Lula sobe e Serra se isola em 2









Lula sobe e Serra se isola em 2
Duas pesquisas divulgadas ontem, pelo Ibope e pelo Datafolha, mostram a subida do candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou ao patamar de 40% das intenções de voto. José Serra, do PSDB, se isolou no segundo lugar, abrindo vantagem de quatro a seis pontos sobre o adversário Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, que confirmou tendência de queda constatada desde o início da propaganda eleitoral na TV. Ciro agora está em empate técnico com Anthony Garotinho, candidato do PSB, que subiu um ponto, segundo o Ibope, ou quatro, de acordo com o Datafolha.

Segundo a pesquisa do Ibope, divulgada ontem pelo “Jornal Nacional”, da Rede Globo, Lula teria 39% e estaria a cinco pontos da vitória no primeiro turno. Em segundo vem Serra, com 19%, seguido de Ciro, com 15%, e Garotinho, com 12%. A margem de erro da pesquisa do Ibope é de 1,8 ponto para mais ou para menos.

Com exceção do Centro-Oeste e do Norte, o candidato do PT cresceu em todas as demais regiões do país, com alta expressiva na região mais populosa, a Sudeste, onde passou de 32% para 39%.

De acordo com o Datafolha, Lula cresceu três pontos percentuais e chegou a 40% das intenções de voto, contra 21% de Serra, que ganhou dois pontos. Ciro, que perdeu cinco, ficou com 15%, apenas um ponto na frente de Garotinho, que, segundo o Datafolha, cresceu quatro. A margem de erro é de dois pontos.

Petista venceria no segundo turno
Segundo o Datafolha, a vantagem de Lula num eventual segundo turno contra Serra ou Ciro também se ampliou. O petista venceria o candidato da Frente Trabalhista por 54% a 34%. Na pesquisa anterior essa diferença era menor: de 48% a 41%. Na disputa com Serra, Lula teria 53% dos votos contra 38% do candidato tucano. A última pesquisa mostrava uma vitória de Lula com 51% contra 39% do candidato do governo.

Embora o petista vença com margem de mais de 20 pontos percentuais, o único candidato contra o qual Lula não cresceu num eventual segundo turno foi Garotinho. O petista venceria o ex-governador por 54% a 35%.

No levantamento anterior, a vitória do petista seria de 54% a 33%.

Debate causou mais estragos para Ciro
As pesquisas concluídas ontem são as primeiras a captar integralmente o impacto da pesada troca de acusações entre Serra e Ciro no debate da TV Record, realizado na noite de segunda-feira da semana passada.

A julgar pelo índice de rejeição, Ciro tem sido mais prejudicado pelos estragos do duelo: o índice dos que dizem que não votariam nele saltou de 25% para 34%, enquanto o percentual de Serra subiu de 27% para 31%.

A pesquisa Datafolha registrou o menor percentual de eleitores que não declaram voto espontaneamente: o número de indecisos neste caso caiu de 41% para 38%. O número de eleitores que se declararam totalmente decididos cresceu dois pontos: de 62% para 64%.

Caso o eleitor decida mudar de candidato, segundo a pesquisa, Serra é o candidato que tem mais chances de receber esses votos, segundo o Datafolha. Entre os entrevistados, 25% disseram que votariam nele se decidissem mudar de candidato. Lula vem em seguida, com 21%, e Ciro em terceiro, com 20%. Garotinho seria a segunda opção para 18% dos entrevistados pelo Datafolha.


Serra critica Lula por ter elogiado governo militar
“Elogiar política do governo militar, eu só vi até agora o Lula fazer isso. Fiquei 14 anos exilado. Eu olho a política como um todo”

Em entrevista a colunistas e leitores do GLOBO ontem, na sede do jornal, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, deixou claro qual será seu próximo alvo na campanha: o adversário do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas. O tucano criticou os elogios que o petista tem feito ao planejamento estratégico adotado pelos governos militares. “Elogiar política do governo militar, só vi até agora o Lula fazer. Fiquei 14 anos exilado”, disse, respondendo a uma pergunta do colunista Marcio Moreira Alves. Serra voltou a criticar Lula, referindo-se à frase “Lulinha quer paz e amor” do petista, ao falar de sua experiência no Ministério da Saúde. “Governar também supõe contrariar interesses, por incrível que pareça.

Nessa época de tudo no paz e amor, de repente parece que tudo fica numa nice , que cada setor dá o seu palpite e a gente age sempre na média (das opiniões). (Para governar) precisa ter também disposição para a briga”, afirmou Serra. O tucano disse que, apesar de criticarem seus planos para criação de empregos, seus adversários fazem promessas ainda mais ambiciosas: “Se quisesse ser Papai Noel eu iria além do que o PT propôs, que foi dez milhões de empregos. Eu proporia 11 milhões”. A entrevista também teve momentos de descontração. Luis Fernando Verissimo, que na semana passada escreveu sobre a falta de ginga do tucano ao sambar com eleitores, ouviu o comentário: “Acho que para gaúcho e paulista até que está bom.”


Serra rebate Lula e vai ao ataque: ‘O PT e o MST estão identificados’
Em uma demonstração de que os ataques ao adversário petista vão se intensificar, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, criticou ontem as declarações de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a reforma agrária.

Em entrevista ao sair da sabatina no auditório do GLOBO, Serra classificou como no mínimo esquisitas as
declarações do petista sobre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra). No domingo, em reunião com pecuaristas, em Minas, Lula disse que era o único candidato capaz de conduzir a reforma agrária sem invasões do MST.

— O MST e o PT estão identificados. Ele deu uma declaração no mínimo esquisita. Se for outro (o candidato eleito), vai jogar o MST para invasões? E, se for ele, aí não vai jogar o MST para invasões? Isso parece que é uma coisa do próprio PT — criticou Serra.

Em almoço com aliados da coligação “Todos pelo Rio” (PFL, PMDB e PSDB), que apóia a candidatura da pefelista Solange Amaral ao governo do estado, o tucano ironizou a proposta do PT de criar dez milhões de empregos.

Serra diz que campanha não é concurso de Papai Noel
O tucano destacou que a sua proposta de criar oito milhões de empregos não é apenas uma promessa e criticou a proposta de Lula:

— Se fosse para fazer um concurso de Papai Noel, faria como o PT, que propôs gerar dez milhões de empregos.

Em seu discurso, Serra reafirmou seus compromissos com o estado na área de segurança e transportes. Ele lembrou que obras como as do metrô não representam apenas conforto para a população, mas também geração de empregos. Pela manhã, Serra gravou no Hotel Glória imagens para o programa de Solange.

O tucano recebeu da coordenação da Ação da Cidadania o projeto Brasil sem Fome. A proposta, que já foi entregue também aos candidatos Ciro Gomes (Frente Trabalhista) e Lula, prevê o aumento do plantio do feijão e a distribuição de uma cota do alimento para os 50 milhões de famintos do país.

— Parabéns pelo esforço e eu mesmo vou examinar bem a proposta — afirmou Serra, que evitou comentar os ataques feitos pela Frente Trabalhista ao Tribunal Superior Eleitoral.


Crescimento de Garotinho anima aliados
BRASÍLIA. A pequena reação do candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, nas pesquisas de intenção de voto divulgadas nos últimos dias deu novo ânimo para antigos aliados e trouxe novos apoios à sua candidatura. Principalmente apoio financeiro de grande parte dos empresários evangélicos.

No sábado à noite, Garotinho reuniu-se com 900 empresários da Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno (Adhonep). O jantar foi realizado no Hotel Blue Tree Park, em Brasília, e financiado pela associação.

Garotinho ouv iu dos evangélicos que terá apoio financeiro e ajuda para fazer campanha. Além de dinheiro, os empresários puseram à sua disposição cinco jatinhos para que ele possa intensificar suas viagens pelo interior do país.

Evangélicos voltam a apostar na candidatura de Garotinho
O otimismo é grande entre os evangélicos. Candidato ao governo do Distrito Federal, o vice-governador Benedito Domingos (PPB) vibrou com o crescimento de três pontos percentuais de Garotinho.

— Ele ainda vai crescer mais e o que a gente puder fazer por ele, a gente vai fazer — prometeu Domingos, que é da Assembléia de Deus.

Antigos desafetos, como o deputado federal Eduardo Campos (PSB-PE), agora se mostram otimistas em relação a Garotinho.

— Vamos passar para o segundo turno — aposta.

Campos e Garotinho se desentenderam durante o processo de escolha do candidato a vice e o deputado também criticou o ex-governador por priorizar eventos evangélicos durante a campanha.

— Em uma hora de crise na campanha, Garotinho se pegou aos evangélicos. Agora, ele tem ampliado suas atividades. Estamos mais animados do que pinto no lixo — afirma Campos.

Para o deputado, o crescimento de Garotinho se deve ao seu desempenho no debate realizado na semana passada na Rede Record.

— É reflexo do debate. Ele se saiu bem e o eleitor que se decepcionou com Ciro Gomes (Frente Trabalhista), que é de oposição, identificou-se com o Garotinho. Ele ainda vai crescer muito mais — acredita.

Garotinho: “O povo pôde perceber quem é oposição”
Já o próprio Garotinho diz que as pesquisas só confirmam o que ele já vinha percebendo nas ruas há 15 dias.

— Vamos estar no segundo turno. O horário eleitoral gratuito nos ajudou. O povo brasileiro pôde perceber quem é de oposição. Quem pode acreditar que Lula é de oposição, tendo Sarney ao seu lado? Ciro Gomes está com Antonio Carlos Magalhães, Collor, nomes do passado — disse.


Lula: ‘O Brasil não é nenhuma republiqueta’
SALVADOR, CURITIBA e SÃO PAULO. O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem, em Salvador, que não apóia a proposta de se chamar observadores internacionais para acompanhar as eleições, como propôs a Frente Trabalhista (PPS-PTB-PDT), que tem Ciro Gomes como candidato a presidente. Segundo Lula, o país é maduro o suficiente para enfrentar sem ajuda estrangeira qualquer irregularidade no processo eleitoral, se houver.

— O Brasil não é nenhuma republiqueta. Somos um país de tradição, um país grande, um país que aprendeu a conviver com as normas democráticas — afirmou.

Lula, no entanto, não descartou a possibilidade de haver irregularidades no processo eleitoral, mas disse que a Justiça brasileira e a sociedade estão preparadas para investigar.

— Sabemos que historicamente há falcatruas em eleições. Mas o que nós precisamos é que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) faça uma apuração, uma investigação. É isso o que esperamos do TSE, dos partidos políticos e da sociedade — disse.

O petista ironizou a proposta da Frente de convocar observadores citando a eleição de George W. Bush nos EUA, que só foi decidida após várias recontagens de votos.

— Temos que fazer as coisas acontecerem sem sermos tratados como um país qualquer. Os americanos ficam pelo mundo inteiro acompanhando as eleições dos outros países mas se esqueceram de acompanhar a eleição nos EUA.

Lula sugeriu que os partidos que se sentirem prejudicados criem esquemas de apuração paralelos para evitar fraudes.

Roberto Freire: “Eu sou uma voz isolada”
O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), disse ontem ser contrário à presença de observadores internacionais para acompanhar as eleições, como vinha defendendo a Frente Trabalhista:

— Acho que o Brasil tem instituições bastante fortes, apesar de alguns problemas que estão ocorrendo no processo eleitoral.

Freire disse acreditar que a insistência de Ciro pela presença de observadores é um desabafo causado pelas decisões do TSE contrárias às representações feitas pela Frente contra o adversário tucano José Serra.

— Ciro pode achar uma coisa e eu posso achar outra. Não reuni o partido para discutir isso até porque esse é um problema de comando de campanha. Se o Brizola (PDT) admite, se o PTB admite, se Ciro acha, eu sou uma voz isolada, no caso, contra — disse Freire.

Ontem, em São Paulo, Ciro disse não acreditar na necessidade de chamar observadores das Nações Unidas (ONU) para fiscalizar a eleição de outubro, apesar de afirmar que vê risco de o pleito não ser realizado de forma limpa. Ele observou que a medida é tida como necessária por companheiros do partido (como o vice-presidente nacional do PPS, deputado federal João Herrmann) uma vez que há uma “sensação de injustiça”, numa referência ao questionamento da Frente sobre a atuação do TSE e um suposto favorecimento à candidatura tucana:

— Tenho muito constrangimento de chegar a isso. Nós, brasileiros, deveríamos ter a capacidade, como sempre tivemos, de administrar a evolução da nossa democracia. Alguns companheiros de partido acham que isso seria necessário (observador), dada à sensação de injustiça que nós hoje temos, pela maneira como temos sido tratados. Por algumas decisões que, sob a mesma lei, privilegiam o candidato do governo. Mas eu ainda não me rendi a essa evidência.

Ciro: “Podemos não ter uma eleição limpa”
Ciro ressaltou sua preocupação com a apreensão dos simuladores de voto encontrados no Distrito Federal.

— É inquietante que se tenha encontrado mais de 80 urnas, em que o cidadão digita qualquer número, como o meu, que é 23, e dá Serra no resultado. Isso é muito constrangedor — disse ele, referindo-se aos simuladores de voto, que, no entanto, não têm qualquer ligação com o sistema de apuração oficial. E acrescentou:

— Pela primeira vez, desde a redemocratização, podemos não ter uma eleição limpa.

Ciro descartou a possibilidade de pedir um encontro com o presidente do TSE, Nelson Jobim.

Ontem, Lula também disse que prefere não apostar na possibilidade de vencer as eleições já no primeiro turno. Segundo ele, a equipe da campanha e os militantes não podem se deixar influenciar pelas pesquisas:

O candidato do PT criticou o presidente americano, George W. Bush, e disse que é equivocada a tentativa de invadir o Iraque sem o apoio das Nações Unidas. Para Lula, teria sido mais eficaz uma manobra política que engajasse todos os países na captura de Osama Bin Laden do que a guerra contra o Afeganistão, que resultou na morte de milhares de inocentes e não surtiu o efeito desejado.


Balança: superávit na primeira semana do mês
BRASÍLIA. A balança comercial brasileira registrou um superávit de US$ 401 milhões na primeira semana de setembro, resultado de US$ 1,261 bilhão em exportações e US$ 860 milhões em importações.

Contribuíram para o bom desempenho a queda de 21,4% nas compras externas, em relação ao mesmo mês de 2001, e o aumento de 0,8% nas vendas ao exterior, também frente a setembro passado. No ano, há um saldo acumulado de US$ 5,782 bilhões, com exportações de US$ 38,287 bilhões e importações de US$ 32,505 bilhões.

Nas exportações, a média diária apurada na semana foi de US$ 252,2 milhões, contra US$ 250,3 milhões no mesmo período do ano passado. Esse aumento foi possível graças ao crescimento das vendas de produtos básicos (13,2%), com destaque para petróleo em bruto e farelo de soja, e de semimanufaturados (11,7%), principalmente ferro, aço e alumínio. Já as exportações de manufaturados caíram 4,8%.

Importações caíram 21,4% frente a setembro de 2001
Em relação a agosto, as exportações n a primeira semana de setembro tiveram redução de 3,5%. Nesse período, as exportações de básicos subiram 5,4%.

As importações, que costumam apresentar crescimento no segundo semestre, devido ao aquecimento do comércio no fim do ano, tiveram queda de 21,4% na primeira semana do mês em relação ao mesmo período no ano passado. No período, a média diária das importações passou de US$ 218,9 milhões em 2001 para US$ 172 milhões em 2002.


Artigos

A nova velha Cidade de Deus
Dimmi Amora

Casinhas pequenas, todas iguais, espalhadas por ruas de barro cartesianamente desenhadas numa prancheta.

Campos de futebol em terreno baldio e meninos tomando banho num regato limpo que só pode ser longe de um grande centro urbano. Pessoas chegando em caminhões, como se fossem refugiados, começam a ocupar as casinhas, as ruas...

O cenário acima vai parecer comum a quem assistir ao filme “Cidade de Deus”. São as primeiras cenas, retratando o início da ocupação do conjunto habitacional na Zona Oeste do Rio, na década de 60 (as cenas finais mostram a que leva esse tipo de urbanização).

Até aí, nada demais. Reproduzir cenários não existentes é função do cinema. Esse tipo de conjunto poderia ser feito com papelão, madeira ou até reproduzido por computador. Mas os produtores não precisaram de nada disso. No ano 2000, início da filmagem e 40 anos depois da história real, o governo do Rio começava a construir o Conjunto Habitacional Nova Sepetiba, onde foram filmadas as cenas da primeira fase de “Cidade de Deus”.

Propagandeado como o maior conjunto habitacional da América Latina, o Nova Sepetiba, dividido em 1 e 2, teria 10.500 casas. A bondade divina e o orçamento foram maiores que a parolagem marqueteira. Desta vez, isto é motivo de comemoração. Ficaram prontas quatro mil casinhas de quarto, sala e banheiro — que o leitor poderá ver como são no filme. Para o bairro de Sepetiba, um balneário abandonado na mesma Zona Oeste devido à poluição da baía homônima, foram levados 20 mil novos habitantes em menos de dois anos.

Moravam até então 30 mil pessoas no bairro.

Alguns poucos até tentaram evitar este crime (não é força de expressão: para fazer o conjunto, o número de crimes cometidos faria inveja à folha corrida de muito traficante). Mas como o balneário não era Búzios, não houve força suficiente para fazer estes movimentos que tanto mobilizam a classe média, como Abraço contra Nova Sepetiba ou Paz em Sepetiba. O máximo que se conseguiu foi parar a obra com a troca de governo, só não se sabe até quando.

Não é difícil convencer alguém que vive em estado degradante a ir morar numa casa dada pelo governo a 50 quilômetros do Centro do Rio. Ao dizer para os cinco mil chefes de família e jovens ávidos por trabalho que a região era farta de empregos no Porto de Sepetiba e em três usinas termelétricas que seriam construídas, como está escrito no Estudo de Impacto Ambiental, chancelado pela Uerj, a tarefa ficou ainda mais fácil.

Este argumento é uma bobagem de pessoas do século passado. Sepetiba é um porto completamente mecanizado e é difícil ver gente lá dentro. A única usina que ficou pronta na região (foi construída em seis meses) funciona com 80 empregados de alta qualificação. Os trabalhadores de baixa qualificação, maioria entre os moradores de Nova Sepetiba, não tiveram vez. E suas famílias, hoje, estão muito perto da fome, e eles muito longe dos subempregos que a evitariam.

Havia coisa ainda melhor em Nova Sepetiba, no discurso governamental. Escolas, creches, praças e até um posto policial. Mas alguém não viu referências a estes elementos de infra-estrutura no filme ou no livro “Cidade de Deus”? Estavam todos lá e até hoje estão. E a Cidade de Deus virou, ainda assim, um local dominado por um poder paralelo exercido por meninos armados.

Conclui-se o óbvio: o erro não está na execução do modelo de conjunto habitacional. O erro é o grande conjunto habitacional. A essa conclusão já chegaram todos os estudiosos em urbanismo que tenham o mínimo de seriedade. Conjuntos deste tipo, hoje, são demolidos nos países desenvolvidos porque viraram cidades-fantasmas. Ninguém quer morar neles.

Casa, comida e polícia nunca serão suficientes em si. Pobres ou ricas, as pessoas querem ter identidade própria. Jogá-las em caixas de concreto, longe de seu trabalho e distantes de suas raízes, dificulta-lhes chegar à condição de cidadãs. Além disso, não há região que suporte a chegada de um contingente populacional tão grande em tão pouco tempo. Faltam empregos, hospitais, escolas secundárias, transporte, amizade, afeto...

Inicia-se, então, o mais duro processo: a guetificação. Ele começa quando se dá uma casa igual para pessoas diferentes, com gostos diferentes, desejos diferentes e necessidades diferentes. Depois, isolados e sem raízes, eles têm dificuldades para sobreviver no novo ambiente. Mataram-lhes a auto-estima. Para quem está de fora, todos os moradores dos conjuntos também viram seres iguais. E quando um erra, é como se todos errassem também.

A esse destino, que vem sendo imposto a várias gerações de pobres brasileiros, jovens moradores de conjuntos e favelas têm preferido empunhar armas para que a sociedade os perceba, por mal, como detentores de identidade própria.

O roteiro de “Cidade de Deus” mostra que o processo, até o local ser dominado pelo tráfico, foi relativamente longo, coisa de 15 anos. Em Nova Sepetiba, ele já começou e será bem mais rápido. De lá certamente vão sair novos Paulos Lins para contar a história de novos Buscapés, Zé Galinhas, Dadinhos e Cenouras, os heróis e vilões do filme. O que não pode mais acontecer é que a história de Nova Sepetiba possa ser filmada numa nova velha Cidade de Deus, Cidade Alta, Cohab e outras tantas experiências fracassadas de habitação popular ainda resistentes na sociedade brasileira.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO - Tereza Cruvinel

Temas esquecidos
Na entrevista de ontem no auditório do GLOBO, o candidato José Serra abdicou da auto-suficiência intelectual e admitiu desconhecer a questão levantada pela colunista de informática Cora Ronai sobre o monopólio na área de softwares e a possível adoção de “genéricos” para o setor, os softwares livres. Mas Serra não está sozinho. Seus concorrentes também não têm tratado desse mal.

Outros temas, não menos relevantes, também têm ficado em segundo plano numa campanha dominada por urgências econômicas. Falta, por exemplo, uma política antidrogas mais completa e linhas mais claras sobre a política externa, que não pode ser apenas sinônimo de política comercial mais agressiva.

Serra pôde responder sem limitações de tempo a variadas questões levantadas por jornalistas e leitores. Mas nem tentou, o que é uma virtude, enrolar ou desconversar sobre a questão dos softwares e seus correlatos, admitindo não ter proposta para o setor.

O governo que integrou ampliou a informatização da administração pública, criou um sistema de compras pela internet e gasta milhões com o licenciamento de programas da Microsoft, que domina o mercado nacional, tanto no setor público como no privado. Um projeto da maior importância, que se traduz num negócio da grande envergadura, é o de combate à exclusão digital — o universo de pessoas sem acesso aos bens de informática e domínio de seu uso — com recursos do Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações). Só para as escolas públicas, que ganhariam computadores e conexão com a internet, estavam inicialmente reservados R$ 1,5 bilhão do Fust. Postos de saúde, bibliotecas e entidades de apoio a deficientes também seriam contemplados. Mas tal projeto começou a inviabilizar-se quando o gov erno optou pelo uso exclusivo do sistema operacional Windows, da Microsoft, contra a defesa do sistema livre Linux, feita por empresas, técnicos e educadores. Complicou-se com a seleção prévia, pela Anatel, de apenas quatro operadoras de telefonia para disputar o edital de fornecimento dos bens e serviços. Isso foi sustado por liminares obtidas pelos deputados Sérgio Miranda e Walter Pinheiro. Recentemente, o novo diretor-geral da Anatel, Luiz Guilherme Shymura, reconheceu os problemas do edital e o anulou, prometendo outro, mais aberto, com livre escolha do software. Mas há quatro semanas uma medida provisória do governo destinou a maior parte dos recursos (o saldo do Fust de 2001, R$ 1 bilhão) à amortização da dívida pública.

O que têm dito os presidenciáveis sobre esse assunto? Nada. O PT defende maior uso do software livre, inclusive pelo governo, mas está no programa, não no discurso de Lula. Se os outros têm meta, não divulgaram. Poderão fazê-lo nos debates de hoje a sexta-feira.

Serra x Lula

O previsível aconteceu: ajudado pelos erros de Ciro Gomes, José Serra o ultrapassou. Segundo o Ibope, agora tem 19% e Ciro 15%, em empate técnico com Garotinho, que subiu para 12%. Desde a semana passada, quando empatou numericamente com Ciro, Serra começou a mirar em Lula como novo alvo. Ao longo da sabatina de ontem no GLOBO, soltou algumas farpas contra o petista:

— Políticas dos militares, só vi o Lula elogiando — deixou cair quando Míriam Leitão perguntou sobre a política industrial que prega, mais parecida com a da ditadura do que com a filosofia do atual governo.

De Ciro, nem se ocupou. Mas o petista será osso bem mais duro. Tem voto sólido, a língua e o temperamento mais controlados. E com 39% de preferência, sete pontos a menos do que a soma dos concorrentes, não está delirando quando pensa em ganhar no primeiro turno. Mas está desafiado a adotar agora um tom mais crítico em relação a Serra e ao governo. Afastando-se do figurino conciliador e pacífico que lhe reduziu a rejeição.

Senadores

Um leitor cobra, com razão: no balanço sobre as disputas pelas duas vagas de senador omitimos Amapá e Roraima. No primeiro, os favoritos são o ex-governador João Capiberibe (PSB) e o senador Gilvan Borges (PMDB). Em Roraima, devem reeleger-se Romero Jucá (PSDB) e Marluce Pinto (PMDB). Em relação ao Rio, omitimos Artur da Távola, que não está fora da disputa, mas embolado com Leonel Brizola e Marcelo Crivella na briga pela segunda vaga.Tarde demais

Efeitos da queda: quando Ciro Gomes estava no auge, Fernando Collor não se importava com a comparação entre os dois. Agora, foi ele quem provocou o TSE sobre o assunto e obteve, sábado, a proibição de novas peças comparativas. Mas, para Ciro, agora é tarde. O estrago já foi feito e parece irreparável.MUDANÇA no Rio Grande do Sul. Segundo pesquisa do jornal “Correio do Povo”, o candidato petista Tarso Genro cresceu e chegou ao empate técnico com Antônio Britto, do PPS. Lula lidera no estado, mas Ciro caiu muito e Serra cresceu entre os gaúchos.

O PRAZO que a campanha de Serra havia fixado para que ele ultrapassasse Ciro Gomes era 7 de setembro. Pelo menos nisso, foi dito e feito.


Editorial

COM FUNDOS

Os fundos de previdência complementar estão entre os principais instrumentos de captação de poupança de longo prazo nas economias mais desenvolvidas. Nos Estados Unidos, a aplicação média mensal nesses fundos é inferior a US$ 50. No entanto, em face da soma de recursos que mobilizam, eles se tornaram grandes acionistas de inúmeras empresas, alavancando investimentos que exigem tempo de maturação e dificilmente atrairiam fundos de curto prazo.

No Brasil, os fundos de pensão já possuem patrimônio que corresponde a mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Para citar um exemplo, a fundação de seguridade dos empregados do Banco do Brasil é depois do Tesouro o maior acionista do BB.

A previdência complementar começou a ganhar impulso nas companhias estatais e multinacionais, mas hoje também passou a ser instrumento de incentivo da política de recursos humanos de diversas companhias privadas nacionais. A criação dos fundos abertos (PGBL e VGBL) deu mais flexibilidade para que empresas de diferentes portes adotem esse tipo de mecanismo.

Ainda assim, a legislação brasileira era falha ou omissa em relação a outras formas de fundo de pensão bem-sucedidas em outros países, mas essa lacuna está sendo resolvida com uma nova regulamentação que possibilita a associações de classe e categoria profissional, cooperativas ou entidades que congreguem pessoas que não mantêm vínculos empregatícios com empresas a agora participarem desse setor.

Assim, progressivamente, o sistema de previdência complementar vai se ampliando — o próximo desafio será estendê-lo aos funcionários públicos, o que ainda depende de aprovação de projeto de lei no Congresso — de modo que em futuro próximo todos aqueles que potencialmente têm condições de poupar para garantir aposentadorias e pensões acima do teto do INSS sejam atendidos por algum fundo de longo prazo.

Dessa maneira, diminui o risco de o país ter mais uma exclusão, que seria composta pelos sem acesso a fundos de previdência privada.


Topo da página



09/10/2002


Artigos Relacionados


Roseana sobe e se isola no 2º lugar

Lula sobe, Serra pára de crescer

Ciro sobe, Serra cai e Lula continua líder

Lula sobe e abre 25 pontos sobre Serra

Em nova pesquisa, Serra cresce e se isola em 2.º

Lula diz que vitória do PT não isola o Brasil