Ibope confirma Lula perto de vencer no 1.º turno
Ibope confirma Lula perto de vencer no 1.º turno
Pelo levantamento, petista sobe de 39% para 41% e, com 48% dos votos válidos, volta a estar a 2 pontos de se eleger já no dia 6
O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, subiu 2 pontos porcentuais e passou de 39% para 41%, segundo a última pesquisa de intenção de votos realizada pelo Ibope, divulgada ontem no Jornal Nacional, da Rede Globo. José Serra (PSDB) oscilou 1 ponto para baixo e foi de 19% para 18%.
Como a margem de erro é de 1,8 ponto porcentual, para mais ou para menos, Serra está tecnicamente empatado com Anthony Garotinho (PSB) em segundo lugar. O ex-governador do Rio, pela quarta rodada consecutiva, oscilou 1 ponto para cima, chegando a 15%. Ele ainda está tecnicamente empatado com Ciro Gomes (PPS), que perdeu 2 pontos e caiu de 14% para 12%. Os votos em branco e nulos passaram de 5% para 4% e o índice de indecisos foi de 9% para 10%.
Com isso, Lula voltou a ter 48% dos votos válidos (soma de todos os votos, menos os em branco e nulos), o que significa que ele está a 2 pontos de se eleger no primeiro turno. Para que não haja segundo turno, um candidato precisa atingir 50% dos votos válidos mais um voto.
Nas simulações feitas pelo Ibope para o segundo turno, Lula continua vencendo todos os adversários. Se a disputa fosse com Serra, o candidato petista venceria por 55% a 35%. Ele aumentou sua distância em relação ao tucano, já que no último levantamento o índice era de 51% a 37%.
Num confronto com Ciro, Lula se elegeria por 56% a 32% (na semana passada, a diferença seria de 52% a 34%). Se disputasse o segundo turno com Garotinho, o candidato petista ganharia por 55% a 34%.
De acordo com Fátima Pacheco Jordão, analista de pesquisas eleitorais e consultora do Grupo Estado, o resultado da última pesquisa do Ibope, além de indicar uma chance maior de a eleição ser definida ainda no primeiro turno, deixa a dúvida sobre quem, se houver o segundo turno, disputará a Presidência com Lula. “O Ibope delineou um quadro em que Garotinho, apesar de ser num movimento pequeno, vem crescendo constantemente”, diz ela.
“Não significa que Serra esteja perdendo votos para Garotinho, podem ser movimentos independentes”, ressalva. “Mas a candidatura tucana tem mostrado desgaste lento, e Serra está numa estabilidade não muito segura no segundo lugar.”
Oscilações – Lula havia perdido 2 pontos na pesquisa anterior, divulgada sexta-feira, passando de 41% para 39%. O levantamento foi feito entre os dias 17 e 19, o mesmo período em que Serra usou o horário eleitoral gratuito para fazer as críticas mais contundentes a Lula.
Na opinião de Fátima, o levantamento anterior pode ter captado um desgaste do petista, mas não mostrou os efeitos da resposta que o PT deu às críticas no programa do dia 19.
“A resposta do PT foi rápida, precisa e eficaz. Lula não fez papel de vítima, como havia feito Ciro.
Ele foi informativo, atendeu a uma demanda básica do eleitor”, avalia. “Serra, por outro lado, viu a perda de eficácia da sua ‘moeda de troca’, que era o emprego. Todos questionaram sua capacidade nesse quesito.”
A pesquisa, encomendada pela Rede Globo, foi feita entre os dias 21 e 24. Foram ouvidos 3 mil eleitores em 203 municípios.
Serra e Garotinho estão em situação de empate técnico
A pesquisa do Ibope divulgada ontem confirmou as tendências apontadas pelo levantamento do Datafolha, divulgado no sábado. O Datafolha havia mostrado um crescimento de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de 4 pontos (foi de 40% para 44%), queda do tucano José Serra (de 21% para 19%), oscilação positiva do candidato do PSB, Anthony Garotinho (de 14% para 15%), e queda de Ciro Gomes, do PPS, que foi de 15% para 13%.
No Datafolha, como no Ibope, há um duplo empate técnico. Como a margem de erro é de 2 pontos, Garotinho está no limite do empate técnico com Serra. Ao mesmo tempo, o ex-governador do Rio empata tecnicamente com Ciro.
Apesar de a taxa de Lula apresentar variação nos dois levantamentos (41% no Ibope e 44% no Datafolha), em ambos ele tem 48% dos votos válidos. A justificativa para isso são os votos em branco e nulos e os indecisos, já que são descontados no cálculo de votos válidos. No Datafolha, há 3% de votos em branco e nulos e 5% de indecisos. No Ibope, são 4% de votos em branco e nulos e 10% de indecisos. Por isso, a base para o cálculo no Datafolha é 92 pontos e, no Ibope, 86 pontos.
INTERTITULO/INTERTITULOVale destacar que o intervalo entre as duas últimas rodadas do Datafolha foi de dez dias (a penúltima foi feita dia 9 e a última, nos dias 19 e 20). Já o intervalo do Ibope foi menor – na semana passada foram feitos levantamentos entre os dias 14 e 16 e outro, entre os dias 17 e 19.
Segundo Fátima Pacheco Jordão, analista de pesquisas eleitorais, a diferença do período de campo das pesquisas pode justificar a diversidade dos números. “É comum haver grandes deslocamentos do eleitorado nesta fase em que as campanhas também se deslocam muito”, diz ela. “O Datafolha pode ter captado um momento em que Lula realmente estava mais fortalecido.”
Outro fator que pode influenciar o resultado, para Fátima, é o método de cada instituto. O Ibope faz pesquisas domiciliares, ou seja, aborda os eleitores em suas casas. O Datafolha faz abordagens em pontos de grande movimento dos bairros. “As donas de casa, os aposentados e os eleitores mais velhos, em geral, não ficam tanto na rua. Eles são, portanto, mais bem representados pelo método do Ibope”, diz a analista.
Para Ciro, alta do dólar é culpa do governo
Candidato prevê que descontrole da moeda americana trará a inflação de volta
NOVA FRIBURGO – O candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, previu ontem que a alta do dólar provocará, em breve, a volta da inflação ao Brasil e responsabilizou a política econômica do governo pelo descontrole da moeda americana. Segundo ele, não é necessário ser economista para entender o que está acontecendo.
“Quando um País é muito dependente de coisas que importa do estrangeiro, isso (o aumento do dólar) significa dizer que o povo está empobrecendo de forma acelerada e a inflação está batendo à porta para voltar com grande força”, afirmou ele, em discurso na Câmara de Vereadores de Nova Friburgo, cidade da região serrana do Rio. “Quem come pão, quem come macarrão, e isso é uma comida básica do nosso povo, precisa saber que mais da metade do trigo que faz o pão e o macarrão é importada do estrangeiro e paga em dólares. Se a nossa moeda se desvaloriza, quer dizer que vamos precisar cada vez de mais recursos para pagar o mesmo pão. E o nome disso é inflação, é arrocho salarial.”
Ciro afirmou que não há motivação político-eleitoral para a alta do dólar no mercado brasileiro.
Segundo ele, a moeda americana não está subindo por causa das eleições, mas por causa da fragilidade das contas externas brasileiras. Para o candidato, o problema é simples: falta dólar e há muita procura. “O governo brasileiro produziu o maior rombo em contas externas do País”, disse. “E induziu ao endividamento externo o empresariado brasileiro. Resultado prático: o Brasil tem uma montanha de dólares para pagar ao estrangeiro, e lá fora ninguém quer mais financiar o Brasil.”
Ele acredita que os credores externos “não são vítimas da propaganda daqui de dentro e sabem que a irresponsabilidade do nosso governo passou da conta”. Para Ciro, o governo está atuando para conter a desvalorização. “O problema é que a demanda é muito maior do que a capacidade do governo de tourear isso.”
O candidato disse que o presidenciável do PSDB, José Serra, apagou de sua biograf ia o fato de ter sido ministro do Planejamento e, portanto, membro da equipe econômica do governo “quando quebraram o País”. “Era um dos membros do Conselho Monetário Nacional quando manipularam o câmbio para fazer a reeleição (do presidente Fernando Henrique Cardoso) a qualquer preço. Participou de todas as mal-cheirosas privatizações.”
Ciro sorriu quando lhe pediram que comentasse a mudança tática de Serra em relação a Luiz Inácio Lula da Silva, na qual o tucano, depois de atacar o petista, resolveu recuar. “O que eu vou comentar disso? Ele (Serra) é o senhor da guerra”, disse. “Não tendo méritos, só sabe fazer isso: atacar, agredir e insultar.”
Desembarque – Mesmo acreditando na capacidade de virada de Ciro, o candidato ao Senado pelo PFL Antonio Carlos Magalhães já não tem o empenho de antes na candidatura do presidenciável do PPS. “Tem exatamente 17 dias que não falo com o Ciro”, afirmou ontem ACM.
O ex-senador avalia que a campanha de Ciro cometeu muitos erros. “O Serra atacava e o Ciro não respondia. Também demorava demais a ir ao Tribunal Superior Eleitoral contra as provocações e insinuações que saíam nas revistas e nos jornais.”
De qualquer forma, ACM nega qualquer desentendimento com o presidenciável. Para o ex-senador, os erros na campanha de Ciro foram cometidos, sobretudo, por seu staff – comandado pelo irmão Lúcio e pelo cunhado Einhart Jacome.
FHC pede equilíbrio para conter instabilidade
Ele diz que avanços podem “esboroar-se em poucos meses” e cobra visão de longo prazo da oposição
BRASÍLIA – Alarmado com a alta do dólar, o presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a advertir ontem que a estabilidade econômica e a perspectiva de desenvolvimento podem se “esboroar em poucos meses” se houver mudança de rumo e não forem mantidos os avanços obtidos no País. Num dia em que o dólar bateu em R$ 3,81, ele usou o discurso da solenidade de lançamento do programa de apoio ao agronegócio para atacar a oposição e o Movimento Sem-Terra (MST), que apóia o PT, e cobrar uma visão de longo prazo dos seus adversários. Mais tarde, através de seu porta-voz, Alexandre Parola, voltou a manifestar preocupação com a instabilidade da moeda, reiterando que “a elevação do dólar é passageira e as variáveis fundamentais da economia brasileira são sólidas”.
No discurso, Fernando Henrique fez defesa enérgica de seu governo. A 12 dias das eleições e sob a ameaça de o PT vencer a disputa já no primeiro turno, disse ter convicção de que o País não voltará a enfrentar as dificuldades que ele encontrou. “Porque o Brasil terá maturidade para seguir rumo de um país que sabe o que custa o crescimento, o desenvolvimento econômico, o bem-estar da população e sabe que essas conquistas têm de ser retomadas e refeitas no dia-a-dia, porque elas se esboroam depressa”, argumentou. “E nós já vimos em mais de um momento esboroarem-se. Mas hoje temos muito mais experiência e consciência nacional de tal maneira de que tenho a convicção de que o que foi feito veio para ficar.”
O presidente demonstra estar preocupado com o comportamento do mercado financeiro. Nos últimos dias, disse que “poucos meses” podem ser suficientes para trazer de volta inflação, perda de rumo e fim da estabilidade. Na semana passada, admitiu não ter meios para conter a especulação. E ontem disse que a alta do dólar “não têm base na realidade, não tem nada a ver com economia real, o estado das contas públicas ou a balança de contas do Brasil”. Para ele, a alta “tem a ver com outros fatores, de outra natureza, externos e internos, que não estão ligados ao processo produtivo”.
Sem citar o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique voltou a ironizar o uso, pelo partido, de imagens de obras e programas federais. “Eu assisti no Pantanal às transformações que estão ocorrendo nessa área (a agrícola). São transformações tão boas que a oposição pôs na televisão hoje. Pôs na televisão como se fosse dela, que criticou o tempo todo, que não se fazia nada, que não se dava apoio nenhum”, disse. “Agora, é glória. Tomara. A glória não é minha, é do Brasil, porque avançamos.”
Para ele, o País “tem capacidade de avançar ainda mais e até de praticamente reverter a balança comercial, por causa dos grandes progressos da agricultura”. O presidente comemorou os resultados das exportações agrícolas, uma das principais bandeiras de todos os candidatos. “É só persistir que a famosa vulnerabilidade externa vai diminuindo.” O sucesso desses números, afirmou, “não se mantém com retórica”.
“Ninguém realiza avanços com palavras. Não se realizam avanços simplesmente com protestos, com reivindicações sem fim”, disse. “É preciso que se tenha capacidade de processar essas reivindicações e se encontre um caminho construtivo que leve a resultados, que não acontecem do dia para a noite.”
Invasões – Fernando Henrique condenou as invasões de terra e o apoio que setores da sociedade chegaram a dar a elas. “Hoje, haverá aqui ou ali uma invasão de terra, mas a sociedade já repudia isso. Houve momentos em que parecia que a sociedade estava sensibilizada e através de marchas e manifestos sem fim sitiava o governo, como se fosse o governo que não quisesse fazer a transformação na propriedade fundiária e não aqueles que atropelavam o processo em nome de ideais que não sei bem se eram propriamente o de ajudar os que não têm terra ou de atrapalhar o conjunto do País, visando a outro tipo de sociedade que não está ao alcance de ninguém nos dias que correm.”
“Mas mesmo isso passou. Mesmo essa febre que parecia ter tomado conta de todos, que empolgava setores que nada tinham a ver com o campo.” Num recado aos que apóiam invasões, advertiu: “Não nos enganemos. Tranqüilidade se conquista com a democracia – pela perseverança, pelo diálogo, esforço, seriedade, pela capacidade de dizer não, e sim, quando possível – e também se esboroa rapidamente.”
Lula fará convite a tucanos se vencer
Petista diz que PSDB tem ‘bons nomes’, mas não adianta quais poderiam compor sua equipe
Pela primeira vez desde que iniciou sua quarta campanha, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, admitiu ontem que, se for eleito, chamará tucanos para compor o governo.
“Certamente haverá pessoas do PSDB com as quais iremos conversar”, afirmou, numa referência ao partido do presidente Fernando Henrique Cardoso e do candidato José Serra. O petista disse que “tem gente boa dentro do PSDB”, mas não citou nomes. Depois, destacou que não só ele, como “todo mundo” do PT, tem “extraordinárias relações” com o tucanato.
As afirmações de Lula foram feitas durante o primeiro encontro promovido pelo Grupo Estado com os quatro principais concorrentes ao Palácio do Planalto. Bem-humorado, ele tentou desconversar, logo no início da série “Presidenciáveis no Estadão”, quando indagado se o PSDB poderia integrar um eventual Ministério. “Veja, eu tenho que tomar cuidado porque, senão, a manchete amanhã do jornal é a seguinte: ‘Lula faz aliança com o PSDB para governar’. E isso não me ajudaria neste momento”, comentou, rindo.
Em seguida, porém, repetiu que vê nomes qualificados não só no PT como em outros partidos.
Citou o PSDB, o PMDB e disse que, caso vença, o ministro da Fazenda não necessariamente será das fileiras petistas. “Tem extraordinários quadros que não estão em partido nenhum”, alegou.
Lula reiterou que, num possível governo do PT, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, não será mantido no cargo. Na tentativa de acabar com especulações, o petista foi taxativo: não planeja nomear ministros a “conta-gotas”, mas, sim, um “pacote” de uma só vez. “E cada ministro vai ter que conhecer corretamente como é o semi-árido nordestino para ver a fome de perto”, advertiu.
Depois de pedir para o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), conversar com Fernando Henrique sobre os motivos da alta do dólar, Lula disse que ligou na segunda-feira para o presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), Raimundo Magliano Filho. Na tentativa de desmontar a versão que liga o cenário de turbulência ao quadro eleitoral, Lula solicitou que os operadores do mercado de capitais expliquem por que a Bolsa está caindo.
Preocupado com a interlocução no Congresso, o petista revelou que, se chegar à Presidência, sua primeira tarefa será pedir aos partidos que indiquem os nomes mais expressivos para líderes. A idéia é estabelecer um canal permanente de negociação com o Parlamento para executar reformas, como a tributária. “E cabe ao presidente ter um exímio negociador para a relação entre o Executivo e o Legislativo”, completou.
Questionado se, no período de transição, aceitaria a proposta de Fernando Henrique de viajar com ele e conversar com a diretoria do FMI, respondeu que quer o encontro com o organismo internacional, mas, se vencer, o tempo será curto logo depois da eleição. “Já viajei com Fernando Henrique, é uma boa companhia”, brincou.
Lula defende voto facultativo
Políticos, em geral, não são muito afeitos a discutir política em público. Se não há meio de fazê-los debater com seriedade e consistência a reforma do sistema político-eleitoral, quem dirá votá-la. Consta que isso acontece porque política é o único assunto do qual os parlamentares efetivamente entendem.
Por isso surpreeende, numa conversa de duas horas, a ênfase que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva emprega na abordagem do tema.
O candidato resiste um pouco em discutir detalhadamente o assunto, porque a proposta de reforma política do PT ainda está sendo preparada por um grupo de acadêmicos.
Embora ressalte que tem opinião formada a respeito, ressalva que ela não representa consenso dentro do partido. Um exemplo de divergência é o voto obrigatório.
"Eu sou a favor do voto facultativo, mas não há concordância no PT sobre isso. Muita gente defende a manutenção da obrigatoriedade porque acha que ela amplia a participação popular e assegura a representatividade dos mandatos."
O candidato prefere acreditar que a legitimidade da representação está, na verdade, ligada ao grau de consciência do eleitorado e não necessariamente à sua amplitude: "A política ficará melhor e mais depurada quanto maior for a convicção com que o eleitor comparecer para votar."
Lula não concorda com o argumento - bastante comum à direita e à esquerda - de que o voto facultativo favorece a manipulação do eleitorado. Para ele, tanto esta tese quanto aquela da redução do universo de votantes são justificativas de quem não quer ter a obrigação do compromisso partidário nem o trabalho de conquistar o interesse da sociedade.
"O político que vá para rua e trate de motivar o eleitorado", recomenda o candidato, que considera fundamental o papel do Poder Executivo (entenda-se, o presidente da República) na indução do processo de reforma política.
Sem partidos orgânicos e um mínimo de seriedade de propósitos, Lula não vê como estabelecer relações institucionalmente adequadas entre Executivo e Legislativo. Na opinião dele, o PT deve assumir a tarefa - independentemente de ser governo, mas principalmente se vier a sê-lo - de levar esse debate à sociedade o quanto antes.
Inclusive porque, caso não se reorganizem as relações entre o Parlamento e o Palácio do Planalto, o próximo presidente não terá como escapar da armadilha que, em larga medida, ceifou boa parte da popularidade de Fernando Henrique Cardoso: a interlocução exclusiva com o Congresso, em detrimento do diálogo com os vários setores da Nação.
Adaptações
Um dos juízos difíceis de formar a respeito de Luiz Inácio Lula da Silva é se o atual discurso do candidato guarda relação exclusiva com a circunstância eleitoral ou se traduz um real amadurecimento de posições.
Fica sempre a dúvida. Opiniões manifestadas agora não são as mesmas externadas outrora e não houve no PT nenhum processo formal de autocrítica.
As adaptações, no entanto, são nítidas e ocorrem a uma velocidade que impressiona.
Parlamentar abúlico na Constituinte, Lula agora defende a honradez da profissão como se nunca tivesse dito que no Congresso há "mais de 300 picaretas".
Defensor recente da eficácia administrativa dos governos militares, depois de constatada a impropriedade da postura, o candidato não perde a chance de acrescentar críticas àqueles elogios.
Já se pode ouvi-lo chamando os generais de "megalômanos" e lembrando como à época havia "julgamentos sumários".
A versão modernizada também inclui a defesa da flexibilização dos encargos sociais das empresas, a retirada do Estado de vários setores da economia e a aplicação da lei - vale dizer, do princípio constitucional - com o recurso à desocupação no caso de invasão de propriedades privadas.
Um avanço, sem dúvida. Resta saber se tem prazo de validade.
O próprio
Na primeira fila da platéia, o deputado José Genoino, candidato ao governo de São Paulo, assistia entrevista de Lula quando o candidato a presidente se referiu a políticos adoradores de holofotes, "que não podem nem abrir a porta da geladeira e já saem dando declarações".
Genoíno afundou na cadeira de tanto rir.
No caso, humor auto-referido. Em Brasília é corrente a história: o deputado certa vez foi atropelado por um caminhão porque viu luz acesa, pensou que eram câmeras e microfones e partiu para cima.
"Pois é, graças a isso subi nas pesquisas", responde aos inconvenientes que lembram a ele a piada.
Artigos
O escândalo das aposentadorias
José Nêumanne
Suely Caldas trouxe a lume, domingo, neste jornal, um crime social que tem sido cometido impunemente no Brasil: a espoliação do trabalhador brasileiro por uma casta de privilegiados.
Segundo o especialista em Previdência Renato Follador, União, Estados e municípios destinam todo ano R$ 48,6 bilhões aos inativos do setor público, e a soma do que se investe em três áreas sociais capitais - saúde, educação e segurança pública - é de R$ 40 bilhões.
Sob qualquer ponto de vista, trata-se de um escândalo. O absurdo da diferença, do ângulo da isonomia, palavra tão cara (nos dois sentidos, significando querida ou onerosa) e freqüente no jargão burocrático nacional, se revela nas contas de um gráfico que ilustrou a notícia: cada servidor público aposentado custa anualmente (em reais de 2001) ao País R$ 14.590,95, 21 vezes o que recebe cada aposentado do setor privado (R$ 656,41) e 81 vezes o que é distribuído a cada criança de família muito pobre que recebe o auxílio da bolsa-escola de R$ 15 por mês (R$ 180).
Ainda há uma diferença que a estatística não flagra: todo trabalhador privado contribui para a aposentadoria, enquanto raro é o servidor público que tenha contribuído - e sempre que o presidente Fernando Henrique tentou corrigir essa desigualdade flagrante foi apedrejado pelos gigolôs dos "pobres velhinhos aposentados", que o derrotaram em todas as batalhas no Congresso.
Sob ponto de vista nenhum o sistema previdenciário público brasileiro faz algum sentido. Basta ver que a idade mínima para se aposentar no Brasil é de 53 anos para os homens e 48 para as mulheres, enquanto no Reino Unido e na França é de 60 para ambos, como para ambos na Alemanha é de 63 e na Holanda, de 65. A França, que dos países ricos é o mais burocratizado e também o que mais proteg e o serviço público, está na média da OCDE no valor porcentual da aposentadoria no setor público em relação ao último salário na ativa: 70% para o servidor que se aposenta com a idade mínima e 75% para o que se aposenta aos 65 anos, contra 100% em qualquer dos casos no Brasil. No Reino Unido, servidor aposentado com a idade mínima recebe 42% do último salário e 50% aos 65 anos.
Do ponto de vista da sustentação atuarial, o sistema brasileiro é...
insustentável. Com a palavra o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas: "O dramático é que o peso dos inativos e pensionistas (que hoje é apenas 1 milhão - 4% do número total) na dívida não-financeira da União passou de 6% em 1987 para 16% em 2001 (ou seja, praticamente triplicou). O dos beneficiários do INSS (rurais, assistenciais antigos e aposentados urbanos) passou de 19% para 39% (um pouco mais do que dobrou). E o dos benefícios novos obviamente saiu do zero para 6% do total."
Ninguém precisa ter tirado as melhores notas em Matemática na escola para perceber o risco embutido nesses números para as combalidas finanças públicas num país em que pacientes morrem nas filas dos hospitais públicos, crianças terminam analfabetas o segundo grau nas escolas públicas, recordes de acidentes fatais são batidos nas estradas públicas esburacadas e a economia vive sob a permanente ameaça do apagão. Também ninguém precisa ser um inimigo declarado dos "velhinhos" nem um ser humano absolutamente insensível para notar que o primeiro a ser atingido pela situação insustentável que isso está criando é o próprio aposentado, pois não está tão longe o dia em que o Estado simplesmente não vai conseguir mais honrar o compromisso de pagar os proventos deles.
Esse escândalo foi fabricado pelos constituintes de 1988, que privatizaram o Estado brasileiro, tomando dinheiro de quem trabalha, produz e consome na economia real e o dando de mão beijada a si mesmos, parentes, amigos, correligionários e apaniguados: em 1987, 25% da despesa não-financeira federal era destinada a "transferências para pessoas" (previdência, assistência social e seguro-desemprego); hoje, essa fatia cresceu para 61%.
Quem pagou esse pato e ficou com o mico na mão foi o cidadão comum, "sem parentes importantes", pois esse dinheiro tinha de ser tirado de algum lugar, e o foi dos investimentos: 51% antes da Constituição e 13% hoje.
Mas isso pertence ao passado. O futuro pertence a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que se recusou a assinar a Constituição, mas comandou a luta de 14 anos para evitar que se mudasse uma vírgula nela; a José Serra, do PSDB, que ajudou a escrevê-la; a Ciro Gomes, do PPS, que até agora não mostrou ter aprendido algo de útil a respeito; ou a Anthony Garotinho, do PSB, que representa o populismo que nos tem afundado nesse poço sem fundo.
Portanto, sem corda para nos içar, só nos resta rezar. De preferência para algum santo que não tenha uma boquinha no serviço público.
Editorial
A INIQÜIDADE DA PREVIDÊNCIA
Existem no Brasil cerca de 3 milhões de funcionários públicos dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo da União, dos Estados e dos municípios, que recebem aposentadoria. Desde 1991, todos os funcionários em atividade contribuem para sua aposentadoria, mas as distorções do sistema previdenciário são de tal forma graves que a diferença entre o que todo o funcionalismo pagou e aqueles 3 milhões de aposentados receberam no ano passado foi de R$ 48,6 bilhões, mais do que a União gastou, naquele ano, com os programas de saúde, educação e segurança somados. Essas informações constam de um estudo feito pelo ex-secretário da Previdência Social do Paraná Renato Follador, que a jornalista Suely Caldas resumiu na edição do Estado de domingo.
Para o leitor que considerar que esse tipo de comparação é impreciso, vamos a outro: os R$ 48,6 bilhões de déficit da previdência do setor público que foram subsidiados por todos os contribuintes para benefício de 3 milhões de pessoas excedem em R$ 2 bilhões todas as despesas de custeio e investimento da União, autorizadas no Orçamento de 2002. Ou seja, todas as despesas correntes da administração, todos os gastos com a conservação e ampliação dos sistemas de infra-estrutura, de hospitais a estradas e aeroportos, representam menos do que o déficit da previdência do setor público.
A previdência do setor privado também é deficitária. A diferença é que ela atende a cerca de 19,5 milhões de pessoas e exige um subsídio de cerca de R$ 13 bilhões. Trocando em miúdos, cada funcionário aposentado custa aos contribuintes R$ 14.590,95 por ano, além do que ele contribuiu - se considerarmos apenas os aposentados do serviço público federal, o custo é de R$ 25.416 -, ao passo que cada aposentado do setor privado recebe um subsídio de R$ 656,41 por ano.
Isso configura uma situação socialmente iníqua e fiscalmente catastrófica. O sistema previdenciário, que deveria funcionar como uma rede de proteção para os trabalhadores, na velhice ou na doença, na verdade é um instrumento regressivo de transferência de renda. E assim é porque as leis permitem que os funcionários públicos se aposentem, em média, com 53 anos, os homens, e 48 anos, as mulheres, com o último salário recebido quando em atividade - menos a contribuição previdenciária, o que leva à esdrúxula situação de o aposentado receber salário líquido maior que o funcionário na ativa - e direito aos reajustes salariais recebidos por quem trabalha; enquanto no setor privado o homem se aposenta, em média, aos 60 anos e a mulher, aos 55, não podendo receber mais que R$ 1.561,56.
Como a cada ano os contingentes de aposentados aumentam e os brasileiros estão ficando mais longevos, a bola-de-neve do déficit da previdência não pára de crescer. Adverte o ex-secretário da Previdência do Paraná Renato Follador que, "na situação-limite, o Estado deixará de ser um meio e passará a ser um fim em si mesmo, arrecadando apenas para custear a si próprio", ou seja, deixando de prestar os serviços básicos para a comunidade.
Não existe solução fácil e rápida para sanar esse déficit que mina a saúde fiscal do Estado. Por isso mesmo, é preciso que as soluções sejam adotadas o quanto antes, para que comecem a fazer efeito dentro de 30 anos ou mais. Mas o Congresso não parece perceber a gravidade e a urgência do problema. Um projeto do governo que unifica os regimes previdenciários dos setores público e privado, permitindo aos funcionários públicos aderir a fundos de complementação de aposentadoria, rola nas comissões há três anos. O projeto que cria a contribuição previdenciária para os aposentados também não prospera no Congresso. Foram poucos os Estados e municípios que constituíram os seus próprios fundos de previdência e menos ainda os que adotaram o regime de capitalização, pelo qual o valor da aposentadoria corresponde ao que o segurado contribuiu efetivamente durante sua vida útil.
Se tais providências não forem tomadas, a previdência continuará sendo um sistema que toma de muitos para beneficiar generosamente uns poucos e manter no nível de subsistência os demais.
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09/25/2002
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