Pequenos produtores rurais apontam riscos para soberania alimentar
Da esquerda para a direita, José Maria, Jean Carlo, Bispo, Requião, Anaximandro e Moraes
As políticas econômica, agrária e agrícola do governo federal que têm privilegiado o agronegócio exportador em detrimento da reforma agrária e da produção de alimentos para consumo interno põe em risco a soberania alimentar do país. A constatação foi feita por representantes de pequenos agricultores e de trabalhadores rurais em audiência pública realizada nesta segunda-feira (9) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH). Durante o debate, também foram apresentadas denúncias de descumprimento das leis trabalhistas e de precariedade nas condições de trabalho no setor.
Pequenos produtores e movimentos sociais alegam que apesar de os camponeses serem responsáveis por mais de 70% do alimento consumido no Brasil e por 70% dos empregos gerados no campo, o governo insiste em privilegiar o agronegócio focado no cultivo de monoculturas voltadas para exportação. A desoneração tributária concedida às empresas do agronegócio sem contrapartidas para os trabalhadores também foi criticada durante a audiência pública.
– O Brasil importa feijão preto da China porque não há produção [suficiente] no Brasil. É uma decisão que essas empresas tomaram porque dá mais lucro produzir soja e exportar para a Europa para virar ração de gado do que alimentar o povo brasileiro. O que não pode ocorrer é que tudo está sendo feito com financiamento e apoio do estado brasileiro – criticou o representante da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas), José Maria de Almeida.
A concentração da produção alimentícia do país nas mãos de empresas estrangeiras também foi apontada como um risco para a soberania alimentar por Jean Carlo Pereira, da Via Campesina. Ele defendeu a mudança na estrutura de produção agrícola, para que passe a priorizar a produção de alimentos, em benefício de toda a população.
– Quem mais obtém lucro hoje não são nem os grandes latifundiários. Quem obtém realmente são as grandes transnacionais, que na hora que o país der um sinal de crise, vão embora e vão deixar os grandes proprietários endividados. Se continuarmos desse jeito, qualquer dia não vamos ter sementes para plantar – disse o representante da Via Campesina.
O coordenador-geral de Análises Econômicas da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Antônio Luiz Moraes, afirmou que não existe conflito entre produção de alimentos e bens exportáveis. Ele sustentou que o agronegócio é responsável por parte significativa do Produto Interno Bruto (PIB), beneficiando também os trabalhadores rurais e pequenos produtores.
– Na medida em que a economia do setor cresce isso inegavelmente redunda em benefícios para o trabalhador rural, para o emprego e para o produtor rural. Não estou contestando as reivindicações de vocês, mas em que pese as possíveis distorções, o crescimento da agricultura beneficia a todos – argumentou.
Proposta
Durante a reunião que foi conduzida pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) propôs como saída para garantir a soberania produtiva do país uma regra que obrigue os grandes produtores rurais a dedicar parte de suas terras a produtos que sejam destinados a consumo interno.
A proposta recebeu apoio dos movimentos sociais. Na avaliação de Requião, ela poderá ser uma vacina para o problema, mas não uma solução definitiva. O parlamentar sugeriu que os participantes da audiência apresentem subsídios para a elaboração de um projeto.
– Não poderíamos obrigar o proprietário a destinar uma área para a produção de determinado alimento, seria inconstitucional, mas seria constitucional vincular o usufruto de todos os benefícios que grande propriedade e empresas recebem para a produção de alimentos [para o consumo interno] em determinada área – avaliou Requião.
Escravidão
O dirigente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado (Feraesp), Aparecido Bispo, denunciou o descumprimento das leis trabalhistas, precariedade nas condições de trabalho, exploração, escravidão e trabalho infantil. Segundo ele, o governo sucateou o Ministério do Trabalho e Emprego, que estaria assim impossibilitado de fiscalizar a situação precária no campo.
- Dos 15 milhões de trabalhadores rurais, 50% não têm registro. Se não tem registro, não tem mais nada – assinalou Aparecido Bispo.
O assessor técnico da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Anaximandro Almeida, reconheceu o descumprimento de direitos trabalhistas no campo e a existência de casos de trabalho análogo ao de escravidão, mas afirmou que se trata de exceção.
– Não se pode colocar as exceções como regra. O trabalho exaustivo e jornadas excessivas são pontos fora da curva – ponderou
09/12/2013
Agência Senado
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