Jader se defende fazendo ameaças a senadores



Jader se defende fazendo ameaças a senadores BRASÍLIA. O senador Jader Barbalho quase não dormiu nas 48 horas que antecederam seu depoimento. Trancado com advogados, traçou uma estratégia de defesa agressiva e deu mostras de que, se cair, tentará levar junto outros colegas. Tentando exibir tranqüilidade, recebeu os membros do Conselho de Ética em seu gabinete. Mas, ao longo de quase três horas de interrogatório, acabou se descontrolando: mostrou nervosismo, impaciência e irritação. Depois de ler um longo texto com justificativas para todas as acusações, partiu para o ataque, com ameaças nada veladas aos senadores que deverão julgá-lo no conselho. Ao pedir que o julgassem como senador e não como ex-governador do Pará, tentou intimidá-los dizendo que a abertura de um precedente poderia levar muitos deles a responder por denúncias referentes a cargos ocupados no passado. — É preciso ter muito cuidado com esse precedente — disse Jader, citando pelo menos quatro exemplos: José Sarney (PMDB-AP), Romeu Tuma (PFL-SP), Saturnino Braga (PSB-RJ) e Jorge Bornhausen (PFL-SC). Em entrevista após o depoimento, Jader negou que tenha feito ameaças. Presente no depoimento, Saturnino chegou a responder que não teria medo de ser investigado por sua administração à frente da prefeitura do Rio. Tuma garantiu que não se sentia intimidado: — Se a intenção dele era me intimidar, não deu certo. O ex-presidente Sarney, de quem Jader foi ministro da Reforma Agrária e da Previdência Social, também afirmou que não tem o que temer. Bornhausen usou de ironias para minimizar as ameaças. — Nunca tive conta rejeitada, nem como governador e nem como ministro — disse Bornhausen. Justiça condena Olívio a devolver mais de R$ 15 mil PORTO ALEGRE. O governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT), foi condenado ontem pela juíza da 4 Vara da Fazenda Pública, Maria José Sant' Anna, a devolver aos cofres públicos R$ 15.304,50, mais correção monetária. A condenação inclui os secretários de Fazenda, Arno Agustin, e de Comunicação, Guaracy Cunha, e três jornalistas. A sentença diz respeito à publicação em 1999 do folheto “Informe Direto Sobre a Renegociação da Dívida Pública”. A Justiça considerou que “os réus usaram verba pública para custear desavenças político-partidária com o governo anterior e o governo central, aproveitando-se para divulgar a ideologia do partido que assumia o Executivo gaúcho”. Olívio Dutra vai recorrer da decisão. Jader depõe, nega acusações e dá munição para abertura de processo BRASÍLIA. Em quase três horas de depoimento fechado à comissão de investigação do Conselho de Ética, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) tentou, mas não conseguiu, evitar declarações que podem ser caracterizadas como mentira e quebra do decoro parlamentar, como acreditam alguns de seus colegas. Na pergunta mais difícil, ele negou categoricamente, por três vezes, que tenha recebido recursos desviados do Banpará, sem considerar toda a documentação do Banco Central e do Ministério Público que indicam o contrário. Com todas as respostas ensaiadas, Jader foi pego de surpresa quando questionado sobre a possibilidade de, como presidente do Senado, ter obstruído as investigações na Casa, ao engavetar por mais de três meses o requerimento do líder do PT, senador José Eduardo Dutra (SE), que solicitava do BC cópia dos relatórios de auditorias, investigações e fiscalizações sobre o rombo do Banpará. Pelo menos um dos integrantes da comissão, o senador Jefferson Peres (PDT-AM), já decidiu pedir a abertura do processo por quebra de decoro. — Isso é quebra de decoro. Onde já se viu um presidente do Senado reter um requerimento por mais de 90 dias? Isso é obstrução — disse. Jader tentou argumentar que também teria encaminhado um pedido semelhante ao presidente do Banco Central, Armínio Fraga, no dia 6 de março. Mas acabou jogando a responsabilidade pela demora para a Secretaria Geral da Mesa do Senado. Ontem mesmo o coordenador das investigações, senador Romeu Tuma (PFL-SP), pediu informações à Mesa. — Essa história me cheira a desvio. Não conseguiram provas e estão tentando buscar outros caminhos. Não existem provas contra mim — disse Jader, tentando se defender. Sempre insistindo que o Senado precisa esperar a perícia técnica nos documentos do BC e do Ministério Público, ele começou sua defesa lendo um documento preparado com a ajuda de seus advogados. O clima do depoimento foi tenso. Jader foi obrigado, por exemplo, a ouvir a senadora Heloisa Helena (PT-AL) afirmar, de dedo em riste, que não acreditava na sua versão: — Não tenho dúvidas de que o senhor se beneficiou da operação fraudulenta de desvio de recursos — disse ela. Entre todos os presentes ao depoimento, o único que saiu empolgado da sala foi João Alberto (PMDB-MA), que integra a comissão de investigação. —Ele detonou! Não deixou nada sem resposta. Foi muito bem — disse João Alberto. Já Jefferson Peres tem opinião oposta. Para ele, Jader foi evasivo em relação às principais dúvidas e não teria conseguido reverter a tendência favorável a abertura do processo. — A investigação é sumária. Não há mais o que fazer. O líder do PMDB Renan Calheiros (PMDB-AL), acredita que, se as investigações comprovarem a participação de Jader no esquema do Banpará, não haverá como evitar a abertura do processo. — Se ficar comprovado que ele foi beneficiado, paciência. Mas as investigações têm que continuar — disse Renan. Os peemedebistas conseguiram impedir que o nome de Jader fosse incluído na lista de pedidos de indiciamentos da CPI da Grilagem da Câmara. Investigação é ampliada BRASÍLIA. Sem consenso sobre as provas para a abertura de processo contra Jader Barbalho (PMDB-PA), a comissão do Conselho de Ética vai adiar por dez dias a entrega do relatório, previsto inicialmente para o próximo dia 3. Os senadores Romeu Tuma (PFL-SP), Jefferson Peres (PDT-AM) e João Alberto (PMDB-MA) vão ao Pará para ouvir Marcílio Guerreiro, ex-gerente do Banpará, no dia que deveriam entregar o relatório. Guerreiro assinou cinco dos 11 cheques administrativos sob suspeita. Os senadores vão ouvir também o ex-diretor Hamilton Guedes, aliado de Jader envolvido em outros casos de desvio de recursos do Banpará. Tuma, coordenador da comissão, diz que o relatório deverá ser votado dia 12 ou 13. Já o presidente do conselho, Geraldo Althoff (PFL), diz que quanto mais cedo se votar o relatório dos três, melhor. Para ele, o ideal é que seja votado dia 6. Pacote manterá o sigilo de deputados BRASÍLIA. O sigilo fiscal e patrimonial dos deputados será mantido pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar que deverá ser votado pelo plenário da Câmara na próxima semana. A Mesa da Câmara, formada pelo presidente da Casa, Aécio Neves (PSDB-MG), e mais seis integrantes, aprovou ontem um novo texto que proíbe a publicação dos dados fiscais dos deputados, inclusive as dívidas. A Comissão de Constituição e Justiça aprovara a divulgação dessas informações. Entre os integrantes da Mesa, apenas o representante do PT, deputado Paulo Rocha (PA), fez ressalvas ao texto, afirmando que seu partido apresentaria destaque em plenário. Já os partidos da base fecharam acordo em defesa da proibição. O PT vai tentar restabelecer em plenário o texto do deputado José Dirceu (PT-SP), aprovado na CCJ semana passada, que prevê a publicação dos dados fiscais dos deputados na internet e no Diário Oficial da União. Pelo novo parecer, elaborado pelo corregedor-geral da Câmara, Barbosa Neto (PMDB-GO), esses dados deverão ser apresentados à Mesa no ato da posse do mandato, podendo o sigilo ser quebrado apenas se o Conselho de Ética — que será criado pelo Código — aprovar requerimento a partir de investigação de denúncias contra o parlamentar. Mas o conselho não poderá divulgá-los. — Trata-se de um avanço. O Conselho de Ética terá acesso a esses dados para averiguar todas as denúncias contra deputados. O objetivo não é ficar divulgando e publicando a vida fiscal e patrimonial dos parlamentares, mas possibilitar o acesso em caso de suspeição — disse Barbosa Neto. O líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), que defendia a abertura total do sigilo dos deputados, disse ontem que sua opinião foi vencida pela maioria dos pefelistas. — Estamos sendo realistas, projeto bom é o que se aprova. Do jeito que estava não ia passar. Além do mais, o consenso é de que a quebra do sigilo teria que ser para todos os agentes públicos e não apenas para os deputados — disse. A oposição sabe que não conseguirá votos suficientes para aprovar em plenário o texto de José Dirceu, mas insistirá na apresentação dos destaques. Ainda que insatisfeitos, seus líderes consideram que já é uma vantagem permitir que o Conselho de Ética solicite a quebra do sigilo de deputados investigados. Outro ponto polêmico do pacote ético, a restrição da imunidade parlamentar, ainda depende de acordo entre os partidos, mas também deverá ser amenizada. A idéia em discussão, que tem apoio da maioria, é não aplicar a imunidade apenas para crimes praticados antes de o parlamentar assumir o mandato. A abertura de processos sobre crimes praticados durante o exercício do mandato continuará dependendo de autorização da Câmara, por aprovação da maioria do plenário. Maluf pode ter tirado investimentos de Jersey SÃO PAULO. O Ministério Público Federal suspeita que o ex-prefeito Paulo Maluf já tenha transferido suas aplicações da Ilha de Jersey para outro país. As autoridades brasileiras dizem não ter certeza se o dinheiro foi mesmo bloqueado, como foi divulgado. Os únicos indícios de bloqueio são cartas extra-oficiais da polícia de Jersey e um ofício da Procuradoria-Geral da ilha segundo a qual os investimentos de Maluf estão bloqueados. Segundo a polícia de Jersey, a instituição financeira onde o dinheiro foi depositado, provavelmente o Citibank, tornou indisponíveis as aplicações de Maluf devido às suspeitas de que o dinheiro tenha origem ilícita. Mesmo que esta informação seja verdadeira, Maluf pode derrubar o bloqueio com uma ordem judicial. — Pode ser que não haja mais dinheiro lá — afirmou ontem a procuradora Denise Neves Abade. No início deste mês, ela e o também procurador federal Pedro Barbosa Pereira Neto se encontraram com o procurador-geral de Jersey, William James Bailhache, em Londres. No encontro, Bailhache teria dito que é a única autoridade com poder para decretar bloqueios de bens no país e que não tinha feito isso. O juiz corregedor do Departamento de Inquéritos Criminais, Maurício Lemos Porto Alves, já pediu o bloqueio dos bens de Maluf em Jersey, mas ainda não recebeu resposta. Ontem, o juiz solicitou toda a documentação disponível no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda. Ele espera a confirmação das autoridades de Jersey para tornar efetiva a quebra do sigilo bancário de Maluf, de seus quatro filhos, da mulher e de uma nora, determinada a pedido do Ministério Público estadual. Ontem, os procuradores federais e o promotor estadual da Cidadania Sílvio Marques se reuniram para selar um acordo de cooperação. A investigação sobre as contas de Maluf no exterior são alvo de uma disputa entre os ministérios públicos Estadual e Federal. O Superior Tribunal de Justiça deve decidir o conflito de competência no dia 12 de setembro. O promotor criminal Marcelo Mendroni, que investiga Maluf há vários anos e é um dos autores da descoberta do investimento em Jersey, deve ser afastado para dar lugar aos procuradores federais. Apesar de ter dado o pontapé inicial no caso, Mendroni pode ter vazado informações sigilosas para a imprensa. O Ministério Público Federal alega que o crime de evasão de divisas é de âmbito federal. Sílvio Marques deve continuar no caso porque atua na área civil. Artigos A questão racial e a educação no país PAULO RENATO SOUZA As propostas para uma política de ação afirmativa que reduza a extrema desigualdade racial em nosso país vêm ao encontro de uma justa aspiração, não só de afro-descendentes, mas de todo brasileiro com consciência social e moral. A maior mortalidade infantil e materna, as altas taxas de desemprego, as diferenças salariais injustas, a pobreza e a fome, o tratamento desigual frente à justiça e à polícia, a falta de acesso aos postos de maior responsabilidade no mercado de trabalho são cargas pesadas que os brasileiros descendentes de escravos carregam até hoje. A luta pela igualdade de oportunidades tem norteado o trabalho do Ministério da Educação. Melhorar a situação dos pobres, e, entre os pobres, dos mais desiguais, que são os negros e os pardos, é sinônimo, no Brasil de hoje, de universalizar e qualificar a educação pública, atender às populações rurais, diminuir as diferenças regionais, de raça, de renda e de gênero. Nesse sentido, o país avançou muito. Os indicadores sociais da década divulgados este ano pelo IBGE apontam a educação como a maior conquista do Brasil nos últimos dez anos e confirmam que o país está recuperando seu atraso educacional. Quando o presidente Fernando Henrique assumiu o governo e me indicou para dirigir a educação, encontramos uma situação lamentável na questão de igualdade de oportunidades de acesso à educação. Em 1994, às vésperas do século XXI, ainda tínhamos 11% de crianças de 7 a 14 anos fora da escola. Quem eram essas crianças? Eram as pobres, as negras e as nordestinas. De fato, os dados da Pnad de 1992 demonstram que 25% das crianças pertencentes aos 20% mais pobres da população estavam fora da escola: essa proporção era a mesma para o conjunto das crianças nordestinas e de 21% entre as negras. Em contraste, a situação de ricos, dos habitantes do Sudeste e dos brancos era incomparavelmente melhor. Se essa era a situação no ensino fundamental e em relação às crianças de 7 a 14 anos, as diferenças de acesso se agravavam no ensino médio e superior. Não surpreende, portanto, que o excelente estudo do Ipea, amplamente citado na imprensa nos últimos dias, reconheça que, ao longo do século XX, a diferença na escolaridade média entre brancos e negros se manteve constante. Os exemplos analisados no estudo se referem à população nascida antes de 1985. Ora, até 1992, ainda observávamos as brutais diferenças no acesso a que nos referimos acima. A obsessão com que nos dedicamos à tarefa de universalizar o acesso à educação nos últimos seis anos e meio começa a mostrar seus primeiros frutos. A universalização do acesso ao ensino fundamental — 97% das crianças de 7 a 14 anos estão hoje na escola — é um marco das políticas públicas brasileiras. É o primeiro e único caso de universalização de um serviço público no Brasil. Quais foram as crianças atendidas? Foram as pobres, as nordestinas, as negras. As diferenças percentuais no acesso ao ensino fundamental entre as classes de renda, entre as regiões, e entre as raças, que somavam entre 12% e 23% em 1992, reduziram-se, em 1999, a intervalos não maiores que 3% a 6%. Para avaliar a política de inclusão do atual governo, é profundamente equivocado tomar este estudo do Ipea. A mesma metodologia, usada no estudo para os grupos de população nascidos em 1974, deverá ser usada no futuro para a geração nascida a partir de 1992, ou seja, a população que em 1999 chegou aos 7 anos, quando começou de fato a universalização da educação brasileira. Garantido o acesso, o ministério quer a permanência na escola. Foi criado o Programa Bolsa-Escola do governo federal, para ajudar as famílias que sobrevivem com menos de meio salário-mínimo per capita/ mês a manter na escola os filhos de 6 a 15 anos. Até o final do ano, serão 5,8 milhões de famílias beneficiadas e 11 milhões de estudantes. Segundo o IBGE, enquadram-se nos critérios do Bolsa-Escola cerca de dois milhões de famílias brancas e perto de quatro milhões de famílias negras e pardas. Assim, de cada três famílias que receberão o benefício, duas serão afro-descendentes. O próximo passo é a universalização do ensino médio. Neste nível de ensino, os resultados também são espetaculares: 66% de expansão das matrículas entre 1995 e 2000. O número de concluintes do ensino médio saltou de 800 mil em 1994 para 2 milhões em 2000. A educação de jovens e adultos a partir de 18 anos, com um grande contingente de afro-descendentes, teve um crescimento de 169% entre 1995 e 2000. Pergunto novamente: quem foram esses jovens? Os ricos, os brancos e os jovens do Sul e do Sudeste já estavam no ensino médio antes do nosso governo. No ensino superior, a matrícula nos últimos cinco anos cresceu mais do que nos 14 anos anteriores, e a proporção de alunos oriundos de escolas públicas nas universidades, na média, é hoje de 43%. Em apenas cinco anos, registraram-se mais de 610 mil novas matrículas no ensino superior, aumentando em 43% o número de alunos. Estes movimentos de inclusão da população mais pobre nos níveis médio e superior terão continuidade nos próximos anos. Agora que pobres e negros estão ingressando em massa no ensino médio, chegou o momento de oferecer um aporte específico para aumentar suas chances de ingresso e de sucesso na universidade. Para isto, estou negociando, desde a última reunião anual do BID em março, recursos da ordem de US$ 10 milhões para um programa de cursos pré-vestibulares para estudantes afro-descendentes. A criação desses cursos pré-vestibulares é uma ação de discriminação positiva prevista no plano de governo do presidente Fernando Henrique, “Avança Brasil”, e que concorre para o equilíbrio do acesso à universidade. Da mesma forma, determinei que sejam introduzidos critérios de discriminação positiva no acesso ao programa de financiamento estudantil do ministério, o Fies. Oxalá nossa sociedade não precise, como outras, chegar à instituição de cotas raciais na universidade. Temos metas de inclusão e as estamos cumprindo rapidamente. Pelo que tenho acompanhado, acredito na capacidade de desempenho do estudante brasileiro de qualquer origem social ou racial, quando estimulado e apoiado. Se isto não for suficiente, serei o primeiro a defender as cotas. Entretanto, desde que tenham condições para isso, não há por que imaginar que os estudantes pobres, negros ou pardos não entrem na universidade por seus próprios méritos. O computador e o ensino EDÍLIA COELHO GARCIA Em meados de agosto, participei de um seminário, na Universidade Candido Mendes, sobre “Acreditação Universitária”. Lá ouvimos falar da importante universidade da Dinamarca, da respeitabilíssima universidade americana, da original experiência da Tailândia, das nossas já conhecidas universidades latino-americanas (incluídas as brasileiras) e muitas outras. Tivemos dois proveitosos dias de educação comparada. Não imagino que qualquer comparação entre diferentes sistemas de ensino traga clareza ao assunto. O que pretendo é refletir sobre a educação de ontem e a de hoje. Alguns dirão: síndrome da velhice, saudosismo... Mas vou em frente. À medida que se envelhece, há uma pitada de saudosismo, porém, fica-se mais reflexivo, menos impulsivo, menos entusiasmado com modismos, mais capaz de comparar, analisar, distinguir. Desde que se intensificou o uso do computador na escola, um sinal de alerta me incomoda. Que ninguém pense que sou contra o uso do computador, da internet e da educação virtual. Eu e os que usam a escrita no trabalho estamos familiarizados com editores de texto, buscando os sites mais adequados ao que precisamos. Observo, em reuniões de educadores, que ninguém mais pode ignorar essa ferramenta, com suas facilidades, com a riqueza de informações, a rapidez, a comunicação eficaz. Entretanto, ser usuário de computador é diferente de ser viciado no seu uso. Fico alarmada quando vejo crianças e jovens, de 6 a 18 anos, passarem horas e horas em frente a um computador. Não me venham dizer que essa é uma forma lúdica de aprender... Jogar futebol ou vôlei, nadar, brigar no recreio são formas lúdicas e sociais de aprender. Ninguém nega o que representa a TV — meio extraordinário de comunicação e difusão de conhecimentos, de aprendizagem informal, de veiculação de sexualidade explícita, política, propaganda etc; mas já há os que consideram (eu me incluo entre esses) que o uso indiscriminado da TV diminui a sociabilidade, substitui a conversa entre pais e filhos e, quando ligada na hora do almoço ou jantar, torna a refeição um ato mecânico e insosso. Outro dia, fui ao teatro e a certa hora o espetáculo foi interrompido: passaram a novela. Parece que o recurso é usado para evitar que as pessoas deixem de ir ao teatro para assistir à novela. Afinal, novela também é teatro... Será que é isto mesmo? Será que vamos nos “robotizar” a ponto de desaparecerem as visitas aos amigos, as conversas com que as pessoas trocam suas impressões? O uso dos recursos da informática na educação continua sendo objeto de debate no campo da informática ou no da educação, no Brasil e no mundo. A computação veio para ficar, mas isto não justifica a adesão apaixonada. Tampouco se admite a reprovação indignada. O caderno de informática do GLOBO de 8 de agosto de 2001 tratou do assunto. O jornalista Paulo Viana analisou “High tech heretic — reflections of a computer contrarian”, o livro mais recente de Clifford Stoll, um dos magos da informática. Segundo o autor da reportagem, o conteúdo do livro é eqüidistante dos adeptos sem crítica da informática educacional e dos conservadores que não aceitam as vantagens na utilização do computador na escola. Cita Stoll: “Não se podem substituir bons professores por bons softwares ou bons websites. Não se podem sequer substituir maus professores por um bom software. Nada substitui a boa relação entre professor e aluno.” E questiona “se é melhor despejar uma enxurrada de informações ou desenvolver neles (alunos) a sensibilidade necessária para poder interpretá-las”. Na mesma linha de pensamento, José Artur Rios se manifestou, em pronunciamento na Academia Brasileira de Letras, ao receber o prêmio João Ribeiro: “Que cultura é esta à qual teria eu prestado serviços? Vejo-a transformada em artigo de consumo, criada e propagada pelos meios de comunicação, senhores dos novos espaços culturais; ou vendida no varejo dos balcões universitários, trocada em miúdos na internet que, de meio, vai virando fim. A educação, com a eletrônica, pulveriza a cultura, transformando-a em mera informação...” Voltando ao Stoll, ele pergunta se o que se gasta — nos Estados Unidos — com equipamentos que estarão obsoletos em cinco anos não compromete o orçamento para a compra de livros, e admoesta, segundo o jornalista Paulo Viana: “O que se vê, na média, são alunos que confundem forma com conteúdo, navegabilidade com consistência, inteligência com sabedoria e imediatismo com permanência. E os reflexos disso, cedo ou tarde, vão se fazer presentes na forma como as futuras gerações serão (des)educadas.” No mesmo número do GLOBO, o professor Waldemar Setzer, professor de ciência da computação da USP, afirma que o computador impede o desenvolvimento intelectual e acrescenta: “A inteligência envolvida com o micro é lógico-matemática e lingüística, fria e mecanicista. A inteligência humana deve ser desenvolvida e exercida em espaços mal definidos, como nas artes e no convívio social. O micro tem um espaço de trabalho onde a criatividade resume-se à combinação de comandos (no caso das linguagens icônicas) predefinidos.” Muito se poderia ainda dizer dos equipamentos de computação mal aproveitados, e até não aproveitados, existentes em escolas, alguns em pseudolaboratórios fantasmas. Também se pode questionar a orientação — pelo menos a que é mostrada na TV — de se propagar o uso de informática na escola com os “amigos da escola”. Eles são ótimos, mas sempre aparecem adestrando crianças. Essa estratégia pode redundar em que os alunos venham a questionar e embaraçar os seus professores por saberem mais do que eles. Não deveriam ser os professores, antes dos alunos, o objeto do atendimento dos “amigos da escola” para seu aperfeiçoamento e sua capacitação, adquirindo as técnicas necessárias ao uso do computador em sua tarefa educacional? Através deles, os alunos usariam os recursos por eles selecionados: os programas, os softwares e os sites da internet que possuam, didaticamente, informações verdadeiras e fidedignas. Aí, eles mesmos, professores das diferentes disciplinas, ensinariam seus alunos a usar os computadores, no site adequado às suas aulas, como ferramentas enriquecedoras de uma metodologia de educação verdadeiramente nova. As escolas antigas não dispunham desse rico instrumento. Todavia, no meu velho e querido Pedro II, os mestres — como então se chamavam — preparavam suas aulas. Iam buscar nas fontes certas, nos livros certos, o conhecimento certo para a transmissão certa de conteúdos que desenvolvessem na inteligência do aluno meio capaz de ensiná-lo a refletir, a compreender, a aprender a pensar. Talvez se devesse mesmo pensar num livro de memórias. Assim, os professores novos, novos internautas, poderiam lembrar-se que a didática e a metodologia não são disciplinas mortas. Colunistas PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL Alcântara: o acordo por um fio O governo evitou, mais uma vez com o adiamento, que a Comissão de Relações Exteriores da Câmara detonasse ontem o acordo com os EUA para o uso comercial da base de Alcântara (MA). A embaixada americana acompanhou com o desdém altivo dos impérios. Como quem diz: perderá o Brasil. Contrapor os pontos centrais do relatório de Waldir Pires (PT-BA), que tem amplo apoio na comissão, aos argumentos de fontes da embaixada americana é importante para iluminar esse debate relevante, porém, de pouca ressonância. Os americanos pelo menos são mais francos do que o governo brasileiro. Não negam suas restrições ao desenvolvimento do programa aeroespacial brasileiro, em especial ao projeto VLS (Veículo Lançador de Satélites). Mas, antes disso, o resumo da história na visão americana. Foi do Brasil a iniciativa de propor o acordo, visando ao faturamento de US$ 30 milhões/ano com o lançamento de satélites por empresas americanas a partir de Alcântara, uma base econômica por seu posicionamento na linha do Equador. Num gesto de boa vontade, dizem as fontes americanas, o governo Clinton buscou viabilizar o acordo. Mas como membro do MTCR — regime de controle e não-proliferação de mísseis, a que o Brasil também aderiu — é obrigado a estabelecer salvaguardas. Não só para evitar furto de tecnologias diversas, mas fundamentalmente para garantir o controle da tecnologia de mísseis. Daí as restrições já divulgadas sobre cargas, trânsito e áreas físicas da ilha que serão usadas por americanos. Por isso também a cláusula mais polêmica, a que impede o Brasil de aplicar os recursos obtidos em seu programa aeroespacial. O VLS, dizem, será um artefato capaz de lançar tanto satélites como mísseis. Se permitissem que o Brasil aplique no VLS os dólares obtidos, estariam ferindo o acordo antimísseis. É descabida, diz Waldir, a desconfiança de que um país exemplarmente pacifista como o Brasil tenha pretensões militares com o VLS. O que se quer impedir é que no mundo globalizado entremos no negócio altamente lucrativo dos lançamentos com nosso próprio veículo. Uma renúncia alta demais por US$ 30 milhões, diz ainda. Para ser parceiro secundário do programa da Nasa (participação que muitos cientistas acham inócua), o Brasil entrará em 2001 com R$ 41 milhões. Com infra-estrutura em Alcântara para viabilizar o acordo, gastará R$ 17 milhões. Para o VLS, que seria inteiramente nosso e tem grande futuro, sobraram apenas R$ 12 milhões. Valdir aponta muitos outros “absurdos jurídicos”, como a exigência de que acordos do Brasil com outros países obedeçam às mesmas salvaguardas exigidas pelos EUA. Para evitar, dizem os americanos, a perda de controle no caso de mísseis. Nações soberanas, diz Waldir, não podem ser coagidas a negociar segundo exigências de uma outra. Mais uma vez, o que se quer impedir é a expansão do Brasil no setor. Waldir aponta mudanças que tornariam o acordo viável antes de sugerir a rejeição. Impossível, dizem os americanos, ainda mais agora com um governo novo nos EUA. Lamentam, mas perderá o Brasil. Eles também perdem, diz Waldir. Há muito poucas bases com as vantagens da nossa no globo terrestre. O poder e o tempo Ao longo do depoimento fechado do senador Jader Barbalho a seus colegas do Conselho de Ética, travou-se ontem uma discussão filosófica sobre ética e decoro. São a mesma coisa, devem ser exigidos ao longo de toda a vida? Ou o decoro só se refere ao exercício do mandato? Hoje, depende do poder político do acusado. Um reles bandido com mandato, como Hildebrando Pascoal, foi cassado por crimes cometidos antes de ser eleito. O poder econômico de Luiz Estevão não impediu sua cassação também por ilícitos anteriores. Jader não se conforma com a investigação de fatos acontecidos há 17 anos. Não era senador, embora jure que não encontrarão prova de que dinheiro do Banpará aportou em suas contas. De todo modo, uma coisa precisa ser posta em letra de lei, preto no branco. O decoro e a ética devem preceder a eleição. Hoje a lei diz o contrário. Atrela o decoro ao mandato. Quem tiver poder escapa. A briga do Fust Bem depois do leilão das teles descobriu-se que todo o ágio (valor acima do preço mínimo) pago pelos vencedores poderia ser deduzido do Imposto de Renda. Soma zero para o governo. Estava na lei e ninguém viu. Descobre-se agora outro mecanismo de devolução da contribuição de 1% sobre o faturamento mensal que lastreia o Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações). Os recursos ganharam nobre destino, a informatização de escolas e serviços de saúde. Mas o edital para a compra dos compradores é dirigido apenas às operadoras. A Anatel aponta um artigo também incógnito pelo qual só elas podem operar programas financiados com o dinheiro do Fust. Operar, não vender equipamentos, dizem os deputados Sergio Miranda (PCdoB-MG) e Walter Pinheiro (PT-BA). A Abinee (associação da indústria eletroeletrônica) também está na briga. As operadoras acabarão importando os micros que poderiam ser fabricados aqui, gerando emprego e renda. LULA jantou com senadores da oposição na casa de Paulo Hartung, do PPS. Roberto Freire, presidente do partido, teve que ir a São Paulo. Não se bica com o PT. É a unidade da oposição em marcha. Editorial Encarar os juros As autoridades econômicas geralmente tratam as taxas de juros como conseqüência dos demais fatores que influenciam a conjuntura. De fato, elas não podem ser uma variável autônoma que voa pelas próprias asas. Se há forte desequilíbrio em fatores importantes da economia, é impossível evitar que as taxas de juros sejam altas. Mas isso não justifica que as autoridades devam cruzar os braços em relação à trajetória dos juros. Mesmo com o expressivo e saudável avanço da iniciativa privada nas últimas duas décadas em todas as regiões do planeta, o Estado continua a ser o agente econômico de maior peso — mesmo nas economias mais liberais. O Federal Reserve Bank nos Estados Unidos ou o Banco Central Europeu têm força suficiente para determinar os juros básicos que consideram adequados para compatibilizar os diversos fins da política econômica: estabilidade monetária, equilíbrio do balanço de pagamentos, crescimento da renda. No Brasil, por força dos desajustes crônicos, a economia se habituou a juros extremamente altos. A maior parte dos economistas tem ignorado os efeitos (des)estruturais sobre a economia da manutenção de juros elevados por longo tempo. Mas um recente estudo do pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, chama a atenção para a desastrosa transferência de renda causada por tal política. Em síntese, os juros altos substituíram a inflação no processo de concentração de renda na economia brasileira. Essa constatação deveria ser suficiente para que as autoridades econômicas tivessem atitude menos passiva diante da trajetória dos juros no Brasil. É certo que a taxa não pode ser tratada como variável completamente autônoma, pois depende do comportamento dos demais fatores. As autoridades têm agido sobre essas outras variáveis econômicas. O superávit primário acumulado nos últimos anos está entre os maiores do mundo. Mas, devido à combinação de juros altos com desvalorização cambial, os superávits não conseguiram deter o avanço da dívida pública. Não existe alternativa clara e sensata — principalmente sensata — para a situação. Por outro lado, não existem caminhos sem volta na economia, e pode-se cobrar do Banco Central um esforço em direção de uma estratégia ou um conjunto de ações que tirem a economia desse círculo vicioso. Topo da página

08/30/2001


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