Câmara aprova fim da imunidade parlamentar







Câmara aprova fim da imunidade parlamentar
Apoio às mudanças passou por 442 votos a 1 e Senado promete garantir validade ainda este ano

BRASÍLIA – A Câmara aprovou ontem, em segundo turno, a emenda constitucional que restringe a imunidade parlamentar a quaisquer opiniões, palavras e votos e permite que o congressista seja processado por crime comum no Supremo Tribunal Federal (STF) sem a necessidade de licença prévia do Legislativo. O apoio às mudanças na Constituição foi quase unânime: 442 votos a favor – 134 a mais do que o necessário –, 1 contra e 2 abstenções. No primeiro turno, a emenda recebeu 412 votos favoráveis, 9 contrários e 4 abstenções.
Apenas uma emenda foi aprovada. Pelo texto original, votado em primeiro turno, deputados e senadores seriam invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos, proferidos no exercício do mandato. O deputado José Roberto Batochio (PDT-SP) argumentou que a expressão era muito vaga, porque permitiria que algum juiz decidisse o que era o exercício do mandato. Houve um acordo e os líderes fizeram a mudança, com a retirada da parte a respeito do “exercício do mandato”. Essa votação recebeu 396 votos: 7 contrários e 1 abstenção.

Para garantir a validade das novas regras ainda este ano, o presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), prometeu marcar a votação da proposta, que tem de ser apreciada em dois turnos, até o início do recesso do Congresso. Tanto a oposição quanto os deputados da base governista deram seus votos maciçamente para a aprovação da emenda.

Contra – O único voto contrário à proposta foi do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), por ser contra qualquer mudança na imunidade parlamentar. Ele não responde a nenhum processo, ao contrário do deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), que, mesmo correndo risco de ser processado pelo Supremo por ter ofendido integrantes da CPI do Futebol no Senado, foi a favor da restrição à imunidade.
“Eu não respondo por crime comum”, disse Eurico, que, no primeiro turno, votou contra as alterações na Constituição junto com oito deputados. Ele disse que as acusações da CPI do Futebol referem-se à sua opinião a respeito da atuação de seus integrantes. Depois que o Senado aprovar a restrição à imunidade, processos movidos contra o deputado José Aleksandro (PSL-AC) – denunciado por sonegação fiscal e falsificação de documentos – poderão ser abertos automaticamente pelo STF.
De acordo com o texto aprovado, congressistas serão imunes somente pelas suas opiniões, palavras e votos, mas poderão ser alvo de ações no STF por crimes cometidos antes da diplomação ou durante o mandato, sem que seja preciso votar, na Câmara ou Senado, um pedido de licença para processá-los. A emenda prevê que, se o deputado se sentir “perseguido”, seu partido poderá solicitar a sustação do processo no STF – pedido que tem de ser aprovado por 257 deputados ou 41 senadores.

Substitutivo – A proposta de emenda constitucional foi apresentada em 1994 pelo ex-deputado Domingos Dutra (PT-MA), mas só agora a tramitação foi acelerada. Havia sido aprovada pelo Senado, mas estava parada na Câmara. Na tentativa de melhorar a imagem do Congresso, abalada por causa dos processos de cassação envolvendo lideranças políticas – os senadores Luiz Estevão (PMDB-DF), Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), José Roberto Arruda (PFL-DF) e Jader Barbalho (PMDB-PA) –, o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), decidiu incluir a emenda no chamado “pacote ético”.
O texto aprovado pelo Senado era bem menos radical. O substitutivo do senador José Fogaça (PPS-RS) mantinha a necessidade de licença prévia do Senado e da Câmara para a abertura de processo, mas estabelecia um prazo de 120 dias para que fosse decidida a autorização. Caso o pedido de licença não fosse votado nesse período, seria automaticamente concedida a solicitação. Alguns senadores defendem, ainda, a retomada desse texto.
Ao anunciar o encerramento da votação, ontem, o presidente da Câmara agradeceu a todos os que contribuíram para “aprimorar” a emenda constitucional. Ele disse que a Câmara deu um passo histórico. Afirmou ainda que, se um parlamentar se sentir perseguido em seu Estado, o partido ao qual pertence poderá pedir para que o processo seja sustado.


Para analista, mudança beneficia até a economia
O fim da imunidade parlamentar vai melhorar o nível dos integrantes do Congresso e reduzir a corrupção no País. Com isso, a médio e longo prazo, a economia brasileira também será beneficiada. Esta é a avaliação do economista, pesquisador e professor da PUC e da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, autor do livro A Economia Política da Corrupção no Brasil, que será lançado no início do próximo ano. "Um parlamento qualificado resulta em governos mais estáveis, que por sua vez produzem um Estado de maior eficiência", diz.
Na sua avaliação, o fim da imunidade ajuda a reduzir a instabilidade institucional, que sempre representou um custo para a economia do País. "O primeiro impacto será melhorar o processo de seleção no mercado político", anota o professor, lembrando que até agora muitos políticos só chegaram ao Congresso atraídos pela imunidade.
Com um parlamento melhor qualificado, explica o pesquisador, o processo político torna-se mais eficiente. "A diminuição do poder discricionário e arbitrário dos maus parlamentares fortalece o Estado como um todo e reduz o custo que a corrupção sempre traz para a economia", analisa. Ele só adverte para a necessidade de algumas salvaguardas. "Um parlamentar não pode ser comparado a um cidadão comum, porque sempre estará sujeito à armadilhas dos inimigos", observa.


Governo agora busca ‘consenso’ para reajustar IR
Idéia, apoiada por PSDB, é propor índice de 17,5% em vez dos 20% que PFL, PMDB e oposição querem

BRASÍLIA – O presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu fazer uma nova proposta para o reajuste da Tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPJ) e estuda agora uma correção de 17,5%. É aproximadamente metade dos 35,29% previstos no projeto de lei que tramita na Câmara. A aliança PFL-PMDB-oposições defende uma correção de 20%.
Para apoiar a correção da tabela, que aliviaria a carga fiscal dos assalariados, o governo sugere que uma parcela das restituições do IR deste ano seja retida até 2003. Segundo o deputado Sampaio Dória (PSDB-SP), encarregado de conduzir as negociações, apenas as faixas de salários mais baixos teriam direito à restituição integral, o que significaria liberar R$ 4 bilhões dos R$ 6,6 bilhões de restituições deste ano.
Já para quem ganha mais, a devolução seria feita em duas parcelas: metade em outubro de 2002 e o restante até junho de 2003. Com isso, o governo ganharia mais tempo para devolver R$ 2,6 bilhões que recolheu a mais.
A busca de um reajuste foi um dos assuntos da reunião entre o presidente e os líderes da base aliada, ontem no Palácio da Alvorada. Segundo uma fonte, “o presidente está sensibilizado com a argumentação dos parlamentares em favor da correção da tabela do IR e com o fato de que ela não é atualizada há sete anos”.

Apelo – Na reunião, Fernando Henrique fez um apelo para que o Orçamento de 2002 seja aprovado ainda este ano. Aos líderes no Senado, ele pediu pressa na votação da proposta de emenda que cria a nova contribuição sobre combustíveis. Quanto ao IR, pediu tempo para ouvir a equipe econômica.
Com isso, a aliança PMDB-PFL-oposições desistiu de apresentar ainda ontem o pedido de urgência para a votação do IR. Mas o deputado Benito Gama (PMDB-BA), autor do projeto de correção de 20%, disse que protocolará o pedido ainda hoje. Ele combinou com o presidente da Câmara, Aécio N eves (PSDB-MG), que a urgência será votada na próxima terça-feira e o projeto, na quarta-feira.
No encontro com os líderes, ficou certo que o governo não apresentará mais nenhuma proposta parecida como a que foi sugerida há um mês pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. Ela combinava reajuste da tabela com a criação de novas alíquotas, de 30% e 35%, e, por isso, foi rejeitada pelos parlamentares. Por criar novas alíquotas, a mudança só poderia entrar em vigor no ano seguinte à sua sanção. Já uma correção linear, como a que está sendo negociada agora, passará a valer assim que for sancionada. (Colaboraram Cida Fontes, Paulo de Tarso Lyra, Gilse Guedes e James Allen e Tânia Monteiro)


Verba extra para salários dos militares é aprovada
Quintão defende governo e promete pagar até amanhã os vencimentos, que estão atrasados

BRASÍLIA - O Congresso aprovou ontem recursos suplementares de R$ 6,1 bilhões para pagamento do salário de servidores públicos federais ativos e inativos dos três Poderes, incluindo o dos militares, atrasado desde terça-feira. Também foram aprovados R$ 700 milhões para ampliar investimentos de vários ministérios e da Justiça Eleitoral.
A dotação foi votada graças a acordo entre a base aliada e a oposição. O relator, deputado João Coser (PT-ES), deu parecer favorável aos R$ 6,1 bilhões para cobrir o rombo da folha de pessoal, mas criticou o governo pela falta de planejamento. "Esses recursos representam mais de 10% da folha de salários pagos pelo governo."
A oposição apoiou o crédito para gastos com pessoal e outros pedidos, como, por exemplo, projetos de irrigação no Pará e no Piauí e obras rodoviárias. Mas manteve a obstrução na votação de R$ 3,7 bilhões para o Banco da Amazônia e o Banco do Nordeste do Brasil. O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), confirmou que o bloco - que inclui PDT, PSB, PC do B, PPS e PL, continuará a obstruir a pauta.
A aprovação dos créditos extras trouxe alívio ao Planalto e ao Ministério da Defesa. Todo o governo econômica, está mobilizado para apressar o repasse dos recursos. O ministro da Defesa, Geraldo Quintão, garantiu ontem que o pagamento dos militares será depositado amanhã, três dias após o prazo previsto. "O adiamento não aconteceu por causa da falta de dinheiro, mas houve impedimento legal", explicou o ministro do Planejamento, Martus Tavares. "Com a Lei de Responsabilidade Fiscal não se pode fazer pagamento sem crédito", acrescentou Quintão.

Injustas - O ministro considerou "injustas" as reclamações contra o governo. Quintão disse que o pedido de verba foi enviado no tempo certo, outubro. "Houve ação do governo, mas o Congresso é senhor do seu tempo", declarou, acentuando que foi explicado à tropa que a liberação da verba não dependia só do governo.
Ontem, durante todo o dia, a Defesa negociou com a área econômica para permitir o pagamento dos salários amanhã. A dificuldade era que, depois de aprovado no Congresso, o projeto precisava ser sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e publicado no Diário Oficial para que o Tesouro liberasse os recursos. Essa operação normalmente leva pelo menos 72 horas.
Segundo o porta-voz da Presidência, Georges Lamazière, Fernando Henrique espera que o pagamento seja feito "o mais rápido possível, porque o Congresso já deveria ter votado (a suplementação) há mais tempo".


Sul e Sudeste lideram ranking da Lei Fiscal
Municípios do Sul e Sudeste lideram um ranking nacional preliminar de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Um programa de incentivo à lei decidiu premiar as prefeituras que estão mais adequadas à legislação. Dos cerca de 5,5 mil municípios brasileiros, 901 aderiram ao projeto.
O programa foi desenvolvido pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), em parceria com a Trevisan Auditores e Consultores e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
São três "prêmios". O primeiro é o certificado de gestão fiscal responsável, que vai para quem está mais adaptado à Lei Fiscal. O segundo é uma menção honrosa para as soluções mais criativas para chegar a esse resultado. E o terceiro é outra menção para os que elevaram sua renda sem aumentar ou criar impostos.
Entre os municípios menores, o campeão é Vista Gaúcha (RS). Além de ser a primeira da lista para receber o certificado, a prefeitura lidera o ranking das iniciativas para adequação à lei. De acordo com o prefeito, Valdecir João Canssi (PMDB), o segredo foi a continuidade política, no quarto mandato do partido. "Nesses anos todos, nós não trocamos o rumo administrativo", afirma.
Entre as cidades maiores, a líder é Concórdia, de Santa Catarina. De acordo com a secretária de Finanças, Vilma Stringhini, a cidade cuidou do dinheiro público "como uma dona de casa".
O ranking final só poderá ser montado quando os dados de dezembro estiverem disponíveis. "Este ranking poderá nortear decisões porque os investidores estão percebendo esse movimento no País", avalia o presidente da Trevisan Auditores e Consultores, Antoninho Marmo Trevisan.


Promotores vão analisar relatório contra Olívio
Parecer de CPI, que pede impeachment, será enviado 2.ª-feira ao Ministério Público

PORTO ALEGRE – O Ministério Público gaúcho receberá na segunda-feira o relatório da CPI da Segurança Pública, aprovado anteontem no plenário da Assembléia Legislativa do Estado. As denúncias contra 43 pessoas citadas pelo relator Vieira da Cunha (PDT) – incluindo um pedido de impeachment do governador Olívio Dutra – serão analisadas por promotores da área criminal e de defesa do patrimônio público em uma comissão especial. De acordo com o subprocurador-geral de Justiça, Mauro Renner, o Ministério Público deverá apresentar uma conclusão dentro de quatro meses.

O governo tem interesse num desfecho rápido e não acredita que os promotores aceitem os indiciamentos sugeridos pelo relator. Além de Olívio, o vice-governador Miguel Rossetto e vários secretários estaduais são acusados de improbidade administrativa, por tentarem regulamentar os caça-níqueis no Estado, e de prevaricação no combate ao jogo do bicho.
Os dirigentes do Clube de Seguros da Cidadania, entidade que arrecadou doações para o PT em 1998 e comprou a sede atual do partido, também foram citados por falsidade ideológica e falso testemunho. Todos eles serão investigados pelo Ministério Público.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia ainda vai se pronunciar sobre a admissibilidade do pedido de impeachment contra Olívio. A escolha do relator, entretanto, não ocorrerá antes de março, pela previsão dos próprios membros da comissão. “O processo ainda não chegou na comissão e não vai chegar antes de março”, afirmou o deputado José Ivo Sartori (PMDB).

Alguns parlamentares de oposição, como os do PPS, já anteciparam que são contra a abertura de processo por crime de responsabilidade contra o governador, que está em viagem à China. “Não queremos cassar o governador. Queremos que ele governe até o último dia para dar explicações”, afirmou o deputado Paulo Odone (PPS). “Esse vai ser o castigo.”


Artigos

Uma eventual revisão de fronteiras?
ANTONIO AMARAL DE SAMPAIO

Os recentes atentados terroristas, além de haverem abalado a invulnerabilidade da superpotência, trouxeram outros desdobramentos relevantes no domínio da política internacional. Abstenho-me de ocupar-me aqui, por carência de espaço, do impacto negativo produzido nos campos do turismo e da aviação comercial; e, mais sério ainda, das recentes restrições aos direitos humanos nos Estados Unidos da América.
Passo a citar, no que me parece a ordem crescente de importância, as conseqüências políticas mais notórias. Ei-las: a retirada do rol dos governos párias da ditadura militar paquistanesa, agora elevada à categoria de aliada principal de Washington na campanha contra o Taleban; o deslocamento, de Nova Délhi para Islamabad, do centro dos interesses da superpotência na Ásia Central; o fato de serem agora mais favoráveis ao Paquistão as perspectivas de solução do contencioso da Caxemira; o novo alento ao estabelecimento de um Estado Palestino; o abalo do respaldo incondicional garantido pelo governo norte-americano a Israel; a inclusão da Rússia dentre os países com os quais poderia contar Washington na luta antiterrorista; o melhor o entendimento entre Moscou e Washington no que concerne à possível revisão do tratado sobre armas de destruição maciça, facilitando, assim, o entendimento em torno do projeto do presidente Bush do chamado "escudo antimísseis"; a crescente marginalização das Nações Unidas, mantidas ao largo do conflito; e, finalmente, a existência de hierarquia decisória entre os membros da Otan, uns, como a Grã-Bretanha, a Alemanha e a França, consultados com referência à política a seguir, outros, como Portugal, a Grécia e a Espanha, apenas informados daquelas decisões, as quais afetam todos os integrantes da aliança defensiva, cuja efetiva cooperação Washington, pela primeira vez, requereu.

Sobrepõem-se, porém, perante as referidas conseqüências - as quais, aliás, se encontravam na ordem natural das coisas e os atentados terroristas apenas aceleraram, ou lhe deram maior visibilidade -, dois fatos que merecem mais demorada análise, pelos eventuais desdobramentos, um e outro, suscetíveis de acarretar. Refiro-me ao retorno, ao domínio da "Realpolitik", da participação bélica da Alemanha e do Japão, que, desde a derrota por ambos sofrida na 2.ª Guerra Mundial, estiveram ausentes das maiores equações de poder militar internacional.
Após a rendição incondicional daqueles dois países, em 1945, o 3.º Reich e o Japão tiveram suas respectivas soberanias extintas, passando ambos ao controle das potências vencedoras do conflito mundial. Sob tutela do comando militar quadripartite, em Berlim, e do general MacArthur, em Tóquio, a Alemanha e o Japão, após o necessário saneamento político-ideológico e o julgamento e a punição dos criminosos de guerra, foram submetidos a processo de democratização e de reeducação popular. Tal culminou, num e no outro país, com a vigência de Constituições despidas do ranço autoritário e racista dos regimes pretéritos. Ambas as referidas Leis Magnas impunham limites à militarização e impediam o uso de Forças Armadas, mesmo em legítima defesa, à margem das fronteiras dos aludidos países.

Noticia-se agora que a Marinha Imperial japonesa coopera com as forças navais norte-americanas no Mar da Arábia e que o chanceler Schroeder solicitou autorização parlamentar a fim de que a Bündeswehr participe da ação bélica contra o Taleban. Considerando a insignificância militar dos afegãos e a amplitude do poder bélico da superpotência, tal cooperação reveste apenas valor político, nada significando militarmente. O precedente, porém, está aberto, mesmo porque não se espera, agora, que a bem-comportada Alemanha socialista e o submisso Japão venham a reeditar o expansionismo que celebrizou o Führer psicopata e o expansionismo da "Esfera de Co-Prosperidade Asiática", formalizada no "Plano Tanaka" e adotada como bíblia do expansionismo nipônico pelo governo do general Tojo.
Acontece, porém, que tanto a Alemanha quanto o Japão ainda sofrem as conseqüências das amputações territoriais decorrentes da guerra. Os germânicos perderam territórios que possuíam desde tempos recuados, como a Silésia e a Prússia Oriental, berço dos "junkers" militaristas, conquistada e evangelizada pela Ordem Teutônica, ainda na Idade Média. Os japoneses tiveram seu exíguo espaço físico ainda mais diminuído com a perda das Curilas e da Sacalina, no Mar de Okhotsk.

Os maiores beneficiários dessas transferências territoriais no continente europeu foram a extinta União Soviética e a Polônia, que avançou sua fronteira oeste até o Rio Oder, no centro do Brandemburgo. No Extremo Oriente, o lucro em espaço coube também aos soviéticos. Ora, a Rússia atual, legatária do extinto império soviético, herdou aqueles territórios. Sua decadência militar e econômica, em processo contínuo, talvez seja de molde a aguçar o apetite irredentista de nacionalistas em Berlim e Tóquio.
Formulemos votos para que tal não aconteça. Na conjuntura atual o perigo é mínimo; porém, antes, era inexistente; amanhã, como será?
Eis por que seria conveniente que Moscou, à imagem de seus antigos satélites, pleiteasse ingresso no sistema de segurança européia - a Otan -, onde poderia eventualmente vir a ser tratado, no momento oportuno, ainda mais uma vez, agora pacificamente, o desenho das fronteiras internas européias e asiáticas.


A flexibilização da CLT
ROBERTO MACEDO

A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que dá à negociação entre empregados e empregadores preponderância sobre parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é um passo importante para a flexibilização de regras legais muito restritivas que regem os contratos de trabalho no Brasil. A passagem do projeto pelo Senado será também uma batalha. A da terça-feira teve até uma tentativa de agressão ao ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, quando chegava ao aeroporto de Brasília.
Também de passagem pelo local, recebi de um dos manifestantes um exemplar do Jornal da CUT de São Paulo (edição especial de novembro). Entre as matérias, uma que iludia leitores ao dizer que, "na prática, o projeto obrigará você a abrir mão dos (...) direitos trabalhistas, assegurados pelos artigos 7.º e 8.º da Constituição brasileira". Na seqüência, vinha uma lista desses direitos, entre os quais o salário mínimo e a aposentadoria, além de outros não atingidos pelo projeto, pois, mesmo se este virar lei, não se pode sobrepor ao que está na Constituição.

Entre os mesmos direitos, contudo, não está a garantia de emprego. Este a rigidez da CLT dificulta nas fases de expansão da economia e prejudica ainda mais quando há um período de contração. A razão é que um contrato de trabalho envolve o emprego e a remuneração negociada entre as partes, ao lado de outras regras também negociadas ou definidas por lei. Se essas regras são muito inflexíveis, o emprego pode não se consumar. Quando este já existe, há casos em que poderia ser mantido com flexibilização de algumas dessas regras, sem prejudicar o trabalhador, além de beneficiá-lo com essa manutenção do emprego.
Contando os votos, fiquei decepcionado com a bancada paulista, cuja maioria votou contra o projeto (43 a 26), apesar de ser um dos Estados onde a rigidez da CLT causa mais problemas e onde a idéia de flexibilização já vem avançando, como no recente acordo que impediu a demissão de 3 mil trabalhadores da Volkswagen. E foi na bancada do Piauí, tido como o Estado mais atrasado do País, que a votação a favor do projeto se mostrou, em termos relativos, mais expressiva (9 a 1). Um paradoxo ou sinal de que a idéia seria um retrocesso? Não, pois o Piauí é também um dos Estados onde a cobertura da CLT é das menores, e seus deputados devem estar mais interessados em gerar os empregos que ela dificulta, sendo melhor deixá-la mais flexível para impedir, inclusive, que a flexibilidade continue a se manifestar, mas de outra forma, a do emprego sem registro em carteira.

De qualquer forma, dentre as críticas ao projeto aprovado há duas que têm sólidos fundamentos. A primeira é a do economista Hélio Zylberstajn, professor da USP. Apesar de favorável ao projeto, ele apontou, em artigo publicado neste jornal (Reforma da CLT pode implodir o INSS e o FGTS, 27/11, B3), que o pagamento da chamada participação nos lucros e resultados (PLR), que a lei es tabelece em caráter semestral, se negociado mensalmente poderia acabar substituindo parcela dos salários. Como sobre a PLR não incidem a contribuição ao INSS nem o depósito para o FGTS, isso poderia repercutir negativamente sobre a arrecadação da Previdência e desse fundo.
Assim, se o projeto for aprovado, e isso de fato acontecer, será necessária uma legislação corretiva, mas de modo específico, para esse problema, cuja possibilidade não deve servir de obstáculo à aprovação do projeto atual, que tem alcance bem mais geral. E, conforme sugere o professor Zylberstjan, o problema também poderia ser tratado no bojo de outras reformas, a tributária e a previdenciária. Entre outros aspectos, elas poderiam mudar os mecanismos de financiamento da Previdência e do FGTS e, assim, evitar esse efeito sobre a receita de ambos.

A segunda crítica está ligada ao fato de que a negociação, que teria supremacia sobre o que diz a CLT, seria feita pelos atuais sindicatos, cuja natureza, sustentação e funcionamento dão margem a questionamentos. Entre eles, o do monopólio de representação que é dado aos sindicatos pelo artigo 8.º da Constituição, que estabelece a chamada unicidade sindical, vedando "a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, (...) não podendo ser inferior a área de um Município". Com essa regra, quem não se julga bem representado não tem como buscar outro sindicato.
Há também o anacrônico Imposto Sindical, que, além de estabelecer uma contribuição compulsória, gera algumas entidades sem nenhuma representação, voltadas apenas para a arrecadação e o gasto desse imposto, verdadeiras arapucas que alcançam também o lado dos sindicatos dos empregadores. Aliás, os empresários, que estão a reclamar contra a carga tributária, poderiam dar um passo coerente na direção dessa redução, empenhando-se para valer na eliminação desse imposto e passando a sustentar suas entidades de classe unicamente a partir de contribuições voluntárias.
Enfim, foi vencida a batalha da Câmara, mas há a do Senado pela frente, e também várias outras no caminho de uma reforma mais profunda das relações trabalhistas no Brasil. Não foi muito barulho por nada, mas, com ou sem ruído, resta muito por fazer.


Colunistas

RAQUEL DE QUEIROZ

A grande eleição
Ano que vem teremos eleições e é bom lembrar aos eleitores - que somos todos nós - os nossos direitos e deveres de cidadãos.
Teremos de fazer escolhas importantíssimas numa eleição que será provavelmente a mais demorada em toda a história do País. Isso porque o eleitor terá de digitar os números de candidatos a seis cargos: deputado estadual, deputado federal, dois senadores, governador de Estado e presidente da República. O que exige de cada eleitor 25 toques nas teclas das 404 mil urnas eletrônicas oferecidas aos 116 milhões de eleitores em todo o território nacional.

Isso tudo é muito sério. Lembremo-nos que acima do direito estamos exercendo um dever da maior importância pois que a vida do país depende das boas leis provindas do Poder Legislativo e daqueles que vão executá-las e nos governar durante o seu futuro mandato. No final de contas tudo depende mesmo de nós: nós, que escolhemos pelo voto, os homens e mulheres que vão governar em nosso nome.
Mas aí surge a questão: até que ponto nós escolhemos realmente os nossos governantes? Nós somos a parte fraca. Nós sofremos pressões, pedidos, exigências e até ordens. Em tempo de eleição, os candidatos fazem toda espécie de apelo. Discursam, adulam, imploram, abraçam, beijam crianças, prometem empregos, dinheiro, dão presentes. E, quando pensam que podem, ordenam. E você não sabe como resistir se, por exemplo, o seu chefe ou o seu patrão lhe exige que vote em fulano ou beltrano. Como negar, e enfrentar a vingança do mandão?

Ah, meus queridos, por saber que nós, o eleitor, somos realmente a parte mais fraca em todo o processo, foi que a lei criou o voto secreto. E, na hora da eleição, os juízes, os mesários, os fiscais, a polícia estão todos ali, para garantir o segredo do nosso voto.
Dentro da cabine indevassável ninguém pode saber em quem você votou. Então, se você não tem condições para resistir às ameaças de quem quer mandar no seu voto, não se considere obrigado por uma promessa que não foi dada, mas arrancada. O compromisso que impuseram a você pela força não tem nenhum valor moral. Ninguém pode ser culpado por resistir a um crime. E quem quer obrigar o seu voto está cometendo um crime. Errado, criminoso, não é você; erradas e criminosas são as pessoas que estão querendo manipular a sua consciência de cidadão.
Portanto, lembre-se disto: se você puder resistir abertamente às pressões, ótimo. Estará dando um belo exemplo a todos. Mas se você não pode dizer não, e faz a contragosto uma promessa eleitoral, não fica com obrigação nenhuma de cumprir o que prometeu. Promessa extorquida não tem valor. Prometa o que prometer, na hora de votar esqueça tudo e vote com a sua consciência. Vote nos candidatos que lhe parecerem os melhores, os mais sérios, os mais honestos, os mais confiáveis. Só assim você estará sendo um bom cidadão, merecedor do seu título de eleitor.
E não tenha medo. O segredo do seu voto lhe pertence.
Dentro da cabine indevassável, você é um homem livre; e uma mulher, livre também.


Editorial

A nova aliança de Lula

Desta sua nova peregrinação ao santuário socialista de Cuba, o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva poderá trazer dois inestimáveis recuerdos. Um será a foto que o mostra ouvindo, embevecido, o que lhe diz o ditador Fidel Castro, no evento que reuniu em Havana 300 delegados de 70 partidos de esquerda da América Latina. Outra lembrança, decerto mais preciosa, será o seu discurso na sessão de abertura do encontro, em que condenou implacavelmente a proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). "É um projeto de anexação que os Estados Unidos querem impor", fulminou. "Será o fim da integração latino-americana."
Fala por si o olhar enlevado com que o presidente de honra do PT contempla El Comandante-Jefe - o mais resistente autocrata do mundo - hoje em avançada decrepitude - há 42 anos dando as ordens no desditoso país que Lula tanto aprecia visitar. Já o ataque contra a Alca merece destaque, embora não exatamente pelos motivos que deixariam o seu autor orgulhoso. Na realidade, sua fala merece atenção por ser mais uma demonstração da falta de descortino do tetracandidato presidencial do Partido dos Trabalhadores para entender o mundo em que vive: pela segunda vez, em poucos meses, Lula se declara aliado de interesses econômicos antagônicos aos do Brasil.

Como se recorda, a sua primeira entrada na contramão dos legítimos interesses comerciais do Brasil foi a declaração, em seguida a um encontro com o primeiro-ministro Leonel Jospin, em Paris, favorável à política agrícola européia, que limita severamente o acesso de produtos agroindustriais brasileiros àquele próspero mercado por meio de barreiras alfandegárias, e subsidia o setor rural francês, gerando condições desfavoráveis à agricultura brasileira na concorrência em terceiros mercados.
Compreende-se que o ovinocultor José Bové dedique o seu farto tempo livre a depredar lojas de fast-food e a vandalizar campos experimentais de cultivo de transgênicos. Ele é apenas coerente com os seus interesses de classe - ao contrário do desavisado ex-metalúrgico brasileiro, que aplaude pavlovianamente tudo o que lhe pareça ser adverso à globalização e ao "imperialismo americano".
Agora, em Cuba, com a segurança dos que têm apenas uma simplória e enevoada noção de como funciona o mundo, Lula da Silva manifest ou em relação à Alca um horror quase tão intenso quanto o de um grupo social muito bem definido - o dos empresários americanos. (Aliás, por ilustrativa coincidência, nessa mesma quarta-feira em que noticiávamos o discurso de Lula, em Cuba, a Gazeta Mercantil abria a sua primeira página com matéria sob o título: Maior inimigo da Alca está dentro dos EUA, que falava da oposição dos empresários americanos ao projeto Alca.) Estivessem eles na platéia esquerdista congregada em Havana, só teriam motivos para aclamar o orador, disfarçando um ar de comiseração pela inocência que o tornou seu aliado. Não há exagero nisso. Nos Estados Unidos, o big business tanto receia uma integração comercial do Continente que resulte de uma ampla negociação em que sejam levados em consideração os legítimos interesses de todas as partes, que se opõe a que o Congresso dê à Casa Branca autonomia para negociar com os países das Américas a implementação da Alca - o propalado fast track. Os assessores de Lula decerto não tomaram conhecimento da ampla matéria paga publicada domingo último na página mais nobre do New York Times, a que faz dupla com a dos editoriais.

Sob o título Who makes US trade policy? (Quem faz a política comercial dos EUA?), lê-se no anúncio, entre outras coisas, que não se deve permitir "que as leis americanas de comércio justo (fair trade) venham a ser parte da nova agenda de negociações globais da Organização Mundial do Comércio". E, especificamente: "A autorização para o fast track, que fira o debate e limite o poder do Congresso de emendar acordos de comércio, vai longe demais e é muito arriscada." Ou seja, o empresariado americano procura se precaver diante da Alca porque respeita claramente a competência negociadora dos governos estrangeiros, em eventuais entendimentos com o dos EUA não sujeitos ao aval do Capitólio.
Esse não parece ser o caso de Lula em relação à capacidade de um possível governo petista. Pois, em vez de condicionar a adesão brasileira à Alca ao atendimento dos interesses nacionais na mesa de conversações, como tem feito o presidente Fernando Henrique, o petista presume desde já inevitável que a economia brasileira será "anexada" por Washington se o acordo vingar.

Portanto, deu-se a si próprio, inadvertidamente, um atestado prévio de incompetência até para negociar um tratado de comércio que beneficie o Brasil, o que apenas adensa as preocupações dos que receiam - precisamente por esse motivo - a sua vitória eleitoral em 2002.


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12/06/2001


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