Planalto negocia CLT para garantir CPMF
Planalto negocia CLT para garantir CPMF
Governo cede a pressão e propõe tirar urgência de projeto que altera legislação trabalhista
BRASÍLIA - Para tentar aprovar antes do dia 18 a emenda constitucional que prorroga até 31 de dezembro de 2004 a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o governo decidiu ceder à pressão dos senadores, principalmente do PMDB. O Palácio do Planalto enviou emissários ao Congresso, entre eles o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio, para dizer que vai retirar a urgência constitucional do projeto que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovado pela Câmara no fim do ano e com dificuldade para tramitar no Senado.
Com isso, o presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o Senado aprovará logo a prorrogação da CPMF. Na Câmara, o segundo turno de votação da emenda foi marcado para quarta-feira, em sessão extraordinária. Se ela for aprovada sem problemas, seguirá na mesma noite para o senado. Aí o governo iniciaria as negociações para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovar a emenda na quinta ou na sexta-feira da próxima semana, também em sessão extraordinária. Se tiver êxito, a proposta estaria pronta para ser votada pelo plenário na semana seguinte.
Portanto, o primeiro turno poderia ser dia 12, terça-feira, e o segundo dia 14. São prazos extremamente curtos e os líderes aliados sabem disso. Mas acreditam que, sem obstáculos como a mudança da CLT, será possível aprovar a prorrogação a tempo. Pela lei, uma contribuição só entra em vigor 90 dias depois de aprovada. Como a CPMF vence em julho, a prorrogação deve passar até dia 18 para que não interromper a cobrança. Se não for, o Tesouro deixará de arrecadar cerca de R$ 80 milhões a cada dia útil, pois a CPMF representa cerca de R$ 400 milhões semanais.
Novidades - Além de prorrogar a CPMF, a emenda inclui várias alterações. A contribuição manterá a alíquota de 0,38% até 31 de dezembro de 2003 - a divisão é de 0,20% para a saúde, 0,10% para a Previdência e 0,08% para o Fundo de Combate à Pobreza. A partir de 1.º de janeiro de 2004 será cobrada apenas a parcela de 0,08%, destinada ao fundo contra a pobreza. Essa alíquota, que os parlamentares consideram simbólica, servirá também para que a Receita Federal identifique sonegadores com base nas transações bancárias.
Outra novidade, muito bem recebida nos meios empresariais, é a isenção da CPMF nas operações na Bolsa de Valores. A medida passará a valer um mês depois da promulgação da emenda.
A partir daí, a CPMF não mais poderá ser cobrada das contas correntes especialmente abertas e exclusivamente usadas para operações de câmara e prestadoras de serviços de compensação e de liquidação, companhias securitizadoras do setor habitacional e sociedades anônimas que só atuem na compra de créditos de operações no mercado financeiro. Ficam isentas ainda as contas de depósitos relativos a compra e venda de ações, os contratos em ações negociadas em bolsas de mercadorias e de futuros e em contas de investidores estrangeiros relativos a entradas no País e remessas para o exterior de recursos usados em operações e contratos para depósito em contas.
Criticada por causa da cumulatividade, a CPMF equivale a cerca de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Neste ano, deverá alcançar R$ 20 bilhões. No ano passado, recolheu cerca de R$ 17 bilhões.
Com a isenção para operações na Bolsa, deixará de arrecadar cerca de R$ 950 milhões anuais, segundo os cálculos do deputado Delfim Netto (PPB-SP), relator da proposta. Os empresários avaliam que a perda será de cerca de R$ 700 milhões, mas os ganhos em empregos e investimentos compensarão essa queda de receita.
Crise com decisão do TSE não ameaça pauta, diz Aécio
BRASÍLIA – A reação dos parlamentares à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que vinculou as coligações estaduais à nacional não deverá atrapalhar a pauta de votação da Câmara e do Senado. Senadores e deputados ainda reclamam do tribunal, mas não esbravejam mais como no dia seguinte ao anúncio da novidade. Nenhuma votação foi ameaçada por causa da movimentação dos políticos.
O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), disse que não ouviu de ninguém qualquer tipo de reação que ameaçasse o andamento dos trabalhos. Tanto é que marcou para a próxima terça-feira encontro com os parlamentares que estão cuidando da pauta relativa à segurança. Ele disse que pretende receber deles as mudanças no Código de Processo Penal para que, na quarta-feira, dia 6, possa levar o projeto à votação.
Na noite de quarta-feira, Aécio também pretende convocar uma sessão extraordinária para votar, em segundo turno, a emenda constitucional que prorroga a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2004. Pretende terminar a apreciação da proposta ainda no mesmo dia, para que siga imediatamente para o Senado.
Reforma política – O presidente da Câmara afirmou ainda que vai conversar com os líderes partidários sobre a melhor data para votar projetos importantes, como o que estende o prazo de filiação partidária. Dará ainda início à proposta do financiamento público de campanha e votará, neste semestre, o projeto que deverá acabar com a cumulatividade de impostos como o PIS/Cofins. “Garanto que vamos votar o projeto no primeiro semestre”, disse Aécio.
No Senado, a reação à decisão do TSE é maior. Mas não chega a atrapalhar as votações. A Comissão de Assuntos Sociais, por exemplo, aprovou ontem projeto que bane definitivamente o pesticida DDT do País. Na próxima semana, a Casa deve receber a emenda que prorroga a CPMF e deve dedicar-se a ela até o dia 18. (J.D.)
Líderes fazem partilha de comissões entre partidos
BRASÍLIA – Os líderes partidários indicam na próxima semana os deputados que presidirão as 18 comissões permanentes da Câmara. Ontem, foram distribuídos os cargos de acordo com a proporcionalidade das bancadas. Essa divisão, no entanto, ainda está sendo negociada e pode haver trocas, se houver entendimento entre os líderes.
O PFL teve preferência na escolha, por possuir a maior bancada – 95 deputados – e ficou com quatro presidências. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), considerada a mais importante por apreciar a constitucionalidade e juridicidade de todas as proposições na Câmara, poderá ser presidida pelo deputado Ney Lopes (PFL-RN).
O PFL escolheu também as Comissões de Trabalho, Administração e Serviço, da Amazônia e Desenvolvimento Regional e de Economia, Indústria e Comércio. Uma delas poderá ser negociada com o PMDB em troca da Comissão de Finanças e Tributação – a segunda mais importante, pleiteada por Rodrigo Maia (PFL-RJ).
O PMDB escolheu Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e Fiscalização Financeira e Controle. O líder do partido na Casa, Geddel Vieira Lima (BA), está negociando uma troca com o PPB, que pelo oitavo ano manteve a presidência da Comissão de Agricultura e Política Rural e escolheu, ainda, a Legislação Participativa.
O PSDB ficou com três presidências. O líder Jutahy Júnior (BA) estabeleceu como prioridade a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, que será presidida por Nárcio Rodrigues (MG). As outras escolhas são Minas e Energia e Seguridade Social.
O PT escolheu as Comissões de Educação, Cultura e Desporto e de Direitos Humanos. A de Educação será presidida por Esther Grossi (RS) e a de Direitos Humanos por Orlando Fantazzini (SP). O PTB deverá indicar Duílio Pisaneschi (SP) para Viação e Transportes.
As outras três comissões ficara m com os blocos PDT-PPS, PSB-PC do B e PL-PSL. O primeiro dividirá a presidência das Relações Exteriores e Defesa Nacional. O bloco do PSB fará indicação para Desenvolvimento Urbano e Interior. A recém-criada Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Violência e Narcotráfico ficará com o PL. (AE)
FHC diz que juro não pode cair por decreto
Presidente afirma a empresário que taxa não é decisão do governo, mas da sociedade
BRASÍLIA – Um dia depois de o ministro da Fazenda, Pedro Malan, ter defendido a queda dos juros, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o País ainda não está preparado para isso e a medida não pode ser feita por decreto. “A taxa de juros não é decisão do governo, é da sociedade. Depende de um conjunto de políticas que permitam ir baixando as taxas de juros e nós ainda não chegamos a esse ponto, de baixar no nível que tem de baixar”, explicou a uma platéia de 800 empresários, que participavam, em Brasília, do encerramento do 12. Congresso Brasileiro das Associações Comerciais do Brasil.
”Quem investe na indústria paga 10% ao ano. Para quem planta, é 8,75%. Se for um pequeno produtor, é 3,5%”, prosseguiu. “O consumidor é que paga um juro absurdo. O capital de giro é que paga um juro absurdo. Aí é que está um dos problemas que não é do governo, é do sistema bancário.”
O presidente ressaltou que o salário mínimo hoje, de R$ 180, é o mais alto da história do País. Reconheceu, no entanto, que o valor ainda é baixíssimo. Depois de aplaudir o presidente da Confederação das Associações Comerciais, Luiz Otávio Gomes, que desafiou o governo a aprovar a reforma tributária nos dez meses que faltam, Fernando Henrique avisou que “não está aposentado”, defendeu a reforma e reiterou que vai governar até o dia 31 de dezembro. A seguir, os principais pontos do discurso:
Juros - O melhor seria dizer: “Meu Deus, vamos baixar já esta taxa de juros. Amanhã eu baixo um decreto.” Só que eu seria irresponsável, quer dizer, seria uma mentira que não iria durar. Isso em pouco tempo explodiria não só a taxa de juros, mas a inflação. Eu também acho a taxa de juros alta. Todos nós achamos e porque eu acho, eu não deixo gastar, e porque não deixo gastar, recebo pressões dos deputados, dos governadores dos senadores, da sociedade. Mas como a gente tem a compreensão e a responsabilidade global, tem de dizer não.
Argentina - Porque se eu disser sim, amanhã acontece o desastre. O desastre está aqui ao nosso lado. Não está longe não. É só olhar um pouquinho para o sul que se vê o que pode acontecer com um país rico e próspero, se não se tomam as medidas com coragem e tranqüilidade.
Dívida - A dívida pública aumentou muito e as duas principais razões foram as taxas de juro e o reconhecimento de esqueletos. A União assumiu dívidas de R$ 150 bilhões. Somando, deu mais de R$ 200 bilhões. É claro que um país que deve tanto a taxa de juros é alta, porque ela depende do risco.
Estabilidade - O Real não é simplesmente a troca de uma moeda. Por trás foram feitas outras coisas nesses anos e isso deu certa estabilidade à moeda. A moeda varia em todo lugar do mundo. Não pode ser fixa. Quando foi fixa, foi como na Argentina com o dólar, e deu no que deu. Tem de haver flutuação. A estabilidade não é da moeda, é da economia.
Crescimento - A taxa de crescimento do Plano Real para cá cresceu 3,3%. Falta muita coisa. Falta fazer com que tenhamos a capacidade de crescer e crescer mais depressa e só tem um caminho, exportar. Mas não é magia. O Brasil não deixou de crescer, mas não crescemos tudo o que queríamos porque teve a crise da Argentina, a da energia, os atentados nos Estados Unidos. Sempre há algo imprevisível. Mas este ano vai crescer mais. O País não naufragou enquanto muitos países naufragaram.
Exportação - Para crescer mais, só exportando. Os empresários não podem se contentar com o mercado interno. Quando viajo, faço propaganda do Brasil. Avião sou capaz de vender, mas pente e sapato, não dá. É o empresário que tem de se capacitar. Não exportamos quase nada. Precisamos crescer mais. Precisamos de moeda forte. Precisamos ardentemente aumentar a poupança interna.
Desemprego - Desemprego na Polônia é 20%, na Alemanha, 10%. No Brasil era 6% e cresceu para 7 e pouco por cento. Mas ninguém pode estar satisfeito. Se tivéssemos um só desempregado, não gostaria.
Trabalho - Não estou aposentado não. Vou trabalhar até 31 de dezembro. Tenho dez meses de governo. Faço isso com energia, porque o povo me pôs no governo duas vezes. Não é esperar para entrar para a história. Segurança pública é problema sério sim e tenho de me meter. Dengue é problema meu sim, e tenho de me meter. Reforma tributária também.
Demora - É fácil dizer eu quero (a reforma tributária). Por que não iria querer? Se todo mundo diz que se diminuir o imposto cada um recebe mais. Ouço dizer que o presidente não quer a reforma porque prefere recolher mais imposto. Julgar a intenção dos outros é fácil. Por que a reforma não avança? Porque cada um tem uma idéia, cada contribuinte quer pagar menos e cada setor quer receber uma fatia maior. Há muitas propostas que não entendo porque não vão para frente. A comissão do Congresso que devia ter sido instalada, não foi. Não sou eu que não quero. Só que é um problema político. Não há solução fácil e se houvesse, o Congresso já teria feito. O Congresso fez muito e destaco a Lei de Responsabilidade Fiscal. É que há situações de interesses conflitantes. Há um travamento político, um problema de poder. Mas vou continuar empenhado.
Cínico - Se eu fosse cínico, que não sou, eu baixaria os impostos, porque o governo termina este ano. Só que eu penso no País. Se eu fosse cínico, eu poderia dizer que no fim do mandato vou fazer essa reforma e poderia aumentar os impostos para o próximo governo, mas não vou fazer. Esse assunto precisa ser tratado com menos demagogia e mais competência técnica.
MST - Quantas vezes o Movimento dos Sem-Terra veio a Brasília. Houve tempo que parecia que o Brasil ia se transformar num grande acampamento de sem-terra. Como resolvemos: demos terra. Mas não podemos deixar invadir prédios públicos, invadir fazendas.
Dengue - Talvez nenhum governo combateu tantas epidemias e a dengue aí está. A dengue é uma dor de cabeça.
Salário mínimo - O salário mínimo nunca foi tão alto na história e ainda é baixíssimo. Não dá para dizer que está bom, não está, está ruim. Dá até tristeza dizer que esse é o melhor mínimo. Mas antes era pior e ainda tinha a inflação.
Democracia - Vivemos um clima de liberdade, de negociação. Temos de governar ouvindo e isso me custa até algumas críticas do meu partido, quando ouço a oposição. Mas tenho de ouvir porque eles foram eleitos e não são adversários do povo.
Diplomacia popular
O presidente Fernando Henrique Cardoso interrompeu seus compromissos por alguns minutos, ontem à tarde, para cumprimentar o público que visitava o Palácio da Alvorada. Sorridente, posou para fotos e recebeu abraços, momentos antes de reunir-se com o comissário de Comércio Exterior da União Européia, Pascal Lamy. Após o encontro, Fernando Henrique atendeu ao pedido de fotógrafos e cumprimentou novamente o público. Ontem foi o segundo dia de visitação do Palácio da Alvorada, desde que a atividade turística foi reiniciada, na última semana. Sempre às quintas-feiras, das 15h30 às 17 horas, turmas de 25 pessoas percorrem os jardins e parte do prédio. Na quinta passada, o presidente estava em viagem à Europa.
Nem ministros do tribunal se entendem sobre novas regras
Ainda há dúvidas como a situação das legendas que só disputarem governos estaduais
BRASÍLIA - Os ministros do T ribunal Superior Eleitoral (TSE) não estão se entendendo sobre os efeitos da decisão, tomada por eles próprios, de impor limites para as coligações partidárias. Em linhas gerais, o TSE decidiu o seguinte: as alianças firmadas pelas legendas nas eleições para governador devem respeitar as coligações estabelecidas para a disputa presidencial. No entanto, há dúvidas que ainda precisam ser esclarecidas.
O ministro Sepúlveda Pertence, por exemplo, tem uma visão radical da resolução. Para ele, um partido que não lançar candidato nem se coligar para a corrida presidencial será obrigado a concorrer sozinho nas eleições estaduais. Já o ministro Fernando Neves acredita que não há essa restrição, o que deixaria tal legenda livre para firmar alianças nos Estados.
Liberdade - O curioso é que Pertence foi justamente um dos únicos dois ministros a votarem contra a mudança de regra por considerar que o Código Eleitoral garante a independência das coligações nas esferas federal, estadual e municipal. Ele lembrou que na eleição passada, em 1998, a lei em vigor era a mesma e houve liberdade total de coligação nos Estados.
"Recordo, a título de exemplo, que o PSDB e o PT, aos quais eram filiados os dois candidatos mais votados para presidente da República, formaram a coligação que elegeu o governador do Acre", observou o ministro, de acordo com os registros oficiais da reunião fechada na qual o TSE avaliou a consulta apresentada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Na opinião de Sepúlveda, nenhuma mudança promovida a esta altura na legislação poderia entrar em vigor já para esta eleição, pois a Constituição estabelece uma antecedência mínima de um ano para qualquer modificação nas regras eleitorais.
Derrotado na votação, Sepúlveda está convicto de que o TSE, ao responder a Miro, acabou impondo limites rígidos às coligações. "Agora se um partido não lançar candidato à Presidência não poderá se coligar nos Estados", diz ele.
Durante a sessão na qual o TSE tomou a polêmica decisão, Fernando Neves votou com a maioria, defendendo ponto de vista oposto ao de Pertence. "Os partidos políticos que ajustarem coligação para a eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador, senador e deputado com outros partidos políticos que tenham, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato à eleição presidencial", afirmou, de acordo com os registros do tribunal.
Restrição - Na reunião dos sete ministros do TSE, Neves apresentou a uma conclusão firme: "Quem é adversário em uma eleição nacional, não pode ser aliado em outra, regional." O ministro, porém, tem uma interpretação mais branda que a de Pertence para os efeitos da medida.
De acordo com assessores, ele crê que um partido que ficar de fora da eleição presidencial não estará sujeito a nenhuma restrição para firmar alianças nos Estados.
A expectativa no TSE é de que acabe prevalescendo a interpretação de Neves - a quem caberá, por sorteio, redigir as normas que vão reger as eleições deste ano. Essas regras só deverão ser divulgadas na semana que vem e é certo que o ministro vai consultar os outros integrantes do tribunal antes de definir o texto.
PFL decide recorrer contra limite a coligações
Idéia é apelar para todos os mecanismos jurídicos para tentar derrubar medida do TSE
BRASÍLIA - A direção do PFL decidiu ontem manter apoio definitivo à candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, à Presidência.
Também resolveu que vai recorrer a todas as medidas legislativas e judiciárias cabíveis para derrubar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que vinculou as coligações estaduais à nacional.
Enquanto isso, Roseana continua seus contatos. Na segunda-feira, vai a Minas encontrar-se com empresários, políticos do PFL e o governador Itamar Franco (PMDB). Depois, vai a Brasília, onde terá reuniões com a executiva nacional, as bancadas na Câmara e no Senado, governadores do PFL, prefeitos e alguns ministros, como Pratini de Moraes, da Agricultura (PPB).
Na reunião de ontem, a executiva manifestou sua total discordância com a decisão do TSE. Apelou ainda ao tribunal para que mantenha as normas de 1998. No encontro, a direção do PFL ouviu uma exposição do advogado Torquato Jardim, ex-ministro do TSE. Foi depois disso, que o partido decidiu apresentar uma ação direta de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O PFL pediu ao TSE que reveja sua decisão e mantenha as regras da Resolução 20.100, de 26 de 1998. Diz o artigo 8.º: "É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações à eleição majoritária, proporcional ou para ambas, podendo, neste último caso, formar mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integrem a coligação para o pleito majoritário".
Punição - O PFL foi alvo duas ações propostas ontem pelo PT, que pede ao TSE a sua punição por ter usado a propaganda partidária no segundo semestre do ano passado como campanha de Roseana.
O partido quer, ainda, que o tribunal proíba o PFL de veicular o jingle da candidata. Nele, há versos como "tenho garra, força e talento para mudar essa nação".
Assinada por uma integrante do diretório nacional do PT, Stella Bruna Santo, a representação pede que o PFL e Roseana sejam multados em 50 mil Ufirs ou em valor equivalente ao custo da propaganda, se este for maior. O partido também quer que o TSE casse o direito de o PFL transmitir no rádio e na TV seu programa nacional no semestre seguinte ao do julgamento da representação.
De acordo com a representação, durante todo o programa nacional, a governadora do Maranhão se apresentou como se estivesse em plena campanha.
"Utilizou-se o formato dos programas eleitorais, com a aparição constante da sra. Roseana como candidata à Presidência da República e até o denominado 'jingle' de campanha foi veiculado", sustenta o PT, lembrando que, pela legislação eleitoral, a campanha somente pode começar em julho.
O PT também acusa Roseana e o PFL de irem "mais além". De acordo com o partido, eles se utilizaram de "generosos" espaços na mídia, por meio de notícias veiculadas diariamente nos meios de comunicação, "com direito a fotos, capas de revistas, outdoors, como se fosse a primeira colocada nas pesquisas de opinião".
Decisão “vira tudo de pernas para o ar”, afirma Serra
Senador diz que medida não devia ter sido tomada agora e ainda não sabe o impacto que terá
RECIFE - O pré-candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra, disse ontem no Recife, que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de verticalizar as alianças chegou perto de zerar o processo de coligações e vai "virar tudo de pernas para o ar". Ele considerou difícil avaliar seu impacto, mas acha que a medida devia ter sido tomada antecipadamente ou entrar em vigor só depois desta eleição. "O ideal era continuar com a situação anterior", afirmou, admitindo a possibilidade de coligações brancas (não oficiais) caso a decisão seja mantida.
"Centenas, senão milhares de cabeças estão pensando febrilmente em saídas e fórmulas que garantam suas reeleições", comentou, referindo-se aos candidatos. Serra classificou de delírio os boatos de que a decisão do TSE teria sido motivada por um trabalho de bastidor envolvendo-o e ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele observou que a medida foi tomada a partir de uma consulta do líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), aparentemente de acordo do seu partido. "Seria estranho Leonel Brizola (presidente do PDT) fazer algo para beneficiar o governo."
Na visita ao Recife, Serra almoçou com o governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) que também o acompanhou em um compromisso à tarde. No encontro, os dois concluíram que a decisão do TSE, embora dificulte a vida de candidatos dos dois partidos, não impede a parceria entre PSDB e PMDB que vem sendo negociada.
Serra reiterou a afinidade política com Jarbas, a quem fez muito elogios e disse querer "estar junto dele por muitos anos". O presidenciável já o havia convidado para ser vice de sua chapa, mas ontem disse não ter voltado a esse assunto. "No atual momento estou voltado para a organização e o fortalecimento da campanha no País."
Dificuldade - Confuso com o tumulto da mudança imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jarbas avaliara na véspera que não valia mais a pena lutar para que o PMDB participasse da chapa de Serra, indicando o vice. Ele chegou a sugerir que seu partido esquecesse a candidatura própria e desistisse da aliança com os tucanos. Imaginou que, assim, os Estados ficariam livres para montar coligações que bem entendessem. Mas como não poderá ser assim, ele voltou atrás.
"Nós conversamos e o governador me autorizou a reproduzir sua declaração de que continua defendendo a tese de que o melhor caminho para o PMDB é compor uma chapa com Serra", contou o líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), que conversou com Jarbas à tarde. A avaliação preliminar da cúpula peemedebista é que a parceria nacional com os tucanos vai vingar porque é vantajosa para a maioria das regionais, onde os dois partidos já estão juntos.
Queda nas pesquisas aproxima Lula e Itamar
Os dois pré-candidatos de oposição intensificam negociação para firmar um pacto
BRASÍLIA - Como parte da operação para tentar reverter a tendência de queda nas pesquisas eleitorais, o pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, teve anteontem uma conversa em Brasília com o governador de Minas, Itamar Franco (PMDB). Tanto Lula quanto Itamar estão dispostos a fechar um acordo para as eleições desta ano.
"Se a candidatura presidencial de Itamar ficar inviável, ele pode apoiar Lula em Minas ganhando, em troca, adesão dos petistas à sua campanha para o governo do estado ou para o Senado", admitiu ontem o chefe da representação do governo mineiro em Brasília, o ex-deputado Israel Pinheiro, um dos políticos que mais conhece Itamar. Os dois pré-candidatos reuniram-se rapidamente num hotel de Brasília. O petista estava na capital para lançar seu programa de governo na área da segurança e o governador, para registrar sua pré-candidatura à Presidência no diretório nacional do PMDB.
Os dois decidiram aprofundar as negociações num próximo encontro, que deve ocorrer em Belo Horizonte, antes das prévias internas do PT e do PMDB, ambas marcadas para a mesma data, 17 de março.
Lula e Itamar estarão novamente lado a lado amanhã, desta vez em São Paulo, na convenção sindical da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). Não está certa nenhuma conversa entre os dois, mas eles poderão se encontrar para dar prosseguimento às discussões sobre um "pacto político".
A interlocutores, o petista e o governador disseram, no entanto, que não têm pressa para fechar um acordo. Isto porque as negociações dependem de uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os limites impostos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às coligações partidárias estaduais.
Se a decisão fosse revista, aumentariam as esperanças de Lula de ampliar o leque de alianças com partidos de centro, entre os quais o PL. Segundo o líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha (SP), o presidenciável petista quer atrair o PMDB de Itamar Fmesmo na hipótese de a decisão do TSE ser mantida:
"Se nós apoiarmos Itamar em Minas para o governo ou para o Senado, podemos conseguir que ele faça campanha para nós nas ruas do Estado, segundo maior colégio eleitoral do País."
O deputado salientou, entretanto, que é preciso aguardar uma melhor definição do quadro interno no PMDB. Por enquanto, a tendência majoritária no partido é aliar-se ao PSDB e rejeitar a idéia da candidatura própria à Presidência da República. Se essa posição for confirmada nas prévias do PMDB, Itamar verá seu sonho de lançar-se na disputa presidencial naufragar e poderá fechar acordos com outros partidos, entre eles o PT, para garantir sua vitória em Minas.
Convenção -Enquanto Itamar e Lula se aproximam, a executiva nacional do PMDB decidiu ontem manter a convenção extraordinária do partido marcada para 8 de março, em Brasília. A convenção servirá apenas para ratificar a realização de prévias no partido.
A data da convenção acabou expondo ainda mais o racha dentro do PMDB entre a ala governista, que defende a aliança do partido com o PSDB do ex-ministro José Serra, e a ala oposicionista, que quer lançar candidato próprio à sucessão de Fernando Henrique Cardoso.
"Essa atitude da executiva é profundamente lamentável", reclamou o senador Pedro Simon (RS), um dos três pré-candidatos do partido. "Estou muito chateado."
Garotinho não vê chance para união com PT
Pré-candidato diz que partido é "exclusivista" e não descarta hipótese de se aliar a Ciro Gomes
BRASÍLIA - O pré-candidato do PSB à Presidência e governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, descartou ontem fazer uma aliança com o PT de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições deste ano. Para o governador, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vinculou as coligações partidárias estaduais à nacional, não prejudica sua candidatura nem fará a oposição lançar candidato único à sucessão de Fernando Henrique Cardoso.
"O PT é um partido exclusivista e só pensa em receber apoios e não em dar apoios", argumentou, ao garantir que não desistirá da candidatura.
Garotinho admitiu que poderá se aliar ao candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes (PPS), com quem vai se reunir na semana que vem. Para ele, a candidatura de Ciro poderá naufragar por problemas com o PDT do ex-governador Leonel Brizola, hoje aliado ao PPS. Garotinho deixou o PDT no ano passado, depois de briga com Brizola.
O pré-candidato também está confiante em uma aliança com o PL, controlado em parte pelo deputado bispo Rodrigues (RJ), da igreja Universal do Reino de Deus. Evangélico, Garotinho conta com o apoio informal da igreja. Para ampliar o leque de apoios, reuniu-se com o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), ontem em Brasília.
Abrir mão - No encontro, avisou que a mulher, Rosinha, está disposta a desistir da candidatura ao governo do Rio em favor do deputado do PMDB Sérgio Cabral Filho. "Se o PMDB caminhar conosco a nível nacional não há empecilho para que Rosinha abra mão da candidatura." "Todo e qualquer apoio que o PMDB vier a ter nos Estados é super bem-vindo", disse Temer. Mas observou que o PMDB só vai decidir sobre alianças depois das prévias de 17 de março.
O governador desmarcou reunião que teria ontem com Lula e o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP). No início da semana, o petista Jorge Bittar, ex-integrante de seu governo, acusou-o de deixar uma grande dívida para ser paga pela vice-governadora, Benedita da Silva (PT). Para Garotinho, a atitude de Bittar teve o aval da cúpula do partido.
Artigos
Novos impasses no clima
Washington Novaes
Apesar da proposta diversionista dos Estados Unidos - repelida por quase todos os países (a Austrália é a exceção) -, o Protocolo de Kyoto para redução de emissões que agravam o chamado efeito estufa será ratificado pelo número suficiente de países para entrar em vigor. É o que pensam os negociadores brasileiros. Mas que efeitos práticos isso terá?
Segundo o WWF, sem a redução das emissões norte-americanas, na verdade cairá para 1,8% o compromisso assumido pelos países industr ializados em Kyoto de baixar as emissões em 5,2% no seu conjunto sobre os níveis de 1990. Quase nada diante do que sugere o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas: redução de 60%. "Mas a vida segue", diz um desses negociadores.
E, pensa ele, a dinâmica dos fatos, daqui por diante, poderá levar a novas alterações no quadro - para melhor, inclusive.
Pode ser. Mas não será fácil. Os especialistas já mostraram que a proposta do presidente George W. Bush, de reduzir as emissões de gases do efeito estufa de 183 para 151 toneladas por US$ 1 milhão do PIB norte-americano, na verdade significaria ampliar essas emissões, já que está previsto um crescimento de 30% no PIB em 10 anos. E de 1990 para cá os EUA já aumentaram entre 11% e 13% suas emissões. Agora, redução de 18%, aumento de 30%, aumento líquido de mais 12%.
A argumentação do presidente Bush tem forte ressonância interna nos EUA, já que, segundo ele, cumprir o compromisso de Kyoto implicaria um custo de US$ 480 bilhões em 10 anos e milhões de postos de trabalho cancelados. Mas não comove os demais países industrializados, temerosos das conseqüências das mudanças climáticas. Estas tiveram suas previsões agravadas há poucas semanas por um estudo do Instituto de Tecnologias da Terra e Ciências Atmosféricas, dos EUA, segundo o qual a elevação do nível dos oceanos poderá ser maior que a já prevista.
Mesmo o Brasil não escapa a essas previsões sombrias. Uma de nossas regiões mais ameaçadas é a do Pantanal, segundo estudo do WWF. Uns 70% de sua cobertura vegetal poderão ser alterados. Outro estudo - de cientistas da Embrapa, Unicamp e Instituto de Agronomia de Campinas - sugere que as mudanças climáticas poderão reduzir em até 24% a área adequada para o cultivo do café no Estado de São Paulo. Se a previsão mais pessimista do IPCC se confirmar (aumento de 5,8 graus centígrados na temperatura média do planeta neste século), o café tenderá a desaparecer do Estado.
Até aqui, infelizmente, os estudos do IPCC têm-se confirmado. Que esperar, então?
Embora a chamada Rio + 10, conferência mundial marcada para fim de agosto/começo de setembro na África do Sul, vá rever o que aconteceu no mundo após a abertura da convenção sobre mudanças climáticas a assinaturas no Rio de Janeiro, em 1992, tecnicamente, em termos diplomáticos, não é previsto que se altere ali qualquer coisa. O mais provável é que se aprove uma exortação a que todos os países homologuem o Protocolo de Kyoto. E mesmo isso deverá enfrentar a oposição norte-americana nas duas reuniões preparatórias finais, programadas para Monterrey e Jacarta.
A esperança confessa dos negociadores é que as condições internas levem os EUA a mudar sua posição. O Senado norte-americano já prepara algumas propostas bem mais radicais que as de Bush - embora este continue a argumentar que a sua proposta levará a que os EUA (embora sem reduzir o porcentual) deixem de gerar 500 milhões de toneladas de poluentes até 2012, tanto quanto os demais países industrializados em seu conjunto. Além disso, a proposta de aumentar para US$ 4,5 bilhões o orçamento para pesquisas científicas, incentivos fiscais e novas tecnologias (vento, biomassa, energia solar doméstica e cogeração) na área seria capaz de produzir novos avanços. Além desses recursos, haveria US$ 3 bilhões em créditos fiscais para veículos híbridos ou movidos a célula de combustível (capazes de reduzir emissões), mais US$ 3 bilhões para projetos de seqüestro de carbono em florestas e na agricultura (já são quase 2 mil os projetos de mais de 200 empresas para seqüestrar o equivalente a 3,9% das emissões atuais dos EUA).
Tudo isso poderia levar a avanços significativos.
A situação norte-americana na área é complicada também por outros ângulos.
Um deles é a estratégia - posta à mesa após os atentados de 11 de setembro último - de reduzir a dependência de petróleo (cuja queima gera poluentes) importado dos países árabes. Mas começam a desvanecer-se as esperanças depositadas pela administração Bush na exploração de reservas em áreas do Alasca consideradas intocáveis pelos ambientalistas, mas que - pensava-se - corresponderiam a 30 anos de importações da Arábia Saudita. Novos estudos parecem mostrar que se contou muito cedo com os resultados, antes que se comprovassem os estudos geológicos iniciais. Retorna-se aí ao ponto zero.
Enquanto isso, seguem as negociações em torno do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, pelo qual países industrializados poderão financiar em outras nações projetos que reduzam a emissão de poluentes e deduzir essa redução de suas emissões próprias. Na primeira reunião substantiva do comitê executivo do MDL, em janeiro último, na cidade de Bonn, avançou-se na definição de regras para credenciar entidades capazes de avaliar os projetos, acompanhar sua execução e certificar a redução de emissões. Nesse encontro, o clima entre os negociadores até foi mais otimista, diante da verificação de que muitas empresas poderão interessar-se pelo financiamento de projetos em outros países, mesmo podendo fazê-lo em seu território próprio ou em áreas de influência, tendo em vista a necessidade de "criar imagem positiva" em outros lugares.
De qualquer forma, prevê-se que o MDL entre em vigor já este ano, com a homologação do Protocolo de Kyoto. Já é alguma coisa. Pouca, mas é.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Do Nordeste ao infinito
Afinal, aqui no Rio, já curtimos uma temperatura compatível com a vida humana. Pois que, até poucos dias atrás, a gente escaldava dentro de casa, torrava na rua, estacionava imóvel diante de qualquer fonte de ar refrigerado, bebendo o fresco como quem bebe champanhe.
O pessoal diz: "Você, do Ceará, estranhando o calor?" E eu respondo: "No Ceará temos calor, mas temos o vento e a brisa." O famoso vento aracati que sopra às tardes e traz até o sertão o seu cheiro de mar.
Aracati, em língua de índio, quer dizer vento bom, vento bonito: "Ara, vento, catu ou cati, bom, bonito ou agradável." Pelo menos foi o que nos ensinou na escola o professor Mozart Pinto, homem suave e sábio, nosso guru no curso Normal.
Aliás, o pessoal do Sul do Brasil é cheio de preconceitos contra o Nordeste, fonte de onde lhe chegam em massa cearenses, paraibanos, piauienses, etc. Imaginam que somos pouco melhor do que índios mansos; quando desembarcam em nossas cidades (que hoje já estão incomodamente crescidas e adiantadas) são tais as exclamações com que nos brindam, que nós, nativos, conscientes até demais das nossas deficiências, temos vontade de lhes oferecer furarem o beiço, enfiar nele um batoque, como rito de boas vindas...
Será exagero esse nosso ressentimento. Mas não é exagero muito grande. A idéia com que se fica ao primeiro contato com gárrulos turistas nacionais, é que eles nos festejam tanto, nos elogiam tanto, na surpresa de não terem encontrado algo muito pior. Não sei o que esperavam encontrar no Recife, em Fortaleza, Belém do Pará. Mas com certeza não era o que encontram.
E nós não lhes devolvemos o troco, porque não fazemos turismo na terra deles; quando pegamos uns trocados extras vamos passear na Europa ou visitar nosso filho que estuda nos Estados Unidos (Meu Deus, um perigo, agora, com todas essas ameaças terroristas!) Brincadeiras à parte, no Brasil, as diversas espécies de brasileiros deveriam se conhecer muito melhor. O turismo interno segue roteiros imutáveis: velhas igrejas de Minas, cavaleiros gaúchos do Sul, delírio urbano no Rio de Janeiro.
Do Nordeste, só se fala nas praias - ninguém se lembra de mostrar as nossas serras - Guaramiranga, por exemplo, onde as crianças têm faces rosadas e as frutas têm cheiro de flor.
Mesmo sertão adentro, tanta coisa para mostrar! Por exem plo, os serrotes do Quixadá, monolitos que guardam a cidade como se a guardassem bastiões em sólido granito; o sol quando bate neles esquenta a pedra até altos graus. A gente da terra já sabe disso e evita escaladas. Mas quantas vezes temos de acudir incautos turistas, que tiram os sapatos para facilitar a ascensão e ficam lá de cima pedindo ajuda, com as solas dos pés sangrando, deixando marcas na pedra quente. Então! Mas turista é uma raça de gente que imagina tudo "uma aventura", sem saber que toda aventura tem seus riscos.
Outra imagem difundida nas cidades é o sertão tradicional, só a caatinga, a galharia seca. Pois vão ver como está agora, neste começo de inverno de 2002. (É tão estranho, pensar que já estamos escrevendo com naturalidade este número, 2002, século 21).
Mas a gente se acostuma. Até as crianças dão ênfase ao escreverem a data nos cadernos: antes das férias ainda era o século 20, começam o novo ano letivo já no século 21. E acham injustiça não terem probabilidades de ver o século seguinte. E, quando tentamos consolá-las, dizendo que a ciência moderna está tão adiantada que, em breve, muitos deles conseguirão atingir o centenário, ele objetam: "Mas então já vai todo mundo estar gagá!" (O fato é que elas já nos consideram gagás, só não o dizem abertamente por delicadeza.) E, de certa forma, já estamos mesmo. Gente de mais de 60 anos recusa muita coisa do progresso, justamente as coisas que embriagam os jovens: altas velocidades, máquinas que são quase humanas, a possibilidade próxima de vôos interplanetários. A colonização de Marte, já que a Lua é sabidamente morta. Tudo isso eles discutem como ainda possibilidades da sua geração. Eu não duvido deles. A alma dos homens não se sacia nunca, é capaz de todas as ousadias.
O que dói é a sua falta de constância diante dos desafios. Mal se atinge uma marca difícil, eles já a abandonam, não querem mais. Nós todos que nos lembremos, entretanto, que aquilo que perdeu os homens foi a sua incapacidade de parar e curtir devidamente cada conquista. Assim como somos, não nos satisfazemos com nada. Lembram-se da corrida atômica? Era o grande desafio. Hoje já vai para trás e hoje eles deixam de lado o interesse pelo infinitamente pequeno e tratam de enfrentar o infinito, propriamente dito.
Editorial
BATATADA PRESIDENCIAL
Da infinidade de manifestações sobre a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que proíbe, nos Estados, coligações partidárias diferentes daquelas que se fizerem para a eleição presidencial, nenhuma há de ter sido tão inoportuna como a do presidente Fernando Henrique. Tendo em vista o papel institucional que ele exerce e o conteúdo de seu pronunciamento, só se pode concluir que o chefe do Executivo perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado ou de não se comprometer com a abrupta e polêmica mudança nas regras eleitorais que alguns candidatos prejudicados por ela alardeiam ter sido concebida para beneficiar a candidatura do tucano José Serra.
Cometendo o que ele chamaria uma "batatada", o presidente saudou enfaticamente a decisão da Justiça Eleitoral como o início da reforma política que "sempre falamos de fazer", dando, assim, de mão beijada aos adversários um poderoso argumento para amparar a já divulgada teoria conspiratória segundo a qual, sob a presidência do ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, amigo pessoal de Fernando Henrique e de José Serra, o TSE foi induzido a agir em conformidade com os interesses eleitorais de um e de outro, versão essa que não se sustenta, primeiro, porque os autores da consulta que motivou a resposta do tribunal foram parlamentares do PDT de Leonel Brizola, encabeçados pelo deputado Miro Teixeira e, segundo, porque de modo algum está claro que o PSDB é o grande favorecido pela inovação.
Prova disso é a entrevista ao Estado do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, o companheiro de chapa dos planos de José Serra, numa aliança com o PMDB. Diante do fato novo, Vasconcelos considera que a pretendida coligação está "por um fio" e prevê que o seu partido acabará não tendo candidato à Presidência.
Além disso, salta aos olhos que um dos maiores prejudicados pelo ato da Justiça Eleitoral é o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pretendia ter o apoio do PFL, PTB e PPS para a reeleição. Mas, com a declaração do presidente, a teoria conspiratória certamente vai prosperar. O que há de mais deplorável no comentário de Fernando Henrique, no entanto, é o seu aplauso ao que, a rigor, representaria uma usurpação. Não é da alçada de nenhum Poder ou órgão público - salvo o Congresso Nacional - mudar as leis que regem o sistema partidário e eleitoral do País. O chefe do governo há de ser o primeiro a saber que os limites entre as instituições não podem ser transpostos, sob pena de levar a anarquia ao coração do Estado.
Não há escapatória para o fato de que - no regime democrático -, se o Congresso não fizer a reforma política, ninguém poderá fazê-la em seu lugar.
Mesmo essa reforma, da qual talvez se espere mais do que ela possa dar, não terá o condão de abolir as realidades da vida política da Federação brasileira, como a influência dos fatores regionais e - goste-se ou não - a tendência dos partidos, sem excluir o PT, de serem cada vez mais pragmáticos e cada vez menos doutrinários. E é muito discutível se teria cabimento uma reforma política tornar necessariamente homogêneas as coligações partidárias em pleitos majoritários federais e estaduais - como determinou o TSE.
Voto vencido, o ministro Sepúlveda Pertence apresentou um argumento extremamente convincente: o Código Eleitoral assegura a independência das coligações nas diferentes "circunscrições" - o País, nas eleições presidenciais; o Estado, nas eleições federais e estaduais; e os municípios, nos pleitos locais. A circunstância da eleição presidencial realizar-se na mesma data das eleições de governadores, senadores e deputados é "acidental", observa Pertence, "e não afeta a recíproca independência jurídica das respectivas circunscrições, nem dá margem ao raciocínio de sabor geográfico".
De resto, não há o mais remoto indício de que a lei que manda realizar esses pleitos na mesma data tenha tido, com isso, o propósito de uniformizar as alianças partidárias. Assim como seria absurdo supor que a decisão de separar as eleições para prefeitos e vereadores das demais contivesse a intenção de permitir coalizões eventualmente diversas das outras. Quanto à reforma política, que todos desejamos, naquilo que se refere aos partidos, deve começar pela imposição da fidelidade partidária e pela proibição das chamadas legendas de aluguel.
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03/01/2002
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