PTB impede a dispersão e firma apoio a Ciro









PTB impede a dispersão e firma apoio a Ciro
BRASÍLIA. A direção do PTB conseguiu controlar a rebelião dos parlamentares que queriam que o partido abrisse mão da coligação com Ciro Gomes (PPS). O objetivo dos rebeldes era ganhar liberdade para fazer acordos regionais, diante da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que uniformizou as coligações. Reunidos na casa do deputado Sérgio Reis (SE), os petebistas foram convencidos pelo presidente do partido, deputado José Carlos Martinez (PR), de que o projeto nacional é prioridade. O apoio a Ciro, segundo Martinez, faz parte de um processo que deverá resultar na criação de um novo partido, reunindo os integrantes da Frente Trabalhista (PPS-PTB-PDT).

— Senti que o esquema está muito adiantado em favor do Ciro — disse o deputado Ricardo Izar (PTB-SP), favorável ao apoio ao candidato do PSDB, José Serra, e à coligação com o governador Geraldo Alckmin em São Paulo.

Frente terá candidatos ao governo em 22 estados
Na reunião, Martinez analisou a situação de cada estado e argumentou que a Frente Trabalhista terá candidatos ao governo em 22 estados, sendo 11 do próprio PTB. Para tranqüilizar o senador Fernando Bezerra (RN), candidato ao governo do Rio Grande do Norte e que tinha o apoio do PFL, Martinez demonstrou que, com o PDT e o PPS ao seu lado, ele teria um tempo razoável de propaganda na TV. E ainda poderia fazer uma coligação branca apoiando a reeleição de José Agripino Maia (PFL) para o Senado.

— O PTB corria o risco de extinção, mas agora vai se consolidar com a Frente Trabalhista — afirmou o líder do partido, deputado Roberto Jefferson (RJ).

A direção do PTB disse ainda que Ciro fará campanha nos estados onde a situação dos candidatos do partido à Câmara for mais difícil.


PFL se despede do poder
Depois de mais de sete anos de aliança com o presidente Fernando Henrique Cardoso e de 38 anos no poder, o PFL anuncia hoje o rompimento com o governo, atendendo a uma exigência da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, pré-candidata do partido à Presidência da República. Os dirigentes do partido prometem entregar todos os cargos ocupados por pefelistas no governo — desde os três ministros até os ocupantes dos escalões inferiores.

— A posição das bancadas é unânime em ratificar a candidatura de Roseana Sarney e, ao mesmo tempo, os integrantes do partido que ocupam cargos em qualquer escalão deverão devolvê-los — afirmou o presidente do partido, Jorge Bornhausen, ressaltando que por elegância o partido ainda ouvirá os governadores antes de oficializar a decisão hoje de manhã em reunião da executiva nacional.

Ao sair de mais uma rodada de encontros com as bancadas regionais do partido, Roseana demonstrou otimismo em relação à manutenção de sua candidatura:

— Senti um apoio muito grande. Estou satisfeita. Se tiver unidade do meu partido, serei, sim, a candidata.

Desde cedo, um pelotão de moderados pefelistas, liderados pelo vice-presidente Marco Maciel, tentava, ao lado de tucanos e peemedebistas, mudar a situação. Mas a cúpula do partido disse que era tarde demais.

— Os gestos chegaram tarde. O presidente não deveria ter viajado. Eu imaginava que uma crise com o PFL fosse mais importante para o seu governo do que qualquer entendimento com país estrangeiro. Ele subestimou a dor do PFL — disse o líder do PFL no Senado, Agripino Maia.

Frases de tucanos irritaram o PFL
Os erros, na avaliação da cúpula do PFL, começaram com as declarações do ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, que respaldou a ação da Polícia Federal no Maranhão, continuaram com a afirmação do próprio presidente Fernando Henrique de que o partido estava fazendo tempestade em copo d' água e se agravaram com as entrevistas de tucanos duvidando da real intenção do PFL de deixar o governo.

Ontem, já no fim do dia, depois de o PFL antecipar a decisão que será formalizada hoje, integrantes do governo ainda duvidavam de um rompimento total.

— Duvido que um partido ético como o PFL fosse querer manter os cargos do segundo escalão — ironizou o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio, que fracassou em sua missão de bombeiro.

— O próprio PFL ficará desconfortável se não entregar todos os cargos — disse o presidente do PSDB, José Aníbal (SP).

O próprio Fernando Henrique endureceu o discurso numa última tentativa de manter os pefelistas na base governista, avisando por meio de seus interlocutores que, se eles rompessem mesmo, seriam tratados da mesma maneira que o ex-senador Antonio Carlos Magalhães.

Na noite de ontem, governadores do PFL, preocupados com a decisão do partido, desembarcaram em Brasília para tentar reduzir o impacto do desligamento com o governo. O próprio presidente falou com dois desses governadores — Jaime Lerner (PR) e Amazonino Mendes (AM) antes da viagem ao Panamá.

Os ministros Roberto Brant, da Previdência, José Jorge, de Minas e Energia, e Carlos Melles, do Esporte e Turismo, devem entregar suas cartas de demissão ainda hoje. José Jorge, aliado de Marco Maciel, e que resistiu o quanto pôde a sair do governo, lamentou no fim do dia:

— A reunião da executiva era para ser uma grande festa. Agora não dá mais: vai ser o momento de uma decisão grave.


Crise paralisa votações no Congresso
BRASÍLIA. A crise entre o governo e o PFL paralisou as votações na Câmara e no Senado ontem, atrasando ainda mais a votação da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O trabalho se limitou à Comissão Mista de Segurança Pública, que votou a tipificação de novos tipos de crime, como o seqüestro-relâmpago. Diante da paralisia, o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), admitiu que é quase impossível aprovar a CPMF até o próximo dia 18, que é a data-limite para que o governo não tenha perda na arrecadação. Mas, ele disse acreditar que a prorrogação do imposto possa ser aprovada em definitivo pela Câmara na próxima semana.

— Temos ainda uma pequena esperança de que tudo será votado até o dia 18. O Senado terá que ser ágil para que a perda para o governo seja a menor possível — disse.

O líder do PFL na Câmara, Inocêncio de Oliveira (PE), disse que a votação da CPMF deve ser retomada na próxima semana.

— O PFL jamais votará contra o país — disse Inocêncio.

A emenda que prorroga a CPMF precisa ser promulgada até o dia 18, para que a cobrança da contribuição não seja interrompida e o governo não perca R$ 55 milhões por dia. A votação deve atrasar pelo menos uma semana, o que já traria prejuízos na arrecadação. Em uma semana, o governo calcula uma perda de cerca de R$ 400 milhões.

Apesar da crise política, Aécio negou que a Câmara esteja totalmente paralisada. Ele disse que as comissões temáticas estão discutindo projetos, principalmente aqueles relacionados à Segurança Pública. Mas, ontem, o plenário não votou nada com o PFL e o PMDB se declarando em obstrução.

No Senado, o plenário também não votou nenhum projeto. Os senadores deixaram de votar uma medida provisória sobre dívida agrícola de pequenos produtores, que está trancando a pauta de votações. A movimentação ficou por conta das comissões temáticas. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o texto final da reforma do Judiciário, que agora será discutido no plenário do Senado.


Roseana recorre ao STJ para barrar inquérito policial que envolve a Lunus
BRASÍLIA. O ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vai examinar o pedido de liminar da ação de reclamação ajuizada ontem pela defesa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL). A liminar tenta anular a decisão judicial que autorizou a operação de busca e apreensão na Lunus, empresa da governadora e de seu marido, Jorge Murad. Roseana quer a “imediata suspensão” do inquérito policial.

Defesa quer suspender inquérito policial
Os advogados — o ex-ministro da Justiça Saulo Ramos, o ex-ministro do STJ Luiz Vicente Cernichiaro, além de José Gerardo Grossi e Luis Carlos Bettiol — pediram ainda que seja declarada a nulidade de todos os atos dos juízes federais envolvendo a Lunus, devolvendo a Roseana o material apreendido e remetendo para o tribunal os procedimentos policiais em que a empresa figure como investigada.

Ontem, Roseana cancelou reuniões com parlamentares na sede do PFL para se encontrar, na casa de seu pai, o senador José Sarney (PMDB-AP), com os advogados. O ex-ministro José Sarney Filho, irmão de Roseana, também participou.

Segundo os advogados, a ordem de busca e apreensão só poderia ter sido emitida pelo STJ — órgão responsável por processos contra governadores. Eles também afirmam que a linha de investigação instaurada a pedido do Ministério Público Federal não relaciona a Lunus à fraude no uso de recursos do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (Finam)”.

A defesa acrescentou que quer derrubar o sigilo de Justiça que envolve a investigação.

— Esse negócio de segredo de Justiça parece coisa da Inquisição. O segredo está escondendo alguma coisa e nós vamos descobrir — disse Saulo Ramos.

Segundo o ex-ministro de Justiça, os advogados dos Sarney não pensam em entrar com ações contra qualquer pessoa do governo pelo vazamento das informações.

— Não acho que o presidente e o ministro da Justiça estejam envolvidos numa coisa tão baixa — disse ele.

Roseana voltou a se queixar de não ter conhecimento do processo e reiterou a disposição de abrir seu sigilo bancário:

— Se necessário, abro o sigilo. Mas não me pronuncio sobre o assunto enquanto não tiver acesso ao processo.


Aprovada a proibição de divulgar seqüestros
BRASÍLIA. A Comissão Mista de Segurança Pública do Congresso aprovou ontem o substitutivo da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ) que proíbe a imprensa de divulgar seqüestros, exceto com autorização judicial ou da família. O consentimento da família deverá ser dado por escrito, “de forma que permita comprovação de sua autenticidade”.

O meio de comunicação que infringir o artigo estará sujeito a multa diária de R$ 50 mil. A sugestão de inclusão do artigo, segundo Laura, foi da Divisão Anti-Seqüestro da Polícia Civil do Rio. O substitutivo deve ir para votação em plenário em regime de urgência.

O coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges, protestou contra a medida:

— Isso vai restringir o trabalho da imprensa e impedir que a população colabore, denunciando. É uma medida perigosa — disse.

De acordo com a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Beth Costa, a aprovação desse artigo é um exagero.

— A proibição ampla e irrestrita da informação sobre seqüestro é um exagero. Proibir a divulgação por lei não resolve o problema — afirmou a presidente da Fenaj.

Beth afirmou que a questão é polêmica e que defende a criação de um código de ética conjunto envolvendo os meios de comunicação e a sociedade para discutir o assunto.

— Há certos abusos da imprensa na busca de audiência em casos de seqüestros. É preciso buscar uma maneira de coibir isso, mas sem restringir o trabalho jornalístico.

OAB diz que proibição cerceia a imprensa
O presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, também criticou a aprovação da restrição de se informar sobre seqüestro.

— É cercear o trabalho da imprensa — disse.

Laura Carneiro afirmou que seu propósito não foi tolher a ação da imprensa:

— O jornalista vai poder divulgar que está ocorrendo um número determinado de seqüestros, mas não poderá informar os nomes da vítimas.

O presidente da Comissão Mista de Segurança Pública, senador Íris Rezende (PMDB-GO), defendeu a proibição e justificou dizendo que a divulgação de seqüestro dificulta a investigação e pode provocar até a morte da vítima.

— É o caso do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Será que se o caso não fosse noticiado ele estaria morto a esta hora? — indagou o senador.

A comissão aprovou anteontem a inclusão de novos tipos de crimes — como o seqüestro em meios de transporte coletivo e o sequëstro-relâmpago — no Código Penal. O relatório transforma quase todos os tipos de seqüestro em crime hediondo e pune com cadeia quem se recusar a prestar informações para delegados, promotores e comissões parlamentares de inquérito do Congresso.

Ontem, a comissão aprovou a revisão dos seis projetos de lei sobre o Código de Processo Penal. No entanto, não se sabe ainda o que será feito com o substitutivo finalizado pelo deputado Luís Antônio Fleury Filho (PTB-SP). Um outro relatório sobre o mesmo assunto, do deputado Ibrahim Abi-Ackel (PPB-MG), também está pronto e deve ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara até a próxima semana.

Segundo o deputado Marcos Rolim (PT-RS), existem muitas diferenças entre os dois substitutivos. O de Abi-Ackel praticamente mantém o projeto enviado pelo Ministério da Justiça. Já o trabalho de Fleury faz diversas mudanças, a maioria delas como tentativas de diminuir o tempo de processo.

Relatório possibilita prisão preventiva maior
Uma das alterações mais significativas cria a possibilidade de ser decretada uma prisão preventiva maior em alguns tipos de crimes — entre eles tortura, seqüestro, crime organizado, tráfico de drogas. O projeto inicial previa a prisão por 81 dias em todos os casos.

Outra mudança restringe a opção de prisão preventiva aos casos de possibilidade de fuga, de reincidência no crime ou de criação de dificuldades no processo de investigação. Atualmente, o código previa ainda a hipótese de prisão por “possibilidade evidente de abalo à ordem pública”, o que os parlamentares consideraram muito subjetivo.

O decreto que criou a comissão mista determina ainda que ela deve apresentar alternativas aos projetos. No entanto, esse tipo de comissão não pode fazer projetos de lei, como no caso do Código de Processo Penal. A apresentação dos projetos de lei deve passar pelas comissões regulares da Câmara e do Senado antes de seguir para votação em plenário. No momento, existem dois relatórios sobre o código, mas, de acordo com o regimento, o de Abi-Ackel tem prioridade.

— Temos que resolver essa duplicidade ou todo o trabalho da comissão vai ser perdido — explicou Rolim, um dos integrantes da Comissão Mista de Segurança Pública.


FH nega ter recebido relatório da PF: “É mentira”
CIDADE DO PANAMÁ. O presidente Fernando Henrique Cardoso confirmou ontem que recebeu um fax com o despacho da Justiça Federal autorizando o mandado de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) no escritório da empresa Lunus, de propriedade da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e de seu marido, Jorge Murad. Mas o presidente negou que, além do mandado, tenha recebido um relatório detalhado sobre a ação da PF em São Luís.

— É mentira. Aliás, se tivessem me dado o relatório também, teria sido bom porque eu queria acompanhar para saber se havia alguma coisa ilegal — disse o presidente.

Fernando Henrique explicou que, depois de ser avisado da operação na Lunus pelo senador Jorge Bornhausen e pela própria governadora do Maranhão, solicitou ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, e ao diretor da Polícia Federal, Agílio Monteiro, as justificativas legais para a ação da PF no caso.

— Ele s me disseram que a PF estava agindo como uma polícia judiciária. E eu disse: ‘Então, me manda o documento de busca e apreensão’. E isso foi feito. O que recebi e li imediatamente para o senador Bornhausen pelo telefone na sexta-feira à noite foi o fundamento legal da ação da PF, porque eu não poderia aceitar que a polícia agisse por conta própria — disse.

Presidente pede lucidez e solidariedade
Fernando Henrique voltou ontem a pedir lucidez e solidariedade neste momento de crise política e disse entender a irritação da governadora do Maranhão em relação à operação da Polícia Federal. No entanto, ele afirmou que não se pode transformar isso num norte da política brasileira.

— Não se pode transformar um fato limitado no norte da política brasileira. O PFL tem responsabilidade nacional e saberá separar as dificuldades — disse o presidente, acrescentando:

— O PFL há muito tempo está trabalhando para o meu programa. O mais importante para o país é mostrar que o PFL, como outros partidos que estão com o governo, tem responsabilidades e saberá superar as dificuldades tendo em mira um objetivo que é o de garantir a governabilidade.

Presidente diz não acreditar em ultimato de Roseana
O presidente disse não acreditar que Roseana tenha dado um ultimato e obrigado o PFL a romper com o governo federal. A governadora disse a parlamentares na terça-feira que, se o PFL não rompesse com o governo, desistiria de disputar a Presidência da República.

— Não creio que ela tenha dito isso, a não ser no calor da hora. Porque isso também prejudicaria a candidatura (de Roseana) — disse.

O presidente afirmou ainda que vai apelar aos partidos para que a emenda que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) seja votada logo.

Fernando Henrique participou ontem do lançamento do programa de modernização do Canal do Panamá, devolvido pelos Estados Unidos à administração panamenha no fim de 1999. Em uma solenidade da qual participaram mais de cem pessoas, Fernando Henrique e a presidente do Panamá, Mireya Moscoso, acionaram juntos o dispositivo explosivo que implodiu e alargou as margens do canal na área no Lago Gatún, a 40 quilômetros da capital, simbolizando o início das obras. O projeto de modernização do canal deve durar dez anos e está orçado em US$ 4 bilhões.


Artigos

Momentos de paranóia política
Luiz Garcia

Se você continua não entendendo biscoito, vale a pena pensar um pouco sobre dois fenômenos políticos que estão em moda: paranóia e teoria conspiratória, que existem de dois tipos, espontâneas e fabricadas. Na presente epidemia, as duas formas se confundem, tornando quase impossível distinguir a fria manobra política da reação emocional detonada pelo medo da facada nas costas.

Examinemos três episódios distintos. Quem sabe você acaba entendendo alguma coisa. Quem sabe, eu acabo entendendo alguma coisa.

Primeiro episódio, e único já praticamente terminado: os prefeitos do PT. Ao serem assassinados os de Campinas e Santo André, com curto intervalo, a paranóia produziu a sinistra teoria do crime político: próceres petistas estavam na mira do terror. O presidente de honra chegou a dizer, textualmente: “Tem gente grossa por trás disso.”

O clima chegou a tal ponto que o governo paulista aceitou a presença de um criminalista, deputado do PT, acompanhando de perto as investigações. Num momento de bom senso, essa extraordinária exceção não seria criada: a polícia, mesmo a brasileira, não pode aceitar que alguém fique olhando por cima do ombro do delegado para que se tenha certeza de uma investigação competente. Normalmente, o advogado que representa a vítima só interfere no processo na etapa judicial. A exceção aberta para acalmar o PT cria um precedente perigoso.

No fim das contas, o advogado se portou bem, e acabou reconhecendo que não acontecera crime político algum. Falta o gesto nobre de Lula, que só não o fez certamente por desatenção ou agenda cheia: pedir desculpas à opinião pública e aos seus eleitores pela afirmação categórica sobre “gente grossa”. Você decide: foi paranóia natural ou artificial?

Segundo episódio: a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, exigindo a monogamia partidária, das alianças nas candidaturas a presidente até os pactos para as assembléias estaduais. Políticos e cientistas políticos estão discutindo tanto o mérito da decisão em si, como a sua pertinência a esta altura do processo eleitoral. Não precisamos nos dar ao trabalho de uma análise comparativa das variadas e doutas interpretações. O mais inteligente é acharmos que tem inteira razão o último prócer ou teórico que lemos ou ouvimos: pelo menos, os argumentos ainda estão frescos em nossas perturbadas cabeças.

Mas vale a pena meditar sobre a teoria conspiratória em marcha: a decisão do TSE, andam dizendo, seria fruto de uma conspiração governista. Ninguém chama atenção para o fato de que isso exigiria cumplicidade entre Fernando Henrique e Leonel Brizola. Ambos aplaudiram a decisão do tribunal, que teria sido comandada pelo ministro Nelson Jobim, íntimo aliado do presidente, e provocada por consulta do deputado Miro Teixeira, líder do PDT.

Nenhuma mente livre de paixão consegue imaginar Fernando Henrique e Leonel Brizola unidos numa cabala. Na cascata de denúncias apaixonadas, ninguém mencionou a dupla Miro-Brizola — esses palacianos incorrigíveis — embora sem o gesto do primeiro, com a concordância do segundo, nada aconteceria. Falou-se apenas numa trama entre o Planalto e os ministros do tribunal.

É cômico e é grosseiro. Principalmente porque, no primeiro momento, era impossível identificar os mais prejudicados. Como a regulamentação divulgada terça-feira não é taxativa a respeito, pode-se concluir que a regra nova (ou a vigência inesperada de regra velha, como lembram alguns) atrapalha, em graus diferentes, a vida de todos os candidatos e pelo menos alguns planos de todos os partidos.

No terceiro episódio, a conspiração é contra o PFL, vitimado na pessoa da governadora do Maranhão. Contra Roseana Sarney estariam mancomunados o Planalto, a Justiça Federal e o Ministério Público, unidos para eleger José Serra.

É outra improvável aliança: quem ignora o que já sofreu o governo federal em face da sanha inquisitorial dos jovens turcos do Ministério Público? A eles o país deve uma incansável luta contra variadas formas de corrupção; por outro lado, muitos deles devem ao país aprender a trabalhar direito, sem tratar indícios como provas e suspeitas como certezas. Esse tipo de comportamento se agrava quando, para garantir que os inquéritos avancem, eles fazem públicas suas suposições ou deixam vazar o que deveria ser sigiloso. Infeliz-mente, a imprensa, com constrangedora freqüência, aceita fazer-se docilmente sócia desse comportamento. Comete o erro de considerar jornalismo investigativo — que dá um trabalho danado — a aceitação cômoda e acrítica dos vazamentos.

Segundo a teoria conspiratória, desta vez o vazamento não partiu das fontes habituais, e foi uma armadilha montada pelo Palácio do Planalto visando a desmoralizar a candidata do PFL e ajudar a candidatura José Serra.

Não vale: é preciso ter mais do que desconfianças e indícios para garantir que desta vez a imprensa não foi abastecida pelos fornecedores de sempre. Além disso, toda a indignação da governadora e de seu pai não oculta o que houve antes do vazamento: um procedimento judicial legítimo, determinado por quem podia fazê-lo e executado por quem de direito, no curso de uma investigação iniciada há tempos. O ato legal não ofende — e a queixa inicial de que a ação foi de surpresa é espantosa. Não poderia ser de outra maneira, a não ser num país que não desejamos qu e exista mais. Um país que lembrava a fábula orwelliana da “Fazenda dos animais”. Alguém não leu? Quando os porcos assumiram o controle total, o principal mandamento da revolução contra os humanos foi reescrito: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros.”

É preciso ser muito “mais igual” para ter direito a aviso prévio de uma operação legal de busca e apreensão.

A governadora, na verdade, tem apenas dois adversários óbvios. O primeiro é o ânimo adesista de seu próprio partido, que sente falta de ar quando distante do poder. O segundo é a sua própria estratégia de defesa, procurando negar ao juiz e ao promotor os documentos apreendidos no escritório. Por que fazê-lo, se nada há a ocultar? Melhor do que liderar um motim contra o governo e a governabilidade — além da crueldade de tirar o irmão de um ministério onde ele ia tão bem — seria exigir que fosse exibido, e não trancado, o papelório encontrado. Sem esquecer de explicar um pouco melhor o dinheirinho em espécie. Provar inocência seria, e ainda pode ser, politicamente mais inteligente do que tentar jogar um partido inteiro na onda da paranóia.

De resto, não fica bem a qualquer político que se sabe honesto ser flagrado beneficiando-se, pelo menos na aparência, do mesmo conceito jurídico que almas malvadas atribuem a Paulo Maluf:

“Todo homem é inocente enquanto o inquérito não vai em frente.”


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel

Misérias da política
O fim das parcerias políticas, como esta entre o PSDB e o PFL, que hoje chega ao fim após oito anos de desfrute conjunto no poder, guarda uma semelhança com o divórcio de casais ricos e notáveis num aspecto, a briga pelo patrimônio. A menos que o presidente Fernando Henrique tenha chegado ao Brasil com uma solução mágica, o PFL anuncia hoje seu rompimento com o governo.

Impossível ainda prever os desdobramentos políticos, econômicos e eleitorais de tal decisão. Já a briga pelo butim de guerra, os cargos e as posições, é discutida com pouca cerimônia pelas partes, embora trate-se de coisas públicas, não privadas.

O que mais diziam os tucanos ontem era que agora não se repetirá a situação criada na Bahia. O ex-senador Antônio Carlos Magalhães rompeu com o governo, atacou o presidente e os tucanos, mas os cargos federais continuaram com seus aliados. Um acordo branco. Em troca, seus 22 seguidores continuaram votando com o governo. Em entrevista no Planalto, o secretário-geral Arthur Virgílio deu recado nesse sentido. Sobre se, em caso de ruptura, o PFL deveria deixar também os cargos de escalões inferiores, saiu-se assim:

— Um partido ético como o PFL certamente não fará diferente. Não tomará meia decisão.

Em muitas reuniões os tucanos trataram abertamente do espólio, dizendo, em resumo: se os pefelistas saírem, jogando pela ingovernabilidade, não ficarão montados em pleno ano eleitoral nas máquinas que controlam. E olhe que são máquinas poderosas: a previdenciária, todo o setor elétrico, diretorias da Petrobras e outras estatais, engrenagens que bem acionadas rendem votos. Informado das indiretas, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, declarou mais tarde que todos os postos serão entregues, num total de dois mil em todo o país.

São Tomé está sendo invocado pelos que não conseguem imaginar o PFL fora do poder. Muitos pefelistas confessaram o roteiro de seus desejos. O partido satisfaz o orgulho de Roseana deixando os ministérios, que deixariam mesmo em abril, mas conserva suas posições secundárias (embora eleitoralmente importantes). Em nome da governabilidade, continuam votando os projetos de interesse do governo. Ou seja, enganariam o eleitorado fingindo-se de oposição.

Mas ontem, diante de uma indignada Roseana Sarney, as bancadas desfilaram apoiando o rompimento. Mesmo quando ela, mostrando controle da situação, puxava uma ficha e lia os cargos ocupados pelos pefelistas no respectivo estado. Mas quem conhece a política em suas misérias brasileiras sabe que as coisas não se passarão assim.

— Se o PFL deixar o governo, lamentaremos, mas o presidente não ficará sem maioria. Nem haverá crise de governabilidade — garantiu Virgílio no Planalto.

Como? Ora, simples. Negociando cada voto com os deputados detentores de cargos nos estados.

Mas, ainda assim, o governo terá perdas. No mínimo, pelo entendimento externo de que desmoronou a sólida aliança que sustentou as reformas liberais.Tire o cavalo da chuva quem estiver acreditando que o TSE deixará o jogo livre nos estados para os partidos sem candidato a presidente. Essa brecha também será fechada.Em marcha a aliança PT-PSB

Apesar das negativas do governador Anthony Garotinho, o PT e o PSB estão conversando, e muito, sobre uma aliança nacional entre os dois partidos. Tais conversas não estão acontecendo entre as cúpulas, mas em cada estado, segundo a situação eleitoral local, com a mediação do presidente do PT, José Dirceu. De baixo para cima, cresce a pressão dos socialistas tentando convencer Garotinho de que a permanência de sua candidatura será a ruína do partido. Ele mesmo já conversou com Dirceu por telefone e combinaram pôr fim aos ataques. Não podem aparecer abraçados de repente depois de trocar tiros.

O PT, em contrapartida, daria o lugar de vice ao PSB e apoiaria seus candidatos a governador em alguns estados, como Alagoas, Pará, Rio Grande do Norte, Amapá e Pernambuco. Garotinho seria candidato à reeleição, com apoio do PT. Benedita da Silva, nesse caso, vira ex-futura governadora.

Para vice de Lula, fala-se até em Rosinha Matheus. O mais lembrado, porém, continua sendo o atual presidente do STJ, ministro Costa Leite, que se filiará ao PSB em abril, depois de se aposentar. No seu caso, a lei permite.

Enquanto isso
A crise na política doméstica desta vez imobilizou o Congresso diante do ataque comercial americano com a taxação do aço brasileiro. O deputado Fernando Gabeira levou ao presidente da Câmara uma moção proposta pelo PT, para ser aprovada. Faltou clima. Paulo Delgado, outro que atua nessa trincheira, propõe:

— Devemos responder em linguagem mais ousada. Por exemplo, sobretaxando a entrada de filmes americanos, que, além de divisas, propagam os símbolos do poder americano.

OS TUCANOS se esforçaram para divulgar uma recente invasão da Polícia Federal à Assembléia Legislativa de Mato Grosso, dirigida por um deputado tucano, a pedido do mesmo procurador que pediu a ação no Maranhão, Pedro Taques. Um calmante para o PFL. Tarde, muito tarde.


Editorial

IMAGENS EM JOGO

Convicta de que nada justificava o mandado de busca e apreensão nos escritórios da empresa na qual é sócia do marido, Jorge Murad, a governadora Roseana Sarney pode, com um simples gesto, começar a afastar qualquer suspeita que possa existir quanto à conivência com esquemas de fraude na Sudam: basta voltar atrás no pedido à Justiça federal para que obstrua as investigações do Ministério Público de Tocantins.

Criar barreiras à ação dos procuradores da República não ajuda a biografia da pré-candidata à Presidência. Só o prosseguimento do trabalho dos procuradores, em Tocantins, pode colaborar com a imagem da governadora do Maranhão — se de fato nada ficar provado.

Mesmo que o PFL abandone a aliança com o governo, que Roseana rasgue e jogue fora a sua pré-candidatura, ainda assim ela precisará exorcizar-se contra as sombras que a acompanharão enquanto não se souber, com absoluta segurança, que a firma Lumus não se beneficiou da farra com dinheiro do contribuinte, organizada por quadrilhas de colarinho branco na Amazônia.

O resto é outra discussão. Pode-se e deve-se questionar se houve alguma ingerência do Executivo federal no caso, e cobrar qualquer vazamento de informações num processo lacrado pelo selo do segredo de justiça.

Mas a opinião pública também quer saber do desfecho das apurações do Ministério Público de Tocantins, que há mais de um ano rastreia indícios de desvios de recursos públicos na Sudam. Se pistas levaram os procuradores da República a requisitar documentos da Lumus, cabe aos donos da empresa defenderem-se e provarem a inocência.

O PFL, por sua vez, não pode romper seu compromisso com uma importante pauta de votações no Congresso em nome da desavença. Se o fizer, subordinará a sua atuação parlamentar e o próprio equilíbrio institucional do país a interesses secundários. O que também não contribuirá para a imagem do partido.


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03/07/2002


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