Garotinho ataca









Garotinho ataca
Candidato do PSB foi agressivo para se credenciar como adversário do petista durante o último debate do primeiro turno. José Serra foi criticado pelos três adversários. Líder nas pesquisas, Lula derrapou ao falar sobre imposto. Ciro pouco apareceu

O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não sabe o que é a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide). Não sabe que é esse imposto compulsório, embutido no preço dos combustíveis, que são tirados recursos para manter as rodovias brasileiras. Se a tática dos adversários de Lula era encontrar algum exemplo concreto de que o petista pode não ter preparo ou informação suficiente para governar, o mérito foi obtido pelo candidato do PSB, Anthony Garotinho.

Ele perguntou a Lula se o candidato pretendia manter a Cide, imposto criado pelo ex-ministro dos Transportes Eliseu Padilha no governo Fernando Henrique Cardoso. Lula passou a divagar sobre intervenção econômica. Garotinho ensinou a Lula: ‘‘Cide não é órgão. Cide é imposto’’. Lula viu-se obrigado a tomar um longo gole de água, atarantado. ‘‘Nem o Lula sabe que esse imposto existe. Todos nós pagamos, e as estradas continuam em péssimo estado’’, emendou Garotinho. No terceiro bloco do último debate do primeiro turno, na TV Globo, Lula falhou pela primeira vez nos três debates ocorridos no primeiro turno. Eram 23h30. A pouco mais de três dias da eleição.

Pior para Serra que o único golpe contra Lula que realmente entrou tenha sido dado por Garotinho, o candidato com mais chances de tirá-lo do segundo turno Serra falhou nas suas tentativas de desestruturar Lula. Tranqüilo, porém, depois de um início tenso, Lula começou a responder com tiradas bem-humoradas e tomou conta da situação. Serra comentou que o município de São Paulo cobrava uma das passagens de ônibus mais caras do país, R$ 1,40. ‘‘Faço campanha todo o dia em São Paulo e nunca ninguém reclamou do preço da passagem de ônibus. Você, que nunca andou, reclama’’, respondeu Lula, sorrindo. Serra respondeu que aquele era um exemplo da importância da experiência. Ele, como ministro da Saúde, baixara o preço dos medicamentos contra a Aids. Na réplica, Lula demoliu Serra. Lembrou os aumentos de tarifas públicas no atual governo. ‘‘O cidadão paga o preço da gasolina de acordo com o aumento do dólar. Paga a luz de acordo com o aumento do dólar. Que controle de tarifa é esse?’’, perguntou Lula. Serra emudeceu.

Antes de golpear Lula com a Cide, Garotinho fizera uma primeira tentativa de acertar Lula. A pergunta era sobre seca. O candidato do PSB afirmou ser a favor do projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Lula lembrou que alguns governadores nordestinos defendem o projeto, e outros não. E emendou: ‘‘Nunca vi o primeiro-ministro do Canadá dizer que ia combater a neve. A seca é uma questão natural. É preciso combater a fome que é conseqüência da seca’’. Garotinho provocou: ‘‘Lula, em respeito a mim, que votei em você duas vezes. Em respeito aos seus eleitores. Você é contra ou a favor? Você nessa campanha não responde nada’’. Lula respondeu que o debate sobre a transposição do São Francisco dura já 153 anos. ‘‘Se tudo fosse oito ou oitenta, não haveria problema no mundo. Essa questão é complexa. Não há tanta água assim no rio São Francisco. É muita água para o caminhãozinho do Velho Chico’’. Apesar do bom-humor, porém, Garotinho tinha razão. Lula, de fato, não foi objetivo sobre suas idéias sobre nenhum dos temas debatidos, fosse tarifas públicas, seca ou modificações na Consolidação das Leis do Trabalho.


Troca de voto em cima da hora
Eleitores brasilienses acompanharam pela TV as discussões dos candidatos sem muito entusiasmo

Discutir política, mesmo que seja em família, é tarefa para lá de complicada. Principalmente quando cada pessoa pensa de um jeito diferente. Na casa dos Prado o clima era de disputa. O casal de professores Hélio e Maria da Graça, casados há 28 anos, não entrou em consenso nessas eleições. Ele vota no tucano José Serra (PSDB). Ela, por sua vez, não vai com a cara do ex-ministro da Saúde. Preferiu o economista Ciro Gomes, do PPS. A filha mais velha, Juliana, 26, faz coro à opinião da mãe. Já o caçula, Paulo, 20, sonha ver o Lula-lá, no Palácio do Planalto. Apesar das diferenças, todos se reuniram ontem — no apartamento da 104 Norte — para assistir ao debate entre os presidenciáveis da Rede Globo.

Mas, pouco antes do programa começar, a primeira debandada. Juliana deixou o barco familiar para ancorar no Pier 21 e se divertir com as amigas. ‘‘Lá não tem televisão’’, fez questão de frisar. ‘‘Não vou mudar meu voto mesmo’’. O estilo global polido não agradou muito aos que ficaram. ‘‘Tá muito morno’’, reclamou dona Graça, que, apesar de cirista, não se intromete no voto dos outros. ‘‘Aqui é uma democracia’’.O patriarca seu Hélio, fernandohenriquista convicto, aproveitou a pergunta sobre educação para tirar onda com o candidato do filho. ‘‘Vamos ver se o Lula entende do assunto’’, provocou. Ao que Paulo, estudante de direito e escudado pela amiga Hanna, convidada de última hora, reclamou. ‘‘Eu vejo virtude no FHC, mas ele não consegue ver uma qualidade no Lula’’. Crise em família.

Mas o governismo de Hélio durou pouco. Ante a avalanche de problemas desfilada por Ciro Gomes na era FHC, ele trocou seu voto de Serra para o cearense. Depois, meio que caiu na real. ‘‘É... todas as propostas são muito parecidas’’, disse. ‘‘Vou votar em branco. O mais bem preparado é o Bonner.’’

No Carpe Diem
Enquanto o jornalista William Bonner ainda apresentava as regras do debate, um grupo de teatro amador invadiu o salão Empório do restaurante Carpe Diem, na Asa Sul, surpreendendo os clientes que esperavam o começo do debate diante de uma TV de 48 polegadas. O Grupo Assalto interpretou alguns versos, parodiando a política brasileira de Tancredo Neves à Fernando Henrique.

Assim que os atores deixaram o local, o economista Edson Regis Soares aumentou o volume da TV, mesmo estando a menos de meio metro do aparelho. Coçando o bigode com a mão direita passou a observar tudo atentamente. A psicóloga Márcia Pontier deixou a confortável varanda do restaurante para acompanhar o debate em pé. ‘‘Vou esperar o intervalo para ir para casa’’.

Em uma mesa, a cientista política Laura Frade anotava no verso de um livro os comportamentos dos candidatos. Para ela, o fato de estarem em pé influiria no desempenho de cada um. ‘‘Assim eles ficam mais cansados e, possivelmente, menos agressivos’’, avaliou. Os garçons tentavam, entre o atendimento de um pedido e outro, se inteirar das propostas dos candidatos. ‘‘E aí, como está o debate’’, perguntou o garçom Rômulo Airton para Epitácio. A resposta estava nas anotações de Laura Frade. ‘‘Não tem muita novidade. Aparentemente, todos estão tranqüilos. Nervoso mesmo, só o Bonner’’.


Neopetistas de Norte a Sul
Nas últimas semanas, o presidente do PT, José Dirceu, vem costurando apoios a Lula nos estados. O partido explora os ódios e conveniências de cada disputa regional para conquistar adesões

‘‘Com os apoios que vêm sendo realizados pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, com os mais diversos políticos dos mais diversos partidos, ele vem mudando seu programa. Gostaria de saber qual é o verdadeiro programa do candidato. É interessante observarmos os apoios de que ele dispõe hoje, como, por exemplo, toda a família do doutor José Sarney’’. Essas frases não foram ditas no debate de ontem da TV Globo. Nem fazem parte dos programas do candidato do PSDB à Presidência, José Serra. Sã o do ex-presidente Fernando Collor, no primeiro debate do segundo turno das eleições presidenciais de 1989.

Nesse primeiro encontro, que as pesquisas apontam ter sido ganho por Lula, Collor centrou suas críticas na amplitude do leque de alianças que o candidato do PT construía naquele momento, com as adesões à sua candidatura do PDT de Leonel Brizola e do PSDB de Mario Covas. Na ocasião, Lula não aceitou o apoio do PMDB de Ulysses Guimarães. Treze anos depois, a política de alianças de Lula volta a ser um dos principais pontos de crítica dos seus adversários. A diferença é que, desta vez, o petista buscou ampliar seus apoios ainda no primeiro turno.

‘‘Tenho feito nos últimos dias um trabalho de varejo. Cada prefeito que consigo, cada deputado estadual, são mais dez mil, vinte mil votos’’, diz o presidente do PT, José Dirceu. Baseado nessa tese, Dirceu não se decepcionou com o recuo do presidente do PDT, Leonel Brizola, que cogitou romper com o candidato do PPS, Ciro Gomes, e anunciar apoio oficial a Lula. Na verdade, o próprio presidente do PT desaconselhou Brizola a fazer isso. Como um dos principais líderes da Frente Trabalhista — a aliança de Ciro —, o apoio de Brizola poderia ser mais emblemático do que a dose ideal para Lula neste momento. ‘‘A eleição não está definida. Pode haver segundo turno. E vamos querer o apoio de Ciro’’, explica Dirceu. Se Brizola rompesse com Ciro às vésperas da eleição, o candidato do PPS ficaria desmoralizado. A situação criaria um problema pessoal de Ciro com o PT, semelhante à querela que ele já tem com José Serra. O apoio oficial de Brizola agora, sem a certeza de que garantiria a vitória no primeiro turno, poderia gerar a neutralidade de Ciro mais tarde.

Divergências regionais
O PT, portanto, preferiu se concentrar nos estados, explorando as divergências regionais e as conveniências políticas em cada região para angariar apoios. O resultado é que em todos os estados Lula obteve alguma dissidência nos partidos dos seus adversários (leia quadro). No caso do PDT, por exemplo, as frases de Brizola no final da semana passada animaram alguns políticos a aderirem a Lula. Isso ocorre, por exemplo, no Espírito Santo, na Bahia e em Minas Gerais, onde o presidente do PDT no estado, José Maria Rabelo, está com o candidato petista. Ainda na Frente Trabalhista, há o apoio do candidato do PTB ao governo do Espírito Santo, Max Mauro.

O PMDB é a legenda que mais apoios estaduais fora da coligação oficial vem conferindo a Lula. O senador José Sarney (PMDB-AP) garantiu ao partido a adesão tanto de seu partido como do PFL no Maranhão. No Paraná, Lula conta com o grupo do senador Roberto Requião, candidato ao governo. Todo o PMDB da Paraíba apóia Lula. O mesmo ocorre em Santa Catarina, no Tocantins e no Piauí. Em São Paulo, há o grupo do senador Orestes Quércia. No Rio, 120 políticos ligados ao deputado estadual Jorge Picciani. Em Rondônia, o apoio ainda velado do senador Amir Lando.

Mesmo entre companheiros de partido de Serra, Lula conta com simpatias. É o caso do vice-governador do Acre, Edson Cadaxo. Ou dos tucanos do movimento Lu-Ma (Lula-Marconi Perillo, governador e candidato à reeleição pelo PSDB em Goiás).

Ampla base
O problema de Lula será, passada a eleição, acomodar toda essa ampla base de apoios caso chegue ao governo. Essa dificuldade, inclusive, foi apontada na edição de ontem pelo jornal britânico Financial Times, que tem dedicado um bom espaço às eleições brasileiras. ‘‘Um dos grandes desafios do candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, caso seja eleito, será agradar sua ampla e heterogênea base de apoio’’, escreve o jornal. O jornal observa que a recepção que os tradicionais eleitores petistas costumam dar ao candidato a vice-presidente na chapa de Lula, José Alencar, é sempre mais fria. Esses eleitores também implicam com as adesões de Sarney ou do governador de Minas, Itamar Franco, diz o FT.

A cúpula petista garante que não haverá esse tipo de problema. Para garimpar seus apoios, o PT buscou explorar ódios e diferenças regionais, caso, por exemplo, de Sarney. Na ótica de um integrante da cúpula do PT, Sarney, de certa forma, não tinha outra alternativa. Apóia Lula para obter o propósito de se vingar de Serra, a quem atribui a demolição da candidatura à Presidência de sua filha, Roseana Sarney.

O senador maranhense, porém, não deverá ficar de mãos abanando num eventual governo Lula. O PT cogita apoiar a sua candidatura à Presidência do Senado. Em troca, o PMDB formaria com o PT um bloco na Câmara e daria ao partido a presidência entre os deputados. É possível que o próximo presidente da Câmara seja José Dirceu. Para o PT, são adesões que ocorrerão mais por uma questão de sobrevivência política, sem maiores exigências de contrapartida. Como, por outro lado, o PT não poderá governar o país sozinho, o tempo dirá quem tem razão.


Ação para coibir compra de votos
Juiz proíbe saques acima de R$ 10 mil nas agências bancárias do Acre após receber denúncias de troca de apoios por dinheiro. No Pará, TRE derruba cassação de Simão Jatene, acusado de uso da máquina administrativa na campanha

O corregedor eleitoral do Acre, Pedro Francisco da Silva, proibiu saques acima de R$ 10 mil em todos os bancos do estado, ontem e hoje. A decisão do corregedor visa coibir a compra de votos. Retiradas acima desse valor só poderão ser feitas com a autorização do próprio Pedro Francisco da Silva, com a identificação do titular da conta bancária e justificada a razão do saque. O Acre tem uma das eleições mais conturbadas do país, e são muitas as denúncias de compra de voto em pleitos anteriores.

Além disso, os gerentes das agências bancárias terão de informar o nome de todas as pessoas, físicas e jurídicas, que efetuaram saques acima de R$ 10 mil desde o dia 23 de setembro. As agências bancárias que descumprirem essa determinação estão sujeitas a multa, também no valor de R$ 10 mil, e poderão responder por crime eleitoral. ‘‘O processo de formação da vontade do eleitor não está imune à fraude’’, diz o corregedor. ‘‘A Justiça Eleitoral tem recebido diversas denúncias de que candidatos estão oferecendo vantagem em dinheiro em troca de voto’’, continua.

No Pará
O Tribunal Regional Eleitoral do Pará derrubou ontem a cassação da candidatura de Simão Jatene (PSDB) ao governo do estado. Por 4 votos a 1, os juízes decidiram que denúncias de uso da máquina administrativa eram improcedentes por falta de provas e asseguraram o direito do candidato tucano disputar o pleito.

Jatene teve o registro da candidatura cassada pelo juiz federal auxiliar Gláucio Maciel na sexta-feira passada. Apoiado pelo governador Almir Gabriel, Jatene foi acusado de usar aviões do governo e servidores públicos em sua campanha.

Na mesma sentença, Maciel decidiu multar em R$ 20 mil o governador Almir Gabriel (PSDB) e cassar a candidatura do deputado federal Raimundo Santos (PL) pelo uso da máquina do governo estadual. Estas sentenças foram suspensas pelo TRE na quarta-feira.

A representação que resultou na cassação de Jatene foi ajuizada pelo candidato a vice-governador pela Frente Trabalhista, deputado Giovanni Queiroz (PDT). Os advogados da Frente informaram que irão recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a decisão.

Mesmo com a vitória no TRE, a candidatura de Jatene continua sub judice, informou o procurador eleitoral do Pará, Ubiratan Cazzeta. Ele deu parecer favorável à cassação.

Após as eleições, a Procuradoria Eleitoral do Pará também pedirá à corregedoria do TRE uma investigação judicial sobre o caso. A Procuradoria Eleitoral também ouvirá testemunhas, como os pilotos dos aviões que teriam sido utilizados na campanha.

A denúncia foi baseada em documentos públi cos e oficiais como a agenda de viagens do governador e de Jatene e o Diário Oficial do estado, onde constam 67 diárias pagas a servidores nas mesmas viagens. Além de uma fita de vídeo, com duração de três horas e vinte minutos, que mostra o suposto uso dos aviões por assessores da campanha nos municípios de Ourilândia do Norte e Tucumã no dia 4 de agosto.

A última pesquisa Ibope no Pará, divulgada quarta-feira e realizada entre os dias 20 e 22 de setembro, Jatene aparece em primeiro lugar com 37%. Na segunda posição há empate técnico entre os candidatos Ademir Andrade (PSB), com 24%, e Maria do Carmo (PT), com 20%. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.


Previsão de inflação mais alta
Os repasses da alta do dólar para os preços ao consumidor, especificamente sobre os alimentos, levaram o coordenador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Heron do Carmo, a elevar a previsão do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para o ano de 4,5% para 5,5%. A última revisão do IPC para 2002 foi feita na metade do ano, quando a onda de reajustes das tarifas públicas elevou a projeção anual de inflação de 4% para 4,5%.

‘‘Essa revisão se deve aos preços dos alimentos e ao impacto do câmbio sobre os preços de vários produtos que compõem o índice’’, disse Carmo. A questão, segundo ele, é que não há sinalização no curto prazo de que essas pressões possam ser revertidas. ‘‘É provável que depois das eleições o governo autorize reajuste dos preços de gasolina e gás de cozinha’’, disse ao explicar as possíveis pressões que a inflação poderá sofrer até o fim do ano.

Ele também citou a mudança na projeção do mercado para o câmbio no final do ano, que passou de R$ 2,98 para R$ 3,03, divulgado na última segunda-feira pelo boletim Focus, preparado pelo Banco Central com analistas. ‘‘Naturalmente, como toda previsão, se ocorrer algo mais sério, como um ataque dos Estados Unidos ao Iraque, ou uma confusão na ocupação de cargos após a eleição, pode haver uma instabilidade no mercado. Isso causaria uma mudança no cenário’’, disse Heron do Carmo.

A inflação de 0,76% registrada pelo IPC-Fipe no município de São Paulo no mês passado é inferior ao índice de agosto, 1,01%, mas é a maior taxa para um mês de setembro desde 1999, quando o IPC foi de 0,91%. Em 2000, a taxa atingiu 0,27% e, em 2001, 0,32%. O economista e coordenador da pesquisa do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), Heron do Carmo, avalia, porém, que não é possível comparar setembro deste ano com o mesmo mês de 1999. Naquele ano, a inflação sofreu o impacto da mudança cambial.

O economista destacou ainda que setembro é um mês tradicionalmente de inflação baixa. Segundo ele, tanto em setembro deste ano como em 2001, quando ocorreram os atentados terroristas nos Estados Unidos, a inflação foi pressionada pelo dólar.

Há outro indicador de que a inflação consolidou a trajetória de alta. Os preços subiram 2,39% no comércio varejistas de São Paulo em setembro, segundo o IPV (Índice de Preços no Varejo), calculado pela Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo). De acordo com a entidade, o percentual ultrapassou todas as expectativas de avanço de preços feitas anteriormente. Os economistas da Fecomercio-SP esperam no início de setembro que a evolução dos preços seria de, no máximo, 1,50%. Assim, a alta de preços no acumulado de 12 meses encerrados em setembro chega a 11,23%. No ano, até o mês passado, o resultado atinge 8,45%.

Diante desses números, os economistas da entidade já aceitam ‘‘como muito provável’ uma variação do IPV de dois dígitos neste ano. A Fecomercio também prevê que o IPA (Índice de Preços do Atacado), calculado pela Fundação Getúlio Vargas, ‘‘não deve ficar abaixo de uns 15%’. Os técnicos ponderam, entretanto, que a elevação de alguns índices, como o de atacado e mesmo o de varejo, ‘‘ainda não é sintoma de uma explosão inflacionária, que se concretizaria na subida dos índices de custo de vida’’. Porém alertam que trata-se de ‘‘sinal de perigo e não deve ser subestimado’’.


Insegurança eleva dólar
Empresas compram a moeda americana para pagar dívidas no exterior, temendo que cotação suba por causa das incertezas eleitorais. Receosos sobre o futuro da economia brasileira,investidores retiram dinheiro do país

À espera dos resultados das eleições presidenciais de domingo, os investidores voltaram a puxar os preços do dólar para cima. Ainda que não se tenha percebido o clima de histeria do início da semana, a moeda norte-americana cravou alta de 0,95% ontem, sendo vendida por R$ 3,70 no câmbio comercial. A cotação do dólar, segundo especialistas, tem sido puxada, em parte, pelas saídas de dinheiro para o exterior. Sobretudo por meio das chamadas CC-5, as contas de não residentes do país.

As empresas brasileiras endividadas no exterior estão usando essa janela para remessas de recursos, com o intuito de quitar seus débitos antes do vencimento. Como os títulos dessas companhias vêm sendo negociados com descontos elevados, está sendo uma boa medida antecipar pagamentos. Segundo informou ontem o Banco Central, de janeiro a setembro deste ano, as remessas de dinheiro por meio das CC-5 totalizaram US$ 6,850 bilhões. É um volume 67% maior que o enviado no mesmo período de 2001.

No mês passado, as remessas pelas CC-5 alcançaram US$ 1,386 bilhão, 55% acima do total enviado em setembro de 2001. Outro dado relevante: em setembro, o BC queimou US$ 2,492 bilhões das reservas cambiais do país, valor correspondente a 83% dos US$ 3 bilhões recebidos do Fundo Monetário Internacional (FMI), a primeira parcela do empréstimo de US$ 30 bilhões acertado em agosto.

Também na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) é crescente a fuga de recursos. Deixaram o pregão paulista no mês passado R$ 511 milhões. No acumulado do ano, o saldo dos investimentos estrangeiros já está negativo em R$ 2,163 bilhões. Desde 1998, quando o Brasil quebrou em meio à crise da Rússia, não se via volumes tão grandes de envio de dinheiro para o exterior tanto por meio das CC-5 quanto por meio da Bovespa. A saída de recursos do país tem um fator comum: a insegurança o futuro da economia do país após a eleição.

A saída maciça do capital externo da bolsa paulista não impediu, porém, que os preços das principais ações fechassem a quinta-feira em alta. O Ibovespa, índice que mede a lucratividade da Bolsa de São Paulo, fechou em alta de 3,62%. Os C-Bonds, títulos da dívida externa brasileira mais negociados no exterior, tiveram valorização de 3,62%, cotados a 53,6 centavos de dólar. Essa subida deve ser atribuída à ação do Banco Central, que há três dias consecutivos vem recomprando papéis. Como conseqüência, o risco Brasil caiu 5,85%, encerrando o dia nos 2.027 pontos. Na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F), os juros subiram. Nos contratos de novembro, as taxas passaram de 18,58% para 18,65% ao ano. Nos com vencimento em dezembro, os juros saltaram de 19,49% para 19,55% ao ano.

Segundo o professor Fábio Fonseca, do Ibmec Business School, a cotação do dólar oscilou durante todo o dia, mas com volume de negócios bem reduzido. Houve uma espécie de ajuste de posições, porque os investidores desejam dólares em caixa, mas não em grandes quantidades, pois ainda não dá para arriscar todas as fichas na vitória de Lula no domingo. O professor lembrou, também, que as atenções do mercado estiveram voltadas para o debate de ontem à noite, na Rede Globo.

Para os analistas, o clima ainda é de incerteza no quadro eleitoral. Por isso, a posição do mercado é de cautela. O candidato do governo e preferido do mercado, José Serra (PSDB), está em segundo lugar nas pesquisas, mas pode perder para Lula (PT) ainda no domingo.


Artigos

Um detalhe
Demarcou-se o respeito aos humanos direitos, expressão tão cara a certos candidatos, na qual não costuma estar incluído o povo favelado, via de regra encurralado entre a violência de bandidos e a violência policial

Sueli Carneiro

No meio do intenso bombardeio em que está imerso o governo de Benedita da Silva no Rio de Janeiro em função das novas faces que o tráfico de drogas vem adquirindo naquele estado e o impacto negativo que suas ações têm tido sobre a candidatura da governadora surpreendem a lucidez e sensibilidade de Elio Gaspari. Em artigo na Folha de S. Paulo de 2 de outubro, comentou as reações de diferentes candidatos e autoridades aos últimos atos de intimidação e demonstração de força de traficantes à população do Rio de Janeiro, que na sua avaliação oscilaram entre a irresponsabilidade pública e a manipulação política.

Diz ele: ‘‘O 30 de setembro qualificou Benedita da Silva para o exercício do governo do Rio de Janeiro. Pode ser que todos os outros dias do ano, inclusive os próximos, façam dela a mais desqualificada dos candidatos, mas a governadora deu uma lição de compostura aos seus descompostos adversários. Conseguiu essa condição quando disse que ‘o que está em jogo é a democracia, isso não atinge apenas o processo eleitoral, mas a democracia’’’.

Antes disso, Bené já nos indicava o seu apego às práticas democráticas do Estado de direito como princípio inegociável, inclusive na esfera da segurança pública, acenando com a possibilidade de haver luz no fim desse túnel tenebroso em que se transformou a ação do crime organizado no Rio de Janeiro e no resto do país: prendeu-se Elias Maluco e, de toda a extensa cobertura de sua prisão um detalhe nesse fato, ficou recorrentemente voltando em minha mente.

Não sei se é um fato corrente na prática policial. Sei que nunca havia ouvido antes falar em algo assim: milhares de mandados de busca e apreensão foram expedidos para que os policiais pudessem entrar nas casas dos moradores no morro em que Elias Maluco estava escondido. No meu imaginário paranóico, não há registro de um antecedente dessa natureza. Nele está registrado apenas a imagem de policiais invadindo violentamente os barracos das favelas e espalhando pânico e desespero na gente honesta e indefesa da comunidade.

Nada semelhante a isso ocorreu na prisão de Elias Maluco. Nada também da máxima ‘‘bandido bom é bandido morto’’. Nenhum disparo. O repúdio ao arbítrio como resposta à violência. Ao contrário, a esperança de um processo justo, que resgate a dignidade da sociedade pela intransigente aplicação das regras processuais que assegurem a condenação e punição dos crimes hediondos por ele cometidos e que sobretudo demarque a diferença de métodos e procedimentos que não permitem jamais que nos assemelhemos aos marginais que abominamos. Em respeito e homenagem à memória de Tim Lopes.

Prendeu-se Elias Maluco. Nenhuma vítima inocente. Demarcou-se nesse episódio o respeito aos humanos direitos, expressão tão cara a certos candidatos, na qual não costuma estar incluído o povo favelado, via de regra encurralado entre a violência de bandidos e a violência policial.

Isso acontece no governo popular e democrático de uma mulher negra, ex-favelada, em que democracia é qualificada, entre outras coisas, como a garantia de não haver uma política de segurança para o morro e outra para o asfalto. Em que os milhares de mandados expedidos têm o poder simbólico de emprestar alguma dignidade e cidadania a seres humanos sistematicamente humilhados. Um fato inusitado para mim que acena com a possibilidade de emergência de um novo paradigma no trato dessa temática.

Marilena Filinto, em um de seus últimos artigos, diz que o que se exige de um governante é que ele conheça as reais condições em que vive o seu povo. Que tenha percepção, sensibilidade, ‘‘experiência de miséria, enfim, humanidade. Que tenha sabedoria de que é o saber e a prudência que nascem do coração’’.

Obrigada, Bené, por nos fazer continuar acreditando que é possível ...


Editorial

TRANSIÇÃO MADURA

O presidente Fernando Henrique Cardoso deixa um exemplo a ser seguido pelos próximos ocupantes do Palácio do Planalto. O modelo de transição de governo adotado nesta sucessão demonstra que o Brasil deu mais um passo na consolidação da democracia. A decisão de indicar uma comissão de 50 funcionários públicos para trabalhar em conjunto com os futuros administradores reforça o sentimento de maturidade institucional atingido pelo país nos últimos anos.

Tudo foi preparado para que os próximos três meses sejam um exemplo de profissionalismo nos altos escalões da República. A inspiração para a fórmula de transmissão de cargos foi buscada nos Estados Unidos, país acostumado com o clima de estabilidade política existente hoje no Brasil. De acordo com a orientação transmitida pelo presidente, haverá transparência absoluta nas informações repassadas ao próximo governo, qualquer que seja o vencedor das eleições.

O primeiro sinal do salto democrático foi o convite ao diálogo feito por Fernando Henrique aos quatro principais candidatos a presidente. Na ocasião, as conversas serviram para acalmar o mercado financeiro em relação às intenções dos concorrentes ao Planalto. Todos se comprometeram por escrito a cumprir os contratos deixados pelo governo, gesto importante para os tempos de turbulência econômica vividos no mundo todo e, particularmente, no Brasil.

A crise internacional torna ainda mais necessária a realização de transição profissional. Qualquer indício de intranqüilidade interna servirá de pretexto para ações especulativas do mercado financeiro. Bem-informados, os próximos governantes terão desde cedo argumentos sólidos para rebater as análises tendenciosas feitas no exterior sobre a economia nacional.

A maturidade na transmissão de governo tem papel importante também para o público interno. Aos poucos, os brasileiros vão-se acostumando com a normalidade democrática conquistada com muito sacrifício nas duas últimas décadas. No passado, foi muito diferente. O presidente João Figueiredo deixou o Palácio do Planalto pela portas dos fundos para não passar a faixa para o sucessor, José Sarney. O vice Itamar Franco assumiu desorientado pelo impeachment do titular Fernando Collor. Agora o país aprende como é que uma transição deve ser feita.


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10/04/2002


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