José Nery luta pela aprovação, na Câmara dos Deputados, da PEC que aumenta punição para quem explora trabalho escravo



Coerente com o compromisso de fazer da sua atuação no Senado a continuidade de uma linha de ação que privilegia a luta dos movimentos sociais e a busca de conquistas populares, o senador José Nery (PSOL-PA), presidente da Subcomissão Temporária de Combate ao Trabalho Escravo, está empenhado, com os demais senadores da subcomissão, em um mutirão de convencimento dos deputados pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438. A PEC prevê a desapropriação de terras onde sejam encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravo.

A proposta já foi aprovada em dois turnos no Senado e em primeiro turno na Câmara, onde está parada desde 2004. A bancada ruralista seria o principal foco de resistência à medida.

"A aprovação da PEC 438 não é o único mecanismo que vai erradicar o trabalho escravo no Brasil. Porém, ela tem um sentido exemplar e pedagógico, porque, ao retirar a propriedade, ao mexer no bolso e nos bens desses escravagistas contemporâneos, eles saberão que se alguém repetir esse tipo de crime vai perder a propriedade", explica José Nery.

Defensores dos direitos humanos - como o senador - consideram a PEC 438 uma medida importante para o enfrentamento de situações criadas por aqueles que, 120 anos após a abolição da escravidão - recém comemorados - ainda dispensam tratamento subumano a seus trabalhadores.

Na quarta-feira (4 de junho), foi lançada uma frente ampla formada por parlamentares, centrais sindicais, organizações não-governamentais, igrejas e movimentos sociais com o objetivo de estimular um movimento nacional em favor da proposta, que poderá ser aprovada "ainda neste semestre", confia o senador. Ele já obteve o compromisso do presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, de que colocará a matéria em votação antes de julho.

Nesta entrevista, José Nery também faz um alerta contra projeto que estaria sendo "confeccionado em uma comissão da Câmara dos Deputados" com uma ampla mudança da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para ele, essa iniciativa seria "o ápice da reforma trabalhista de cunho neoliberal". Também prejudicial ao interesse dos trabalhadores - avalia - foi a aprovação no Senado (em 27 de maio) do projeto que permite a contratação de trabalhador rural por período de curta duração - o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 8/08, originário da Medida Provisória (MP) 410. José Nery considera a aprovação dessa matéria um avanço perigoso do processo de desregulamentação das relações de trabalho no país.

Diante dessa situação, o senador lamentou o declínio da atividade política dos sindicatos que decorre, em sua opinião, da mentalidade das pessoas, que estaria "muito centrada no individual". O próprio sistema, acredita, "estimula esse individualismo de todas as maneiras possíveis". Para ampliar a participação dos sindicatos na discussão dos problemas nacionais, em sua opinião, seria necessário que os dirigentes se voltassem para o debate dos problemas reais dos trabalhadores e, a partir daí, transformassem essas necessidades de melhorias em mobilizações, assembléias, seminários, enfrentamentos e negociações coletivas.

Quando, em 1985, o educador popular José Nery deixou sua terra natal - o Ceará - e se mudou para o Pará, já tinha a experiência da militância social, como integrante do grupo de jovens da paróquia de Independência (CE), à época dirigida por dom Antônio Batista Fragoso, um defensor da Teologia da Libertação. No Pará, ele integrou, por 12 anos, a Equipe da Educação Popular da Fundação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - Abaetetuba (Fase), atuando junto a metalúrgicos, trabalhadores rurais e da construção civil do complexo Albrás/Alunorte e a assalariados rurais dos grandes projetos agroindustriais de Moju, Tailândia, Acará e Breu Branco.

A celebração do primeiro acordo coletivo de trabalho entre grandes empresas agroindustriais e sindicatos de trabalhadores rurais do Baixo Tocantins destaca-se entre as conquistas mais expressivas daquela época, lembra o senador.

José Nery é fundador da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e entre os anos de 1993 a 1995 foi diretor do Sindicato dos Empregados em Atividades Culturais Recreativas e de Assistência Social do Estado do Pará (Senalba-PA).

Agência Senado - O que a Subcomissão Temporária de Combate ao Trabalho Escravo tem feito no sentido de acelerar a tramitação da PEC 438?

José Nery - Nós nos encontramos numa fase decisiva para tentar a aprovação da PEC 438. No momento, a subcomissão tem tratado como prioritária a participação dos movimentos sociais no processo de convencimento dos parlamentares na Câmara dos Deputados, no sentido de fazê-los compreender a importância de punir, exemplarmente, os escravagistas contemporâneos com a perda da propriedade. E fazer isso no ano em que o Brasil celebra 120 anos da abolição não concluída, 20 anos da Constituição Cidadã de 1988 e 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A aprovação dessa PEC teria o sentido de afirmar o que preceitua a nossa Constituição e a Declaração dos Direitos Humanos e seria um gesto do Poder Legislativo em direção ao Brasil dos esquecidos. Não há nada mais triste e degradante do que constatar que, em treze anos, trinta mil brasileiros foram libertados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho das condições análogas à de escravos.

Agência Senado - Isso ocorre principalmente na Região Norte, não é senador?

José Nery - Infelizmente, a Amazônia brasileira - em especial o estado do Pará - é vítima dessa verdadeira tragédia. Em viagens pelo interior do Pará, nós mesmos encontramos pessoas nessas condições, ouvimos seus relatos sobre os maus-tratos, o trabalho forçado, as péssimas condições dos alojamentos, o transporte precário. Tudo isso caracteriza o trabalho análogo ao de escravo, que está definido no artigo 149 do Código Penal, que estabelece quatro condições para que se possa ter a definição de trabalho análogo ao de escravo. Basta que qualquer uma dessas condições seja constatada para que tenhamos o ato criminoso de trabalho escravo tipificado.

Agência Senado - Há um consenso dentro do Congresso em torno da necessidade de se colocar um fim ao trabalho escravo. No entanto, desde 2004 essa PEC está fora da pauta. De onde partem as resistências?

José Nery - A questão central reside na herança de uma cultura escravagista que ainda permeia alguns setores da sociedade. Alguns classificam essas condições precárias e degradantes como apenas irregularidades trabalhistas. Nós queremos que os parlamentares compreendam e atualizem o conceito de trabalho escravo no mundo contemporâneo. Esta é uma chaga não só no Brasil, mas em vários outros países. O que eu acho importante no caso do Brasil é o reconhecimento oficial do problema, coisa que alguns países sequer admitem.

Agência Senado - A partir de quando o governo brasileiro admitiu a existência de trabalho escravo em seu território?

José Nery - A partir de 1995 o Brasil reconheceu, perante os organismos internacionais, a existência de trabalho escravo em seu território. Não estamos falando aqui do trabalho escravo do século 18 ou do século 19, quando as pessoas eram submetidas a castigo cruel, ficavam acorrentadas e havia todas aquelas atrocidades. Hoje, nossa legislação classifica e tipifica o trabalho escravo contemporâneo como sendo a negação de direitos trabalhistas, de direitos sociais e básicos inerentes ao exercício digno do trabalho. O nosso trabalho é no sentido de convencer o Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados, a incorporar essa nova compreensão e esse conceito. As difi culdades residem no temor de alguns de que se poderiam cometer excessos ao identificar uma propriedade como envolvida com a prática de trabalho escravo. Eu, no entanto, acredito que haja um excesso de zelo no sentido de proteger aqueles que cometem crime. Esse não é o único mecanismo que vai erradicar o trabalho escravo no Brasil, mas ele tem um sentido punitivo, pedagógico e exemplar fundamental. Porque, ao retirar a propriedade, ou seja, mexer no bolso e nos bens desses escravagistas contemporâneos, eles saberão que se alguém repetir esse tipo de crime vai perder a propriedade. Então, essa é uma medida absolutamente necessária e os bons empresários rurais não têm por que temer esse tipo de prática.

Agência Senado - E hoje há uma tendência no comércio internacional no sentido de excluir os produtos associados ao trabalho escravo, assim como à queimada e ao desmatamento de florestas...

José Nery - E é uma minoria, com suas praticas delituosas, que faz com que o Brasil seja questionado, inclusive internacionalmente, quanto a essa prática criminosa. Ainda que na minha visão nós não tenhamos de combater o trabalho escravo para dar satisfação a ninguém, mas a nós mesmos. 

Agência Senado - Como o senhor avalia a eficácia da recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no sentido de que os produtos naturais ou industriais que tenham se beneficiado de algum modo da prática do trabalho escravo não sejam adquiridos?

José Nery - A existência de tratados subscritos pelo Brasil que tratam da proibição do trabalho degradante, principalmente do trabalho análogo ao de escravo, tem produzido resultados, sobretudo em algumas cadeias produtivas como a pecuária, em que vários frigoríficos que comercializam e exportam carne bovina exigem que os fornecedores, os pecuaristas, estejam atentos quanto ao trabalho escravo. Inclusive algumas organizações empresariais têm participado do pacto empresarial contra o trabalho escravo e isso, em alguma medida, é resultado dessas recomendações que a OIT tem feito, bem como dos tratados que o Brasil tem assinado. Eu creio que essas normas internacionais, de alguma forma, têm ajudado o Brasil a criar certa consciência de que nas relações comerciais não se pode tolerar nem se pode comprar nem exportar produtos que tenham, em algum momento da cadeia produtiva, a prática criminosa do trabalho escravo.

Agência Senado - Além da ocorrência de trabalho escravo no campo, têm-se tornado cada vez mais freqüente as denúncias de casos de imigrantes sul-americanos sujeitos a condições de trabalho degradantes, principalmente em São Paulo, no setor de confecções.

José Nery - Quando da votação [em primeiro turno] na Câmara dos Deputados da PEC 438, foi acolhida uma emenda que estende para a propriedade urbana esse confisco, em benefício social. Assim como a propriedade rural onde for comprovada a existência de trabalho escravo será destinada para a reforma agrária, na área urbana o espaço onde se constatar essa irregularidade será destinado ao benefício social. Então, a aprovação da 438 vai proteger também o trabalhador urbano contra o trabalho escravo. No ano passado, a fiscalização do Ministério do Trabalho encontrou trabalhadores contratados por empresas de ônibus no Rio de Janeiro em situações análogas à de trabalho escravo. A mão-de-obra era arregimentada no Nordeste. Essas pessoas eram obrigadas a trabalhar sem receber regularmente o salário. As condições de alojamento eram totalmente insalubres e a alimentação era deteriorada. Isso é apenas um pequeno exemplo de uma situação que se repete com muita freqüência no ambiente urbano, apesar de, atualmente, o trabalho escravo estar mais associado ao campo.

Agência Senado - O que é que a subcomissão tem feito e pretende fazer para viabilizar a votação desta medida?

José Nery - Uma das tarefas fundamentais da subcomissão é trabalhar para melhorarmos o nosso arcabouço jurídico legal, de modo que se avance na possibilidade de punição dos escravagistas contemporâneos. No momento, a tarefa de todos os senadores que compõem a subcomissão é estimular esse amplo movimento nacional pela aprovação da PEC 438, inclusive com o lançamento dessa frente ampla, composta por parlamentares, centrais sindicais, organizações não-governamentais, igrejas e movimentos sociais. Queremos promover um verdadeiro mutirão de convencimento junto aos senhores deputados e, neste momento, concentramos toda a nossa atenção na aprovação da PEC 438 pela Câmara dos Deputados ainda neste primeiro semestre.

Agência Senado - A aprovação do PLV 8/08, oriundo da MP 410/07 que permite a contratação de trabalhador rural por períodos de curta duração, de no máximo dois meses, dentro do período de um ano é favorável ou prejudicial aos interesses dos trabalhadores?

José Nery - O projeto permite a assinatura de um contrato de curto prazo, entre as partes, que pode ser burlado a qualquer tempo. Essa medida abre a porta para o processo mais ofensivo da chamada reforma trabalhista de conteúdo neoliberal, que pretende tornar ainda mais precárias as relações de trabalho e retirar direito dos trabalhadores, deixando, cada vez mais, que o capital possa lucrar e explorar sem nenhuma medida de proteção efetiva. No atual contexto de desenvolvimento do país, do avanço das relações de trabalho, nós deveríamos tentar garantir e ampliar direitos. Essa medida vem no sentido oposto, porque fragiliza a situação do trabalhador, além de abrir a porta para a desregulamentação dos direitos trabalhistas no âmbito da reforma trabalhista, que muitos setores, inclusive do governo, querem realizar de forma contrária aos interesses dos trabalhadores. Porém, modificações introduzidas em relação à aposentadoria têm aspectos que eu considero razoáveis, como o que estabelece alguns novos critérios para a aposentadoria dos trabalhadores rurais, que ajudam na comprovação do tempo de serviço e de carência para a obtenção do pedido de aposentadoria. Porém, essas medidas poderiam ser estabelecidas por um projeto de lei de origem parlamentar ou mesmo do Executivo. Mas o que é preciso assinalar é que a aprovação da MP 410, através do PLV 8/08, representa um avanço perigoso do processo de desregulamentação das relações de trabalho. Daqui a pouco, vão colocar a seguinte questão: se pode para a área rural, por que não pode para a área urbana?E esse processo pode ir, aos poucos, retirando em vez de ir ampliando direitos, como deve ser a nossa tarefa, aqui: mudar para garantir e ampliar direitos.

Agência Senado - Considera-se que a CLT, criada em 1943, passou por duas grandes mudanças: a primeira, no começo do regime militar, com a aprovação do decreto-lei que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); a segunda, na década de 90, com a vigência dos governos neoliberais, quando foram introduzidas novas leis que modificaram ainda mais as relações de trabalho no Brasil. Qual é a sua avaliação dessas mudanças?

José Nery - Essa tentativa de tornar ainda mais precárias as relações de trabalho no Brasil ganhou força no período que começa na segunda etapa da chamada Nova República, a partir de 1990. Um dos fatores mais importantes dessa desregulamentação de direitos é a chamada terceirização. Ao subcontratar mão de obra através de terceiros, as empresas privadas e o governo acabam prejudicando o trabalhador, na medida em que oferecem salários inferiores aos que anteriormente eram pagos para a mesma função. Essa tentativa de desregulamentação que o governo vem adotando - e o Congresso vem apoiando - não chegou ainda no seu ápice. O ápice desse processo, a meu ver, é o que estão querendo fazer com a reforma completa da CLT, com um projeto que se encontra em um laboratório de confecção dessas medidas, numa comissão na Câmara dos Deputados. Isso deve nos preocupar - deve preocupar todos os trabalhadores brasileiros, especialmente suas organizações, seus sindicatos.

Agência Senado - Na sua avaliação, qual deveria ser a posição dos dirigentes sindicais e dos parlamentares comprometidos com o interesse dos trabalhadores, diante destas possibilidades?

José Nery - Neste momento é preciso fazer avançar conquistas, como a redução da jornada de trabalho de quarenta e quatro para quarenta horas semanais, sem redução de salário. Esse movimento ganha força em vários setores da sociedade, inclusive no Congresso. Há um novo consenso no movimento sindical brasileiro sobre essa questão. Eu diria que se nós formos capazes de enfrentar a etapa que se avizinha, para a qual eu considero que a MP 410 abre a porta, se formos capazes de mobilizações críticas no sentido de impedir as mudanças que eles querem implementar... Nós queremos reformas, mas desde que seja para ampliar nossas conquistas.

Agencia Senado - Curiosamente, observa-se que neste momento em que a classe trabalhadora tem tido muitos dos seus direitos ameaçados, as questões de caráter político têm perdido espaço entre a direção e a militância sindical. Na sua avaliação, por que isso ocorre?

José Nery - Vivemos um ambiente político e econômico que, de certa maneira, faz com que percebamos de forma muito clara essa crise de atuação do movimento sindical, principalmente no que se refere ao trabalho de base de cada sindicato e federação. Essas organizações devem debater com os trabalhadores os seus problemas reais, objetivos do dia-a-dia e, a partir deles, transformar essas necessidades de melhorias em mobilizações, assembléias, seminários, enfrentamentos, negociações coletivas. O que nós estamos percebendo, no entanto, é certa acomodação. Porque na medida em que se acentua a precariedade das relações de trabalho, em que o trabalho passa a ser terceirizado, o sistema vai induzindo o trabalhador a se preocupar mais com ele próprio, com a auto-qualificação, com formas de pensar individualista. Para fomentar essa ideologia, o sistema recorre a todos os mecanismos possíveis. Eu creio que essa crise só pode ser resolvida na medida em que o dirigente do movimento sindical despertar para a necessidade de reelaborar sua metodologia de trabalho. É preciso reconstruir essa metodologia a partir de um trabalho de base que fortaleça a delegacia sindical, a organização por local de trabalho, revivendo experiências como as Comissões Internas de Prevenção Contra Acidentes de Trabalho, as Cipas. Há muitos desafios, como a necessidade de garantir melhores condições de atendimento à saúde do trabalhador - há denúncias que o serviço de perícia médica do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] tem negado o direito do trabalhador à licença médica; e a ampliação do direito dos trabalhadores sobre o lucro das empresas. São questões que deveriam tornar o movimento sindical mais atuante e mais sintonizado... É preciso ampliar a vinculação do movimento sindical com as suas bases, para que possamos avançar em conquistas reais e efetivas, para que esse trabalho possa redundar em maior consciência crítica e maior consciência política dos trabalhadores e, assim, ir avançando nessas mudanças que o Brasil precisa fazer para que tenhamos uma sociedade mais democrática e participativa.

Agencia Senado - Por que, em sua opinião, a abolição da escravidão ainda não foi concluída no Brasil?

 
- Há 120 anos foi proclamada a Lei Áurea, mas o Estado brasileiro não criou as condições adequadas para a inclusão social de forma ampla dos escravos libertos, e o país nunca trabalhou, efetivamente, para resgatar sua dívida com essas populações. Permanecem questões graves, como a discriminação por causa da cor. No mercado de trabalho, os negros recebem menos do que os brancos. Há negação do direito à terra para as comunidades afro- descendentes. Apesar de nesse aspecto termos avançado para a concessão de títulos coletivos para comunidades afro-descendentes - os quilombolas - em algumas regiões do país, ainda falta muito. E o pior é que essas concessões de títulos estão sofrendo questionamento, hoje, no Judiciário. No Supremo Tribunal Federal tem uma ação dizendo que tratar de forma diferenciada - como a meu ver merecem serem tratados aqueles que historicamente sofreram violência e, de fato, são desiguais porque foram tratados com absoluta indiferença pelo Estado brasileiro e pelo patronato em geral -, que conferir esse direito às comunidades tradicionais significaria uma discriminação às outras pessoas, aos brancos, aos não-negros. Uma inversão total. Isso é fruto de certa mentalidade escravagista que ainda permeia parte das nossas elites políticas, que não entendem a necessidade do resgate obrigatório de uma dívida social com oitenta milhões de brasileiros (a população negra). Isto acaba aprofundando cada vez mais essa distância entre a abolição de direito e a verdadeira abolição, a abolição concreta. Esta só se consegue com a garantia de igualdade e de direitos sociais para essa nova população que, historicamente, foi tratada com desprezo e humilhação pelas elites do nosso país.

Agência Senado - Nesse primeiro ano de mandato, o que é que o senhor destacaria na sua atuação no Senado?

José Nery - O debate de temas ligados às questões sociais tem merecido prioridade da nossa parte: os direitos humanos, a luta em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, a luta contra a redução da maioridade penal, o apoio às organizações e conselhos tutelares, que enfrentam enormes dificuldades para realizar suas tarefas. Temos trabalhado no combate ao trabalho escravo, e presidir a subcomissão coloca uma tarefa grandiosa, que é a de ajudar a melhorar a legislação nesta área. Nossa atuação também consiste em colocar nosso mandato a serviço das organizações sociais e da luta pela ética na política, que é outra bandeira nossa. O nosso partido - o PSOL - ingressou, no ano passado, com várias representações para apurar fatos que a nosso ver significavam a quebra da ética parlamentar por parte de vários colegas do Senado. Especificamente em relação ao Pará, temos procurado nos aliar com aqueles que lutam contra as desigualdades sociais, pelo meio ambiente, pela terra, contra o trabalho escravo e o trabalho infantil, pelos direitos das populações indígenas. Temos estabelecido uma aliança com esses setores que historicamente têm muita dificuldade para terem reconhecidas suas lutas e seus direitos. Temos colocado o mandato à disposição de todos esses setores que têm dificuldades para serem ouvidos e buscados, através de proposições e negociações pontuais, o desenvolvimento da Amazônia, em especial do estado do Pará. A minha experiência nesse ano e quatro meses que estou aqui no Senado tem servido para reafirmar lições que aprendi muito cedo, na minha juventude, quando ainda enfrentava a ditadura militar, no trabalho de educação popular que fiz no estado do Pará, acompanhando a organização dos trabalhadores em várias regiões do estado, no final da década de 80 e ao longo dos anos 90, ajudando a organizar os assalariados dos grandes complexos agroindustriais da região do Baixo Tocantins. O exercício do mandato no Senado é a continuidade de uma linha de atuação que privilegia a luta dos movimentos sociais e a busca de conquistas populares, sempre procurando ser coerente com a minha própria trajetória de vida e com as minhas origens.Estamos tentando fazer do mandato um instrumento de luta do nosso povo, na busca de um desenvolvimento que tenha como horizonte a inclusão, e não a concentração de renda; a defesa dos direitos humanos, e não a violência sobre as maiorias. Acho que um mandato não deve ser avaliado só pelos projetos que apresentamos, e eu os tenho feito em várias áreas - da tributária à dos direitos humanos - mas, também, pela forma como nos colocamos a serviço dos atores e dos movimentos sociais que lutam por uma sociedade mais justa. É esta contribuição que nós pretendemos continuar oferecendo, com as limitações de um mandato parlamentar e as minhas próprias limitações. Estamos trabalhando para que nosso mandato sirva ao tipo de luta política e parlamentar que nós consideramos importante no contexto brasileiro, em que os setores abastados, ricos e poderosos ainda dominam a economia e a política do país. Os setores populares devem ter voz, vez e participação nos destinos do país.



06/06/2008

Agência Senado


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