Ciro: ‘Sou o único de centro-esquerda’









Ciro: ‘Sou o único de centro-esquerda’
SÃO PAULO. O candidato do PPS à Presidência da República, Ciro Gomes, disse ontem em São Paulo que o senador José Serra (PSDB-SP), candidato do governo à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, quer se apresentar como progressista mas é, na verdade, o representante dos grandes negócios do capital internacional e do capital nacional. Antes de almoçar com empresários no primeiro encontro da série “As eleições presidenciais de 2002 — Perspectivas para o Brasil”, promovida pelo Conselho das Câmaras Européias em São Paulo, Ciro disse que, “ao contrário de Serra e de Lula (o petista Luiz Inácio Lula da Silva)”, é o único candidato “com coerência de centro-esquerda”:

— Meu adversário é o candidato dos grandes negócios e das negociatas. É o candidato da manipulação despudorada do espaço público e do dinheiro público para fins eleitorais. É o que contrata firma de arapongagem no Ministério da Saúde e paga R$ 1,8 milhão, enquanto a sociedade amarga a maior epidemia de dengue.

Ciro voltou a negar que seu partido esteja negociando um acordo com o PFL, defendido por seus aliados do PTB.


PFL ajuda a aprovar CPMF
Pressionado pela base, o PFL garantiu ontem a aprovação em segundo turno, por 384 votos a 55, da emenda que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até dezembro de 2004. A adesão foi de 83,3% da bancada pefelista, com apenas três votos contra: Paulo Magalhães (BA), Paulo Octávio (DF) e Pedro Fernandes (MA). Mas o partido, que rompeu com o governo Fernando Henrique por causa da crise que envolve a candidatura da governadora Roseana Sarney, guardou um trunfo para a queda-de-braço com o Planalto: a votação no Senado, onde é mais fácil controlar seus parlamentares.

Ontem mesmo, o líder no Senado, José Agripino Maia (RN), não só se recusou a assinar um requerimento de urgência para a tramitação da emenda como avisou que o partido apresentará propostas de alteração, adiando ainda mais a prorrogação. Segundo os cálculos mais otimistas do governo, essa decisão vai impor um intervalo de 80 dias na cobrança da CPMF e um rombo de R$ 4 bilhões. Aprovadas no Senado, essas mudanças provocariam ainda a volta da discussão à Câmara. Pelo que ficou aprovado, a CPMF fica prorrogada até 2004, com a atual alíquota (0,38%) até o fim de 2003 e depois uma alíquota de 0,08% até dezembro de 2004.

— Sem o PFL, a gente não aprova a CPMF. Vamos matar um leão por dia. Hoje, a Câmara. Amanhã, o Senado — disse o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio.

Agripino admite conversar com Virgílio. Mas, defendendo a vinculação direta de recursos da CPMF a programas sociais, já rechaça a possibilidade de voltar atrás.

— Vou receber o ministro com a maior cordialidade. Mas terei de dizer: a decisão é da executiva do partido — disse, referindo-se à reunião da véspera na casa do presidente do PFL, Jorge Bornhausen.

Silêncio sobre as emendas assusta
Acostumado a acionar o rolo-compressor nas votações de seu interesse, o governo adotou estratégia diferente ontem: decidiu conquistar a adesão do PFL no susto. Seguindo a determinação do presidente Fernando Henrique, os ministros não telefonaram para um único deputado do partido. Ao receber telefonemas, os ministros não fizeram qualquer promessa relativa à liberação de recursos para atendimento de emendas. A justificativa é uma faca no peito: alega-se que, sem a aprovação da CPMF, não é possível saber qual será a arrecadação do governo este ano e, com isso, fica impraticável garantir, de antemão, qualquer recurso.

— Confesso que estou carente sem um telefonema do governo — brincou um pefelista.

— Quem tem que orientar a bancada é o PFL. Não vamos comprar deputado no varejo — disse um governista.

Essa também é uma tentativa de acariciar os comandantes do PFL. Na véspera, num encontro com o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, Bornhausen reclamou do assédio do governo.

— Já avisei a Inocêncio (Oliveira, líder na Câmara) que não posso votar contra o governo — disse Lael Varela (MG).

Ele não era o único. Por isso Bornhausen avisou a Pimenta que, se a pressão fosse maior, seria obrigado a ameaçar os rebeldes com expulsão. E qualquer parlamentar expulso agora, a menos de um ano da eleição, não poderá concorrer. Preocupado, Pimenta telefonou para os tucanos apelando para que não provocassem os pefelistas:

— Pimenta me mandou calar a boca. A ordem é não provocar — disse o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA).

A estratégia teve um obstáculo: o avanço na negociação entre PSDB e PMDB para a indicação do vice da chapa do senador José Serra.

— Já estamos sendo escanteados — disse Ronaldo Caiado (GO).


Sarney Filho ao pai: ‘Se Roseana quiser continuar, que largue Jorge’
BRASÍLIA. O deputado José Sarney Filho (PFL-MA), ex-ministro do Meio Ambiente, confirmou ontem, em carta enviada ao jornal “Valor Econômico”, ter dito ao pai, senador José Sarney (PMDB-AP), que pretende que sua irmã, Roseana Sarney, se separe do marido, Jorge Murad, caso queira continuar pré-candidata à Presidência da República. Os diálogos foram publicados na edição de ontem do jornal.

Na conversa, Sarney Filho chamou Murad de irresponsável e reclamou que Roseana está dando desculpas à família para proteger o marido.

“Papai, Roseana tem que tomar uma decisão. Se quiser continuar com a campanha, que largue Jorge, ou então esqueça a campanha logo de uma vez”, disse o ex-ministro ao pai, durante um telefonema de um chalé na Pousada das Siriemas, em Pirenópolis, Goiás.

“Sua saúde está indo embora, a minha também. Estou dormindo mal, tendo pesadelos toda noite. A gente não pode ficar sofrendo por causa de um irresponsável; porque Jorge é um irresponsável”, disse Sarney Filho, cujo telefonema foi ouvido pelo repórter Ricardo Allan, que estava hospedado na mesma pousada.

Na carta de ontem, o ex-ministro confirmou o telefonema e o teor da conversa com seu pai, mas protestou contra a publicação da reportagem. Na conversa com o pai, Sarney Filho afirmou que a situação de Roseana ficou insustentável, referindo-se às revelações que surgiram após a ação da Polícia Federal no escritório da empresa Lunus.

Sarney Filho telefonou para o pai no fim de semana
Na conversa, o ex-ministro, que deixou o cargo por causa do rompimento do PFL com o governo Fernando Henrique, criticou a irmã, que não se decide pela separação.

“Ela fica dando desculpa, dizendo que não... que Jorge está com depressão, mas vai ter que tomar uma decisão. Vou ter uma conversa séria com ela; isso tem que se resolver esta semana”.

O telefonema para o pai ocorreu no fim de semana passado. Sarney Filho ainda disse ao senador José Sarney que não teria lido os jornais e as revistas semanais.

“Não, pai, não vi o jornal, não vi a revista. Estou no meio do mato”, contou no telefonema.


‘Nós venceremos as eleições’, diz Fernando Henrique sobre Serra
SANTIAGO E BRASÍLIA. Pela primeira vez, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse e repetiu que não tem dúvidas de que o candidato do PSDB à Presidência, o senador José Serra (SP), ganhará as eleições de outubro. Em entrevista ao jornal italiano “Il Sore 24 Ore”, publicada ontem em Roma, o presidente afirmou que a ruptura da coalizão com o PFL não deve ter influência sobre as chances de vitória de Serra. Ontem à tarde, Fernando Henrique reafirmou sua segurança em relação à vitória de Serra.

Ao jornal italiano, ele citou o desastre na Argentina como um dos motivos que levarão o eleitor a escolher o tucano.

— Venci em 1998 em meio a uma crise. O caso argentino demonstra que, quando um governo perde o controle da situação, quem paga é o povo. Não creio que a sociedade brasileira queira entrar em uma aventura. Nós venceremos estas eleições — apostou.

Presidente demonstrou otimismo diversas vezes
Durante a apertada agenda oficial no Chile, Fernando Henrique não se esquivou de confirmar suas declarações otimistas sobre o desempenho de Serra na eleição:

— O que eu disse foi que as forças que encarnarem esse programa (do governo) ganham as eleições.

Os tucanos concordaram com o prognóstico do presidente. Já os pefelistas, irritados com as declarações, disseram que Fernando Henrique foi arrogante.

— Do alto do pedestal, ele fala o que quiser, mas é bom lembrar que a eleição nem começou — contra-atacou o deputado Rodrigo Maia (RJ).

O secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio, chegou a ficar preocupado com o tom das declarações.

— Ele disse isso? — perguntou Virgílio, sem disfarçar a surpresa, antes de emendar:

— Acredito ainda numa vitória ao lado do PFL.

O senador Romeu Tuma (PFL-SP) foi irônico ao comentar a previsão de Fernando Henrique e lembrou que o resultado da eleição dependerá muito mais do PFL do que do governo.

— Se ele desacreditar do candidato tucano, melhor será pendurar a chuteira — ironizou.

Para o senador Saturnino Braga (sem partido-RJ), Fernando Henrique está sendo muito arrogante ao declarar que a situação econômica brasileira é a melhor dos últimos anos, assim como ao insinuar que as demais candidaturas representam um aventura.

— Isso beira a irresponsabilidade e a leviandade — condenou o senador.

Agência diz que situação do Brasil ainda preocupa
O fato de o Brasil ter um candidato de esquerda liderando as pesquisas de intenção de voto é motivo de cautela para a agência classificadora de risco Fitch Ratings. Apesar das previsões otimistas para a América Latina em 2002, a Fitch diz que “sinais de crescimento da instabilidade ainda existem” e que certos episódios nos últimos meses fazem lembrar as décadas de 70 e 80 na região, quando as turbulências sociais e econômicas alimentavam a instabilidade política. Segundo a agência, “a retórica populista freqüentemente exclui de seu foco a abertura ao mercado de capitais e a austeridade fiscal”.


Jarbas aceita convite para ser o vice de Serra
BRASÍLIA. O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB), aceitou ser o vice na chapa encabeçada pelo senador José Serra (PSDB) para a Presidência. O sim foi dado ontem durante almoço com o presidente do PMDB, deputado Michel Temer, e depois de uma conversa com o líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima. Hoje, o presidente do PSDB, deputado José Aníbal, vai oficializar o convite. Mas o nome de Jarbas só vai ser anunciado nos primeiros dias de abril, quando o PMDB decidirá oficialmente que rumo tomará nas eleições. Jarbas deverá conversar com Serra hoje.

— A vaga de vice não se disputa, é resultado de composição. Política é risco, mas é importante delimitar o risco — disse Jarbas, referindo-se à necessidade de uma margem de segurança para que deixe o governo.

Executiva, governadores e candidatos serão ouvidos
Imediatamente após o convite dos tucanos, Temer vai convocar a executiva do partido para analisar a proposta de coligação. Para fechar a aliança, também vai ouvir os governadores e os candidatos aos governos. Só depois de cumprido esse ritual é que o nome de Jarbas será anunciado. Essa estratégia tem como objetivo evitar que o governador seja bombardeado pelos setores contrários à aliança e por outros postulantes ao cargo.

— Temos que construir uma maioria em torno do Jarbas — disse Geddel.

— Não tenho a unanimidade do partido — reconheceu o governador.

Temer já iniciou o processo de consulta
Após o almoço com Jarbas, Temer reuniu-se com o deputado João Henrique (PMDB-PI) e com o presidente do Instituto Ulysses Guimarães, Moreira Franco, e iniciou o processo de consulta interna. Mas a conversa mais importante ocorreu no fim da tarde com Aníbal. Ficou acertado que o tucano visitaria Temer hoje para convidar o partido.

— As conversas estão adiantadas. O Jarbas é uma figura respeitada e é um bom vice. Essa decisão é do PMDB, mas também é interativa. O vice tem que ter sintonia com o candidato a presidente — afirmou Aníbal.

Depois de fechar com o PMDB, os tucanos vão intensificar as conversas com o PPB e ampliar os contatos com o PTB. Com o crescimento de Serra nas pesquisas, eles acreditam que poderão atrair os petebistas, apesar do compromisso que assumiram com o candidato do PPS, Ciro Gomes. A última fase na formação da aliança será buscar o apoio do PFL. Os dirigentes do PMDB e do PSDB estão convencidos de que a candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, não se sustentará até as eleições.


Projeto provoca polêmica na Câmara
BRASÍLIA. O deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG) apresentou ontem na Câmara projeto que estabelece foro privilegiado para ex-autoridades acusadas de crimes durante o exercício do cargo. A proposta provocou polêmica, sendo criticada por partidos e pelo Judiciário. Os tucanos parecem ser os únicos dispostos a apoiar o projeto, preocupados especialmente com o futuro do presidente Fernando Henrique Cardoso, citado em 170 ações na Justiça Federal e em 18 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nos demais partidos, a idéia deverá enfrentar forte resistência. Para muitos parlamentares, representaria um retrocesso, uma vez que o Congresso vem sendo pressionado pela sociedade exatamente para acabar com privilégios.

Em outra ocasião, os 11 ministros do STF alegaram a ilegalidade da tese, com base na análise da Constituição.

— É um tema muito delicado e complexo. É necessário ouvir a sociedade a respeito desse assunto e ver como isso repercute entre os cidadãos — afirmou o presidente do STF, Marco Aurélio de Mello.

Quando o STF julgou o caso, um dos votos contrários à extensão do foro privilegiado foi dado por Marco Aurélio. O ministro Sepúlveda Pertence, um dos votos vencidos, argumentou que a prerrogativa da autoridade deve ser preservada quando o fato julgado referir-se à época em que a pessoa ocupava o cargo público.

O senador Romeu Tuma (PFL-SP) é contra.

— Foro privilegiado é para quem está no poder. Foi para casa, perde o privilégio.

— Espero que a Câmara tenha a lucidez de matar a idéia no nascedouro — disse o senador Jefferson Peres (PDT-AM).


Artigos

Camisa de força eleitoral
Marcello Cerqueira

Nos estertores do Estado Novo, Vargas convoca as primeiras eleições parlamentares na vigência da Carta de 1937. As eleições sem dúvida representavam uma ruptura com o modelo totalitário do regime. Qual seria a natureza dessas eleições?

O Tribunal Superior Eleitoral, tomando conhecimento, por maioria de votos, de representação da Ordem dos Advogados do Brasil e de consulta do Partido Social Democrático, declarou que o Parlamento Nacional que seria eleito a 2 de dezembro de 1945, além de suas funções ordinárias, teria poderes constituintes, apenas sujeito aos limites que ele (Parlamento) viesse a prescrever. A decisão do tribunal abriu o passo à convocação da Constituinte de1946.

Era então presidente do TSE o ministro José Linhares, que, na seqüência, ocupando transitoriamente a Presidência da República (vaga com a deposição de Vargas), considerando o entendimento do tribunal, convoca Assembléia Constituinte para, com poderes ilimitados, votar a Constituição do Brasil (lei constitu cional n 13 de 12 de novembro de 1945).

Também no ocaso da ditadura militar de 1964 a oposição apresenta o nome do governador Tancredo Neves para presidente da República na eleição indireta no Colégio Eleitoral, então composto dos membros do Congresso Nacional e de delegados das Assembléias Legislativas. Apenas os votos da oposição não possibilitariam a vitória do seu candidato, e pairava a dúvida sobre a aplicação, no Colégio Eleitoral, do instituto da fidelidade partidária, instrumento que os governos militares introduziram na lei dos partidos políticos para melhor garantir os votos da dócil maioria arenista. A fidelidade partidária servia apenas para as votações ordinárias das Casas do Congresso, não incluindo o Colégio Eleitoral; entretanto, dissidentes da maioria (PDS/ex-Arena) temiam ameaças de cassação ou da impugnação de seus votos vindos de setores radicais da combalida ditadura, pretexto para o recrudescimento do regime, já se vê. Para espantar dúvidas, o PMDB consultou o Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu (Resolução n 12.017 de 27/11/1984, rel. min. Néri da Silveira, unânime) não prevalecerem para o Colégio Eleitoral as disposições relativas à fidelidade partidária prevista na Lei dos Partidos Políticos, validando o voto de membro do Colégio Eleitoral dado a candidato registrado por outro partido. A decisão do tribunal permitiu a eleição do presidente Tancredo Neves e a ruptura negociada que levaria o país ao Estado de Direito.

Cumpria o Tribunal Eleitoral, assim, a missão maior que incumbe ao Judiciário: resolver problemas e não criá-los. Sábio, o Código Eleitoral ensina que compete ao TSE (naturalmente entre outras atribuições) “expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código” (art. 23).

“Conveniente” — recorra-se ao Houaiss — é aquilo que é “apropriado, oportuno, útil, proveitoso, adequado, eficiente, justo”; seus antônimos são “despropositado, desvantajoso, impróprio, inconveniente, inoportuno, prejudicial”.

A lei n 9.504/97 foi regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 1998, e não estabeleceu a camisa-de-força partidária da chamada verticalização ou simetria das alianças partidárias ora imposta. Talvez por inconstitucional, talvez por não julgá-la “conveniente”. Poderia, então, a atual composição do tribunal desconhecer a decisão anterior que não interpretou o art. 6 da lei 9.504/97 como restritiva de alianças livres, e inovar limitando a liberdade partidária? Ou se aplicaria à novidade o instituto da “preclusão”, introduzido no léxico jurídico por Chiovenda, e que consiste na perda ou caducidade de uma faculdade pelo limite do prazo para o seu exercício. Regulamentada pela composição do Tribunal Eleitoral da época, o momento do recurso, para quem porventura entendia por legal a verticalização, era aquele.

Uma vez ultrapassada a fase recursal, aquela regulamentação foi final e intangível. É isso que dá a certeza à ordem jurídica e garantia ao Estado Democrático de Direito. A consulta deveria ter sido feita então ou o recurso então apresentado; agora, esse expediente de ocasião turva a legalidade democrática e tem sabor amargo de abuso de poder.

Se o entendimento em vigor está correto e revoga o antecedente, de certa forma desqualifica a eleição de 1988 e impõe nota desabonadora ao entendimento dos seus antigos colegas. Ou deles recebe a nota.

Não tenho dúvidas que princípios constitucionais foram violados pela decisão do Tribunal Superior Eleitoral; entretanto, não sei se o Supremo Tribunal Federal julgará “conveniente” modificar a decisão e de alguma forma retirar autoridade do tribunal subordinado. Não sei. Sei que o Congresso precisa dotar o país de lei complementar (CF, art. 121) que delimite claramente os poderes do Tribunal Eleitoral e o impeça de legislar e até eventualmente influir nos resultados eleitorais (há precedentes) ou, no limite, declarar nula eleição de candidato da oposição.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel

PSDB-PMDB: o jogo está fechado
Só falta a troca de alianças, uma formalidade que pode acontecer ainda esta semana, talvez nas próximas horas, mas o pacto eleitoral entre o PSDB e o PMDB foi selado ontem, no encontro entre seus presidentes, José Aníbal e Michel Temer, respectivamente. Um presente de aniversário para o candidato José Serra, cujo vice ficou praticamente certo, o governador Jarbas Vasconcelos.

Para renunciar ao governo de Pernambuco no dia 5, seria mais confortável para Jarbas fechar um acordo regional com o PFL do vice-presidente Marco Maciel, com quem jantaria ontem. Seu vice, Mendonça Filho, é do PFL. Caso o TSE decida, como se espera, que partidos sem candidato a presidente são livres para fazer coligações estaduais, e Roseana Sarney desista, também como se espera, da candidatura presidencial, a dupla PMDB-PSDB pode até aliar-se oficialmente ao PFL local, que terá Maciel disputando o Senado. Do contrário, podem ainda fazer uma aliança branca, que levaria os dois primeiros a não lançar candidatos ao Senado, facilitando a vida de Maciel. De todo modo, Jarbas acelerou sua decisão de deixar o cargo e aceitar o convite quando viu crescer o olho grande dentro de seu partido.

Michel Temer, negociador do PMDB, tenta uma composição que leve o partido ao palanque de Serra com um mínimo de dissidências. E para tal será importante acertar os ponteiros com o governador de Minas, Itamar Franco. Mas esta conversa, embora muita reservada, está avançada, abrindo-lhe o caminho para disputar novo mandato de governador. Neste caso, o presidente da Câmara, Aécio Neves, disputaria o Senado. Resta aos tucanos uma tarefa espinhosa, acomodar o ex-governador Eduardo Azeredo, candidato ao governo e alérgico a qualquer proximidade com Itamar. Quando ensaiou-se em janeiro um encontro entre Serra e o governador, ele chegou a dizer que isso seria visto pelos mineiros como “falta de vergonha”.

Feito o jogo, o PFL perdeu para o PMDB o lugar de parceiro estratégico dos tucanos que asseguraram ainda antes de FH ser candidato, na aprovação de medidas preliminares para o lançamento do Plano Real.

A incógnita continua sendo o que fará o PFL, onde há grupos que jamais marchariam com Serra, como o da Bahia e o do Maranhão, mas há também quem queira aderir. E o governo vem enfiando cunhas no antigo monólito, atraindo os que não imaginam a vida na oposição. Já sente o PFL o risco de “peemedebizar-se” na sucessão, com cada tribo indo para um lado. Mas talvez esta seja a melhor forma de garantir a sobrevivência: elegendo uma boa tropa parlamentar, que sempre foi a fonte do poder do PFL.Lula vai amanhã ao Vale do Aço liderar um protesto na porta da Usiminas contra a barreira americana ao aço. Hoje, faz costura política em Brasília.

TSE: a negação do ser
Todos os sinais são de que o TSE deixará aberta a possibilidade de coligação para os partidos que não tenham candidato a presidente. O parecer do procurador-geral eleitoral, Geraldo Brindeiro, é neste sentido, mas ele já fora contra a primeira decisão. O tribunal é que está em apuros para regulamentá-la.

Se assim for, aos partidos que não disputem a Presidência não será imposta a exigência de alianças fixas no plano nacional e estadual. Estará criada uma anomia, dois pesos, duas medidas. Atenderá o TSE ao clamor dos partidos, que já ameaçam até aprovar o decreto legislativo anulando a primeira decisão. Mas se fizer isso, estará sendo de uma incoerência assombrosa. Negará todos os fundamentos que orientaram a decisão principal. Na prática, monogamia em cima e promiscuidade em baixo. Longe de enxugar o quadro partidário, como deseja o ministro Nelson Jobim, tal medida fortalecerá a dispersão. Permitirá que partidos pequenos e médios, inabilitados p ara a disputa da Presidência, elejam bancadas parlamentares e mesmo governadores de estado. Ou seja, estimulará a existência de partidos regionais, embora tenha a decisão original argüido a necessidade de serem todos eles nacionais. Na prática, muitos desejos são vãos e muito princípios, inaplicáveis.

BRIZOLA encontrou-se ontem com o ministro Almir Pazzianotto, do TST, que procura um partido para disputar o governo paulista.

O PFL não apenas votou a favor da CPMF como desistiu da tal CPI do Grampo. Fruto de conversa de anteontem entre Pimenta da Veiga e Jorge Bornhausen. Os tucanos agradecem com parcimônia: “O PFL agora está separando a questão eleitoral da ação parlamentar, e isso é saudável”, diz o líder Jutahy. E não mais que isso.

LULA vai à França apoiar a campanha de Lionel Jospin. O que poucos sabem é que este vínculo com o PS francês tem como elo Luís Favre. Jospin e o namorado da prefeita Marta Suplicy na juventude militaram juntos na organização trostkista OSI.


Editorial

A FOTO E O FILME

Foram dezoito dias em seis estados brasileiros. Portanto, o funcionário da ONU Jean Ziegler conseguiu passar três dias em cada um de seis dos 27 estados brasileiros. Não é raro que esse tipo de visitante se transforme instantaneamente, como é praxe, num conhecedor profundo do país.

Como Ziegler teve visitas anteriores e estabeleceu contatos, principalmente em setores oposicionistas, terminou a inspeção com uma impressionante quantidade de certezas inabaláveis na cabeça cheia de planos e o coração horrorizado com os problemas sociais do país.

Muito do que ele diz é a expressão da verdade. Inclusive porque, cautelosamente, ele absorve todos os números que recebe. Num exemplo, anunciou que seu relatório dirá que o Brasil tem 23 milhões de subnutridos — ou 44 milhões, ou 53 milhões, dependendo da fonte (Ipea, PT ou d. Mauro Morelli). Ziegler se garante: é provável que a verdade esteja próxima de um desses totais.

Esse tipo de observador é como um aspirador sem filtro. Aceita qualquer peixe que cada um de seus informantes tem para vender — e prefere nitidamente os mais pessimistas. É extraordinária a sua conclusão de que, entre todos os membros da ONU, Brasil e África do Sul apresentam as maiores desigualdades sociais.

O mais grave defeito de um relatório desse gênero — óbvio mesmo para quem concorde com a conclusão absurda de que dividimos o fundo do poço com a África do Sul — está no fato de que a realidade de um país ou de qualquer grupo social só pode ser retratada na seqüência de um filme, nunca num instantâneo fotográfico.

Jean Ziegler gastou seus 18 dias produzindo uma foto polaroid: o retrato de um momento, congelado no tempo. E obviamente afetado pela visão preconcebida que o visitante trazia ao desembarcar. Poderia ter feito o relatório sem sair de casa.

A Comissão de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Alimentação, que pagou as contas da viagem, só recuperaria o seu investimento se recebesse, em vez de foto, um filme, e de extensa metragem. Um que mostrasse de onde o país e seu povo vieram, até onde conseguiram chegar, para onde estão indo — e, principalmente, em que velocidade.

Os próprios brasileiros agradeceriam um retrato isento de seus muitos problemas. Um que, pelo menos, não comparasse — para ficar no mais óbvio exemplo — o país que mais fez para combater a Aids no Terceiro Mundo com aquele que é uma das maiores vítimas do flagelo.


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03/20/2002


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