Roseana entra na mira de Jungmann
Roseana entra na mira de Jungmann
Ministro lança pré-candidatura no PMDB, critica governadora do Maranhão e entra em atrito com direção do partido
BRASÍLIA - Era para ser um lançamento de candidatura à Presidência nos moldes tradicionais. Mas nem o pré-candidato, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, disfarçou bem. Soltou o nome na rua e, de quebra, alguns petardos contra a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), segunda colocada nas pesquisas de intenção de votos.
Comunista até meses atrás, Jungmann trocou a ficha de filiação no PPS pelo PMDB a conselho do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ontem, o motivo da reviravolta ficou claro. Ao anunciar a intenção de concorrer à prévia do PMDB justificou a intenção: quer ''barrar o avanço das forças conservadoras representadas pelo PFL''. Cria política do governo FH, Jungmann foi além. ''Se vencer, quero ser o candidato do governo, mas não com a atual aliança''. E repetiu, alto e bom som, o que parte do tucanato fala ao pé-do-ouvido. ''Essa aliança é coisa do passado.''
Estava dado o recado. O segundo em dois dias. Na segunda-feira, o eventual coordenador de campanha do ministro da Saúde, José Serra, Luiz Paulo Veloso Lucas, criticara a aposta do PFL no nome de Roseana. O discurso de Jungmann tem mais peso. Foi combinado com o presidente. ''Toque em frente o projeto, mas não deixe de falar com o PMDB'', recomendou FH ao ser informado por Jungmann sobre o lançamento de seu nome. ''Contei ao presidente, mas a estratégia é minha'', disse o ministro. Hoje, ele deve entregar a carta de demissão ao presidente. A prévia do PMDB está marcada para 17 de março.
Nova aliança - Jungmann quer ser candidato de uma nova coligação, do ''centro para a esquerda'', com a participação do PPS e do PSB - partidos dos presidenciáveis Ciro Gomes e Anthony Garotinho, governador do Rio - com o apoio do PL e do PTB. Daí ter centrado as críticas na governadora do Maranhão. Disse discordar do programa de governo do PFL e das forças políticas que a apóiam. ''Deixar tudo para o mercado resolver e só aumentar as privatizações não é solução'', avaliou.
Empolgado, sobrou ataque até para o colega de Ministério, José Serra, comandante da Saúde. Serra, acusou Jungmann, erra ao não discutir mais com as bases do PSDB a campanha à Presidência. ''Ele tem que conversar mais'', disse.
A candidatura de Jungmann foi discutida por três vezes com o presidente. Publicamente, o ministro do Desenvolvimento Agrário negou que FH tenha sido o articulador da idéia e assegurou que não pretende desistir no meio da campanha a favor do candidato tucano. ''Não existe a hipótese da renúncia para ser vice de José Serra.''
Atrito - Antes, contudo, Jungmann terá de se preocupar com os próprios erros. Esqueceu o conselho de FH e não avisou os dirigentes do PMDB sobre sua intenção. Ou, pelo menos, não conversou sobre isso com o presidente do partido, Michel Temer. Ontem, depois de uma reunião com outros líderes em São Paulo, Temer avisou: ''Não vou deixar que o PMDB seja catapulta para lançar A , B ou C. Ele acabou de entrar no partido e já quer ser candidato?''.
O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), ecoou. ''Essa candidatura é um minifúndio improdutivo'', definiu. O governador do Rio Grande do Norte, Garibaldi Alves, reforçou. ''Vai aprofundar a divisão no PMDB.'' O ministro-candidato nem tentou apazigüar os ânimos. ''Se eles têm outro candidato que una o PMDB, apontem.''
Lei punirá quem proibir atos públicos
Projeto muda conceito de segurança nacional e prevê pena de até 12 anos se repressão a manifestantes resultar em morte
BRASÍLIA - É proibido proibir. Este o principal conceito embutido no projeto que o presidente Fernando Henrique Cardoso envia nos próximos dias ao Congresso. A proposta extingue a Lei de Segurança Nacional (LSN) e introduz novos artigos no Código Penal. Reduz quase pela metade as penas máximas de crimes previstos na LSN e pune com até quatro anos de prisão quem impedir ou tentar impedir o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos ou grupos políticos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos.
A definição consta do capítulo de crimes contra a cidadania, no qual o Estado sai da condição de vítima para a de suposto agressor. Essa é uma das principais inovações incluídas no projeto. A pena inicial de quatro anos pode subir para até 12 anos de reclusão se a interferência na manifestação resultar em morte. É acrescida de um terço se o crime for praticado por funcionário público.
O ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, entregou o projeto ontem ao presidente. O texto deve chegar ao Congresso antes da viagem de Fernando Henrique à Rússia, programada para domingo. O Código Penal ganha novo capítulo, o de ''crimes contra o Estado de Democrático de Direito''. A proposta é mais brando que a antiga LSN, base para a prisão de centenas de opositores do regime militar. Nem o termo segurança nacional subsiste.
Soberania - As penalidades são diminuídas. Enquanto a LSN punia com até 20 anos de prisão o atentado à soberania, o projeto reduz a detenção para 12 anos. A pena máxima para quem ousar pegar em armas pela autonomia de parte do território nacional, ou mesmo bradar por independência, cai de 12 para oito anos de reclusão.
O texto considera crime a violação do território nacional para a exploração de riquezas. A exposição de motivos deixa claro, contudo, que a idéia não é a de punir a expressão de idéias e sentimentos separatistas, mas quem tentar depor o governo constitucionalmente constituído ou funcionário público, civil ou militar, que impedir o funcionamento de instituições constitucionais. O crime de golpe de Estado será punido com penas de 4 a 12 anos de reclusão.
Terror - Atos de terrorismo vão custar dez anos de detenção. Enquadra quem for flagrado em facciosismo político ou religioso ou tentar difundir o terror - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem.
O projeto que substitui a LSN deverá ser apreciado em regime de urgência pelo Congresso. Com o texto, o governo evita a possibilidade de vácuo jurídico. A Comissão de Relações Exteriores da Câmara aprovou recentemente a revogação da LSN, mas a decisão terá de passar ainda pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça e do plenário, antes de ir ao Senado e à sanção presidencial.
Marco Aurélio ajuda o Rio outra vez
Presidente do STF mantém liminar que reduz em 80% prestações da dívida do Estado. Supremo julga caso em fevereiro
BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio, manteve a liminar que garante ao governo do Estado do Rio redução de 80% nos pagamentos mensais de sua dívida com a União. O julgamento final da questão só vai acontecer em fevereiro, quando o Supremo volta do recesso. A tendência do STF é derrubar a liminar de Marco Aurélio. A questão é muito importante para o governo federal. Uma vitória do Rio será um precedente que vai abrir espaço para que outros estados entrem com ações semelhantes, afetando a arrecadação da União.
A redução é retroativa a junho do ano passado e compensa a perda de arrecadação do Estado causada pelo plano de racionamento de energia elétrica. Se for derrotado, o Estado do Rio terá que voltar a pagar, provavelmente a partir de março, as parcelas de sua dívida com a União. No despacho do dia 4, quando deu pela primeira vez a razão ao governo do Rio, Marco Aurélio criticou o que classificou de ''negligência'' do governo federal e a falta de ''definição de responsabilidade'': ''Se alguém claudicou na arte de proceder, se é possível cogitar de ato omissivo, iniludivelmente a definição da autoria direciona à órbita federal. A queda da receita decorrente de tributos, notada e sofrida pelos Estados federados, não teve origem nas respectivas administrações, mas sim, ao que tudo indica, na da União.''
A liminar que Marco Aurélio quer manter tem como referência a ação proposta pelo Estado do Rio em junho do ano passado, com pedido de indenização por perdas tributárias sofridas com o racionamento, além da redução imediata do pagamento mensal da dívida com a União. O relator da ação, ministro Néri da Silveira, não acolheu a ''antecipação de tutela''. Em 14 de novembro, o pleno do STF negou o recurso do Estado do Rio contra aquela decisão do relator.
O pleno do STF não chegou a entrar no mérito da questão em novembro. Discutiu, apenas, a se era aceitável o pleito do Estado do Rio, em face da declaração de constitucionalidade, pelo STF, da medida provisória que instituiu o plano de racionamento.
Ao fim do recesso do Judiciário, em fevereiro, a liminar ontem mantida por Marco Aurélio será examinada pelo ministro-relator Néri da Silveira, que - segundo se informa - vai propor ao plenário a ratificação de sua posição anterior.
Lei facilita vida dos aposentados
BRASÍLIA - A partir de agora, o trabalhador aposentado não precisa mais enfrentar um calvário para apresentar à Previdência Social documentos que comprovem vínculos empregatícios posteriores a 1994. O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou ontem a lei que transfere o ônus da prova para o INSS. A extensão para períodos anteriores ainda depende de um projeto de lei que deve ser enviado ao Congresso em fevereiro.
''Trata-se, essencialmente, de facilitar a vida das pessoas'', disse o presidente. ''É a democratização da sociedade no sentido mais amplo.'' Ele ressaltou que medidas como esta ajudam a recriar as estruturas do país. ''Não queremos um estado mamute, grande, desajeitado e sem funcionar.''
FH lembra que há pouco tempo até ele próprio esbarrava na burocracia. ''Pessoas conhecidas da minha família tiveram essa dificuldade, e nem eu consegui as informações'', explicou. ''Agora isso vai acabar, a pessoa não precisa ser nada, basta ter nascido no Brasil.''
Benefícios - O presidente atribuiu as mudanças, entre outras coisas, à estabilidade da economia e à reforma da Previdência. ''Infelizmente a opinião pública ficou com a sensação de que estaríamos tirando direitos, mas na verdade eles foram ampliamos'', afirmou.
Os avanços com o INSS e os programas de renda mínima são apontados por Fernando Henrique como pontos importantes para criar o que chamou de Estado de bem-estar social. ''Ainda não temos esse Estado. O ideal é que possamos ir construindo'', ressaltou.
Elogios aos servidores públicos também fizeram parte do discurso. ''A burocracia brasileira é competente mas, no atropelo das coisas, sofre com a falta de reconhecimento'', lamentou. ''É uma surpresa crescente e agradável ver, nos vários setores, pessoas trabalhando com seriedade e recebendo salários que, meu Deus, nem comento...''
FH mudará projeto antidrogas
BRASÍLIA - O governo federal poderá vetar artigo da nova lei antidrogas, aprovada pelo Congresso, pelo qual os traficantes teriam direito a liberdade provisória, anistia e indulto. Hoje, o cumprimento de pena é em regime fechado. Os juristas temem que a nova lei possibilite progressão de regime de pena, inclusive para narcotraficantes internacionais. Segundo assessores do Palácio do Planalto, ''é quase certo'' que Fernando Henrique vete o artigo.
O governo ainda vai analisar vários artigos da lei até o próximo dia 17, quando termina o prazo para a sanção presidencial. Um dos artigos que vêm sendo criticados por juristas manda para a cadeia o réu que se recusa a cumprir pena alternativa. Segundo interpretação de técnicos da área jurídica do Executivo, o artigo faz referência ao réu traficante e não ao réu consumidor de drogas. A política atual do governo é não imputar nenhum tipo de crime ao consumidor.
O presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não recebeu um pacote de sugestões preparadas pelos técnicos dos ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, da Previdência e da Saúde. Participam das reuniões também representantes da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad).
Veto integral - O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Marfan Martins Vieira, entregou ontem à Casa Civil da Presidência e ao ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, um ofício solicitando o veto integral à nova lei antidrogas. ''O ministro Aloysio concorda que o projeto tem alguns equívocos'', garantiu Marfan, ao deixar o gabinete do ministro.
Para ele, o projeto criaria um vácuo sobre o conceito de drogas ao revogar portaria do Ministério da Saúde que tipifica os entorpecentes, transferindo o tema para uma lei que não foi criada. Segundo Mafan, o projeto restringe a hediondez ao verbo ''traficar'' e exclui desta modalidade de crime os demais delitos, como comercialização e repasse de drogas.
Polícia baiana ocupa quartéis
SALVADOR - A greve da Polícia Militar da Bahia - anunciada para antes do carnaval pelo comando responsável pela paralisação da polícia por 13 dias, em julho do ano passado - foi deflagrada ontem. Revoltados com o governo, que não estaria cumprindo o acordo de 27 itens feito com a categoria, PMs armados e com os rostos cobertos ocuparam três quartéis da capital. Foi uma resposta à prisão de cinco policiais, que anunciavam a greve pelo sistema de rádio da corporação. Houve troca de tiros e explosivos foram detonados no 8° Batalhão da Polícia Militar, retomado pela Tropa de Choque. Enquanto o comando de greve contabilizava o aquartelamento em quatro unidades, a adesão de 22 delegados e de quartéis e companhias independentes de dez cidades, a secretária de Segurança Pública, Kátia Alves, negava que houvesse greve.
Artigos
Escrivá e o Brasil
Monsenhor Pedro Barreto Celestino
''O Brasil é um continente!''. Foram precisamente essas as primeiras palavras de carinho para com o nosso país que ouvi do bem-aventurado Josemaría Escrivá, quando o conheci, em meados de outubro de 1965. Depois, nos dois anos e meio em que vivi perto dele, em Roma, em muitas ocasiões escutei de novo essa afirmação ou outras semelhantes, que manifestavam o interesse e a medida das suas esperanças com relação ao Brasil.
Atrevo-me a dizer que o que à primeira vista fascinou a monsenhor Escrivá no Brasil foi ver a convivência fraterna de pessoas de procedências tão diversas. ''O Brasil! A primeira coisa que vi foi uma mãe grande, formosa, fecunda, terna, que abre os braços a todos, sem distinção de línguas, de raças, de nações, e a todos chama filhos'', disse. ''Grande coisa é o Brasil! Depois vi que vos tratais de uma maneira fraterna, e emocionei-me.''
O bem-aventurado Josemaría esteve 17 dias no Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro no início da noite de 22 de maio de 1974 e daqui foi para São Paulo, que era, na altura, a única cidade onde o Opus Dei desenvolvia atividades estáveis. Naqueles dias, reuniu-se com muitos milhares de pessoas, em grupos numerosos ou reduzidos. Com os ouvidos bem atentos, escutou suas perguntas e conheceu episódios que lhe queriam contar.
Surpreendeu-nos a acuidade com que captou os traços mestres do caráter do país. ''Tendes que fazer sobrenaturalmente o que fazeis naturalmente; e, depois, levar esses afãs de caridade, de fraternidade e de compreensão, de amor, de espírito cristão, a todos os povos da terra. Entendo que o brasileiro é e será um povo missionário, um grande povo de Deus, e que as grandezas do Senhor, as sabereis vós cantar em toda a terra.''
Acho que, em 1974, os próprios brasileiros tínhamos só uma idéia bem limitada dessas pos sibilidades. Sabíamos, naturalmente, que o Brasil limita-se com 10 países e que não tem disputas de fronteiras; já era conhecida a habilidade de alguns diplomatas brasileiros nos organismos internacionais. Mas a penetração internacional do Brasil ainda era muito pequena. Os jornais não falavam de homens de negócios daqui que ocupassem cargos de relevo em firmas internacionais, e os jogadores de futebol no exterior ainda se contavam com os dedos das mãos. A ajuda que os brésilieurs tinham prestado na cristianização da África francesa parecia um fato histórico isolado, e não nos passava pela cabeça que, na estratégia de Deus, o Brasil estivesse chamado a ocupar um papel importante na difusão das verdades do Evangelho fora das suas fronteiras.
Naqueles dias luminosos do outono de 1974, o fundador do Opus Dei viu com clareza tantos valores positivos que fazem parte do modo de ser e da cultura dos brasileiros. ''Há muito trabalho que fazer. Há muitas almas boas no Brasil. E vós tendes no coração o fogo de Deus, aquele que Jesus veio trazer à terra. É preciso pegá-lo aos outros corações. Tendes simpatia e bondade, capacidade humana e sobrenatural para fazê-lo.''
Contudo, nada mais equivocado do que pensar que a visão do bem-aventurado Josemaría a respeito do Brasil foi de deslumbramento ingênuo. Junto com as coisas boas, percebeu também com agudeza as deficiências e as necessidades. Só que não as viu com o espírito crítico de um observador alheio: viu-as com olhos fraternos, paternos, de sacerdote. Num daqueles dias comentou: ''No Brasil, nós os católicos temos muito que fazer, porque se vê gente necessitada das coisas mais elementares: de instrução religiosa e também de elementos de cultura comuns. Temos de promovê-los de tal maneira que não fique ninguém sem trabalho; que não exista um ancião que se preocupe por estar mal assistido; que nenhum doente se veja abandonado; que não haja ninguém com fome e sede de justiça, e não possa saciá-la.'' Dá segurança pensar que um santo do céu sofreu ao perceber essas deficiências e sonhou com a solução delas.
O Papa João Paulo II, na sua segunda viagem ao Brasil, disse numa homilia em Cuiabá: ''O Brasil precisa de santos, de muitos santos''. Embora não tenha nascido aqui, podemos dizer que o bem-aventurado Josemaría é muito nosso, tem muito a ver com o Brasil. Por isso, na comemoração do centenário do seu nascimento neste dia 9 de janeiro, e no momento em que o papa reconheceu um milagre atribuído à sua intercessão, passo prévio para a canonização do fundador do Opus Dei, é natural que nos lembremos desse homem santo que tanto se entusiasmou com o Brasil e a sua gente.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER
Jungmann faz luta ideológica
A decisão do ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, ao se inscrever nas prévias do PMDB em março é ganhar voz, palanque e legitimidade para introduzir no processo sucessório um discurso ideológico pelo qual ele acha inadmissível a reedição da aliança que sustentou Fernando Henrique Cardoso, sob a hegemonia do PFL.
Um acidente de percurso que resultasse num possível acordo, no qual Roseana Sarney seria a cabeça de chapa da coligação, representaria, na prática, retrocesso de quase 20 anos no país. Embora a argumentação pareça óbvia, o ministro lembra que ''ninguém está dizendo claramente isso. O que há é uma situação política abúlica que, se não for de alguma forma sacudida, dentro em pouco podemos nos ver ante a realidade de ter feito um governo com hegemonia de centro-esquerda durante oito anos e entregá-lo, outra vez, aos conservadores''.
Por mais que, como diz o ministro, o lance não tenha sido feito sob o patrocínio - embora com o conhecimento - do Palácio do Planalto, é evidente que Jungmann vocaliza uma preocupação dos tucanos e até de parte do PMDB que tem problemas de disputa de poder regional com o PFL. Só que nenhum tucano, a começar por Fernando Henrique, pode sair, nessa altura, dizendo nada que desabone ou afaste o PFL, porque, do dia de amanhã, ninguém sabe.
Por isso, Raul Jungmann afirma que se escalou para defender uma aliança entre PMDB e PSDB. Não nega o direito nem a competência do PFL ao firmar uma candidatura - na visão dele irreversível -, mas reserva-se o dever de falar com todas as letras, pontos e vírgulas, que, a ele, e a boa parte das forças políticas abrigadas no governo FH, ''não há como aceitar uma inversão do eixo de poder, da hegemonia política''.
Até há pouco filiado ao PPS, Jungmann - cuja origem partidária é o PCB - tinha como opção preferencial o PSDB, mas abandonou os planos por questões regionais de Pernambuco, seu Estado. Numa aproximação com o governador Jarbas Vasconcelos - e até contrariando o combinado com Fernando Henrique e José Serra, decidiu-se pelo PMDB.
Partido em que ainda é uma espécie de estranho no ninho. Tanto que o comando pemedebista, ontem reunido em São Paulo para discutir a sucessão, fazia questão de pontuar que a inscrição de Jungmann nas prévias não têm o respaldo da direção. ''É um vôo solo'', dizia o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima, ressalvando, no entanto, que nada tem contra o ministro. O único reparo prende-se ao fato de ele ser um neófito no partido. Pelo menos no PMDB com a conformação atual.
Jungmann, por sua vez, acha que tem perfeitas condições - e já começa a trabalhar nisso - de conversar com o comando, com as bases do partido, e tentar, o que o PMDB não conseguiu até agora, construir um canal de diálogo e empatia com a sociedade. ''Por que não posso?''
Ainda assim, é perda de tempo acreditar que Raul Jungmann jogue contra Serra. ''Se for ele o escolhido dessa aliança, eu terei atingido meu objetivo.'' Qual seja, repete, o de impedir uma vitória do PFL.
É evidente que o ministro não está querendo bater de frente com o Planalto. Ao contrário. O que ele está preocupado é com a falta de debate político sobre o que significa, de fato, a candidatura de Roseana e a possibilidade de o PFL - oriundo do regime militar - voltar a comandar os rumos do país.
Avisa que não fará agressões aos pefelistas - até porque, como sócios minoritários, não vê mal em que compartilhem a aliança - mas que terá o discurso do retrocesso muito presente em sua atuação para dentro e fora do PMDB.
A urgência desse gesto político, na visão de Jungmann, também está ligada ao fato de ao PT, neste momento, interessar o crescimento de Roseana, ''porque acham que no final ganham dela''. E aí, enquanto ficam uns calados por interesse e outros mudos por constrangimento, Jungmann avalia que se corre o risco de entregar o ouro àquele que foi aliado circunstancial, mas que, no conteúdo, é adversário, naquele tipo de mudança que precisa ser aprofundado no país.
Benefício da dúvida
Não devem estar de todo corretas as informações de assessores e políticos próximos aos governadores Roseana Sarney e Tasso Jereissati, segundo as quais ambos recusaram-se a comparecer a uma reunião administrativa, ontem em Brasília, com o presidente da República, por questões eleitorais.
O tema da discussão era o abastecimento de água e fornecimento de energia, prioritário, pois, na atual conjuntura. Se, de fato, Tasso e Roseana ausentaram-se de suas funções por que estão com raiva do apoio de FH a José Serra, autorizam três conclusões: não têm estatura para serem os escolhidos, pautam-se pela lógica de Itamar Franco e põem suas questões eleitorais à frente dos problemas de seus Estados.
Mas, como são políticos de qualidade, o exercício de malcriação explícita deve ter outra explicação, além da fornecida por Roseana, dizendo que não foi convidada, e de Tasso informando que cuidava do orçamento do Estado, como se secretário de Fazenda não tivesse.
Editorial
Crime Irresponsável
O pesadelo vivido pela população de Salvador há seis meses, na greve de 13 dias dos policiais militares voltou à capital baiana. Na madrugada de ontem, 500 policiais se aquartelaram no 8º Batalhão da Polícia Militar, no bairro de São Joaquim, em Salvador. Pela manhã a rebelião se estendeu ao 5ø e 6ø Batalhões.
No 5ø BPM, localizado no Centro Administrativo da Bahia, cerca de 100 policiais - 30% do efetivo - deram início ao aquartelamento devido à prisão de cinco soldados acusados de utilizar os rádios das viaturas para organizar uma nova greve da categoria. Durante o dia a Tropa de Choque ocupou as unidades rebeladas, atirando e usando bombas de gás.
Mais uma vez a população assistiu, assustada, à insubordinação praticada por quem deveria protegê-la da violência, do crime e da insegurança. As cenas de policiais em rebelião, com armas em punho, encapuzados como terroristas ou malfeitores, são inadmissíveis numa sociedade civilizada e mostram a necessidade urgente de reformar todo o aparato policial.
É certo que as condições de trabalho e os salários da polícia deveriam e poderiam ser melhorados. Mas até uma reivindicação justa perde totalmente a razão quando um poder armado faz greve e, o que é pior, entrega a cidade à sua própria sorte e se entrincheira em quarteis, em franca atitude de revolta. Sedição que os códigos militares deveriam punir rigorosamente. Isso não tem qualquer justificativa ou atenuante.
Poder armado não pode usar armas para reivindicar. Senão como impedir que a população provoque a desordem? Por essa lógica irracional, como não permitir também que os sindicatos se armem e protestem, ocupando fábricas e escritórios para reivindicar seus direitos? Que sociedade seria essa? Que tipo de moral tem uma polícia que se amotina?
As condições de trabalho deixam a desejar e a polícia pode e deve reivindicar melhoras. Mas dentro da lei, sem desordem, não se afastando de seus deveres. A simples ameaça de não liberar os corpos do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues é infame e desumana. Chantageia os que já enfrentam a dor da perda de um ente querido.
Quem paga a conta de manifestações descabidas e covardes é sempre o povo. É o contribuinte humilde, que, em sua maioria, ganha tão mal ou pior do que a polícia mas demonstra ser mais maduro e responsável do que as ''forças da lei''.
Se a polícia baiana fosse recrutada como as marinhas arrebanhavam seus marujos até o século 19, seqüestrando homens comuns, geralmente pobres, nas ruas, haveria justas razões para motim, inclusive armado. Mas entra-se na polícia por livre e espontânea vontade e com pré-conhecimento das condições de trabalho e salários. Não faz sentido aceitar o jogo e amotinar-se num navio de voluntários, como se fosse uma nau de condenados às galés.
A ação do governo, nesses casos de insubordinação, deve ser exemplar. Expulsão sumária e processo por perturbação da ordem pública para os irresponsáveis, que só tem coragem porque estão armados e cobertos pela certeza de que nada lhes acontecerá. É preciso ser duro, enérgico, sempre que a ordem pública for quebrada pelas armas que deveriam estar a serviço de sua manutenção.
Armas não são dadas à polícia para espalhar desordem e medo. Quando isso ocorre, deixamos na mesma hora o terreno das reivindicações sociais legítimas e caímos diretamente na seara do crime.
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01/09/2002
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