Tasso e Roseana faltam à reunião







Tasso e Roseana faltam à reunião
Convidados a participar de encontro para discutir racionamento de energia com FH, governadores vão se ausentar

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso se reúne hoje com governadores do Nordeste para tratar do racionamento de energia na região. Mas a cadeira do governador tucano Tasso Jereissati, do Ceará, vai ficar vazia. O ex-pré-candidato do PSDB à sucessão presidencial ignorou o convite do Palácio do Planalto e vai passar o dia em Fortaleza.
Tasso nem cogitou procurar um espaço em sua agenda para embarcar para Brasília e se encontrar com o presidente. Fiel aliado do governador, o senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE) diz que Tasso lhe informou que não iria, assim que soube da reunião. ''Houve momentos tensos entre eles (governador e presidente)'', diz o senador.

Para Lúcio Alcântara, a recusa ao convite pode ser vista como uma ''represália política'' pela preferência de Fernando Henrique à candidatura do ministro da Saúde, José Serra, à presidência da República. ''Não vai faltar leitura neste sentido'', avalia Alcântara.
Antes de desistir de disputar com Serra a pré-convenção do PSDB que iria escolher o candidato do partido, Tasso deu mostras de insatisfação com o presidente. Em uma comparação, chegou a dizer que o arsenal oferecido por Fernando Henrique a Serra foi maior que o dado pelo presidente George W. Bush à Aliança do Norte para combater o governo Talibã no Afeganistão. Fernando Henrique respondeu que o governador reclamava ''de barriga cheia''.

Um dos maiores defensores tucanos da aliança PSDB-PFL, Tasso tem acompanhado com entusiasmo o crescimento da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, nas pesquisas de opinião. A segunda colocada no ranking da sucessão presidencial será outra ausência na reunião de hoje no Palácio do Planalto.
Segundo um assessor, Roseana foi convidada a participar do encontro pelo ministro das Minas e Energia, José Jorge, mas vai passar a manhã em uma outra missão: grava participação no programa de televisão do PFL que vai ao ar este mês.

A versão do porta-voz adjunto da Presidência da República, Alexandre Parola é outra: Roseana não irá porque foram convidados apenas os governadores dos estados abastecidos pela Companhia hidrelétrica do São Francisco (Chesf) - Piauí, Pernambuco Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas, Bahia, Ceará e Paraíba. ''Não é que a Roseana se negou a vir. O Maranhão é que não faz parte da Chesf'', informou Parola.

O curioso é que a cada dia (ou pesquisa) que passa, Roseana Sarney parece menos ''convidada'' no governo. Cotado para coordenar a candidatura de José Serra à Presidência, o prefeito de Vitória, Luiz Paulo Veloso Lucas, criticou ontem duramente a governadora do Maranhão: ''A Roseana não representa qualquer ameaça à candidatura José Serra, porque ela é um projeto das oligarquias nacionais'', afirmou, a despeito do pacto de não agressão firmado há um mês pelos comandos do PSDB, PMDB e PFL.

Na opinião de Luiz Paulo Veloso Lucas, o PSDB não tem motivos para se impressionar com os resultados das recentes pesquisas DataFolha que indicam a consolidação das candidaturas Luiz Inácio Lula da Silva e Roseana Sarney na disputa pelo Palácio do Planalto. ''O Serra é o único candidato consistente que tem propostas de centro-esquerda.''


Está chegando a hora de Serra
BRASÍLIA - Acabou a fase do ''ainda é cedo'' no governo. O Palácio do Planalto e o PSDB já articulam os detalhes da formalização da candidatura do ministro da Saúde, José Serra, à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. O comando do PSDB discute hoje a melhor forma para o que o ministro formalize até o final deste mês a condição de presidenciável. A cúpula tucana quer Serra fora do ministério até 14 de fevereiro. No dia seguinte reassumiria com discurso de candidato a vaga no Senado.

Tudo isso para tentar embalar a candidatura Serra nas pesquisas de opinião e preservar ao máximo o número de parcerias partidárias para o primeiro turno. No último DataFolha, Serra obteve 9% das intenções de voto. O petista Luiz Inácio Lula da Silva manteve 30%, enquanto a pefelista Roseana Sarney atingiu 21%. E o jogo em torno dessa unidade começou ontem mesmo quando o ministro da Fazendo, Pedro Malan, tomou o cuidado de comunicar antecipadamente às lideranças aliadas que o presidente vetaria o projeto de redução da alíquota do Imposto de Renda e o substituiria por uma Medida Provisória, para dirimir dúvidas jurídicas.

Tudo como FH mandou.
Serra não diz publicamente sim ou não. Mas sabe que dificilmente escapará do cronograma previsto. A cada dia são mais remotas as chances de permanecer no ministério até abril - prazo legal para a desincompatibilização dos ministros que concorrerão às eleições de outubro. Sabe que ao assumir a candidatura, qualquer ato no Ministério estará sujeito à contestação de opositores.
José Serra retoma o trabalho em Brasília depois de uma semana de descanso na França. Terá conversas com o presidente nacional e o secretário-geral do PSDB, deputados José Anibal (SP) e Marcio Fortes (RJ). Os dois dirigentes já iniciaram uma série de contatos com representantes de diretórios regionais para recomendar empenho da divulgação do nome de Serra. Na mesma tarefa estão ainda o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior (BA), o líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (SP), e o ministro da secretaria-geral da Presidência, Arthur Virgílio. ''Pode ser hoje ou pode ser no dia 31. O certo é que este mês o Serra se lança candidato e que já estamos trabalhando para isso'', diz Jutahy.

Na extensa agenda tucana constam ítens como a forma e a data da formalização da candidatura; reuniões com dirigentes do PFL, do PMDB, do PTB e do PPB; organização da pré-convenção do partido em 24 de fevereiro; e formatação do programa eleitoral de rádio e televisão, marcado para março. Não está descartada a hipótese de Serra optar por uma coordenação compartilhada da campanha. Ou seja, a exemplo do modelo adotado por Fernando Henrique em 1994 e 1998, existiriam coordenadores setoriais. Três nomes têm despontado entre os tucanos: o prefeito de Vitória (ES), Luiz Paulo Veloso Lucas, o ex-senador José Richa e Márcio Fortes.

Enquanto acerta detalhes de datas e da extensa agenda de pré-candidato, Serra tem uma preocupação: não gostaria de deixar o Ministério sem antes inaugurar o Hospital Sarah Kubistchek, no Rio, ainda este mês, e de participar, em fevereiro, da reunião do Gabinete Internacional, eleito pela revista World Link. A companhia é ilustre: além de Serra, integram o gabinete o ex-prefeito de Nova Iorque Rodolfo Giuliani e o ex-primeiro-ministro da França Lionel Jospin.


Sul negociou ajuda da família
PORTO ALEGRE - O secretário de Justiça e de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, José Paulo Bisol, revelou ontem que foi dele a decisão de usar a família do seqüestrador João Sérgio Santos Pereira nas negociações para a libertar os reféns do microônibus, em Porto Alegre, no último sábado. Segundo Bisol, a participação do irmão de João foi fundamental para o bom desfecho do caso.

O comandante do Batalhão de Operações Especiais, coronel Rodolfo Pacheco, que conduziu as negociações na maior parte das 27 horas de impasse, explicou que a polícia percebeu que João tinha um comportamento desequilibrado. Apresentava reações racionais e, pouco depois, entrava em crise, começando a chorar.
Nas negociações, a Polícia Militar foi orientada por psiquiatras a tentar prever até que ponto João Sérgio poderia chegar. Segundo Pacheco, a operação se baseou em três pontos fundamentais: ''Conter, isolar e negociar incansavelmente.'' Quando os celulares dos reféns foram desligados e, mesmo quando o s eqüestrador ligava para outros números usando o celular que lhe havia sido dado, a chamada caía sempre no telefone do negociador, ele começou a se dar por vencido. ''Viu que a saída teria que ser pelo negociador'', disse o coronel.

Pacheco informou ainda que, ontem, quando João Sérgio estava na cela do Departamento Estadual e Investigações Criminais (Deic), antes de ser levado para exames no Hospital de Pronto-Socorro (HPS), teve uma crise: começou a se debater, tentou engolir o aparelho dentário, e precisou ser contido por cinco homens.


SP avalia casos para indenizar torturados
SÃO PAULO - A comissão especial formada pelo governo paulista começa hoje a avaliar pedidos de indenização de ex-presos políticos torturados durante os governos militares, entre março de 1964 e agosto de 1979. O grupo, criado em dezembro, vai trabalhar na sede da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania.

A indenização mínima será de de R$ 3,9 mil, e a máxima, de R$ 39 mil, valores a serem pagos pelo governo do Estado. A quantia será estipulada com base na apresentação de provas sobre danos sofridos - invalidez, problemas psicológicos e seqüelas. Em caso de morte, os parentes podem entrar com o pedido.
Para ter direito ao ressarcimento, os ex-presos ou parentes terão que provar que foram vítimas de violência quando detidos em órgãos do Estado ou sob custódia de autoridades. Os pedidos devem ser feitos até 8 de julho.

Desde o anúncio do decreto, mais de 600 pedidos de provas documentais foram encaminhados ao Arquivo do Estado - para onde foram transferidos os documentos do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A Secretaria de Justiça prevê a entrada de mais de mil pedidos. Eles serão analisados por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Procuradoria Geral do Estado, secretarias da Justiça e Segurança Pública, Assembléia Legislativa, Ministério Público, Conselho Regional de Medicina e Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana.


Seqüestrador vai para outra cadeia
SÃO PAULO - Esdras Dutra Pinto, irmão de Fernando e co-autor do seqüestro da filha do empresário Silvio Santos - Patricia Abravanel -, foi transferido ontem para o Centro de Observação Criminológica (COC) de São Paulo. Os advogados de Esdras tinham pedido a transferência sob a alegação de que ele havia sido ameaçado de tortura e de morte por dois agentes do Centro de Detenção Provisória do Belém, onde estava detido.

A Secretaria de Administração Penitenciária acolheu o pedido e também transferiu Marcelo Batista Souza, outro envolvido no seqüestro, para o COC. Por medida de segurança, ambos ocuparão celas individuais.
Na sexta-feira, Esdras disse ao juiz-corregedor dos presídios, Otávio Augusto Machado de Barros Filho, que Fernando foi espancado no presídio e morreu por omissão de socorro. Contou ainda que já se sentia ameaçado por ter se negado a assinar um documento atestando que o irmão teve atendimento adequado.

Os funcionários que Esdras acusa foram identificados como Esildo e Ederman. Além deles, Mateus Messias da Silva e Antônio Carlos também teriam espancado Fernando. Na semana passada, a namorada de Fernando, Luciana dos Santos Souza, a Jenifer, foi transferida do Cadeião de Pinheiros para a Penitenciária Feminina do Estado.


Amigas de Cássia admitem uso de cocaína
As percussionistas Lan Lan e Thamyma disseram aos médicos que cantora passou a noite bebendo e se drogando

Os médicos que atenderam Cássia Eller na Casa de Saúde Santa Maria, no bairro de Laranjeiras, quando ela foi internada, tinham razões para desconfiar que a cantora usara drogas. Essa foi a principal revelação do depoimento prestado ontem pelo cardiologista Marcus Vinícius Gondomar de Oliveira. Segundo o médico, quando chegaram à clínica com a roqueira, as percussionistas Elaine Moreira, a Lan Lan, e Thamyma Brasil levantaram a suspeita de uso de cocaína por Cássia.
As duas amigas teriam dito que Cássia estivera bebendo desde a noite anterior e, possivelmente, tinha também cheirado cocaína. ''Elas viram uma substância branca escorrendo com a secreção do nariz'', afirmou o advogado de Lanlan, Arthur Lavigne.

Depois da primeira parada cardíaca, a cantora teria admitido a um dos médicos responsáveis pelo atendimento que cheirou um grama de cocaína. ''O médico chegou a dar essa informação numa reunião com os parentes dela'', afirmou Lavigne. As revelações vieram à tona na madrugada de ontem, quando quatro especialistas da casa de saúde prestaram depoimento na 10ª Delegacia Policial, em Botafogo. Eles deixaram o prédio pela porta dos fundos.

Além de Marcus Vinícius, depuseram o diretor-presidente da Casa de Saúde Santa Maria, Mário Lúcio Heringer, o diretor-médico, Gedalias Heringer Filho, e o cardiologista Jorge Francisco Castro Y Perez. Foram ouvidos também a recepcionista Luciana Figueiredo e os porteiros Carlos Alberto Bastos da Silva e Gonçalo Alves Perez, que estavam de serviço na casa de saúde no dia da morte da roqueira.

Os cardiologistas afirmaram ao delegado-titular Antônio Calazans que Cássia chegou à clínica com um quadro de muita agitação psicomotora e desorientação. Além disso, tinha um ferimento na coxa e um hematoma na cabeça. Em certo momento, quando um dos cardiologistas começou a prescrever medicamentos, a cantora fugiu da clínica. Na rua, foi vista por várias testemunhas andando com dificuldade e chorando alto.
Se o laudo da necropsia do Instituto Médico-Legal confirmar que a cantora usou cocaína, a polícia vai investigar quem vendeu a droga e se outras pessoas também a teriam consumido.


Artigos

Armadilhas do telejornalismo
Nelson Hoineff

A imprensa não deu muita importância ao caso da repórter Cristina Guimarães, da TV Globo, que passou a ser ameaçada por traficantes depois que uma série de reportagens sobre a venda de drogas nas favelas da Rocinha e de Mangueira. A série, em parceria com dois outros jornalistas, foi exibida pelo Jornal Nacional e reproduzida por praticamente todas as outras redes de TV. Foi um dos momentos mais ricos do telejornalismo investigativo no ano passado. Forneceu também ingredientes de primeira linha para a discussão das questões éticas embutidas na utilização da câmera oculta em televisão. Há poucas semanas ganhou merecidamente o Prêmio Esso de Telejornalismo.

Na semana passada, uma reportagem publicada no Jornal do Brasil revelava que a coragem da jornalista de denunciar o tráfico de drogas ''se transformou em medo de sair às ruas depois que foi descoberta pelos bandidos''. A reportagem, no prudente médio destaque que se dá aos fatos controvertidos, lembrava o caso do repórter Carlos Alberto de Carvalho, que em outubro havia sido seqüestrado e mantido por vários dias em cativeiro por bandidos da Rocinha, que queriam saber quem havia feito a série sobre o tráfico de drogas. Numa confusa sucessão de acontecimentos, Cristina teria tido negada proteção da emissora e acabou se tornando, ela mesma, uma fugitiva, para escapar da retaliação dos traficantes.

O jornalismo investigativo, sabe-se, tem alto preço. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, 31 jornalistas foram mortos em todo o mundo em 2001. Outros 716 foram agredidos ou ameaçados - pelas polícias ou por governos. Na virada do ano, havia 110 jornalistas presos em diversos países.
No caso de Cristina, há agravantes espantosos. O principal está nas características do agressor. Não são países inimigos, muito menos adversários políticos, sequer facções ideológicas hostis. Quem a ameaça são bandidos urbanos comuns. Tornar-se vulnerável a isso é uma gravíssima ameaça à liberdade de imprensa.

Há precedentes, em países como a Colômbia - para ficar na vizinhança -, que ilustram assu stadoramente essa situação. Em abril de 2001, o jornalista colombiano Luis Fernandez, fundador de uma organização que se dedica ao estímulo à liberdade de imprensa no seu país, calculava que nos últimos 20 anos mais de 150 jornalistas haviam sido assassinados na Colômbia, cerca de 200 haviam sido seqüestrados e inúmeros outros forçados ao exílio. ''O governo'', dizia Fernandez ao The Guardian, de Londres, ''respondeu ajudando a criar um Comitê de Proteção aos Jornalistas, mas nove meses depois os jornalistas já haviam sido declarados alvos militares pela guerrilha, sem receber qualquer tipo oficial de proteção''.

Como evitar um desvio semelhante no caminho do meio de maior penetração no Brasil? A resposta passa pelo entendimento das peculiaridades do jornalismo investigativo em televisão. Ele difere bastante do tipo de jornalismo que costuma ser praticado na mídia impressa. Em primeiro lugar porque, em televisão, a imagem não ilustra - ela é o próprio narrador. Não reproduz a experiência do repórter; é precisamente o relato dessa experiência. Isso gera de saída a necessidade do aparato, que amplia exponencialmente a exposição do repórter e das demais pessoas envolvidas na apuração.

Tão importante quanto essa peculiaridade instrumental é a ausência de uma tradição de telejornalismo investigativo no Brasil e, conseqüentemente, de um conhecimento das estratégias que ele impõe ao repórter. Com raras exceções, a experiência do jornalismo investigativo na televisão brasileira é um fato dos anos 90. Isso pode parecer espantoso, mas é conseqüência natural de um conjunto de circunstâncias que começam no forte comprometimento com o Estado que a televisão encontra desde o seu nascimento, no início dos anos 50, passam pela mordaça geral do período da ditadura militar e, ao final dela, pela impotência econômica do veículo durante os anos da megainflação.

Lidar com a própria autonomia é coisa nova em televisão, onde até hoje investigação responsável e mero sensacionalismo se confundem. Justamente por ser o relato da experiência, a imagem pode também ser leviana. Apresenta seu objeto como se prescindisse do filtro do repórter. Não é por outra razão que uma suposta investigação pode não ser mais do que a exposição pueril do enfocado nos programas que se vestem de jornalísticos mas não agem como tal.

O caso da repórter Cristina Guimarães é cercado de pequenos mistérios: a) por que nenhum outro jornal o noticiou, apesar da gravidade da situação e da ameaça que isso representa ao próprio exercício do jornalismo?; b) o que aconteceu de fato na Globo, que sabidamente é uma empresa que dá grande cobertura aos seus funcionários - e por mais razão aos que produzem um material de tal envergadura?; c) por que os outros repórteres não estão aparentemente sofrendo as mesmas ameaças?

Nenhuma dessas questões altera a pergunta essencial: como garantir a liberdade de exercício do jornalismo investigativo num meio onde a exposição dos repórteres é muito grande, a existência do aparato técnico, por menor que seja, é necessária, e que ainda por cima não dispõe de uma cartilha de procedimentos formatada pela experiência desse tipo de jornalismo?

Esse caso tão nebuloso mostra a urgência de se encontrar respostas a esse tipo de pergunta, para que o jornalismo televisivo, que evoluiu verticalmente no Brasil na década passada, não seja forçado a recuar. E para que a televisão jamais volte a ser confundida com o veículo oficialista e impermeável à prática analítica, que durante os 40 primeiros anos de sua existência pareceu ser.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

O Havaí é aqui mesmo

Além de denotar certo mau gosto, soam equivocadas as análises que buscam atribuir a fatores externos o rumo da campanha presidencial no Brasil e seu resultado. Aparentemente, ainda fazem sentido algumas comparações com a Argentina, segundo as quais a crise do vizinho será excelente cabo eleitoral da candidatura governista.
Mas logo, quando as coisas voltarem à relativa normalidade por lá, ficará claro que esse pode ser, no máximo, um argumento do eleitor dito mais esclarecido, que posa de revoltado, mas está louco para votar no governo e tem certo constrangimento em admitir isso. Bem como serve de excelente desculpa à oposição na eventualidade do fracasso.
No caso de eleições, não adianta, o Havaí é aqui: o que valerá para o eleitor brasileiro é o que se passa - e o que poderá a vir acontecer - em seu país.

Vejamos um exemplo que, agora, a certa distância, soa risível, mas, à época, fez parte de várias análises muito sérias a respeito dos efeitos dos atentados de 11 de setembro de 2001 sobre o desempenho dos candidatos a presidente da República no Brasil, em outubro de 2002.
Não é necessário tripudiar, lembrando o nome do autor da frase. Mas um marqueteiro de fama, na ocasião, declarou o seguinte: ''A candidatura do PT desabou junto com as torres do WTC.'' Muita gente boa concordou com a tese e até cantou vitória antecipada. Quase quatro meses depois, o tema não serve nem para o lúdico exercício de jogar conversa fora, tão disparatada e longe da realidade é a comparação.

A conversa sobre a Argentina ouve-se mais fortemente nas hostes governistas e no PT. Nestas, a avaliação é a de que os efeitos são benéficos para Roseana Sarney. Como a análise carece de sentido - o que teria a governadora do Maranhão a ver com o manejo das políticas econômicas dos dois países? -, parece que os petistas estão mesmo é disfarçando para evitar chegar à conclusão dos governistas: a de que o favorecido será José Serra.

Com todo respeito devido aos analistas, estão ambos errados. Ganhará a eleição de outubro aquele(a) que se conectar corretamente com os anseios e demandas dos brasileiros. Da mesma forma, perderá quem ficar a repetir velhas fórmulas de críticas gastas, sem notar o avanço do eleitorado, para quem pouco se lhe dá se é a oposição ou a situação que dará jeito na Argentina. Ele quer saber é quem vai dar jeito no Brasil.

De mais a mais, é de extremo mau gosto essa história de usar política e eleitoralmente o infortúnio alheio. Cada povo tem as suas circunstâncias, que devem ser respeitadas e analisadas nos limites das condições políticas e econômicas de cada país. Globalização é método de operação e, não, substituição de identidades nacionais.
Ora, seria a mesma coisa que os argentinos, com eleições marcadas para 2003, resolvessem determinar os rumos das campanhas e o resultado do pleito por aquilo que ocorrerá este ano no Brasil.
Francamente, por mais que eles sejam ligados à vida do continente - muito mais que nós, algo isolacionistas - nem por absurdo a eleição de um oposicionista ou um situacionista, aqui, ditaria a vontade do povo argentino para si. Da mesma forma, nós.

Caso Eduardo Duhalde consiga certa coesão política e calma social que permita ao país atravessar o período de dificuldades objetivas que vem pela frente, isso não quer dizer que o eleitor brasileiro apostará no governismo. Até porque o novo presidente perdeu a eleição, há dois anos, e era oposição a Fernando de la Rúa.
Se, por infelicidade, ele não conseguir manter o controle da situação, vale, também, o raciocínio vice-versa. Não podemos esquecer de que lá uma frente de esquerda, com a União Cívica Radical, venceu a eleição há dois anos, enquanto aqui o governo conseguia a reeleição.
São fatos, contra os quais certos argumentos são meros sofismas eleitorais.

Razões de Marta
A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, até concorda que uma certa parcela da opinião pública pode ter imposto restrições ao fato de ela viajar a Paris para as festas de fim de ano.
O que Marta não concorda, porém, é que os governantes submetam-s e a um tipo de pensamento pelo qual eles devam agir e viver suas vidas pautados em pressupostos, baseados mais numa versão publicitária da pessoa pública do que na realidade.
Nesta, argumenta ela, aproveitou justamente um período em que avaliou que administrativamente poderia se afastar, porque os problemas mais cruciais de votações na Câmara estavam equacionados e que o vice daria conta do cotidiano.
''Além disso, qualquer problema, como enchentes, por exemplo, eu voltaria na hora.'' O que não se pode, na opinião dela, é obrigar um administrador a ficar quatro anos sem férias. ''E o que pesa de verdade é a qualidade da administração, o resto é preconceito.''


Editorial

Destino: Rússia

A viagem que o presidente Fernando Henrique realizará a partir de domingo à Rússia e à Ucrânia (quatro dias ao todo, nos dois países) se insere na sua linha de ''ação global'', que inaugurou desde que, há sete anos, assumiu a Presidência, e que consiste na chamada diplomacia presidencial. Isto é: ele próprio desenvolve a diplomacia brasileira por meio de viagens com as quais entra pessoalmente em contato com outros chefes de Estado, aumentando assim a presença internacional do Brasil.
O estreitamento dos laços políticos e econômicos com a Rússia e a Ucrânia, países que sempre tiveram colônias significativas no Brasil, fecha com chave de ouro importante ciclo durante o qual ficou claro que o Brasil tem negócios com todos os continentes, dialoga com o G7 (sete países mais ricos do mundo), está no Mercosul, tem abertura para o Nafta e laços fortes com Europa e Ásia. Acabou definitivamente a fase terceiro-mundista.

Apesar de pouco divulgada, a viagem à Rússia e à Ucrânia vai fortalecer relações sobretudo econômicas com grandes possibilidades no presente e no futuro. Esses dois países são players importantes em matéria de energia, petróleo e gás. A Rússia pode fornecer ao Brasil inteligência, professorado, produtos agrícolas e até mesmo aviões Mig 29, de defesa (sem falar do acordo já fechado com a Varig para prover a logística do Mig 29) em troca de maiores oportunidades brasileiras em agrobusiness. Contratos a longo prazo darão maior confiança aos exportadores. Calcula-se que futuramente o comércio nas duas vias pode chegar a US$ 20 bilhões no período de 10 anos..

Os russos têm também produtos a oferecer na área militar, respeitados, evidentemente, os limites com os EUA. Tudo isto se desenrolará durante a curta porém proveitosa viagem de Fernando Henrique à Rússia e à Ucrânia. A política externa brasileira resultante da ''ação global'' se afirma assim confiante e consciente. Normalmente a opinião pública brasileira não se preocupa com política externa, procede como se ela não existisse. Mas essa política existe e é importante, realimentando-se constantemente com as viagens presidenciais que a todo momento reafirmam suas ênfases.

Quando discursou na abertura da Assembléia-Geral da ONU, em novembro do ano passado, Fernando Henrique elevou os temas da atividade diplomática brasileira à categoria de doutrina a ser ouvida por outras nações do mundo. No espaço de poucos dias, do pronunciamento no Parlamento francês, ao encontro com o presidente George Bush e à intervenção na ONU (poucos dias antes da derrubada das torres gêmeas de Nova York), o presidente brasileiro arrematou com brilho sua pregação. Defendeu uma globalização mais humana e maior democratização da ONU, condenou o protecionismo e o terrorismo internacional, voltou a proclamar os direitos humanos, e tomou posição a favor da criação do Estado palestinos.

A viagem à Rússia, apesar da ênfase econômica das tratativas, é bem um sinal de que o Brasil, na conjuntura internacional pós-atentado de 11 de setembro, deseja falar como líder de nações emergentes, como parceiro em igualdade de condições. O recente atrito do Brasil com o Canadá teve importância didática a respeito da necessidade de política exterior atuante e até agressiva, quando necessário. A atual crise da Argentina - em plena ebulição - segundo a análise do articulador político do governo, Arthur Virgílio, valorizou a imagem do presidente Fernando Henrique e de seu bem-sucedido plano de estabilização monetária. Graças a isto, ainda segundo Arthur Virgílio, ''o Brasil hoje chora pela Argentina e não com a Argentina''.

Fernando Henrique deu o tom de seu estilo de diplomacia internacional em outubro, no discurso aos formandos do Instituto Rio Branco, quando deixou claro que a diplomacia brasileira continua em plena ação e que, no cenário internacional, segurança apenas não é o bastante. Há outras prioridades ''que se abrem para tornar o ordenamento internacional imune ao irracionalismo, à intolerância e à exclusão''.
Pela própria situação da imigração russa e ucraniana no Brasil, e agora com a maior abertura das relações econômicas, Fernando Henrique terá grande facilidade de diálogo com o presidente Vladimir Putin, em Moscou, e com o presidente Leonid Kuchma, em Kiev.

A Ucrânia, segundo maior país da Europa e ainda hoje celeiro do arsenal nuclear da ex-URSS, era conhecida como a ''cesta de pão'' do antigo império soviético pela intensa produção de cereais; as reservas (ricas) de carvão, ferro e manganês viabilizaram a implantação de complexos metalúrgicos e químicos e de máquinas. A Rússia, por seu turno, maior nação do mundo, com um pé na Ásia e outro na Europa, recuperou-se economicamente em 1999, depois da turbulência da transição do Estado socialista para a democracia de livre mercado, graças ao aumento dos preços de petróleo, principal produto de exportação do país.
Os antigos e os novos negócios entre os três países têm tudo para dar certo e para se ampliarem num amplo conceito de globalização, sem desrespeito às peculiaridades de cada um.


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01/08/2002


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