FHC comanda operação para reverter a crise









FHC comanda operação para reverter a crise
Em encontro no Planalto, presidente prega a união entre os aliados do governo e luta para garantir um bom final para seu mandato

BRASÍLIA - Preocupado com as conseqüências políticas da denúncia de que houve pedido de propina na privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu o comando de uma operação para tentar impedir que a crise se amplie. A ofensiva seria iniciada na noite de ontem, durante um jantar no Palácio da Alvorada.

Entre os convidados do encontro - marcado antes da publicação de reportagem da revista Veja sobre o caso da propina -, havia dois dirigentes do PFL, os senadores Jorge Bornhausen (SC), presidente da legenda, e José Jorge (PE), vice-presidente. Completariam a mesa os deputados tucanos José Aníbal (SP), presidente do PSDB, e Pimenta da Veiga (MG), um dos coordenadores da campanha de José Serra ao Palácio do Planalto.

A intenção de Fernando Henrique era fazer um apelo por uma trégua na guerra entre os principais partidos da coligação que o elegeu e reelegeu, para permitir a aprovação de projetos importantes no Congresso, como a emenda constitucional que prorroga a vigência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Mais do que preservar a candidatura de Serra, a principal preocupação do presidente à esta altura é garantir as melhores condições possíveis para governar ao longo de seus últimos oito meses de mandato.

Desunião - Nas conversas que manteve ontem com representantes de vários partidos, Fernando Henrique não escondeu o pessimismo com os rumos da pré-campanha eleitoral. Para vencer a disputa, afirmou ele a um desses interlocutores, seria necessário que os partidos aliados estivessem "rachando de felicidade, costurando um programa de governo comum, demonstrando confiança na vitória". Mas, no momento, ocorre exatamente o contrário: essas legendas exibem acentuada desunião.

O presidente lamentou, em especial, a divisão interna do PSDB, com a troca de acusações entre José Aníbal e o ministro da Educação, Paulo Renato Souza - que confirma ter ouvido em 1998 do empresário Benjamin Steinbruch, líder do grupo vencedor do leilão da Vale, queixas sobre um pedido de propina feito pelo economista Ricardo Sérgio de Oliveira, então diretor da área internacional do Banco do Brasil por indicação de Serra. Nas páginas dos jornais, Aníbal chamou Paulo Renato de "leviano" e o ministro perguntou se o presidente do PSDB preferia que ele mentisse. FHC determinou que os atritos tucanos deixassem de ser tratados em público.

O temor de Fernando Henrique é que a evidente "rachadura" no PSDB, além de prejudicar a candidatura de Serra, retarde ainda mais o andamento das votaçãos no Congresso. A seu ver, a demora na aprovação da CPMF, por exemplo, prejudica a arrecadação federal e cria um clima de incerteza capaz de comprometer a "governabilidade". Essa situação aumenta no exterior, em particular entre os grandes investidores, a percepção de que o governo enfrenta dificuldades para manter a economia sob controle.

Na conversa com um líder partidário, o presidente disse que os problemas internos exibidos pelos partidos que formam - ou, no caso do PFL, formaram - a base governista criam dificuldades para a aprovação de propostas de interesse do governo no Congresso. O problema só não é maior, segundo o presidente, porque restam pouco mais de dois meses de funcionamento pleno do Congresso, já que, por causa das eleições, não haverá grande atividade parlamentar durante o segundo semeste.

Na opinião do presidente, o momento é grave porque estão em crise todos os partidos da base governista - incluindo o PFL, que foi governo até recentemente. O PMDB não consegue chegar ao nome daquele que deverá ser o vice na chapa encabeçada por Serra. O PSDB deixa chegar ao público seus desentendimentos internos. E o PFL, depois do naufrágio da candidatura de Roseana Sarney, não sabe que caminho tomar.


Serra pede apuração, mas não vê motivo para CPI
Ele insiste que acusação tem cunho eleitoral, mas afirma que 'oposições estão no seu direito'

ARAPIRACA - O senador José Serra, candidato do PSDB à Presidência, disse ontem, em Arapiraca, a 136 quilômetros de Maceió, que "qualquer coisa deve ser investigada sempre", desde que se trate de "algo concreto e não tititi ou cascas de banana jogadas aqui e acolá". Por isso, segundo ele, não faz sentido a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o caso Ricardo Sérgio, ex-diretor do Banco do Brasil acusado de ter tentado cobrar propina no leilão da Companhia do Vale do Rio Doce.

"Não faz sentido, mas as oposições estão no seu direito", disse. "A oposição sempre quer levar as coisas adiante para desgastar o governo, o que é normal em uma democracia, e desta vez com conotação eleitoral". O ex-ministro da Saúde garantiu não temer o desgaste pretendido. "Não tem nada a ver comigo", disse. Ele afirmou que "não há nenhum governo que tenha investigado tanto e tudo quanto o governo Fernando Henrique".

Serra fez estas declarações depois do lançamento do programa Bolsa Alimentação, quando recebeu o título de cidadão honorário arapiraquense, por decisão unânime da Câmara de Vereadores, e uma comenda da prefeitura.

Acompanhado dos senadores Renan Calheiros (PMDB) e Teotônio Vilela Filho (PSDB), ele recebeu agradecimentos pelo que fez no município como ministro da Saúde. "Foi o melhor ministro da Saúde do mundo", saudou-o a prefeita tucana Célia Rocha, uma declarada cabo eleitoral de sua campanha à Presidência.

À tarde, em visita ao município de Coruripe, a 130 quilômetros de Maceió, Serra voltou a falar sobre as acusações contra o ex-diretor do Banco do Brasil. O ex-ministro negou qualquer ligação com Ricardo Sérgio, apesar de ter recebido sua ajuda para a campanha ao Senado. "Ele não está ligado a mim coisa nenhuma", disse Serra ao ser questionado sobre sua ligação com Ricardo Sérgio. "Ele foi uma das pessoas que ajudou na campanha de 94, muitos anos antes de tudo isso", disse.

Slogan - Em seu discurso em Arapiraca, Serra alertou que a Argentina saiu do rumo por causa de eleição. "Em campanhas eleitorais havia quem criticava tudo, quem dizia que tudo estava ruim e propunha o céu", disse. "Mas, quando chegou no governo, não teve coragem de fazer nada e o país foi para baixo, perto do inferno." Ele disse ser preciso aprender com o que ocorreu no país vizinho.

"O Brasil não pode sair do rumo, mas dentro desse rumo, tem que acelerar". O senador reconheceu que falta muito a fazer e avaliou que o País está indo a 70 ou 80 quilômetros por hora, quando tem de ir a 120 quilômetros por hora.

"O Brasil quer mais e conosco vai ter mais", declarou, citando um dos slogans de sua campanha.

O pré-candidato também criticou os que dizem que ele não gosta do Nordeste.

"Quem diz isso é a oligarquia política responsável pelo atraso que teve a região", acusou. Ele lembrou que o Ministério da Saúde fez mais pelo Nordeste do que por qualquer outra região.

Numa amostra do discurso de campanha, ele ainda advertiu que ninguém é apenas o que diz ser. "As pessoas são o que são pelo que fizeram, pelo que dizem e pelo que vão fazer", disse. "Isso é importante na vida pública, até para evitar surpresas trágicas no País." E pregou que não existe nada de errado no Brasil que não possa ser consertado com o que o Brasil tem de certo. "Vamos nivelar por cima, temos que fazer com que as coisas boas do Brasil resolvam as coisas erradas."

Elogios - A fala de Serra encerrou a cerimônia que durou mais de duas horas. Renan Calheiros, Teotônio Vilela e a prefeita defenderam sua candidatura como a melhor solução p ara o Brasil. Serra retribuiu os agrados, elogiando a administração de Célia Rocha e falando da importância da reeleição dos candidatos para a continuidade do projeto de desenvolvimento econômico e social do Brasil.

No meio da solenidade, quando a prefeita começou a falar, faltou energia elétrica por três minutos. Pega de surpresa, ela ironizou: "Acabou a energia da Ceal (Companhia Estadual de Eletrificação, do governo Ronaldo Lessa, do PSB), mas não acabou a energia do povo de Arapiraca."


Paulo Renato diz que permanecerá no cargo até o fim
BRASÍLIA - O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, vai permanecer no cargo até o fim do governo. Esta era a informação oficial divulgada ontem pela assessoria do Ministério da Educação, na tentativa de desmentir as informações de que ele estaria demissionário por ter confirmado à revista Veja que soube, em 1998, que o economista Ricardo Sérgio de Oliveira teria pedido propina no processo de privatização da Vale do Rio Doce. Paulo Renato passou o fim de semana e o dia de ontem no Rio, de onde embarcou para os Estados Unidos, evitando falar do assunto.

No Congresso os tucanos tentaram amenizar a polêmica em torno do ministro, que chegou a ser chamado de "leviano" pelo presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), no fim de semana. Mas o tom de cobrança de uma explicação permanece.

O líder do PSDB no Senado, Geraldo Melo (RN), disse que Paulo Renato precisa dar explicações sobre o que teria ouvido do empresário Benjamin Steinbruch.

"Acho que só o ministro Paulo Renato deve explicar, e eu acho que ele dará as explicações." Melo ressaltou que não pretende censurá-lo por ter divulgado esse episódio, mas criticou-o por só ter feito isso agora.

"Lamento que ele tenha contado isso agora, porque contribui para um clima negativo. Só estranho que esse episódio seja narrado agora", afirmou. Ele ressalvou, porém, que cabe apenas ao presidente Fernando Henrique Cardoso decidir se seria caso de demitir o ministro.

Em Nova York, onde ficará até sexta-feira, Paulo Renato chefiará a delegação brasileira na Seção Especial sobre a Infância da Assembléia-Geral das Nações Unidas, que começará amanhã. O evento vai reunir representantes de 189 países para avaliar os avanços desde 1990 na adoção de políticas em favor das crianças e adolescentes. Naquele ano, 71 chefes de Estado e de governo assinaram uma declaração conjunta e assumiram o compromisso de cumprir 27 metas até o ano 2000.

Das 27 metas, o Brasil cumpriu plenamente 9, sobretudo na área da educação.

A principal foi universalizar o acesso de crianças de 7 a 14 anos à escola:
segundo o Censo Educacional do ano passado, 97% das crianças nessa faixa etária estão matriculadas no ensino fundamental. Há dez anos, 11% desse grupo estava fora da escola.


PFL não vai agravar a crise, avisa Bornhausen
Apesar de reiterar a resistência a Serra, partido não deve apoiar CPI e dá sinais de que tem interesse em recompor com a base governista

BRASÍLIA - Os dirigentes do PFL deram ontem sinais de que poderão atender aos apelos do presidente Fernando Henrique Cardoso e voltar à base de sustentação do governo. O presidente do PFL, senador licenciado Jorge Bornhausen (SC), afirmou que o partido é independente, mas não vai agravar a crise. E que se o candidato a presidente da República do PSDB não for o senador José Serra (SP), não haverá nenhum impedimento para que recomponha a base.

Apesar de a maioria do seu partido manifestar repúdio à possibilidade de apoiar o tucano José Serra, Bornhausen já trabalhava o retorno do partido ao governo logo depois que a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney anunciou formalmente sua desistência da candidatura à Presidência. Foi um dos que manifestaram a preocupação crescente da ala governista com o crescimento de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas. A amigos tem dito que seu problema hoje é com o senador Serra, de quem ainda desconfia que foi vítima de grampo telefônico. Mas ainda que Serra seja mantido como candidato, Bornhausen se esforçará pelo apoio de seu partido ao tucano se crescer a ameaça de Lula ganhar a eleição no primeiro turno.

O PFL, segundo Bornhausen, não assinará nenhum pedido de abertura de uma eventual Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar a participação de Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-tesoureiro de Serra, no processo de extorsão contra Benjamin Streinbruch, da Vale do Rio Doce. A denúncia foi publicada pela revista Veja, no fim de semana. "Não cabe ao PFL agravar a situação política do País", avaliou Bornhausen, acrescentando: "Uma CPI sempre agrava."

Essa volta do PFL ao seu antigo habitat, no entanto, só ocorrerá se José Serra renunciar à candidatura, sustentam os pefelistas. "Nosso sentimento não é de revanche, mas de procurar alguém que possa ganhar a eleição, manter a estabilidade econômica e o crescimento com inserção social", disse Bornhausen, que viaja hoje à Espanha e passa a presidência do PFL para o senador José Jorge (PE).

Tempo - Segundo Bornhausen, ainda há tempo para que seja encontrado um nome que substitua Serra. Os mais cotados são o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati.

José Jorge afirmou ontem que o PFL não apoiará a candidatura de Serra porque possui uma pesquisa interna, segundo a qual 87% voltariam à base caso houvesse a substituição do nome do tucano. Além do mais, segundo o senador, a candidatura Serra "é de alto risco". Ele afirmou ainda que "Serra não tem capacidade de aglutinar a base governista".

José Jorge, que foi ministro de Minas e Energia até o rompimento do PFL com o governo, disse ainda que a situação dos partidos que apóiam o Planalto é muito difícil. "Queremos chegar à eleição com um candidato com chances de vitória, coisa que Serra não tem", disse.

Para ele, a tendência é que haja uma queda cada vez mais acentuada de Serra nas pesquisas, além do crescimento das denúncias de que pessoas a ele ligadas, como Ricardo Sérgio, estariam envolvidas em irregularidades. "Os exemplos passados mostram isso. As denúncias que envolveram a ex-governadora Roseana Sarney, que só pararam quando ela renunciou, confirmam nossos temores", disse José Jorge. "Não vejo nenhum futuro para Serra."


Garotinho orienta bancada a apoiar CPI
SALVADOR - O pré-candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, disse ontem em Salvador que orientou a bancada federal de seu partido a aprovar qualquer proposta de CPI para investigar as denúncias de pedido de propina na privatização da Vale do Rio Doce. "O Congresso precisa mergulhar com profundidade nas privatizações feitas neste governo principalmente agora, pois as acusações em relação à Vale não são da oposição, mas de dois integrantes do governo: o ministro da Educação, Paulo Renato (Souza), e o dirigente do PSDB e ex-ministro (Luiz Carlos) Mendonça de Barros", afirmou. Segundo ele, o presidente Fernando Henrique Cardoso comete "crime de omissão" ao não apurar o caso.

Garotinho também se disse "surpreso" com a revelação da revista Época de que o candidato a vice na sua chapa, Paulo Costa Leite, trabalhou para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), o órgão de informações do regime militar.

"Eu não tinha conhecimento desse período da vida dele", comentou. "Conheço o Costa Leite como um homem combativo na presidência do Superior Tribunal de Justiça, combatendo o excesso de medidas provisórias editadas pelo presidente Fernando Henrique, defendendo o funcionalismo federal", disse. "É preciso separar o que é ter participado do SNI com os agentes do SNI. Pelo que eu li, ele era um funcionário público, consultor jurídico, não era agente e, segundo a matéria, nun ca participou de torturas nem teve conhecimentos desses fatos."

Garotinho contou, no entanto, que terá "uma conversa séria e franca" com Costa Leite. "Para que ele possa me dar mais informações e orientar o partido sobre esse assunto." Ao ser questionado por uma repórter se o vice poderia ser trocado, Garotinho lavou as mãos. "Quem define candidato a vice não é o candidato é o partido e como o PSB tem uma convenção no dia 10 (de junho), até lá nós teremos oportunidade de sanar as dúvidas", disse. "Se ficar provado algo, serei o primeiro (a defender a troca do vice)."


Lula defende investigação de todas as denúncias
Segundo porta-voz, ele quer que apuração seja feita por uma CPI e pelo Ministério Público

O pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu hoje, por meio de seu porta-voz, o jornalista André Singer, que todas as denúncias veiculadas no fim de semana pela revista Veja e que envolvem o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira sejam investigadas. Lula, no entanto, é a favor de que a apuração seja feita pelo Ministério Público e por uma comissão parlamentar de inquérito (CPI).

Para o petista, as investigações no Congresso devem estar focadas apenas nas gestões de Ricardo Sérgio no Banco do Brasil e nos fundos de pensão. Singer explicou que Lula tem a mesma posição adotada em reunião no Congresso entre líderes de diversos partidos.

Segundo o porta-voz, Lula não fez avaliações políticas sobre o caso nem discutiu se ele atrapalharia a candidatura do ex-ministro José Serra (PSDB) à Presidência. "Ele não fez qualquer comentário sobre quem seria prejudicado e quem se beneficiaria a partir da veiculação das denúncias", acrescentou.

Singer disse ainda que o líder do PFL na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), também foi consultado sobre a possibilidade de o PFL vir a apoiar a instalação de uma CPI. O assunto voltará a ser discutido amanhã, em Brasília.

Risco Brasil - Além de falar das denúncias, Lula reiterou que a opinião de que a divulgação na semana passada de avaliações de instituições financeiras que rebaixaram os papéis da dívida brasileira foram "uma manobra especulativa que não prosperou". Segundo Singer, o petista considera que o movimento especulativo foi barrado pelo próprio mercado, pelos pré-candidatos à Presidência e pela imprensa, que percebeu as fragilidades das avaliações. "Foi um movimento especulativo localizado e já superado. O Brasil e a economia brasileira são grandes o suficiente para não ficarem sujeitos a esse tipo de avaliação", observou.

Troco - O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) avaliou que o PFL pode estar envolvido nas denúncias. "O PFL pode estar por trás disso, para dar o troco (vingar a renúncia da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, a disputar a Presidência) e forçar a saída do Serra da disputa presidencial." Para ele, a troca de candidato tucano à Presidência é considerada fundamental para que o PFL volte a recompor a aliança com o PSDB.

Em relação às denúncias contra Ricardo Sérgio, Berzoini disse considerá-las gravíssimas. "Mas isso não é novidade. O comportamento do Ricardo Sérgio é semelhante ao do Eduardo Jorge (Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência). A função deles sempre foi capitalizar para formar caixa de campanha para o PSDB", disse. Para o deputado, as denúncias têm de ser investigadas. "Agora, é preciso provar tudo. Mas a denúncia é bastante coerente."

Berzoini garantiu que o PT vai trabalhar no Congresso para que o caso seja apurado. "Vamos cobrar investigação, seja por meio das comissões de fiscalização da Câmara e do Senado ou até por meio de CPI."


Sarney acusa governo de tentar “demolir” petista
Senador diz que a comunidade financeira está sendo usada contra candidatura do PT

PARIS - Para o senador José Sarney (PMDB-AP), o mesmo esquema responsável pela "armação condenável" contra sua filha Roseana, que teria forçado a desistência dela de concorrer à sucessão presidencial, tenta agora demolir a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desta vez, avalia, utilizando comunidade financeira com o espantalho do risco Brasil.

"O risco do Brasil não é o Lula, mas o fato de que o País, antes mesmo de Lula ultrapassar o patamar de 30% nas pesquisas, já era o terceiro risco da América Latina, depois da Argentina e do Equador", ressalta Sarney, em entrevista ao Estado, em Paris. "Numa democracia, o candidato tem de vencer nas urnas, na vontade do eleitorado, e não destruindo os adversários com armações antidemocráticas."

Sarney considera que a maior parte dos eleitores que votariam em Roseana, com a desistência dela, passaram a apoiar Lula. "Isto porque essa faixa ponderável do eleitorado ficou convencida de que Roseana foi vitima de um processo político indevido", afirmou. "O governo está às voltas com uma rejeição muito significativa e isto dificulta seu propósito de comandar o País."

Ponderando não ser "daqueles que vêem fantasmas ao meio-dia", ele ressalta que o PT "amadureceu, formou quadros, adquiriu a experiência e a cultura política e institucional suficientes para governar o País". E terá "fortes chances de vencer o próximo pleito presidencial se a lisura do processo sucessório for respeitada daqui para frente".

O senador passou o fim de semana em Paris, depois de participar do Salão do Livro de Genebra, divulgando seu romance Saraminda, que vem recebendo elogios da crítica especializada na Europa. O jornal francês Le Monde atribui ao senador o mérito de haver criado uma personagem (Saraminda) comparável "às grandes heroínas da literatura brasileira, como Iracema, Capitu e Gabriela".


Artigos

A soberania ofendida
Jarbas Passarinho

Que nós, os brasileiros, somos muito patriotas não há como negar.

Tropeçamos ao cantar o Hino Nacional, mas não importa. Desde a Nova República (1985) não se canta obrigatoriamente nas escolas. Era entulho militar. Nossa sensibilidade, quando se trata de soberania nacional, é à flor da pele. Por vezes, porém, nos deixamos confundir com os fatos e a sua percepção adequada e exageramos com reação quase histérica. Assim se deu quando organizações destinadas a orientar investidores do mercado financeiro mundial desaconselharam investir no Brasil em face do crescimento de Lula nas pesquisas.

Se um alto dirigente do FMI elogia o comportamento da economia brasileira - como se deu recentemente - e nos dissocia do desastre argentino, silenciamos. Mas, quando o Banco JP Morgan ou a Merril Lynch rebaixam o grau de confiança que o Brasil inspira, exaltam-se os patriotas. Repelem, indignados, a intromissão, que teria o objetivo de minar a candidatura de Lula. A reação do ministro Malan, essa foi em termos adequados. É-lhe natural que empresas responsáveis na comunidade financeira internacional pelo aconselhamento dos investidores façam avaliações dos riscos implícitos decorrentes de políticas econômicas dos países a serem objeto desses investimentos. Isto nada obstante, o ministro preferiria que a "avaliação tivesse sido feita com base nos fundamentos econômicos".

Distinta é a reação emocional, que pretende ignorar o jogo pragmático do mercado financeiro mundial, onde a regra é a especulação que vive da instabilidade geradora de lucros e prejuízos. O economista Luciano Coutinho, no fim do ano passado, em palestra no Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), em São Paulo, a respeito da crise argentina, disse que quem a decretou foram os bancos internacionais. "A Merril Lynch aconselhou: fujam da Argentina. Estamos liquidando a carteira argentina, reduzindo a brasileira e elevando a russa, porque a Rússia é grande exportadora de petróleo e, mesmo com todos os seus problemas, apresent a hoje enorme superávit cambial", observou. Não parece ter irritado os arraiais patrióticos. De fato, ao fim do ano, o superávit russo beirou os US$ 50 bilhões. O nosso não passou de US$ 2 bilhões.

Ora, o Brasil, a despeito do elogio que recebe do FMI, tem alto déficit crônico de conta corrente, daí por que precisa de capital estrangeiro para cobri-lo, gostem ou não disso certos nacionalistas exaltados. Se um candidato a presidente da República, com remota chance de vencer, defende um programa socialista radical, não causa apreensão à Wall Street. Se pode chegar a presidente e tem um perfil estatizante, não é o regime político que causa preocupação aos investidores, mas projetos em ser do seu programa e do seu perfil histórico, e não o que lhe veste o marqueteiro com vista às urnas. O PT tem uma história de contestação ao pagamento da dívida externa.

Lula, sem chegar a isso, tem defendido a necessidade da sua renegociação.

Natural que os bancos analisem suas declarações, que riscos implícitos há ou pode haver para investidores. No caso presente, a recomendação foi restrita aos títulos da dívida externa do Brasil (C-bond) procurados no mercado internacional, atraentes pelo deságio em relação ao valor de face.

Ora, a dívida externa tem sido - não só para o PT - um tema de exacerbação nacionalista. Os clérigos da Teologia da Libertação dizem, do alto de seus conhecimentos profundos, que já pagamos essa dívida muitas vezes.

Perguntou-se num plebiscito, às portas das igrejas, se a dívida deve continuar sendo paga. O resultado foi maciçamente contrário ao pagamento.

Isso não interessou à Merril Lynch e ao Morgan, mesmo quando a associação da grande maioria de uma confissão religiosa com o PT é indesmentível e pode sugerir identidade de pensamento. Quando, porém, é o próprio candidato que prega, não o calote, mas a renegociação da dívida, isso lhes interessa diretamente para a recomendação que farão aos investidores seus consulentes nesse mercado especulativo.

Poder-se-ia inverter o problema. Ele não está em Lula, mas em Serra, de quem não esperam os bancos internacionais grandes mudanças. A estagnação dele, nas pesquisas, gera a dúvida de mudança relacionada com o histórico do candidato socialista êmulo de Fidel Castro. Que Lula defenda - como tem defendido - a necessidade de uma auditoria da dívida externa, certamente não afeta a conduta da Merril Lynch, dos Morgan et tutti quanti. Pouco se lhes dá quem desviou para seus bolsos os empréstimos contraídos na dívida. Seria oportuno, por sinal, que isso fosse feito.

No período militar, nossa economia, que ia muito bem, sofreu os dois choques do petróleo. Passamos a pagar o que Eugênio Gudin chamou de "resgate para os árabes da Opep". Surgiu o dilema: paralisar o País ou endividar-se para aplicar recursos em projetos reprodutivos que pagassem a dívida. Aí estão as grandes hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, as rodovias nacionais pavimentadas, o aumento da produção da Petrobrás, a do aço em sexto lugar no mundo, o Proálcool, o Projeto Carajás, os metrôs do Rio e São Paulo, os aeroportos e a petroquímica. Até hoje ninguém provou o descaminho dos empréstimos. Se a auditoria provar, que os ladrões sejam postos na cadeia. É assunto interno, todavia. Wall Street não se alarmou quando Tancredo disse:

"Não se pode pagar a dívida com a fome do povo." O histórico dele tranqüilizava. O de Lula, não. Os bancos traduziriam por iminente ameaça de default, o nome inglês eufemista para calote. Essa a diferença, com Serra de permeio, pois não cresce como esperavam os tucanos.

Correção
Diferentemente do que consta no artigo Os usos do anti-semitismo (4/5, A2), o nome da agremiação do austríaco Jörg Haider é Partido da Liberdade, e não Frente Popular, como publicado.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

As várias faces da violência
Diz todo mundo, mostra-se na TV, que São Paulo, Rio - e todas as grandes cidades brasileiras atravessam uma fase de incrível violência. As pessoas se matam nas ruas, nas favelas e nas avenidas, como o cinema conta que se matava em Chicago de Al Capone.

É verdade. Mas o pior é que não é só aqui. Não é um fenômeno particular. A violência ataca o mundo inteiro. Agora mesmo, a Alemanha, ainda está em estado de choque com a chacina no colégio Gutenberg, em Erfurt: um ex-aluno, revoltado porque fora expulso pela falsificação de um atestado médico, em apenas l5 minutos disparou 40 tiros na escola, matando 16 pessoas, entre alunos, professores e funcionários do colégio, suicidando-se depois.

Alguns dos 12 professores foram mortos como numa execução: o garoto assassino exigiu que eles ficassem de joelhos antes de matá-los com um tiro na cabeça.

Depois dessa tragédia, que abalou toda a Alemanha, retorno às aulas, agora, é sob o domínio da tensão e do medo: de repente, os professores começaram a levar a sério ameaças de alunos descontentes com notas baixas. Num ginásio de Varel, perto de Bremen, a prova de conclusão do curso foi realizada sob forte proteção policial: o diretor do ginásio recebeu uma carta em que um aluno ameaçava suicidar-se e levar com ele o maior número possível de alunos e professores. A carta revela que o autor é um fanático religioso. Ele disse que faria tudo por ordem de Deus.

No Oriente Médio - Europa, França e Bahia - só se briga, só se mata - é só tocar com o dedo um ponto do mapa-múndi, e se vai encontrar sempre sangue correndo, fogo queimando.

E daí? Mas será que não foi sempre assim? As guerras foram sempre o tema dominante na História. A verdade é que desde que o mundo é mundo, vivemos sob a marca da violência. Todo bicho maior usa o direito de matar o bicho menor, e os do mesmo tamanho batalham mortalmente entre si. Até no lar, doce lar. Mamãe castiga o bebê. Como? Com uma palmada. Ele não sabe falar, mas sabe que dói: violência educativa. Aliás, tudo não começou no Gênesis, quando o primeiro filho do primeiro casal humano matou o irmão? Eram só eles dois, mas eram dois machos, Caim sentiu que devia acabar com Abel para ficar o senhor da futura tribo.

Sim, hoje a violência é demais, e isso é terrível. A gente tem medo de mandar as crianças para a escola, de deixar os filhos adolescentes saírem para o futebol, morre-se de medo quando os jovens se juntam num bar, à noite, para um chopinho. Quem tem família tem medo de tudo! E com razão, o medo é justificado. Grande parte dos pais já teve a prova amarga na própria carne.

E volto à minha velha tese: esse agravamento da violência no mundo inteiro é porque tem gente demais neste dito mundo. Até as florestas da Amazônia, da África, da Austrália fervilham de índios, de negros, de "aborígines", como diziam os ingleses colonizadores. Os quinhões de terra e comida para cada um vão ficando cada vez menores, mais magros, e então se briga.

E isso sem falar na situação dramática dos espaços urbanos. E fora a violência pelo espaço e pelo pão, ainda existe a violência pela pura diversão, como espetáculo. Haverá nada mais brutal do que uma tourada? E o boxe? Milhares de pessoas enlouquecidas ante dois brutamontes seminus, se matando aos socos?

Nas batalhas modernas acabaram-se os combates a espada e lança, depois que se inventou a pólvora. E depois se inventou a dinamite, ainda mais mortífera. E logo se chegou à bomba atômica: uma só mata milhões. E se ainda se mantém uma paz relativa, em muitas partes da Terra, é porque uns têm medo dos arsenais dos outros. Já pensou na quantidade imensa de explosivos que existe armazenada nesses arsenais espalhados por todo o mundo? Daria, talvez, para liquidar não só com o nosso planeta, mas com todo o sistema solar!

Nos hinos e nos discursos, nas pregações religiosas clamamos que "som os todos irmãos". Verdade. Somos irmãos, desde Caim e Abel.


Editorial

A DISPUTA PELO “SOCIAL”

A população carente de São Paulo vem sendo contemplada, nos últimos meses, com uma espécie de superoferta de programas sociais. A vontade dos governantes de ajudar os menos favorecidos é tanta que o governo estadual e as prefeituras, em especial na Grande São Paulo, acabaram na condição de "concorrentes", com idênticos programas de ações sociais disputando o mesmo público-alvo. Não há nenhuma dúvida de que toda a ajuda destinada a combater a pobreza merece apoio. Porém também não restam dúvidas de que a proximidade das eleições incentiva mudanças tão significativas no destino das verbas públicas.

O projeto Banco do Povo, lançado pelo governo do Estado - para concessão de empréstimos a pequenos empresários e cooperativas, com juros bem inferiores aos de mercado -, também foi implantado em diversas prefeituras, algumas vezes com o mesmo nome. No município de Santo André, por exemplo, a linha de "crédito social" compete com a da agência similar estadual disputando clientes pelo juro mais baixo. Os nove restaurantes do projeto Bom Prato do governo estadual, que oferecem refeições subsidiadas, também já enfrentam "concorrência". Em Guarulhos, a administração petista abriu o Restaurante Popular Solidário, bem perto da sede local do Bom Prato estadual. O preço é o mesmo - R$ 1,00 por refeição - nos dois restaurantes.

As crianças das famílias carentes da capital são atendidas pelo programa Renda Familiar Mínima da Prefeitura. Essas mesmas crianças também compõem o público-alvo do programa estadual Renda Cidadã, que segue os mesmos critérios do municipal: a permanência da criança na escola é premiada com ajuda financeira aos pais, tudo muito parecido com o programa do governo federal chamado Bolsa-escola. Desse modo, a família carente paulistana pode, enfim, comemorar o fato de as três instâncias de poder - a federal, a estadual e a municipal - estarem preocupadas com a permanência de suas crianças na escola.

Em todas as pesquisas deste período de campanha sobre o que mais preocupa o eleitor, o desemprego, ganha disparado. Por essa razão, a "concorrência" para ajudar quem não tem emprego aumentou muito. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, criou a Operação Trabalho que garante emprego por nove meses na limpeza de ruas ou praças por um salário de R$ 315, competindo diretamente com as Frentes de Trabalho do governo estadual que pagam bolsa-auxílio de R$ 190 mensais por quatro dias de trabalho semanais, mais a obrigatoriedade de freqüentar cursos de capacitação profissional. Oferecer empregos a jovens também é objetivo comum às administrações municipais e estadual.

Essa superoferta de programas sociais, bem-vinda por todos os títulos, cria no entanto certa preocupação com respeito ao custo final sobre os orçamentos públicos. A obrigatoriedade de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal imporá aos próximos governantes eleitos o judicioso equacionamento da conta dessa competição - que, aliás, seria menor para as prefeituras e para o governo estadual se se fizessem convênios para evitar duplicidade de esforços com idêntico objetivo. Em benefício da população, esperemos que se encontrem fórmulas capazes de manter os programas, e até de expandi-los, sem romper com a LRF e sem cair na demagogia.


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05/07/2002


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