Garotinho culpa Ciro por desemprego
Garotinho culpa Ciro por desemprego
CAMPINAS (SP). O pré-candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, decidiu atacar mais duramente o adversário da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB), Ciro Gomes. Segundo pesquisa divulgada no sábado, Ciro teria passado Garotinho e estaria hoje em terceiro lugar na disputa presidencial.
— Se Fernando Henrique Cardoso é o pai do desemprego, Ciro é o tio — disse Garotinho durante a inauguração da sede regional do PSB em Campinas.
Garotinho disse que o desemprego começou a aumentar com as medidas adotadas por Ciro no Ministério da Fazenda em 1994, que, segundo ele, permitiram as importações desordenadas, com prejuízos para os produtos nacionais.
O ex-governador do Rio também disse discordar dos resultados dos institutos de pesquisa que mostram que o candidato do PSDB, José Serra, está em segundo lugar.
— Serra está caindo mais nas pesquisas do que cacho de bananeira podre — disse.
Garotinho afirmou que os pré-candidatos do PSDB e da Frente Trabalhista representam a continuidade do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e que apenas ele e o pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, representam a proposta de mudança.
Garotinho: Lula deveria ter se preparado mais
Embora tenha afirmado que os dois são contra o governo, na disputa eleitoral, Garotinho fez críticas a Lula.
— Ele é um homem honesto e trabalhador, mas não tem experiência executiva. Deveria ter se preparado mais para ser presidente. Não é possível ir à faculdade sem passar pelo primeiro grau e pelo colegial e fazer o vestibular — disse, esquecendo-se que já não existem mais o primeiro grau e o colegial, hoje chamados de ensino fundamental e ensino médio.
A equipe econômica também não foi poupada. O principal alvo de Garotinho foi o presidente do Banco Central, Armínio Fraga.
— Se ele está com dificuldade de enxergar as minhas propostas, como ele disse hoje (ontem), vou comprar um óculos com grau bem afinado para ele — disse.
O presidente do Banco Central afirmou que a maioria das propostas econômicas apresentadas até o momento pelos pré-candidatos ainda não está clara ou não é viável.
Ciro muda a estratégia para tentar conquistar descontentes com governo
BRASÍLIA. O pré-candidato da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB) à Presidência, Ciro Gomes, já traçou uma estratégia para tentar se viabilizar como opção para o eleitorado que ainda teme votar na oposição mas não simpatiza com a candidatura de José Serra, do PSDB. Ciro já amenizou os ataques ao governo e ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
Agora, o pré-candidato do PPS tentará resgatar sua passagem pelo Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco, lembrando que ajudou na implantação do Plano Real num dos momentos mais delicados do programa de estabilização enquanto, segundo afirma Ciro, Serra trabalhava contra. A expectativa de seus aliados é de que até o fim do mês Ciro ultrapasse Serra nas pesquisas e se consolide na segunda colocação da disputa presidencial.
— Ciro se colocará como alternativa moderada de oposição. Não é uma oposição incendiária nem fará pose de bom moço modelado por marqueteiros como está acontecendo com Lula (o petista Luiz Inácio Lula da Silva). Vamos buscar os votos dos descontentes com o governo e da oposição moderada — confirmou o líder do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ).
Segundo o presidente nacional do PTB, deputado José Carlos Martinez (PR), seu partido já havia acertado com Ciro que não gostaria que ele fizesse ataques diretos a Fernando Henrique, com quem os petebistas ainda mantêm uma relação cordial. O presidente nacional do PPS, senador Roberto Freire (PE), também aprova a nova estratégia e concorda que Ciro deve explorar os resultados de sua atuação como ministro da Fazenda:
— Além de honestidade, o eleitorado exigirá do novo presidente competência e experiência. Relembrar o papel de Ciro na implantação do Plano Real num dos seus momentos mais difíceis é importante — disse Freire.
Um crítico de FH assume o Planalto
BRASÍLIA. Ele jura que o presidente Fernando Henrique pode viajar para Roma e Madri despreocupado porque, enquanto estiver com a caneta na mão para fazer o que quiser como presidente da República interino, não tomará qualquer decisão que provoque sobressaltos ao governo ou à política econômica. Um dos mais ácidos críticos das medidas de Fernando Henrique, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio de Mello, ocupará de amanhã até terça-feira da semana que vem o gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto.
Por sete dias, os poderes da República serão chefiados por interinos: o vice-presidente Marco Maciel está na Finlândia. Os presidentes da Câmara, Aécio Neves, e do Senado, Ramez Tebet, irão com Fernando Henrique para a Europa. E o STF estará sem Marco Aurélio.
Para marcar sua passagem pelo Planalto, Marco Aurélio disse que não assinará medidas provisórias, não se sentará na cadeira do titular e usará o sofá e a mesa de convidados para as audiências. E mandou avisar aos funcionários do Judiciário que, embora defenda reajuste salarial para a categoria, nada fará para viabilizar aumentos ou implementar o novo plano de cargos e salários.
— Há uma mesa enorme no gabinete, com 12 cadeiras. Não tem necessidade de eu me sentar na cadeira do presidente. Vou usar o sofá — disse.
Marco Aurélio já tem agenda cheia. Magistrados, procuradores da República, antigos amigos da OAB e do Tribunal Superior do Trabalho agendaram audiências para prestigiá-lo no Planalto:
— Sou católico, mas não vou levar santos comigo. Só peço a Deus que me ilumine para fazer tudo certo nessa passagem pela Presidência. Serei um simples zelador tomando conta da casa.
Segundo ele, não está em seus planos reunir ministros ou líderes para entrar na guerra pela aprovação da prorrogação da CPMF. Ele diz que o Congresso deveria aprovar logo a medida, mas afirma que não pretende articular para que a votação seja agilizada:
— Se o presidente Fernando Henrique não conseguiu até agora, não serei eu, um simples mortal, que vou conseguir! Prefiro esperar que ele volte.
Marco Aurélio não pretende aumentar a pilha de medidas provisórias que atravancam a pauta do Congresso:
— Não existe nenhuma urgência ou qualquer matéria de apreciação obrigatória nesses dias. Não será necessário que eu assine medida provisória.
Aos amigos, Marco Aurélio diz que vê sua ida para o cargo maior da República como uma ironia do destino:
— Se Collor tivesse me nomeado para a primeira vaga que abriu no Supremo no seu governo, iriam dizer que, por ser meu primo, ele estaria me beneficiando. Só fui nomeado na segunda vaga. Se tivesse sido nomeado na primeira, nunca chegaria à Presidência. Para a primeira vaga foi nomeado Carlos Velloso.
A experiência se repetirá: em julho, Fernando Henrique viajará para a Argentina e o Equador. Em agosto, irá para a África do Sul participar da conferência sobre biodiversidade da Rio+10.
O Planalto anunciou ontem que, quando concluir seu mandato, o presidente Fernando Henrique presidirá o recém-criado Clube de Madri. Seu nome foi escolhido por unanimidade para presidir o clube, composto por 22 ex-chefes de Estado e de governo como Bill Clinton, dos EUA, Mikhail Gorbatchov, da antiga União Soviética, e Felipe González, da Espanha. Segundo nota da entidade, o Clube de Madri “tem como objetivo trabalhar em favor do fortalecimento da democracia em todo o mundo e ajudar os países que estão iniciando um processo de democratização”.
Lula defende livre mercado e critica ‘terrorismo barato’ de bancos de fora
O pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, aproveitou ontem uma entrevista a correspondentes estrangeiros para mandar recados aos investidores estrangeiros. Defendeu o livre comércio, disse que pretende honrar os compromissos da dívida brasileira, respeitar a renegociação da dívida externa com o FMI, negociar as reformas tributária e trabalhista e manter a estabilidade econômica com controle da inflação. Em entrevista aos jornalistas brasileiros depois do encontro, o petista chamou de terrorismo barato as análises que atribuem as oscilações do mercado financeiro ao seu crescimento nas pesquisas de intenção de voto.
— É preciso começar a dar os nomes de quem afirma isso com tanta nitidez. Há gente com uma tentativa de criar um clima de terrorismo na sociedade. E deve ter espertinho ganhando dinheiro com isso. Acho que é politicamente errado, economicamente irresponsável e criminoso fazer terrorismo barato seis meses antes das eleições — afirmou o petista.
Para ele, as quedas na Bolsa de Valores e as retiradas de fundos não podem ser vinculadas ao seu crescimento:
— Isso nunca aconteceu na história e eu já estive com 47% no segundo turno em 89. Isso é quase um movimento especulativo. Tem gente querendo ganhar dinheiro.
Lula defende ação mais firme do Brasil na OMC
Na entrevista depois do encontro, Lula defendeu uma ação mais firme do Brasil na Organização Mundial de Comércio (OMC). No mesmo tom adotado pelo pré-candidato tucano, José Serra, ao falar do tema Lula disse que os países ricos pregam o livre comércio mas criam barreiras aos produtos brasileiros.
— Acho que o Brasil tem que discutir isso na OMC. É lá que o Brasil precisa fazer com que seus representantes briguem para que haja uma relação mais equânime — disse o petista, respondendo à pergunta sobre a aprovação de subsídios aos produtos americanos nos Estados Unidos.
O petista lembrou que, em janeiro de 2003, começam as negociações para a criação da Alca e disse que, nos moldes atuais, o acordo parece mais uma anexação:
— O livre comércio é uma coisa muito boa se houver participação justa entre os países. A Alca, tal como está, parece mais uma política de anexação do que de integração. É preciso criar mecanismo de proteção aos países em desenvolvimento como a União Européia criou para Portugal, Grécia e Espanha.
Segundo o porta-voz do petista, André Singer, Lula disse aos correspondentes que os investidores estrangeiros não serão atraídos por altas taxas de juros nem por oferta de patrimônio público a ser privatizado.
Ele prometeu uma política industrial mais ousada para poder oferecer aos investidores um mercado produtivo, mão-de-obra qualificada e infra-estrutura.
Aos jornalistas curiosos sobre as mudanças de Lula e de seu partido, o petista respondeu que o PT continua sendo um partido de esquerda, “o maior da América Latina”. Mas disse que hoje é um político mais maduro.
Para ele, seria incoerente continuar o mesmo numa sociedade que mudou.
Ele prometeu também, segundo Singer, que se for eleito a negociação será um aspecto sagrado no governo.
Para os petistas, não se pode criar grandes expectativas que não possam ser cumpridas.
Lula diz que sistema político brasileiro é capenga
Ao participar de manhã do seminário sobre reforma política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj), Lula disse que encomendou ao Instituto da Cidadania um projeto de reforma política.
— Ainda temos a mesma formação, oriunda do regime militar, capenga, de partidos fragilizados e legendas de aluguel. É um absurdo, e se não começarmos a fortalecer os partidos políticos, não vamos fortalecer o processo democrático — afirmou Lula.
Segundo ele, mesmo a verticalização das coligações, que parecia ser uma coisa boa, na prática foi feita com endereço certo: garantir a hegemonia de determinada força política.
Lula comentou o programa de TV do PT, dirigido para o público feminino, junto ao qual o petista tem menos votos do que entre os homens.
— Como o Brasil é um país de cultura machista, é preciso que usemos as campanhas para elevar o nível de participação das mulheres e para contribuir para o nível de consciência das mulheres. Foi para isso que fizemos aquele programa e vamos continuar falando um pouco mais dos problemas das mulheres e das soluções — explicou Lula.
Para o petista, o impacto de seu programa de TV foi o melhor possível e lembrou que foi a primeira vez que sua história teve mais destaque que as propostas do partido.
Petista é favorável a eleição em Cuba
Eleições em Cuba, abertura do diálogo entre o presidente Hugo Chávez e a sociedade venezuelana e rejeição a um terceiro mandato para Fernando Henrique Cardoso. Esses foram alguns dos temas abordados pelo pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em entrevista na Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira, segundo seu porta-voz, André Singer.
— Eles (os cubanos) acreditam na organização política que têm. Posso concordar ou não, mas não é um problema meu. Quero que os cubanos decidam seu destino, assim como os americanos, o seu. Cada um deve cuidar da sua casa e eu já farei muito se não me meter na poeira dos outros — afirmou Lula mais tarde, ao ser perguntado por jornalistas brasileiros sobre a democracia em Cuba.
Quando esteve em Cuba em dezembro de 2000, Lula discursou a favor de eleições livres no Palácio Presidencial de Havana. Sob os olhares de Fidel Castro, Lula defendeu o direito do povo cubano ao voto e de “escolher seu caminho com liberdade”.
Lula disse aos correspondentes estrangeiros que, quando visitou a Venezuela, recomendou a abertura do diálogo entre o governo e a sociedade.
Segundo Singer, os correspondentes quiseram saber se o pré-candidato temia ser impedido de tomar posse, caso eleito. Lula respondeu que não tem essa preocupação porque o Brasil amadureceu:
— Quem ganhar leva, quem ganhar, governa — afirmou.
De acordo com Lula, FH não deseja um terceiro mandato
Ao comentar os boatos de que haveria possibilidade de um terceiro mandato de Fernando Henrique, Lula disse que este não é um desejo do presidente. Na entrevista aos correspondentes estrangeiros, Lula respondeu a uma pergunta sobre a sua relação com o partido trabalhista inglês. Segundo Singer, Lula explicou que houve um azedamento nas relações com os trabalhistas ingleses depois que Tony Blair apoiou Fernando Henrique.
Mesmo assim, quando Blair veio ao Brasil disse à Marta Suplicy que receberia Lula, quando ele fosse à Londres. Singer explicou que o encontro só não ocorreu porque, desde então, o petista não esteve na Inglaterra.
FH sanciona lei de incentivo à indústria audiovisual
BRASÍLIA. Diante de cerca de 50 atores e cineastas, o presidente Fernando Henrique sancionou ontem, no Palácio da Alvorada, a lei que garante uma nova fonte de investimentos para a indústria audiovisual. A partir de hoje, os canais estrangeiros transmitidos pelas TVs por assinatura poderão optar por investir 3% da sua remessa de lucros para o exterior em co-produções em vez de destinar à indústria nacional 11% do montante, taxa em vigor desde março.
O produtor Luiz Carlos Barreto, que atuou como porta-voz da classe artística, afirmou:
— O Estado reconhece que precisa de cinema e dá a ele o direito à cidadania. Tudo isso é um começo que encaramos com muita esperança.
FH: R$ 500 milhões investidos desde 1995
Bem à vontade ao lado dos artistas, o presidente dispensou o texto preparado pelo cerimonial e discursou de improviso. Ele destacou que desde 1995 foram investidos R$ 500 milhões na produção audiov isual e que o público nos cinemas aumentou de 1,3 milhão para 7,4 milhões de pagantes por ano. O presidente aproveitou para alertar sobre os riscos da globalização da economia no setor cultural, chamando a atenção para a necessidade de preservação dos valores nacionais.
— Cinema é um instrumento importante de afirmação de identidade nacional. O fato de você ter uma produção econômica globalizada não pode significar que você vá ter uma homogeneização cultural. E muito menos que você vá deixar à margem os interesses nacionais — disse.
A nova legislação tem como objetivo principal estimular a parceria entre produtores estrangeiros e nacionais.
Antes, as emissoras de TV a cabo não tinham a opção de investir em co-produções.
A nova lei também prevê arrecadação de uma contribuição dos canais nacionais de TV a cabo que exibirem produções importadas. Nesse caso, porém, o pagamento será feito por título exibido, a partir de 1 de junho.
A estimativa é que 80% da programação das TVs por assinatura sejam compostas por programas estrangeiros.
Com a lei, a expectativa é que a produção nacional consiga ganhar uma fatia na grade de programação.
Apesar do entusiasmo, as contas foram refeitas e a direção da Agência Nacional de Cinema (Ancine) já é mais realista em relação à arrecadação em geral. A estimativa inicial era que, com as mudanças na Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, a arrecadação passaria de R$ 3 milhões para R$ 83 milhões. O cálculo agora é de uma arrecadação de R$ 40 milhões.
Pesa na mudança o fato de que as grandes distribuidoras de cinema resolveram brigar na Justiça contra a contribuição adicional de 11% sobre remessa de lucros para o exterior. Na prática, nenhum centavo chegou à indústria nacional de cinema por causa de liminar concedida pela Justiça Federal no Rio.
Atores e diretores prestigiam cerimônia
A sanção da nova lei foi motivo de festa e levou várias personalidades de destaque da área cinematográfica e da televisão ao Alvorada. Fernando Henrique discursou ao lado dos atores globais Thiago Lacerda e Júlia Lemmertz, que estava acompanhada do marido, Alexandre Borges.
Também prestigiaram a cerimônia os diretores Daniel Filho, Zelito Viana, Andrucha Waddington e Carla Camurati, entre outros. A produtora Paula Lavigne e a atriz Betty Faria também ocuparam lugar de honra, próximo ao presidente, durante a cerimônia, na Biblioteca do Alvorada.
Artigos
Lição de indigenismo
Pedro Rogério Moreira
Orepórter Possidônio Bastos era meu colega na redação do GLOBO, no Rio, início da década de 1970. Tinha 25 anos e um rosto de serafim. Vivíamos aquele período trepidante da vida nacional conhecido como Milagre Econômico. O Centro-Oeste e a Amazônia estavam sendo rasgados por rodovias. Implantavam-se, no sertão bruto, projetos agrícolas, pecuários e minerais.
Milhares de brasileiros, uns movidos pela esperança, outros pela ganância, buscavam um lugar ao sol neste novo eldorado. Os choques dessas levas humanas com os antigos moradores da floresta, os índios, foram inevitáveis.
Possidônio passou a registrar o nosso far-west em reportagens memoráveis. Encantou-se com o trabalho dos indigenistas que tentavam assegurar aos índios um cordão de segurança diante do avanço dos tratores na mata virgem.
Já era, o jovem repórter, dotado de espírito público, e deve ter recebido um complemento de brasilidade na convivência com os sertanistas Francisco e Apoena Meireles, e Sidney Possuelo, filhos espirituais do marechal Cândido Rondon, nosso grande humanista, talvez o mais eminente brasileiro do século passado.
Possidônio decidiu integrar-se neste apostolado, abandonando a profissão de jornalista que ele tanto honrou.
Os colegas tentaram demovê-lo da idéia, tida como amalucada; mas ele estava possuído daquela decisão irrevogável, tal e qual o jovem da Idade Média que ouve o chamado de Deus e se interna no mosteiro, pronto para se tornar um santo, ou segue para a Cruzada, pronto para se tornar um mártir.
Sua primeira missão foi participar da frente de atração dos cintas-largas, nos confins de Mato Grosso, divisa com Rondônia. Estes índios habitam a região cortada pelo Rio Roosevelt, que já tinha sido Rio da Dúvida — belo nome! — até que foi cartografado corretamente na expedição chefiada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt, e então rebatizado por Rondon numa homenagem ao estadista e naturalista americano.
Nesta expedição, década de 20, Roosevelt e Rondon tiveram contatos esporádicos com os cintas-largas.
Cinqüenta anos depois, quando Possidônio lá chegou, os cintas-largas davam sinais claros de ojeriza aos brancos que devassavam suas terras em busca dos tesouros da floresta.
Os índios, no entanto, aceitaram os contatos iniciais da frente de atração. Ia tudo aparentemente tão bem que a Funai deixou Possidônio sozinho, no ermo do Roosevelt. O noviço no portal do Paraíso.
Numa manhã sossegada, os guerreiros atacaram o tapiri que lhe servia de morada. Incendiaram o abrigo.
Possidônio morreu como um São Sebastião: flechado muitas vezes. Encontraram depois sua arma, intacta, o que nos remete à célebre oração de Rondon: “Matar, nunca; morrer se preciso for.”
Trinta anos depois deste evento, já perdido na história da nossa moderna marcha para o oeste, O GLOBO publica neste maio de 2002 reportagem sobre os cintas-largas da atualidade. Os caciques estão milionários. Os índios que eles lideram, uns na pobreza, outros, remediados.
É mais ou menos o que acontece no mundo dos brancos. O cacique João Bravo é fotografado ao lado de sua possante caminhonete do ano. Tem uma bela casa, cheia de gueriguéris eletrônicos. João devia ser menino quando a tribo massacrou Possidônio para alertar os brancos que não destruíssem a natureza. Adulto, João e outros quatro caciques formaram com os brancos uma comandita para explorar os veios de diamante do Rio Roosevelt. Os índios entram com a falta de caráter; os brancos, com o que sabemos fazer desde que o Padre Eterno nos expulsou do Paraíso. A pistolagem corre solta. A destruição da floresta também.
É inegável: os cintas-largas, depois que mataram Possidônio, deram um salto cultural gigantesco: deixaram a idade da pedra polida para entrar direto na era do automóvel envenenado, do exibicionismo à la “Casa dos Artistas”, do desprezo pela natureza. Nós soubemos como civilizá-los. Possidônio, não.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel
Fim da cordialidade
Se até o presidente Fernando Henrique, o mais afável dos tucanos, já defende um endurecimento do candidato José Serra e do PSDB no trato com Lula e o PT, é sinal de que estão no fim os dias de campanha polida e cordial entre as duas forças políticas. A entrada do publicitário Nizan Guanaes na campanha tucana reforça essa inclinação para o confronto.
Os trinados de guerra ainda são tímidos, não pregam abertamente a demonização de Lula. Nem é necessário, pois disso está se encarregando o mercado com seu ataques nervosos. Mas, nas reuniões da semana passada, já se chegou à conclusão de que Lula não pode mais ser tratado com condescendência. “como se não houvesse diferença alguma entre ele e Serra”, no dizer do líder do PSDB no Senado, Geraldo Mello (RN).
O presidente, por natureza e temperamento, sempre preferiu convencer a digladiar. Talvez esteja estimulando a contragosto a nova tendência, preferindo que Serra repetisse seu próprio comportamento nas campanhas de 1994 e 1998, quando não precisou atacar diretamente Lula. Agora, extremamente preocupado com os r umos da campanha, vendo crescer o rancor do PFL e a desunião entre os próprios tucanos, teria concluído que Serra terá de pôr a cordialidade de lado. Carece também o candidato de vocação para a pancadaria, preferindo o confronto de idéias. Até porque, diferentemente de Fernando Henrique, preservou laços e canais com a esquerda, ali tem aliados e colaboradores. Mas ao desejo está se impondo a necessidade.
Por ora, falam os tucanos em “explicitar diferenças”. E como elas não estão nas propostas de governo — semelhantes, alinhadas ao centro e pautadas pela responsabilidade econômica — devem estar nos atributos pessoais de um e de outro. Até aí, também é do jogo. Mas não está claro qual será o limite dos tucanos na estratégia de desqualificar o adversário.
— Estamos percebendo essa orientação para o confronto, mas se depender de nós a campanha continua sendo elevada e propositiva — diz o presidente do PT, José Dirceu.
Nizan tem negado que seja o portador de um discurso belicoso e agressivo. Sua tarefa, diz, será ajudar a traduzir as idéias e a realizar a estratégia do candidato, não elaborá-la. Mas se a ordem for essa, seu currículo mostra que não terá dificuldade para executá-la. No ano passado, o programa do PSDB por ele dirigido rebateu o mote do programa do PT, feito por seu êmulo profissional Duda Mendonça. Ao refrão “você pode até não saber mas no fundo é também um pouco PT”, Nizan respondeu com um personagem abominável, o cunhado folgazão, que nada faz e tudo critica, para o qual alguém recita o refrão petista. Serra, na época, não gostou. Nem os tucanos. Mas a situação agora é outra.José Serra inaugura amanhã seu QG de campanha em Brasília, num hotel desativado que o PSDB alugou. Com a casa física montada, talvez fique mais fácil arrumar a casa política.Os nervos do mercado
Nada houve ontem no cenário eleitoral que justificasse o nervosismo do mercado. Mesmo assim o dólar e a taxa de risco subiram, a Bolsa e a cotação dos títulos brasileiros caíram. Até a embaixadora americana, Donna Hrinak, achou um exagero. De Londres, o embaixador Celso Amorim informa que tem feito contatos regulares no meio financeiro, com instituições tais como os bancos HSBC, LLoyds TSB, Dresdner KW e Rothschild. E todos lhe asseguram que conservam uma visão positiva do Brasil e a disposição de manterem aqui seus investimentos. Também acham que está havendo “reação excessiva” às pesquisas.
Para o deputado petista Aloizio Mercadante, os bancos estão tentando recuperar aqui o prejuízo que tiveram recentemente na Argentina. Acrescenta outras quatro explicações. Estaria o mercado, em segundo lugar, reagindo à piora dos indicadores da economia brasileira, tais como a queda de 11% nas exportações e a redução de 23% nas importações. Fortes sinais de recessão, diz Mercadante, que sugerem perda de arrecadação e não-cumprimento das metas fiscais. Some-se a isso o atraso na votação da CPMF por conta do que chama de irresponsabilidade fiscal do PFL. Um terceiro fator, o desgaste não só do candidato tucano como do próprio governo com a denúncias que envolveram Ricardo Sérgio. E, por último, o fator eleitoral, embora faltem quase seis meses para o pleito.
— Estão tentando jogar nas costas de Lula esse conjunto de fatos negativos que não derivam diretamente da eleição — diz Mercadante.
Mas esta semana duas pesquisas serão divulgadas (Vox Populi e Datafolha) e novos tremores virão.
O SENADOR Tião Viana (PT-AC) nega ter entregado ao procurador Luiz Francisco o dossiê que teria dado origem à última denúncia ligando José Serra a Ricardo Sérgio, no caso do Banco do Brasil. “Não o faria porque não opero com baixaria. E em matéria de dossiês o procurador dispensa auxiliares”. O PT do Acre, que sempre foi aliado dos tucanos, lamenta que o PMDB esteja exigindo uma aliança local que as bases tucanas estariam rejeitando.
MAIS UMA ação afirmativa do governo para negros, depois da versão de ontem do Programa de Direitos Humanos. O diretor do Instituto Rio Branco, ministro João Almino, lança hoje a bolsa-prêmio de “vocação diplomática” para negros. Para amorenar um pouco mais o Itamaraty.
Editorial
ATRASO PENAL
Entende-se que as leis guardem alguma distância das tendências de modernização dos costumes.
Compreende-se que o legislador tenha cautela em não legislar para uma minoria. Mas o inverso também é verdadeiro: uma legislação atrasada e retrógrada é tão daninha para a sociedade quanto códigos excessivamente avançados.
Temos como exemplo o Código Penal. Escrito em 1940, e até hoje mantido em sua essência, o conjunto de leis criminais brasileiras mostra-se perigosamente defasado em vários pontos. Um deles refere-se aos crimes sexuais, tratados em sua grande maioria como delitos de ação penal privada. Ou seja, neles não pode haver ação do Ministério Público. Quer dizer: vítimas de estupros, para exemplificar, precisam elas mesmas depor e contratar advogado para tentar punir o criminoso. O Ministério Público não pode ajudá-las por iniciativa própria. É portanto alto o custo emocional e financeiro das vítimas. O princípio advém da idéia — hoje anacrônica — de que esses são delitos de foro íntimo.
O recém-descoberto escândalo do médico paulista Eugênio Chipkevitch é ilustrativo. Implicado, com sólidas provas, em atos de abuso sexual contra crianças e jovens, a condenação dele depende da acusação formal de suas vítimas. Se vier a ser condenado sem esse rito, o julgamento será, muito provavelmente, declarado nulo.
É assim para uma série de crimes sexuais, o que garante impunidade para muitos criminosos. Basta a vítima recusar-se a depor para encaminhar a acusação formalmente — atitude bastante compreensível.
Essa falha do Código Penal poderá ser corrigida por meio de um projeto de lei que acaba de ser apresentado pelo senador Lúcio Alcântara. E as demais imperfeições? Estas dependem de uma comissão de revisão criada ainda no governo Itamar Franco, quando Maurício Corrêa era ministro da Justiça.
Entre idas e vindas e trocas de ministros, nove anos depois de instalada a comissão ainda não se tem uma proposta coerente de atualização do Código Penal. Enquanto isso, o crime evolui e faz cada mais vítimas.
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05/14/2002
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