Ciro cai 4 pontos e empata com Serra em 17%









Ciro cai 4 pontos e empata com Serra em 17%
Tucano manteve o mesmo índice da última pesquisa; Lula continua líder, com 35%

A nova pesquisa Ibope, divulgada ontem no Jornal Nacional, da Rede Globo, mostra os candidatos à Presidência Ciro Gomes (PPS) e José Serra (PSDB) numericamente empatados com 17%. O levantamento confirmou a tendência de queda de Ciro, que perdeu 4 pontos em relação à sondagem da semana passada, mas não confirmou o crescimento de Serra indicado pelas últimas pesquisas (o tucano tinha os mesmos 17% no levantamento anterior do Ibope).

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manteve 35% e Anthony Garotinho (PSB) continua com 11%. O índice de indecisos subiu de 10% para 14%.

O levantamento, encomendado pela Rede Globo, foi feito entre 31 de agosto e 2 de setembro, com 3 mil entrevistas em 202 municípios de todo o País. A margem de erro é de 1,8 ponto porcentual.

Já a última pesquisa Vox Populi, divulgada ontem pelo jornal Correio Braziliense, indica um crescimento de Serra e uma queda de Ciro. Segundo o levantamento, Ciro caiu 5 pontos porcentuais e passou de 25% para 20%, ficando em situação de empate técnico com Serra. O tucano ganhou 4 pontos e foi de 15% para 19%. Lula continua na liderança e apresentou um crescimento de 2 pontos - foi de 34% para 36%. Anthony Garotinho (PSB) oscilou 1 ponto e aparece com 9%.

O Vox Populi fez simulações para o segundo turno, em que Lula vence todos seus adversários e melhora sua posição na disputa contra Ciro, mas perde espaço em relação a Serra. Se o concorrente fosse o candidato do PPS, Lula ganharia por 50% a 34% - no levantamento anterior ele tinha 47% a 39%. No embate com Serra, o petista venceria por 47% a 38%. Na rodada anterior, sua vantagem era de 13 pontos: 48% a 35%.

Para Fátima Pacheco Jordão, analista de pesquisas eleitorais e consultora do Grupo Estado, a perda de espaço de Ciro no segundo turno é um sinal mais forte de sua queda do que o fato de ele ter caído 5 pontos no primeiro turno. "O segundo turno mostra a perda de estoque de votos de Ciro", diz ela. "Não significa que essas simulações vão ocorrer de fato, mas isso coloca o eleitor numa situação limite em que ele tem de decidir se votaria ou não naquele candidato. Ou seja, analisa o potencial de voto que cada candidato tem." O mesmo se pode dizer de Serra, que de acordo com a pesquisa, tem aumentado o seu potencial de voto.

Briga - Na opinião da analista, a briga por votos não vai continuar apenas entre Ciro e Serra. "Os dois reúnem uma faixa de 40% dos votos, que estão na disputa direta. Mas eles vão ter que conquistar pelo menos uns 3 ou 4 pontos dos outros candidatos para conseguir a diferença que levará um deles ao segundo turno", avalia.

"Ciro vai precisar combater o Lula também. Ele tem de segurar os votos que podem migrar para o petista e, se sua perda for muito grande, ele vai ter de tentar reconquistar os eleitores que estão optando por Lula", diz Fátima.

Ela ressalta que os candidatos também vão tentar conquistar parte dos eleitores de Garotinho. "O eleitorado de Garotinho não está congelado. Tem um terço deles que dizem às pesquisas que ainda podem mudar de opinião, ou seja, são votos em potencial para os concorrentes."

A pesquisa, encomendada pelo Correio Braziliense, foi feita entre domingo e segunda-feira.

O Vox Populi entrevistou 2.459 eleitores em 125 municípios de todo o País. A margem de erro é de 2 pontos porcentuais.


Mudança na corrida eleitoral leva PT a reforçar diferenças
Dirceu diz que há ‘uma constelação’ petista para reagir em nome de Lula a eventual ataque tucano

O comando da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência não vai assistir passivamente à reação de José Serra (PSDB) na corrida eleitoral. A estratégia petista será apontar a diferença entre o discurso de Serra e a prática do governo do qual ele foi ministro da Saúde e do Planejamento. Mas a ofensiva, evidente no debate de segunda-feira entre os presidenciáveis, na TV Record, não é de ataque frontal ao tucano. Ao menos por enquanto.

"Estamos construindo pontes, viadutos e túneis para o segundo turno", afirma Sílvio Pereira, secretário nacional de Organização do PT, um dos coordenadores da campanha de Lula.

Dirigentes do partido avaliam que a polarização, tanto com Serra como com Ciro Gomes (PPS) - tecnicamente empatados no segundo lugar - deve ser programática. "Não vamos entrar no bate-boca", avisa Pereira.

O Q.G. petista prefere enfrentar Ciro a Serra no segundo turno. Motivo: considera que o candidato do PPS chegaria mais combalido para o duelo final, enquanto Serra, no seu entender, contaria ainda mais com o apoio do empresariado, da máquina do governo e da mídia.

Uma comparação que circula nos corredores do comitê de Lula, no entanto, mostra a dificuldade para uma ofensiva mais agressiva. "Andamos no fio da navalha em relação ao PSDB", diz um colaborador de Lula. Pesquisas em poder do PT mostram que a maioria do eleitorado acha positivo o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. Não é sem motivo, portanto, que as críticas de Lula no palanque dirigem-se à atuação do presidente apenas depois da reeleição, em 1998.

Além disso, a cúpula do PT não quer bater em Serra sem ter certeza de que ele será o rival da vez. A ordem é cautela: se o tucano não passar para a outra etapa da disputa, Lula espera obter o apoio de parte do tucanato, até mesmo de Fernando Henrique.

Paz e amor - "Como você sabe, estamos na fase do paz e amor", resume o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), numa referência à liderança de Lula nas pesquisas de intenção de voto por mais de 90 dias. "Serra pode vir quente que eu estou fervendo", completa o marqueteiro Duda Mendonça, que assina os programas de TV.

A retórica dos dois é discurso de campanha porque, na prática, existe uma ponta de preocupação com o crescimento do tucano. "Não temos de convencer ninguém de que somos mudança, como o candidato do governo", desconversa Dirceu. "Vamos aguardar o resultado das pesquisas por mais uma ou duas semanas e ver o que acontece."

Dirceu admite que seu partido sempre se preparou para enfrentar Serra, e não Ciro. "Depois é que as coisas mudaram, porque o Ciro cresceu", disse Dirceu, repetindo que o PT, agora, está "no melhor dos mundos", preparado para combater qualquer adversário.

O slogan "paz e amor", porém, caiu por terra ainda antes do debate, quando Dirceu foi informado que dirigentes do PPS chamaram Lula de "traidor da classe trabalhadora" por elogiar a política econômica do regime militar.

Dizendo que o PT tem "uma constelação", e não uma única estrela para responder às agressões em nome de Lula, Dirceu atacou o senador Roberto Freire, presidente do PPS de Ciro. "Será que Stalin foi ressuscitado e que o Freire vai organizar um tribunal stalinista para fuzilar o Lula?" A crítica a Lula, no entanto, havia sido feita pelo líder do PPS na Câmara, João Herrmann.


Depois do debate, a briga segue na TV e na internet
Tanto na internet quanto no programa eleitoral na TV da tarde, o debate dos presidenciáveis na TV Record continuou, durante todo o dia de ontem. Na propaganda da TV, no entanto, apenas o candidato José Serra (PSDB) explorou as respostas que deu aos rivais. O petista Luiz Inácio Lula da Silva apresentou cenas de um recente encontro com artistas, no Rio de Janeiro. Ciro Gomes (PPS) criticou as propostas de emprego do tucano e Anthony Garotinho (PSB) falou dos empregos que criou na indústria naval.

"O que eu quero é jogar o governo federal muito mais nessa batalha (sobre segurança) do que se fez até hoje", afirmou Serra em um trecho selecionado.

A uma pergunta que lhe foi feita sobre os 11,7 milh ões de desempregados, que se registraram nos últimos oito anos, e o projeto de criar 8 milhões de empregos, o tucano dizia: "Eu quero é discutir o futuro."

Sites - Na internet, ao contrário, os quatro presidenciáveis mostraram-se bastante ativos. Assim que o debate terminou, os sites de Serra e de Lula já mostravam textos dos melhores momentos de cada um. O de Serra trazia, como notícia principal, "Cara a cara, Serra desmascara Ciro Gomes na TV". E outras notícias, como: "Serra: Tirei o genérico do papel" ou "Candidato tem que fazer o que fala".

Na página de Lula, o título principal era "Lula lembra atuação do PT nos genéricos". Durante o dia, o site publicou longos trechos das respostas do petista na Record. O de Garotinho mostrou-se irônico, com o título "Garotinho briga por aumento do salário mínimo. Já Serra e Ciro..."

Até o início da noite o site de Ciro nada trazia do debate - apenas um aviso sobre uma avaliação no final da tarde. Mas a página exibiu com destaque uma reportagem de capa da revista Veja sobre Ricardo Sérgio, publicada em maio.

"Ele foi caixa de campanha de José Serra. Mas você merece saber mais. Aqui não há truques nem montagens", dizia a introdução do texto integral da matéria.


Serra volta a cobrar 'coerência' de Lula
Mais bem colocado nas pesquisas, ele questionará posições do petista sobre temas como MST e Alca

O candidato tucano José Serra voltou a cobrar ontem, do PT e de seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva, coerência entre o que dizem e o que fazem. "A questão essencial, com relação, ao PT é: o discurso corresponde à essência do PT ou não?", perguntou o candidato, acrescentando: "O PT disse que não ia participar do plebiscito da Alca por conveniência eleitoral. O Movimento Sem-Terra não vai invadir para não prejudicar o Lula. O MST continua o de sempre, suas ligações com o PT continuam as de sempre. É uma questão de coerência."

O candidato, que visitou ontem o Estado, afirmou que um dos grandes desafios até a eleição será enfrentar os três adversários ao mesmo tempo.

"Como se viu no debate (da TV Record), eles começaram a fazer tabelinha e vão jogar com tabelinha até o final", afirmou.

Na sua avaliação, os três adversários se uniram para atacá-lo. "Preferia não estar em um debate de três contra um. Não sei se isso foi previamente combinado. Mesmo que não, aconteceu."

Os ataques do tucano são uma reação a uma nova realidade de sua campanha: a de que, agora que ele subiu nas pesquisas - como apontam os novos números dos institutos Ibope e Datafolha - os rivais estão subindo o tom de suas críticas, não só a ele como ao governo Fernando Henrique.

Mas o candidato tucano não considera que tenha havido uma mudança na estratégia. "O que há é um desdobramento normal de campanha", minimizou.

"Todos devem cobrar de todos e isso faz parte da disputa democrática."

Debate - Lula - que chegou a ser mencionado positivamente no primeiro dia do programa eleitoral do tucano como companheiro de luta contra a ditadura - foi alvo de pelo menos três críticas de Serra durante o debate de presidenciáveis na tevê Record, na segunda-feira. O candidato tucano cobrou o fato do PT ter sido contra as privatizações e também de ter votado contra a aprovação do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental) no Congresso. "Me pergunto se é apenas discurso eleitoral, ou o leão passou a comer verdura?"

Antes do debate, o coordenador da campanha de Serra, Pimenta da Veiga, declarou que estava na hora de "Lula ser chamado para o debate".

Serra afirmou, também, que espera que sua subida nas pesquisas de intenção de voto contribua para acalmar o mercado financeiro, que mostrou-se inseguro em semanas anteriores e ontem viveu Outro dia de turbulência. "Qualquer fator que acalme o mercado é positivo", disse ele.

"Temos programa relativo à economia mais coerente e acredito que com mais credibilidade no sentido de oferecer mais segurança econômica para o futuro."


Ciro acredita ter tirado 'máscara de Serra'
Para o presidenciável do PPS, o tucano 'revelou-se autor dos ataques apócrifos' e 'vestiu carapuça de candidato oficial' no debate da Record

O candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, comemorou ontem o resultado do debate entre os presidenciáveis, realizado segunda-feira na Rede Record. Em nota oficial, a coordenação de imprensa da campanha informou que Ciro "está convencido de que caiu a máscara do candidato do governo, José Serra".

Na avaliação do presidenciável do PPS, Serra "revelou-se autor dos ataques apócrifos" feitos contra ele por meio de comerciais na televisão. "José Serra (PSDB) vestiu a carapuça de candidato oficial e vestiu a de falso candidato da mudança ao governo a que serviu como ministro do Planejamento e ministro da Saúde", diz a nota.

O documento divulgado pela equipe de Ciro menciona, ainda, o isolamento de Serra pelo fato de ter se "proclamado acuado pelos três principais adversários", e afirma que o tucano não respondeu às perguntas que lhe foram dirigidas. O único exemplo citado, entretanto, refere-se à pergunta sobre o destino dos recursos obtidos com o processo de privatização.

Processo - Os advogados Márcio Thomaz Bastos e Hélio Parente negaram que o candidato do PPS tenha sido condenado pela Justiça no processo movido pelo ex-ministro da Saúde Henrique Santillo (morto em junho), como afirmou Serra no debate. Parente disse que, apesar de o tribunal de Alçada Criminal ter confirmado a decisão da primeira instância contra Ciro, não há certidão condenatória porque o processo não transitou em julgado. Isso significa que a ação não terminou.

"Nós aguardamos julgamento do Superior Tribunal de Justiça para um recurso especial e um agravo de instrumento que impetramos", disse Parente. Segundo ele, a ação foi movida por causa de uma declaração de Ciro no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1995. Na ocasião, ele contou ter denunciado desvio de verba do Ministério da Saúde pelo ex-prefeito de Sobral Ricardo Barreto -- que, segundo o advogado, foi cassado pois teria usado os recursos em causa própria - e não houve investigação.

Como o processo foi aberto com base na Lei de Imprensa por suposto crime de injúria, Ciro não pôde apresentar prova material. Segundo Parente, nesse tipo de ação, a Justiça analisa apenas se houve ou não ofensa à dignidade e à honra da pessoa que se achou ofendida.


Para Lula, vitória do PT mudaria América do Sul
Presidenciável repete que País não dá salto porque não tem planejamento de longo prazo

PASSO FUNDO - O presidenciável petista, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem, em comício em Passo Fundo (a 300 quilômetros de Porto Alegre), que uma vitória do PT não é importante apenas para o Brasil. "Uma vitória nossa muda muita coisa na região, repercute na Argentina, Uruguai, Paraguai e Colômbia. Quem sabe até sem saber estejamos criando uma nova correlação de forças para poder negociar com muito mais peso com o chamado mundo desenvolvido." O comício reuniu cerca de 10 mil pessoas vindas de toda a região do Alto Uruguai.

Lula avaliou que o Brasil não consegue dar um salto de qualidade porque não faz planejamento de longo prazo e reclamou da interpretação dada pela imprensa, de que teria elogiado o regime militar quando citou três momentos em que o desenvolvimento era planejado: com Getúlio Vargas, que projetou uma base social, Juscelino Kubitschek, que se voltou para o Centro-Oeste, e os militares, que criaram planos decenais, pólos petroquímicos e o Próalcool.

Mas fez uma ressalva em relação aos militares. "O contraditório no período era que havia desenvolvimento por conta de empréstimos externos, mas a dívida se tornou impagável." Desde então, seg undo Lula, o País não foi mais planejado até porque, "com mandatos de apenas quatro anos", fica difícil cumprir planejamento. Ele disse que por essa razão quer envolver toda a sociedade nos projetos nacionais: para que, na troca dos governos, os programas e obras não fiquem parados.

No comício, o candidato afirmou que, se eleito, pretende ter com a parceria dos governadores para administrar e fazer reuniões regulares com eles. Lula lembrou que o governador gaúcho, Olívio Dutra (PT), que estava a seu lado no palanque, só teve dois encontros com o presidente Fernando Henrique Cardoso nos últimos quatro anos.

Ele fez um afago aos gaúchos, dizendo que o Estado é dos mais politizados.

"Façam comparação com São Paulo, onde tivemos Jânio (Quadros), Ademar (de Barros) e (Paulo) Maluf. Aqui tivemos Getúlio (Vargas), João Goulart e (Leonel) Brizola. Só isso já dá uma diferença enorme na formação política do povo." A ida de Lula a Passo Fundo também teve o objetivo de reforçar a campanha de Tarso Genro (PT) ao governo.

Ao chegar a Passo Fundo, Lula disse não ter nada a comentar sobre o debate dos presidenciáveis segunda-feira. Depois, acabou afirmando que o encontro deveria servir para que os candidatos falassem de seus programas.

"Mas quando as pessoas vão para um debate para ficar discutindo pendengas mal-resolvidas de suas vidas pessoais isso não ajuda", disse. "Temos de evoluir para garantir que o debate seja a forma pela qual eleitores possam escolher a pessoa para dirigir o País."


Artigos

O trabalho e o salário na campanha eleitoral
Dom Cláudio Hummes

Diante da situação atual do País, que padece de severa crise de desemprego, a campanha eleitoral tem grave obrigação de refletir com seriedade e objetividade sobre esta questão básica, ouvindo a população e os peritos na matéria, que tem muitos lados, para propor soluções viáveis e realistas, capazes de resolver progressiva e resolutamente esta chaga social. Todos hoje estamos também convencidos de que um dos ingredientes da solução é escolarização e educação qualificadas e ampliadas para todos os brasileiros.

Segundo a sábia afirmação de João Paul II, o trabalho humano, entendido em seu sentido amplo, é a chave de solução dos problemas sociais e o salário justo é, na verdade, uma verificação concreta da justiça de cada sistema socioeconômico (cf. Laborem Exercens, 3 e 19).

Permito-me recordar uma parábola de Jesus, registrada no Evangelho de São Mateus (Mt 20, 1-16), que, mutatis mutandis, fala do (des)emprego e do salário. Trata-se de um patrão, dono de uma vinha, que saiu para contratar trabalhadores para sua vinha. Saiu já de madrugada e contratou os que encontrou. Combinou com eles uma moeda de prata por dia, como salário. Saiu outra vez às 9 horas, ao meio-dia e às 3 da tarde. Cada vez encontrou outros trabalhadores. Contratou-os também, prometendo-lhes um salário justo. Às 5 da tarde, quando faltava só uma hora para o término da jornada, encontrou ainda outros na praça e perguntou-lhes: "Por que estais aí o dia inteiro desocupados?" Eles responderam: "Porque ninguém nos contratou." O patrão lhes disse: "Ide vós também para minha vinha."

No final do dia, chamou a todos e pagou a cada um uma moeda de prata, como havia combinado com o primeiro grupo da manhã. Então, os que trabalharam mais tempo reclamaram que deveriam ganhar mais do que os da última hora, pois haviam trabalhado mais horas e suportado mais tempo o cansaço e o calor do dia. Mas o patrão respondeu que pagou uma moeda de prata aos da primeira hora, como havia combinado, mas que achou por bem pagar a todos os demais o mesmo salário.

Num primeiro momento parece paradoxal a atitude do patrão. Afinal, por que ele pagou aos últimos e a todos os demais o mesmo salário que pagou aos primeiros? Era o salário de um dia inteiro. Só os primeiros haviam trabalhado o dia inteiro. Os últimos, apenas uma hora.

Se analisarmos bem a situação, contudo, concluiremos que o patrão agiu certo. Lembremos que todas as pessoas em idade e em condições de trabalhar têm direito ao trabalho, a fim de ganhar com ele um sustento digno para si e seus dependentes. Mas, se a sociedade for estruturada de tal forma que alguns ou muitos não terão trabalho, como é a nossa sociedade atual, então essa deverá sustentá-los dignamente, como se estivessem trabalhando.

Ora, os trabalhadores da parábola que não trabalharam o dia inteiro e os últimos, que só trabalharam uma hora, assim o fizeram porque ninguém os havia contratado antes. Não era por preguiça que estavam à toa, mas porque não havia trabalho para eles. Com emprego ou sem emprego, porém, eles tinham o direito a um sustento digno para si e seus dependentes. Se houvesse trabalho, deveriam ganhar o sustento com seu trabalho. Mas, não havendo, incumbe à sociedade o dever de sustentá-los. Ora, o patrão da parábola conseguiu dar-lhes ao menos algumas horas de trabalho, ou mesmo uma só, naquele dia, mas pagou-lhes aquilo de que tinham necessidade para o sustento seu e dos seus dependentes, isto é, uma diária inteira. Desse modo, o patrão cumpriu o dever de justiça que incumbe fundamentalmente à sociedade toda, de uma forma ou outra, em relação aos desempregados.

Em termos de justiça verdadeiramente social, o salário não pode ser calculado apenas segundo o valor do produto final do trabalho, mas também segundo a necessidade básica do trabalhador.

Trata-se de um trabalho humano, e não simplesmente de uma máquina. Há uma pessoa humana, sujeito de direitos e, em especial, do direito a um sustento digno, que realiza o trabalho e produz. É o que João Paulo II, no documento acima citado, chama de "trabalho no sentido subjetivo: homem-sujeito do trabalho", diferente do valor produzido como resultado da técnica, isto é, da ajuda que o homem recebe de máquinas e de mecanismos cada vez mais aperfeiçoados pela técnica, que seria então "o trabalho em sentido objetivo: a técnica".

Por essa razão, existe um salário mínimo, que independe do valor do produto que resultou do trabalho. Mesmo se o trabalho, que restou para alguém, não produz algo cujo valor seja ao menos igual a uma remuneração suficiente para as necessidades de um digno sustento do/a trabalhador/a e de seus dependentes, mesmo assim permanece o direito que esse/a trabalhador/a tem a um tal salário suficiente. Esse direito, que já vale para o/a desempregado/a, vale obviamente também para quem só conseguiu um trabalho que produz menos valor. Esse direito está baseado, portanto, não apenas em valores objetivos produzidos, mas também na condição subjetiva de pessoa humana do trabalhador. A falta de trabalho ou um trabalho de baixo rendimento como único disponível não tiram o direito a este ganho mínimo.

Pressupõe-se, então, que o salário mínimo sempre corresponda ao menos a esta remuneração, a que tem direito toda pessoa humana que trabalha ou está desempregada, o que infelizmente não se verifica, em geral, no salário mínimo brasileiro. Um salário mínimo justo para todos os trabalhadores e o mesmo para todos os desempregados poderia ser chamado também de uma forma de renda mínima.

Por outro lado, num mundo globalizado e de mercado aberto, as questões do trabalho, do (des)emprego, salário, renda mínima, não dependem mais unicamente da política interna de um país, mas também da promoção de uma ordem econômica mundial mais justa. Tudo isso são desafios cuja solução os candidatos ao governo, em diálogo com a sociedade, devem ter a competência de encaminhar, competência no plano global e no plano nacional.


Editorial

A DEFESA CONTRA O PROTECIONISMO

Para instruir e acompanhar os dissídios comerciais nos quais o Brasil é parte interessada - e atualmente tramitam 15 proce ssos, apenas na Organização Mundial do Comércio (OMC) -, o Itamaraty tem uma equipe de cinco diplomatas. Há um ano, o Ministério das Relações Exteriores nem ao menos tinha em sua estrutura uma divisão especializada em conflitos comerciais. O setor foi criado pelo chanceler Celso Lafer, mas padece de restrições orçamentárias e de pessoal - como de resto, toda a administração pública, às voltas com o contingencionamento de verbas - que precisam ser superadas para que o País possa defender-se mais adequadamente das medidas protecionistas erguidas pelos países desenvolvidos, e não apenas por eles, que prejudicam o acesso dos produtos brasileiros ao mercado internacional.

O Brasil raramente aplica medidas antidumping contra seus parceiros comerciais. Mesmo a recíproca não sendo verdadeira, até o ano passado não havia na estrutura do Itamaraty um escritório especializado em conflitos comerciais. Os contenciosos que surgiam eram resolvidos por diplomatas que, por mais que estivessem familiarizados com as questões do comércio internacional, não tinham o apoio de uma estrutura especializada. O Brasil estava em franca desvantagem em relação a países de porte semelhante, como o Canadá, que tem mais de 30 funcionários trabalhando diretamente com contenciosos comerciais, e o México, que tem mais de 15 funcionários nessa função.

Pode-se, portanto, dizer que os êxitos obtidos pelos diplomatas brasileiros na defesa dos interesses comerciais do País se deveram mais à boa formação que o pessoal do serviço exterior tradicionalmente recebe do que às facilidades que o governo deveria pôr à disposição de seus representantes nos organismos de solução de controvérsias.

Os contenciosos comerciais envolvem complicadas questões jurídicas e, mais que isso, precisam ser instruídos por levantamentos técnicos e informações especializadas que nem sempre podem ser produzidos por diplomatas. Daí a necessidade de o Itamaraty dispor de recursos para contratar serviços especializados sempre que necessário. As empresas privadas cujos interesses são afetados pelos contenciosos têm contratado escritórios de advocacia que acabam assessorando o Itamaraty. Mas o trabalho que os diplomatas fazem nos organismos de solução de controvérsia, seja na OMC, seja no Mercosul, envolve a proteção de interesses mais amplos do que aqueles das empresas. De resto, os advogados, embora assessorem os diplomatas, estão primeiramente comprometidos com os interesses de quem os contratou. "Muitas vezes" - disse o conselheiro Roberto Azevedo, chefe do contencioso comercial do Itamaraty ao jornal Valor -, "eles não sabem que tipo de implicação a defesa que fazem terá em outros casos." De resto, os advogados participam apenas como observadores nos processos antidumping, cabendo aos diplomatas expor a posição oficial do País nos organismos de solução de controvérsias.

Nos próximos dois meses, o Brasil entrará na OMC com pedidos de consultas contra os subsídios norte-americanos à produção de algodão e contra os incentivos dados pela União Européia à exportação de açúcar, além de iniciar um painel de arbitragem para julgar a legalidade da sobretaxa imposta pelo Estado da Flórida às importações de suco de laranja brasileiro.

Essas iniciativas são parte da estratégia brasileira de denunciar com mais agressividade as práticas ilegais de comércio que prejudicam as nossas exportações, de um lado, e, de outro lado, exigir rigorosas condições de reciprocidade nas negociações para a liberalização do comércio internacional, especialmente nos casos da Alca e da rodada global da OMC.

Para que o Itamaraty possa continuar tendo um papel decisivo na OMC e combater com sucesso as práticas ilegais de comércio que mal disfarçam o protecionismo dos países industrializados, é preciso que o governo invista mais dinheiro e recursos humanos na defesa comercial do País.


Topo da página



09/04/2002


Artigos Relacionados


Serra recupera 13 pontos e empata com Ciro

Serra cai três pontos e empata com Garotinho

Roseana empata com Lula e Serra passa Ciro

Serra está a 4 pontos de Ciro

Ciro sobe 7 pontos e encosta em Serra

CIRO ABRE 17 PONTOS EM RELAÇÃO A SERRA