Lula acusa Fiesp de ter se acovardado com Ciro








Lula acusa Fiesp de ter se acovardado com Ciro
Em palestra na sede da federação, petista cobra responsabilidade de empresários na eleição

Nem mesmo na palestra para 420 empresários, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu esconder a preocupação com o crescimento do adversário Ciro Gomes (PPS) nas pesquisas de intenção de voto. Chegou mesmo a cobrar responsabilidade dos empresários no "financiamento" de candidaturas. "Não sei se, quando o Ciro esteve aqui, vocês discutiram com ele o acordo de Ouro Preto porque, se não discutiram, vocês foram covardes", afirmou o petista.

A platéia ficou muda. Lula falava do desemprego e de como sair da "encalacrada" econômica quando se referiu ao protocolo assinado pelo presidenciável do PPS na época em que ele era ministro da Fazenda, em 1994.

O acordo definiu a união aduaneira dos países do Mercosul e permitiu, por exemplo, que a Argentina exportasse livremente automóveis para o Brasil, enquanto as exportações brasileiras eram limitadas por cotas.

Ao abordar a possível covardia empresarial, o petista não sabia, porém, que Ciro fora questionado sobre o assunto na Fiesp, há uma semana.

A referência ao rival não foi a única. Diante da ascensão do candidato do PPS nas pesquisas, Lula não teve dúvida. Pediu à platéia que olhasse as companhias dos candidatos, quem joga no time de quem, e que não votasse mais com medo. Na linha de rejeitar o que chamou de "anti-Lula", lembrou a eleição de 1989, quando perdeu para Fernando Collor no segundo turno. Na época, o então presidente da Fiesp, Mário Amato, incentivou o pânico ao garantir que, se Lula ganhasse a eleição, 800 mil empresários deixariam o País.

Pito - Treze anos depois, Amato não compareceu ontem ao debate com o petista. No auditório, a cadeira com seu nome estava vazia. Mas Lula voltou à carga. Depois de dizer que os empresários não são ouvidos pelo governo, não conteve o comentário em tom de provocação. "Vai precisar o
PT ganhar as eleições para vocês serem notados neste País como agentes políticos", discursou.

"Esta é a contradição, o paradoxo."

Foi um dos poucos momentos em que Lula recebeu aplausos, nos 70 minutos de sua palestra.

Parecendo apreensivo, chamou a atenção para os "aliados" dos presidenciáveis, justamente um dia depois de Ciro aparecer ao lado do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), que o apóia.

"Não se vota numa pessoa, mas num conjunto de pessoas", disse. "É preciso saber quem joga no time de quem, porque senão vocês podem votar numa seleção do tipo Argentina ou França".

Mais de uma vez, Lula deu um "pito" nos industriais. "Tem gente que tem ouvido apenas para ouvir o que quer contra o PT", criticou, quando um empresário acusou o partido de ter votado contra a reforma tributária. O presidente da Fiesp, Horário Lafer Piva, saiu em sua defesa: "Não é verdade." Depois, o candidato afirmou que ninguém assume responsabilidade por eleger bandidos, como o deputado cassado Hildebrando Pascoal .

"Estou cansado de ver empresário dizer que não gosta de política, mas, depois, vai ver quem ele financiou?" Foi mais longe: "Sonho com o dia em que nenhum candidato fique conversando ao pé do ouvido para pedir dinheiro e que nenhun empresário seja achacado."

No início do debate, o anfitrião Piva procurou descontrair o ambiente. "Há uma certa vibração positiva no ar", brincou, ao observar que o candidato do PT contava com a simpatia da classe.

"Mas queremos saber com é esse novo Lula que a imprensa tanto fala." Para Piva, o governo cometeu "pesados erros" quando "ignorou" a contribuição que poderia ser dada pelo setor produtivo.

Do lado de fora do auditório, um telão também exibia a palestra de Lula.

Uma comitiva de petistas, como o presidente do PT, deputado José Dirceu, e a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, acompanhava o candidato. Dono da Coteminas, o maior grupo têxtil do País, o senador José Alencar (PL-MG), que é vice na chapa de Lula, foi chamado de "companheiro".

Ao responder às perguntas dos empresários, Lula reiterou que é contrário à independência do Banco Central. "Como é que o Salvatore Cacciola conseguiu US$ 2,8 bilhões no BC sem que o presidente Fernando Henrique soubesse?", ironizou. "Querem mais autonomia do que isso?"


Ciro grita 'pega ladrão' para se esquivar, diz Serra
Para ele, candidato disfarça acusações contra Paulinho e Martinez atacando os outros

CURITIBA - O candidato do PSDB a presidente, José Serra, disse ontem que Ciro Gomes (PPS) adota a "estratégia do pega ladrão" ao acusá-lo de estar por trás de denúncias contra o coordenador da campanha da Frente Trabalhista, José Carlos Martinez (PTB), e o candidato a vice de Ciro, Paulo Pereira da Silva. "O sujeito que bate a carteira num calçadão, sai correndo e fica gritando 'pega ladrão, pega ladrão', somente para distrair os transeuntes", explicou o tucano. "É essa a estratégia, absolutamente inaceitável."

"Pode estar certo de que o fato de o coordenador, o chefe da campanha do Ciro, ter sido sócio do PC Farias (Paulo César Farias, caixa de campanha do ex-presidente Fernando Collor) e ter negócios até hoje não é fruto da imaginação de ninguém", acentuou Serra. "O fato de seu candidato a vice ter problemas tão graves na direção de seu sindicato (Força Sindical) ou na vida privada não é invenção."

Ciro havia dito que os coordenadores da campanha tucana seriam uma "máquina de dossiês" e insinuou que o candidato era o "dragão da maldade". Apesar disso, Serra considerou que a campanha democrática: "Candidatos estão apresentando posições, debatendo idéias, que é o que eu quero. Sem baixarias, o que prefiro para que a gente aproveite o período eleitoral para melhorar o Brasil e resolver nossos problemas."

Crise - Ao falar da turbulência nos mercados, Serra afirmou que não existe nenhum fundamento na economia que justifique um comportamento "tão nervoso" fora do Brasil. Para ele, isso demonstra "desconhecimento da economia brasileira, que é muito mais sólida que a da Argentina".

Serra avalia que a tensão no mercado reflete o nervosismo em relação à eleição. "A meu ver também não se justifica, porque estamos a muitas semanas da data da eleição e não há razão para incorporar agora nas análises de risco as pesquisas eleitorais", justificou.

O tucano acha necessário tomar todas as providências possíveis para garantir mais segurança econômica no futuro.

"É correto estender o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) por dois motivos: primeiro, porque não impõe nenhum sacrifício adicional para nossa economia. Segundo, porque aumenta a segurança a respeito da economia brasileira", disse.

Criança - Para ele, é preciso acabar com o comportamento do "quanto pior, melhor". "Temos de pensar no Brasil, na segurança econômica que é crucial para atender aquela que é a necessidade número um: emprego e oportunidades de trabalho."

O candidato esteve em Curitiba para assinar um compromisso com a Pastoral da Criança, que elencou 22 propostas gerais e em áreas específicas para serem propostas a todos os concorrentes. "O Brasil precisa de homens compromissados com as crianças", disse a coordenadora da Pastoral, Zilda Arns.

Como ex-ministro da Saúde, que já tinha parceria com a Pastoral, Serra comentou que, nos anos 90, o Brasil baixou a taxa de mortalidade infantil de 48 para 28 por cada mil crianças nascidas vivas. "É o que mais me orgulho em toda minha vida pública", declarou. E estabeleceu como meta, para o caso de vencer as eleições, baixar o índice para menos de 20 mortes para cada mil nascidos vivo s.


Candidato do PSB pede ao TSE que casse Lula
BRASÍLIA - A coligação Frente Brasil Esperança, que apóia a candidatura à Presidência de Anthony Garotinho (PSB), pediu ontem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que casse os registros do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e de seu vice, senador José Alencar (PL).

O grupo de Garotinho quer que Lula e José Alencar sejam punidos também com o pagamento de multa por uso de materiais e serviços públicos em benefício da campanha presidencial. O problema teria ocorrido no início de julho, quando o secretário de Trabalho do Rio, Adeilson Ribeiro Telles, teria encaminhado convite a outro secretário, em papel timbrado do governo estadual, para a inauguração do comitê sindical eleitoral de Lula e da governadora do Rio, Benedita da Silva (PT).

No convite, segundo a denúncia de Garotinho, existiria o alerta para a "importância da participação de todas as secretarias de Estado, dando ampla divulgação a esse evento".

A coligação que apóia Garotinho observou que a legislação eleitoral "veda a cessão de servidor público do Poder Executivo ou seus serviços para comitês de campanha de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal". O grupo de Garotinho acusa os petistas de usarem papel timbrado, computador, digitador e aparelho de fax do governo em benefício de candidato. (Mariângela Gallucci)


Garotinho deve perder mais um palanque regional
Candidato do PSB ao governo do Pará ameaça rompimento por falta de recursos na campanha

BELÉM - O candidato do PSB ao governo do Pará, senador Ademir Andrade, disse ontem que está prestes a romper com o candidato de seu partido à Presidência, Antony Garotinho. "Ele não cumpriu aquilo que prometeu e, estando no quarto lugar sem honrar seus compromissos, fica muito difícil apoiá-lo."

Garotinho prometeu recursos, mas até hoje quase nada liberou. A campanha do presidenciável no Estado, segundo Andrade, é feita "sem entusiasmo", pois o ex-governador até agora "não conseguiu empolgar o eleitorado". O senador contou que em seus comícios e caminhadas está divulgando apenas seu nome aos eleitores.

"Tenho de cuidar de mim e me eleger governador, porque as pesquisas são favoráveis", alegou.

Na eventualidade de Garotinho desistir da candidatura à Presidência, Andrade descarta a possibilidade de apoiar Ciro Gomes (PPS), como adversários cogitaram. "Se Garotinho desistir, no primeiro turno não apoiarei ninguém."

No páreo - Em São Paulo, onde fez comício e visitou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), Garotinho insistiu que não desistirá da candidatura e se irritou: "Já respondi a esta pergunta 365 vezes nos últimos 10 dias." "Notem que José Serra (PSDB), o candidato do governo, com dinheiro dos banqueiros, tem 13% das intenções de voto e eu tenho 10%. Estou muito bem e vou até o fim", disse.

O candidato aproveitou para retomar os ataques. Disse que o País "está quebrado" e a crise econômica não terá saída a curto prazo. Afirmou, ainda, que o crescimento do risco Brasil tem sido "sistematicamente previsto" por ele e não guarda relação com as eleições: "Alguém tem de ter a coragem de dizer que o Brasil está quebrado; o próximo presidente terá de ter consciência disso."

Acompanhado por duas dúzias de cabos eleitorais, Garotinho demorou cerca de 40 minutos para caminhar da Bovespa à Praça da Sé. Fez discurso em carro de som e repetiu suas promessas de campanha, como elevar o salário mínimo para R$ 280,00, aumentar a pensão dos aposentados e construir 500 mil moradias por ano. Uma equipe conseguiu vender, até o início da tarde, cerca de 100 bônus de R$ 1,00 - usados para financiar a campanha do candidato.

Garotinho fez, também, duras críticas ao sistema financeiro nacional e disse que o País precisa combater os lucros exorbitantes dos bancos. Na Bovespa, disse que tem uma estratégia contra os ganhos das instituições, mas que não iria divulgá-lo. Comentou, por fim, que o mercado de capitais é vítima do mercado financeiro: "O mercado de capitais, que registra prejuízos, tem sido confundido com os bancos, que têm lucro exagerado."


Receita vai usar CPMF para detectar caixa 2
BRASÍLIA - O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, disse ontem que utilizará informações sobre os recolhimentos da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para detectar se as campanhas estão burlando a nova regra que manda centralizar os recursos em uma única conta bancária. "Qualquer recurso movimentado fora dessas contas é crime eleitoral."

Um convênio firmado entre a Receita e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina que esses comitês financeiros tenham um número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), com uma conta bancária vinculada a ela. Todas as doações e pagamentos precisam passar por essa conta, de modo que haverá maior controle sobre a origem e a utilização desses recursos. Após 31 de dezembro, o número do CNPJ e a conta bancária serão cancelados.

O secretário reconheceu que as novas regras, publicadas ontem no Diário Oficial da União, não oferecem garantia de 100% contra a utilização de "caixa 2" nas campanha eleitorais. Mas ele acha que, com as exigências, ficará "praticamente impossível" a emissão de cheques por "laranjas", uma prática ilegal mas muito comum em campanhas anteriores.

O caixa 2 seria uma forma de o financiador sonegar impostos, por um lado, e permitir aos partidos movimentar recursos fora do controle do TSE. "Mas todas estas medidas que estão sendo tomadas, nos dão tranqüilidade quanto a uma maior eficiência da Receita nesse aspecto", disse.


Maioria do PFL está com Ciro, diz Bornhausen
Senador garante que porcentual na bancada vai aumentar e na cúpula já é de dois terços

BRASÍLIA - O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), garantiu ontem que mais de 50% dos 97 deputados de seu partido já aderiram à candidatura presidencial de Ciro Gomes (PPS). E a tendência, segundo ele, é de que esse porcentual aumente. O equilíbrio verificado na bancada, porém, não se repete entre os principais dirigentes do partido, onde a maioria pró-Ciro é, hoje, de dois terços.

O último nome de forte influência no PFL a aderir a Ciro foi seu líder na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE). Com isso, o partido racha em Pernambuco, único Estado onde ainda estava unido em torno da candidatura do tucano José Serra. O líder abandonará o vice-presidente Marco Maciel, que apóia Serra, para anunciar sua adesão a Ciro na semana que vem. Puxará também o ex-governador Joaquim Francisco, que passou a fazer fortes declarações contrárias a Serra - a ordem no diretório estadual é não responder ao ex-governador.

Bornhausen assegurou que os apoios novos que são anunciados quase todos os dias são espontâneos e em nenhum momento ele ou os partidários de Ciro tentaram cooptar pefelistas.

"Não estamos procurando ninguém. Na medida que as pessoas nos procuram, as encaminhamos para o comando da campanha", afirmou. O senador encontrou-se ontem em São Paulo com Ciro Gomes e os dois combinaram que o candidato voltará a Santa Catarina em setembro. Lá, Bornhausen não conseguiu o apoio a Ciro do governador Esperidião Amin, seu aliado do PPB, que declarou adesão a Serra.

De todos os pefelistas importantes, o mais entusiasmado na defesa de Ciro é o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (BA), que promete fazer uma festa "como nunca se viu na Bahia", na sexta-feira, dia em que o candidato do PPS receberá o apoio de centenas de prefeitos baianos do PFL e do PL, partido que está coligado nacionalmente com o PT de Luiz Inácio Lula da Silva. A festa será comandada por ACM, o favorito na disputa pelo Senado.

Dos nomes mais i nfluentes do PFL, também apóiam Ciro a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney, o governador Amazonino Mendes, do Amazonas, e o líder no Senado, José Agripino Maia (RN), representante de uma das oligarquias do Rio Grande do Norte.

Sem debandada - Do outro lado, a favor de Serra, estão o prefeito do Rio, César Maia, o governador do Paraná, Jaime Lerner, e o vice Marco Maciel. No Paraná, o PFL está dividido. Dos seis deputados federais, três apóiam Ciro e três seguem a orientação de Lerner, segundo as contas de Bornhausen.

César Maia garante que, ao contrário do que afirmam os defensores de Ciro, não há debandada nenhuma de pefelistas rumo à sua candidatura. "A executiva do PFL - ainda na primeira semana de junho - deu liberdade individual de escolha a seus militantes", afirma.

Portanto, segundo o prefeito, novas adesões não significam uma debandada.

Maia diz ainda que está animado com Serra. "Pela primeira vez estou entusiasmado com a campanha do Serra. O momento é o melhor desde o ano passado, pois agora se está vendo quais são as restrições e os caminhos."

Ele faz algumas contas e conclui com uma advertência. "Anote bem: se entendermos que os ziguezagues foram produtos da visibilidade dada pela TV e se olharmos para setembro do ano passado, veremos que o Serra passou de 9% para 13%, Ciro de 20% para 25% e Lula caiu de 38% para 34%. E Garotinho ficou nos 10% que tinha. Mas há uma novidade agora: Lula está caindo e pode cair muito mais. Não está descartada a hipótese de um segundo turno entre Serra e Ciro."


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O benefício da dúvida
José Nêumanne

Uma pergunta tem perturbado o candidato favorito nas pesquisas à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, nas entrevistas que dá e nos debates de que participa: por que ele não se preparou para o cargo que disputa? Por não poder dar uma resposta satisfatória (não dá para recuperar os 12 anos perdidos, desde que perdeu a primeira eleição para Collor), o presidenciável tem deixado os interlocutores sem respostas, responde com desaforos ou aproveita pronunciamentos públicos seja para se queixar do preconceito de quem questiona, seja para garantir que escolaridade não é sinônimo de preparo. Pode até não ser mesmo, mas também não deixa de ser.

A questão não se circunscreve ao preconceito elitista, como Lula imagina (ou pelo menos como ele se manifesta). Ao contrário do que ele acha (ou pelo menos diz), não são só os corretores da bolsa e os donos dos jornais que "apóiam o candidato que está em terceiro lugar" que preferem um presidente preparado a um despreparado. Em meados dos anos 70, com a ajuda do próprio Lula, que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Maria Inês Caravaggi e eu passamos três meses ouvindo operários na Grande São Paulo sobre praticamente todos os assuntos que pudessem ser discutidos publicamente, para traçar um perfil da classe. Poucas conclusões foram tão unânimes quanto esta: os operários ouvidos sonhavam com diploma universitário para os filhos, pois não queriam que eles freqüentassem o chão da fábrica, mas os escritórios. E uma conseqüência lógica desse anseio era a preferência por governantes que soubessem mais do que eles.

Isso não quer dizer que o brasileiro pobre, vítima em sua quase totalidade das deficiências de uma educação mambembe, venha a eleger um presidente só porque ele é um sábio. Se isso fosse verdade, o senador José Serra (PSDB-SP) não estaria disputando o terceiro lugar com Anthony Garotinho, do PSB. Mas significa, isso sim, que as dúvidas sobre o preparo de Lula (não tanto sua escolaridade, mas principalmente sua inexperiência administrativa) rondam os lares mais pobres, e não apenas o mercado de capitais. Afinal, o preparadíssimo Fernando Henrique e o muito menos erudito Fernando Collor, que já havia sido prefeito de capital e governador de Estado, tiveram mais votos do que ele entre os mais pobres. Os aristocratas arrogantes, nos quais o candidato petista identifica seus críticos, não formam um contingente eleitoral suficientemente forte para eleger um presidente neste país.

A hipótese de Lula presidente assusta pelo muito que se conhece dele e pelo pouco que se acha que ele conhece - e ele nunca fez questão de provar o contrário. Ciro Gomes, do PPS, assusta pelo muito que não se conhece dele e talvez cresça não tanto porque tenha ido a Harvard aprender um pouco, mas porque antes de tentar a Presidência, como Collor e como Jânio Quadros, foi prefeito de capital e governador de Estado. Experiência administrativa pode não ser condição sine qua non - Fernando Henrique não dirigiu nem faculdade na USP antes de ser ministro do Exterior e depois da Fazenda, saindo daí para se eleger presidente duas vezes -, mas quem garante que atrapalha?

Preparo intelectual pode até não garantir muita coisa: Marco Aurélio, o imperador filósofo, deu início à derrocada do Império Romano ao abandonar a tradição da adoção na sucessão e nomear sucessor um herdeiro natural, Cômodo, um imbecil. Mas bem que ajuda: poucos são os terráqueos que não têm hoje saudade das trapalhadas sexuais do culto ex-presidente americano Bill Clinton, substituído por um presidente cujo QI pode ser medido por um bafômetro. Na Roma antiga e no planeta globalizado, o poder de mando tem de ser exercido com bom senso, serenidade, humildade e o máximo possível de conhecimento. Não se exige de um governante que seja capaz de dominar todos os assuntos que a complexidade da administração dos Estados contemporâneos abrange. Mas ele precisa estar preparado pelo menos para saber que é tolice proteger agricultores e produtores de aço para ganhar votos daqui a três meses (como fez Bush) ou imaginar que pode combater esse protecionismo garantindo longa vida à improdutividade local e declarando uma guerra de subsídios.

Por nutrir um preconceito às avessas, Lula não percebeu que o operário do chão de fábrica do ABC, onde ele se lançou para a vida pública, e o camponês analfabeto de Garanhuns, onde nasceu, não entendem isso em profundidade, mas são dotados de uma pré-racionalidade que os leva a tentarem defender-se, pois, no mínimo, intuem que a forma como esse assunto vai ser tratado lhes pode custar emprego e pão. E, como aquele ar de "papai sabe-tudo" de Serra impede que ele transforme sua vantagem nesse campo em votos, Ciro Gomes cresce na pesquisa usufruindo o benefício da dúvida.


Editorial

FLERTANDO COM O FASCISMO

Se há um texto de leitura obrigatória no atual momento brasileiro é o do programa de governo de Ciro Gomes - sobretudo as passagens que descrevem os seus planos de reforma das instituições políticas, que não poupam nem o regime federativo. A obrigação é ditada pela sua ascensão nas pesquisas.

Pois, se as chances de Ciro fossem as de um Enéas em pleitos anteriores, essas propostas poderiam ser sossegadamente esquecidas como destrambelhadas fantasias autoritárias de concretização tão improvável como as aspirações de quem as sustentasse. Dadas as circunstâncias, porém, a reação a elas não pode ser de descaso - mas de profunda inquietação.

Esta página já analisou, domingo, dois motivos de sobressalto diante do cenário em que um aprendiz de feiticeiro, na chefia do governo, tente adaptar as instituições ao seu voluntarismo e aversão à negociação. São eles a "parlamentarização" do presidencialismo e a "democracia direta" com que sonha o candidato, inspirado em seu exótico mentor, Roberto Mangabeira Unger, baiano de sotaque ianque que leciona Filosofia do Direito na Universidade Harvard. A "parlamentarização" está assim "explicada" no programa do candidato: "Como maneira de dotar o regime presidencial de mecanismos para a resolução de impasses, parlamentarizando-o (sic!), propor que tanto o presidente quanto o Congresso possam unilateralmente (sic!) convocar eleições antecipadas para os dois poderes, quer diante de um impasse programático ou legislativo abrangente e persistente (sic!) quer em resposta à desintegração de uma base partidária capaz de sustentar um projeto forte de governo." A proposta de "democracia direta", de certa forma, redundante da anterior, remeteria ao eleitorado, na base do "sim" ou "não", a decisão plebiscitária sobre projetos complexos e controvertidos.

Os disparates que o leitor acabou de ler têm complementação: o programa propõe também um "federalismo flexível", mediante a instituição de "colegiados transfederais" para, nas áreas de educação e saúde, promover "a redistribuição de recursos dos Estados e municípios mais ricos, de acordo com critérios a negociar" (grifo nosso). Em primeiro lugar, o candidato parece ignorar que o atual governo, no que foi um dos seus maiores avanços, acabou com as transferências negociadas entre as diferentes esferas federativas - fonte histórica de barganhas clientelísticas. A alocação dos recursos está hoje subordinada a critérios estritamente objetivos, como os que regulam a distribuição de verbas do Fundef, na educação, e os repasses do SUS, na saúde. Na realidade, o que o candidato propõe serviria apenas para discriminar Estados e regiões e, assim, distribuir recursos de acordo com interesses políticos - o mais prioritário dos quais, como veremos em próximo editorial, é prejudicar São Paulo.

Segundo - e mais importante ainda, do ângulo da estabilidade institucional -, essa flexibilização viria no bojo de uma "repactuação da Federação", seja lá o que isso possa representar, além de um fósforo aceso na mata seca. Não é difícil entender por quê. O próximo Congresso deixará saudade do atual, em matéria de estruturação e organicidade política. O dado talvez mais alarmante da disputa sucessória é a decomposição do sistema partidário de apoio - e de oposição - ao presidente Fernando Henrique. A forma como se agruparam as siglas nestes últimos oito anos parecerá um modelo de limpidez programática e coerência política, de fazer inveja a uma Grã-Bretanha, perto do que resultar, para a atividade legislativa, da absoluta mixórdia oportunista de alianças eleitorais que marca a campanha em curso e não promete nada de bom.

Ciro Gomes, para citar o exemplo mais notório, tem a seu lado Leonel Brizola, Antonio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, a tropa de choque de Fernando Collor, o antigo Partido Comunista Brasileiro e a direita militar de pijama. Se eleito - e pretender cumprir as suas promessas - acabará fazendo aquilo a que Fernando Henrique, mesmo no auge da sua popularidade, sempre se recusou: entrar em conflito com o Congresso. Longe de ter ali qualquer coisa parecida com a base de sustentação que, a duras penas, o presidente soube manter, Ciro não conseguirá aprovar nem o presidencialismo-parlamentarista, nem a democracia plebiscitária, muito menos a repactuação federativa - porque nada polariza tanto os políticos como os interesses regionais.

Mas, enquanto perdurar a queda-de-braço com o Congresso - contra o qual, cedo ou tarde, Ciro será tentado a mobilizar as "maiorias desorganizadas"de que fala no programa -, o seu pendor bonapartista mergulhará o País em um torvelinho de incertezas institucionais, que reforçarão as crispações econômico-financeiras que já afetam o País e, por sinal, se agravaram com o crescimento de Ciro nas pesquisas. Nenhuma força comprometida com a democracia, a começar do PT de Lula, pode desconsiderar essa ameaça. E todas têm o dever de advertir o eleitorado para o perigo de uma candidatura que flerta com o fascismo.


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07/31/2002


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