da população a sensação da impunidade. Isso é muito ruim, fragiliza a democracia — disse Heloísa.
Para Antero Paes de Barros (PSDB-MT), a possibilidade de senadores renunciarem para escapar da cassação é uma violência contra a democracia. Ele vai apresentar proposta de alteração da legislação, prevendo que, durante a investigação, o parlamentar já não possa renunciar.
Itamar prepara sua saída do PMDBe pode anunciar mudança para o PDT
BRASÍLIA e RIO. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco, passou o dia ontem no Rio reunido com assessores e pode anunciar hoje sua saída do PMDB. Seu possível destino seria o PDT. A notícia sobre a possibilidade de o governador deixar o partido, confirmada pela assessoria de Itamar, surpreendeu parlamentares de todos os partidos no Congresso. A surpresa maior foi dos dirigentes peemedebistas, que não receberam qualquer informação do grupo do governador sobre a reviravolta — há menos de um mês, ele anunciou que ficaria no partido.
Antes mesmo de Itamar confirmá-la, a notícia foi comemorada por tucanos.
— Se é verdade, é bastante bom para o PSDB e excelente para a candidatura do ministro José Serra. Sem Itamar, o PMDB poderá se juntar ao nosso grupo — disse o secretário-geral do PSDB, deputado Márcio Fortes (RJ).
Itamar levantou suspeitas sobre mudanças em seu destino político depois que antecipou seu retorno da viagem à Itália. Desde domingo ele está no Rio em constantes reuniões com assessores e toda a cúpula do governo mineiro.
O líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), foi um dos primeiros a saber da suposta decisão do governador.
— Se ele sair mesmo do PMDB, espero que vá para o PDT — disse Miro.
O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), surpreendido com a informação, não quis comentá-la. Mas diante das insistentes notícias de que Itamar estaria mesmo deixando o partido, disse:
— A ser verdadeira essa informação, o governador perdeu a oportunidade de disputar as prévias do PMDB. Estão mantidas nossas prévias dia 20 de janeiro, se tivermos mais de um candidato à Presidência.
Executiva do PMDB rejeita filiação de José Ignácio
A executiva nacional do PMDB se reúne hoje e deverá desautorizar a filiação do governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira, acusado de corrupção. A maioria dos dirigentes peemedebistas defende a intervenção no diretório do partido no estado para anular a filiação e tentar segurar na legenda o senador Gerson Camata e sua mulher, a deputada Rita Camata.
Traumatizados com o desgastante processo por qual passou o PMDB nos últimos meses com o caso Jader Barbalho, dirigentes e líderes partidários rejeitam a convivência com o governador capixaba.
— Não podemos aceitar mais um problema nas nossas costas. José Ignácio não dá — desabafou o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA).
Temer, que comandará a reunião de hoje, disse que é desejo de todos eliminar o problema criado com essa filiação.
— A saída dele do nosso partido é defendida por ampla maioria — disse Temer.
O governador reagiu com tranqüilidade. Por meio de seu secretário de Comunicação, José Nunes Dias, ele disse que não vê ninguém insatisfeito com sua filiação ao PMDB.
Tropa do Exército cerca fazenda de filhos de FH
BRASÍLIA. Um grupo de 150 trabalhadores sem-terra de Buritis (MG) iniciou ontem uma marcha em direção à Fazenda Córrego da Ponte, de propriedade dos filhos do presidente Fernando Henrique. A decisão do grupo de se dirigir para a fazenda não tem apoio da coordenação nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), porque levou o Incra a suspender uma reunião com a entidade marcada para amanhã. O governo enviou uma tropa do Exército para proteger a propriedade.
Na madrugada de ontem, chegaram à fazenda 340 militares do Batalhão da Guarda Presidencial. A ordem para o Exército ocupar a fazenda como precaução foi dada pelo próprio presidente. Do Equador, ele determinou aos ministros Alberto Cardoso (Gabinete de Segurança Institucional) e Geraldo Quintão (Defesa) que mandassem tropas para Buritis.
Exército vai à fazenda pela quinta vez
Na noite de segunda-feira, Fernando Henrique conversou por telefone com o general Alberto Cardoso. Ao longo do dia de ontem, foi sendo informado da situação. Às 16h, o presidente chegou a Tabatinga (AM), onde visitou um hospital das Forças Armadas.
Essa é a quinta vez que o Exército se desloca para a Fazenda Córrego da Ponte. Segundo o governo, o uso do Exército tem base no artigo 142 da Constituição, que determina que as Forças Armadas destinam-se à garantia da lei e da ordem. Além disso, cabe ao Gabinete de Segurança Institucional, segundo a medida provisória que o criou, “zelar pela segurança pessoal do presidente”. No governo, o argumento é de que a fazenda é usada pelo presidente como residência de lazer.
A coordenação regional do MST em Buritis reivindica liberação de crédito para colonos da Fazenda Barriguda 1 e o aumento do número de assentamentos de famílias de sem-terra na região. A direção nacional do movimento tem uma pauta com dez itens. O principal deles é a renegociação das dívidas dos assentados. A direção nacional reivindica ainda o assentamento imediato das cem mil famílias de acampados em todo o país.
Ontem à noite, a assessoria do MST em Brasília informou que a coordenação nacional estava reunida tentando um contato com os líderes do movimento na região de Buritis. Segundo a assessoria, como os sem-terra estão se deslocando a pé para a fazenda, haveria tempo de encontrar uma alternativa para evitar que as negociações com o governo fossem suspensas.
A cidade mineira de Buritis fica a cerca de 60 quilômetros da porteira principal da Fazenda Córrego da Ponte. Um caminhão com mantimentos acompanha os sem-terra em marcha. O mesmo grupo ocupou na semana passada uma agência bancária em Buritis.
Assentado torturado e morto no Mato Grosso do Sul
Sebastião Amaro de Macena, de 40 anos, trabalhador rural do assentamento do Santa Catarina, em Aralmoreira, divisa do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, foi seqüestrado, torturado e morto, na noite de anteontem, por três homens encapuzados.
Segundo o delegado Lupérsio Degerone Lúcio, que cuida das investigações, o laudo da perícia apontou que a vítima levou seis tiros, dois deles na cabeça. Macena também teve diversas perfurações de faca espalhadas pelo corpo e pelo rosto. O assentamento fica a 470 quilômetros de Campo Grande.
O delegado disse que Macena foi retirado do seu quarto por volta das 21h de segunda-feira e arrastado para a mata pelos três homens encapuzados. O corpo dele foi encontrado no fim da manhã de ontem, na região de Três Placas, a 700 metros da linha de fronteira com o Paraguai.
A polícia descarta a possibilidade de o crime ter ligações com a questão agrária. A mulher da vítima contou que ele tinha dívidas por causa de seu vício em crack.
MEC mantém decisão de não pagar a grevistas
BRASÍLIA. O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, anunciou ontem que vai tentar derrubar as duas liminares obtidas por professores e servidores federais em greve que garantem o pagamento dos salários mesmo com a paralisação. Ontem, o ministro passou a manhã na Advocacia-Geral da União (AGU) decidindo a estratégia que o governo deve adotar. Ele vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Paulo Renato, a decisão de não pagar os salários enquanto a greve não terminar é irrevogável.
— A minha preocupação é a volta às aulas. Pagar os salários com a greve em andamento fica difícil. Estou fazendo isso para que a greve não se estenda — disse.
Paulo Renato criticou ainda o apoio dado pelos reitores das universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), São Carlos (UFSCar), Paraíba (UFPB) e Juiz de Fora (UFJF) à greve. Ele considerou inaceitável as manifestações em favor do movimento.
— Um administrador público pode fazer qualquer coisa e está tudo bem? Eles podem agora falar a favor de uma greve que prejudica os alunos e está tudo bem? — perguntou o ministro.
Os professores em greve ainda continuam insistindo em não negociar caso não haja pagamento dos salários. Ontem, a Associação Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) não compareceu a nenhuma das reuniões agendadas no ministério.
Os servidores das universidades, por sua vez, rejeitaram a proposta do MEC. Em mais de 15 assembléias, eles recusaram a incorporação de 50% da Gratificação por Atividade Executiva (GAE) aos salários.
Artigos
Quem se lembra da inflação?
CESAR MAIA
Os mecanismos de comunicação política nunca devem supor que qualquer fato esteja suficientemente cristalizado na memória popular. Mesmo aqueles que desabaram na cabeça do próprio povo durante anos.
Exemplo disso é o caso da inflação no Brasil. O Plano Real teve como conseqüência social sobre os mais pobres o maior impacto positivo em menor tempo concentrado de que já se teve notícia. Por isso mesmo, o reconhecimento da população e a popularidade do presidente da República alcançaram os píncaros, traduzindo-se em duas eleições nacionais ganhas ainda no primeiro turno. Com esses resultados, a comunicação do governo deitou em berço esplêndido e deixou de lado aquilo que sempre é recomendável: a afirmação do que se está fazendo e o contraponto com o que havia antes.
As pesquisas de opinião publicadas nos últimos dias deveriam acender a luz roxa em todas as salas do Palácio do Planalto, recomendando uma correção urgente da comunicação feita pelo governo.
Kathleen Jamieson coordenou, pela Universidade da Pensilvânia, a maior pesquisa já realizada sobre eleições presidenciais nos Estados Unidos. Centenas de pesquisadores estiveram envolvidos nela, e o resultado foi publicado este ano com o título “Tudo o que você pensa que sabe sobre política e... porque está errado”, ainda sem tradução para o português.
Diz Jamieson, no capítulo quatro, que a análise de conteúdo da pesquisa dividiu o discurso — a comunicação — dos candidatos em três pontos: defesa, que são os argumentos a favor da posição de quem comunica; ataque, com os argumentos que criticam o oponente; e contraste, no qual se agrupam os argumentos que o comparam ao oponente.
Eleição não é concurso público, no qual ganha quem tiver a maior nota. É um jogo de coordenação, um jogo estratégico. As razões se tornam razões somente se vierem acompanhadas da força do convencimento.
Bem... pode-se dizer que isto é óbvio. É, mas não parece ser assim. Ou, então, o berço esplêndido do Plano Real acostumou mal os assessores de comunicação do governo. Sublinhe-se que Jamieson — e falo provavelmente da mais qualificada pesquisadora e especialista em comunicação política — chama a comunicação afirmativa (o “eu fiz isso... eu fiz aquilo”) de defensiva. É natural, pois em se tratando de uma disputa, não basta afirmar o que foi feito. É necessário contrastar.
De que adianta, do ponto de vista político-eleitoral, uma ação heróica por parte do governo em defesa da estabilidade da moeda, se esta não vier acompanhada dos elementos que permitam o julgamento? Se alguém pensar que qualquer um poderia fazer o mesmo, a heróica política de estabilização transformar-se-á em uma regressiva política econômica. Se não se consegue comparar esta política ao que teríamos, caso ela não fosse aplicada, como é possível julgar?
A hiperinflação brasileira foi paga principalmente pelos pobres e pelos assalariados. Isto ficou claro quando o Plano Real foi adotado. Ficou claro, foi amplamente medido, reconhecido, sentido e percebido pela população que vive do trabalho ou que não tem trabalho seguro.
Agora não é mais assim. Segundo pesquisa do Data-Folha, 28% dos eleitores consideram o Plano Real ruim ou péssimo, enquanto para 33% é apenas regular. Ou seja: 61% dos eleitores acham o Plano Real ruim, péssimo ou regular. Poucos anos atrás, cerca de 10% pensavam assim, provavelmente por razões ideológicas.
Alguns jovens que hoje têm 20 anos e que em 1994 tinham 13 podem representar uma pequena fração do universo eleitoral, mas sua presença necessariamente crescente só faz aumentar a importância de comunicar.
O GPP, em pesquisa nacional realizada nos dias 15 e 16 de setembro último, perguntou aos eleitores: “Você se lembra como era a inflação antes do Plano Real? Muito maior que hoje, maior, igual, menor ou muito menor?” Pasmem: apenas 20% disseram ser “muito maior”. Para 36% era igual, menor ou muito menor, enquanto 37% responderam que era apenas maior. Os restantes 7% não conseguiram responder à pergunta.
Conclui-se, então, que 43% dos eleitores estão muito mal informados sobre a dinâmica da inflação brasileira nos últimos anos, e outros 37% estão mal informados. Ou seja: 80% estão muito mal ou mal informados sobre a inflação brasileira e, portanto, sobre o seu próprio poder de compra.
Ainda mais curioso é constatar que, quando o GPP cruza esta pergunta com a preferência presidencial dos eleitores, entre os que se lembram que a inflação era muito maior ou maior, o candidato da oposição ao governo, e na época também opositor do Plano Real, tem 35% contra pouco mais de 5% de um atual ministro.
Não preciso destacar que, para os que consideram a inflação de hoje igual ou menor ao que era antes do Plano Real, o candidato da oposição ganha no primeiro turno. Aliás, coerente e logicamente. E também não preciso sublinhar que é exatamente esta amnésia o que mais interessa à oposição.
Talvez tenha sido isso que o presidente quis dizer em sua entrevista ao GLOBO, pedindo mais iniciativa ou ousadia a seus candidatos. Mas, se não fosse magoar o presidente, eles poderiam dizer o mesmo dos assessores de comunicação do governo. Ou, então, que se explique o deslocamento do seu responsável para a aprazível estância itálica. Embora apenas isso não baste.
Onde está FH?
JOSÉ DIRCEU
Desta vez não foi pela televisão, mas foi publicada, como de costume, num grande jornal, O GLOBO, a entrevista do presidente Fernando Henrique Cardoso sobre os últimos acontecimentos no mundo e, o que importa, suas conseqüências para o país que ele preside há sete anos. Nenhuma humildade na fala, nada de reconhecer erros, nenhuma convocação ao país, nenhum diálogo. Trata-se de um monólogo, quase uma fala do trono. Lembra aos “súditos” que ele tinha um projeto para o Brasil, que talvez não devesse ter mantido o câmbio por tanto tempo, que deveria ter feito a reforma tributária, mas..., pasmem: a mudança mais urgente é a do Código de Processo Penal. E, lógico, não deixa de pôr a culpa nos outros, no Congresso, que sempre escolhe relatores do contra.
Numa mistura de cinismo e irresponsabilidade, o presidente passa a deitar falação sobre sua sucessão, sem deixar de fazer provocações ao PT, sempre tentando desqualificar, falando em falta de alternativa, e lamenta:“Se o PT tivesse noção do mundo.”
Para ele, seu governo é um sucesso, principalmente social, e cabe aos seus candidatos, inclusive aos congressistas — deve estar falando do Hildebrando “moto-serra”, do Eurico Miranda, do Luis Estevão, do Arruda, do Jader Barbalho e de tantos outros — serem mais afirmativos e conversar com o país, já que para a oposição “basta jogar pedra”.
Conclui a primeira parte falando em resolver a crise energética (que ele criou), continuar a reforma agrária (sic) e, por fim, “consolidar a rede de proteção social”. Como vemos, trata-se de uma mistura de mentiras com arrogância.
Na segunda parte da entrevista afirma que os fundamentos da economia brasileira estão sem problemas e que em nossa política fiscal “não existe nenhum problema”. Isso mesmo: segundo o presidente, não temos problemas fiscais, nossa economia tem fundamentos sólidos e as “contas estão em ordem”. Ele diz que não aumentará os juros — os maiores do mundo — e que manterá “a meta de exportar”.
Parece piada, mas não é, já que, segundo o presidente, são “talibãs” os que propõem “fechar a economia” para diminuir a dependência externa. Ele não. Ele propõe exportar, investir, aumentar a produção. Pode?
Até parece que a economia não está entrando numa recessão, senão numa depressão, e que, pela enésima vez, o governo nomeia um ministro para a exportação e promete a todos que, agora, vamos exportar. Mas nem com o câmbio desvalorizado em 50%.
O final da entrevista é melancólico. Nosso presidente volta a deitar falação sociológica sobre a queima de mais valia e, com muita arrogância, fala que tudo é natural, que estamos num ciclo e devemos nos ajustar. Ele fala que os economistas devem se ajustar ao ciclo recessivo — mas está falando do Brasil e de nosso povo — e que, portanto, não adianta querer crescimento econômico.
FH não deixa de lembrar que Malan já esta fazendo os ajustes. Talvez a guerra — e ele é contra, deixa claro — poderá abreviar o ciclo, ou seja, não há nada o que fazer.
Vem, então, um misto de opiniões sobre o papel do Estado, onde novamente vemos a incapacidade do presidente em reconhecer seus erros, além de obviedades sobre a nova situação internacional, o papel dos Estados Unidos e nossa política neste momento.
O que mais nos espanta na entrevista, no entanto, não é a arrogância, o desprezo aos adversários e a falta de autocrítica. Tudo isso já conhecemos no nosso presidente. O que nos apavora é a falta de grandeza para enfrentar o atual momento dramático que o mundo e o nosso Brasil atravessam, a ausência total de liderança, de comando, e a incapacidade de convocar o nosso povo e a nação para, diante da crise, propor ao país uma saída.
Salta à vista o óbvio e não precisamos ser historiadores ou sociólogos para saber que nosso Brasil se desenvolveu e cresceu nas crises mundiais do capitalismo, na primeira guerra, na década de 30 e na segunda guerra. Que nos ciclos recessivos é preciso ter a coragem de adotar mudanças no modelo — isso mesmo, no modelo — já que não somos uma economia central ou desenvolvida. Que é preciso ter uma liderança nacional e uma coalizão político-empresarial promovida por um governo com apoio na sociedade, para aproveitar o momento de crise e recessão para mudar de rumo.
A hora é de coragem e iniciativa. Precisamos mudar a política econômica, convocar a sociedade para exigir do Congresso Nacional medidas que permitam a redução dos juros, investimentos na infra-estrutura, começando por refazer o orçamento e fazendo a reforma tributária e a da Previdência.
O que vamos esperar? O agravamento das contas externas? O dólar chegar a R$ 3? A dívida interna explodir? Ou — o pior — uma crise social, ou mesmo uma explosão social?
Se foi possível, pelos erros graves do governo, impor ao país o racionamento de energia, por que não é possível mobilizar a sociedade por uma nova economia, voltada para o crescimento do emprego e da renda nacional, para nosso mercado interno, uma renegociação do nosso passivo externo, uma redução dos juros, uma política de investimentos e obras públicas para criar empregos e investir na infra-estrutura social e econômica do país, substituir importações e aumentar as exportações, uma nova política industrial e tecnológica?
Nós acreditamos que é possível e que nosso povo o fará nas urnas em 2002. O problema é que pode ser tarde demais, ou que o custo social venha a ser ainda muito maior. Por tudo isso é que lamentamos a entrevista do presidente, que demonstra não estar à altura do Brasil, do momento que o mundo vive.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL
Início de jogo
Os presidentes dos quatro partidos da aliança governista — PSDB, PFL, PMDB e PPB — terão hoje uma primeira conversa sobre o futuro eleitoral. Diferentemente do pacífico PPB, que não faz segredo de sua preferência pelo palanque de FH, o PFL e o PMDB estão jogando uma mão de truco. Começa a chegar o momento em que os tucanos vão pagar para ver as cartas.
A carta do PFL é uma dama de copas, Roseana Sarney, apresentada como ás de ouros. A do PMDB é um curinga, a candidatura própria, que pode vir a ser ou não ser. Embora saibam que comandam a mesa, os tucanos têm um problema sério: no momento não têm a carta mais alta para mostrar. A iniciativa da reunião de hoje foi do presidente do PSDB, José Aníbal, a pretexto de discutirem a conjuntura, mas todos sabem o que está em pauta.
O PTB, que apóia Ciro Gomes mas continua na base parlamentar governista, foi convidado, aceitou mas depois deu para trás. A reunião, que seria na casa de seu presidente, José Carlos Martinez, foi transferida para o apartamento de Aníbal.
A conversa estava precisando começar, e começa pela instância correta, os dirigentes partidários. Mas o jogo propriamente dito não avançará enquanto o PSDB não resolver seu problema fundamental, a escolha do candidato. Nesse sentido, nada de objetivo acontecerá, mas pelo menos o clima começará a ser criado na reunião da cúpula tucana — dirigentes, ministros, governadores, líderes etc — marcada para sexta-feira em Goiânia, tendo como anfitrião o governador Marconi Perillo.
Claro que conflitos vão aflorar, claques dos pré-candidatos Tasso Jereissati, José Serra e Paulo Renato podem se manifestar, explicitando a divisão cada vez mais visível do partido entre Serra e Tasso. Desde a semana passada, alguns tucanos atemorizados tentaram cancelar o encontro, para evitar “exposição negativa”. O mais empenhado deles, o secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, a cujas objeções Aníbal parece não ter dado ouvidos:
— Quem se desinteressa por essa reunião não tem interesse nos objetivos dela, que dizem respeito ao futuro do partido, aos palanques regionais, à construção das candidaturas e à formulação de nosso programa para 2002 — diz Aníbal.
Em algum momento terão mesmo os tucanos que encarar a realidade eleitoral e seus dilemas, e, se for preciso, os confrontos. Não é sem tempo.Oposição: nova carta no jogo
No início da noite de ontem eram fortes os sinais de que o governador de Minas, Itamar Franco, deixará o PMDB enquanto é tempo. Depois das condições impostas à sua participação no programa eleitoral do partido que vai ao ar na semana que vem, aqui registradas no sábado, Itamar parece ter se rendido ao tamanho do abismo que o separa do comando governista do PMDB. Não poderia criticar o presidente nem sua política econômica.
Se confirmada sua saída do PMDB, o alinhamento de forças no campo da oposição será fortalecido. Duas mudanças em Minas já favoreceram muito a candidatura de Lula, a filiação ao PT do prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro, e a saída do senador José Alencar do PMDB. Num primeiro momento, o jogo indicava a candidatura de Célio ao governo de Minas e a escolha do senador como vice de Lula. Como empresário nacionalista e crítico da política econômica, Alencar teria muito a oferecer à chapa petista, inclusive o aval de parcela do empresariado.
Com Itamar fora do PMDB, o jogo muda em Minas. Será preciso saber primeiro para onde ele vai. Muito provavelmente apoiará Lula, em fina sintonia com Célio. Um apoio importante para uma candidatura que, apesar do favoritismo nas pesquisas, hoje é mais carente de alianças do que nas outras disputas.
Mas Itamar e o senador não se bicam. Lula talvez tenha que fazer uma escolha. Difícil escolha, por sinal.Vitória da razão
Errar é humano, persistir no erro é insano. Na política, é uma estupidez, mas vive acontecendo. Dois erros, dia 25, um erro regimental, cometido pelo presidente do Senado, outro comportamental, praticado pela oposição, tumultuaram a sessão mista do Congresso. A liturgia foi violada e a beligerância instalada. A ter curso a votação irregular e os processos contra deputados da oposição, a vendeta poria a perder o que resta do ano parlamentar.
O que se passou ontem foi a prevalência da razão sobre o dogma. Aécio Neves, presidente da Câmara, assumiu a tarefa da pacificação e coordenou-a. A oposição reconheceu seus excessos, e coube sobretudo a Miro Teixeira (PDT) traduzir em doses corretas de altivez e humildade a explicação dada ao senador Ramez Tebet. Erraram, ainda que em legítima e apaixonada defesa. Na mesma linha atuaram Walter Pinheiro (PT), Rubens Bueno (PPS) e Sérgio Miranda (PCdoB-MG), autor da questão de ordem ignorada. Do lado governista, Inocêncio Oliveira (PFL) e Arthur Virgílio (PSDB) também deram chance à paz. Exceção, o PMDB.
Outro talvez não agisse como Tebet, que respondeu com a iniciativa de retomar a votação a partir do ponto do conflito. O recuo não lhe tisnou a autoridade, pelo contrário. Passaram todos por uma prova de maturidade.
Editorial
Insistir no erro
O que no Brasil foi batizado de população de rua existe pelo mundo afora. Paris tem os seus clochards dormindo sobre os respiradouros do metrô, e em Nova York ainda podem ser vistos os homeless que se refugiam na Grand Central Station. Lá, os mendigos foram deportados em massa pelo prefeito Rudolf Giuliani, mas certamente seu número voltará a crescer se o próximo prefeito não apreciar a rígida política de segurança pública do antecessor.
Não é vergonha que o Rio tenha, como calcula a prefeitura, entre 1.200 e 1.500 moradores das ruas. Mas é embaraçadora vergonha que estado e município gastem bom dinheiro com a remoção de mendigos para abrigos (cada mês, R$ 523 municipais e R$ 650 estaduais por mendigo abrigado) e não consigam mantê-los longe das ruas por mais do que algumas semanas.
Na prefeitura, explica-se a evasão como conseqüência da sede de liberdade dos fujões; já a secretária estadual de Ação Social, Rosângela Matheus, acredita que eles têm vergonha de sua degradação social e por isso se escondem nas calçadas. São duas opiniões românticas. Parece ter os pés mais no chão o sociólogo Dário Souza e Silva, que estudou o problema e conclui que é tudo uma questão de sobrevivência: o abrigo não dá ou ensina ao mendigo meios de sobreviver melhores do que aqueles que ele encontra nas calçadas. Além disso, há o problema do alcoolismo, que tem alta incidência: numa pesquisa, 77,8% dos entrevistados tinham sintomas de embriaguez.
Seja como for, o fato é que as soluções tradicionais não funcionam, e resta aos administradores estaduais e municipais repensar suas estratégias. Basta-lhes uma preocupação: de nada adianta manter programas que afugentam os abrigados e culpá-los por isso. Isso é muito parecido com um médico acusando o paciente de estar doente. Com mais de mil reais por mendigo/mês, um esforço combinado das duas administrações pode mudar consideravelmente o panorama triste de muitas ruas cariocas.
É muito difícil imaginar uma metrópole como o Rio sem mendigos. Mas um programa racional de resposta ao problema pode reduzir consideravelmente o seu número. Encontrar esse programa, assim como decidir agir em conjunto, é urgente para autoridades estaduais e municipais. Sem mudança na resposta ao problema, a qualquer momento os mil e tantos desabrigados poderão ser dois ou três mil e tantos. E os recursos oficiais não serão suficientes nem para continuar insistindo no que não dá certo.
Ação e reflexão
A ofensiva contra terroristas abrigados no Afeganistão pode começar a qualquer momento, segundo fontes inglesas e americanas. Nesse contexto, é importante registrar a emergência, no círculo mais íntimo de poder dos Estados Unidos, das posições do secretário de Estado, general Colin Powell, que diferem de posturas mais agressivas como as do vice-presidente Dick Cheney e do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld.
Em face dos tambores de guerra que soaram desde a primeira hora, Powell fez questão de observar que, se era necessário reagir ao ataque alucinado do terror, a ação não deveria ter o caráter de vingança ou retaliação. “Mais importante” — opinou Powell — “deve ser defender os nossos interesses com a colaboração de nossos aliados, de uma forma multilateral. É uma grande oportunidade de fortalecermos as alianças, de nos engajarmos no mundo, e não de sermos unilaterais, arrogantes.” Em outra ocasião, ele afirmou: “Eu acho que a nossa missão é acabar com o terrorismo, e não com países.” São declarações de alcance considerável num momento crucial das relações internacionais. Não se trata apenas de definir melhor as relações dos Estados Unidos com o resto do mundo, ou de combater a imagem da superpotência arrogante que sempre segue o seu próprio caminho, indiferente ao que digam ou pensem os outros.
Trata-se também de acertar o alvo na luta contra o terror. Os terroristas ficariam extremamente satisfeitos com uma retaliação maciça que cobraria o seu preço em vítimas inocentes: teriam bastante facilitada a sua missão sagrada de satanizar os EUA.
Uma ação irrefletida também faria, com toda probabilidade, outra vítima: os regimes árabes que não compactuam com o terror, e que vivem numa corda bamba entre versões contraditórias do islamismo. No Paquistão, a derrubada do atual regime por grupos simpáticos ao Talibã seria avanço considerável para terroristas que imaginariam um sonho impossível dominar um país com arsenal nuclear.
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