Tasso elogia Lula e dá prazo a Serra







Tasso elogia Lula e dá prazo a Serra
Convidado para falar sobre as perspectivas da economia brasileira em 2002, governador do Ceará surpreendeu banqueiros, em Nova York, ao elogiar a oposição e atacar o pré-candidato de seu próprio partido

Nova York — O governador do Ceará, Tasso Jereissati, esquentou ontem os mornos debates sobre as perspectivas para a economia brasileira em 2002, dentro do Fórum Econômico do Brasil, evento paralelo ao Fórum Econômico Mundial. A expectativa era de que os temas relacionados a crescimento da economia, inflação, juros e impactos da crise argentina no país dominassem as discussões. Mas a seleta platéia de mais de 200 pessoas — composta por acadêmicos, investidores, executivos do mercado financeiro e empresários —, que lotou o refinado The University Club, na Quinta Avenida, só quis saber de um tema: as eleições presidenciais deste ano no Brasil.

Afiado, o governador não fez por menos. Aos que insistiam em falar dos riscos de ruptura no caso de uma vitória do pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, Tasso reiterou que o programa econômico desse partido é muito semelhante ao dos tucanos. ‘‘O PT não passará por cima dos contratos nem dará calote na dívida’’, tranqüilizou, em tom de elogio. ‘‘Uma parte muito importante do PT, hoje, é social-democrata.’’
Sobre a possível vitória de Lula — líder nas pesquisas —, Tasso afirmou que, no Brasil, não há nenhuma preocupação se o petista promoverá uma transformação profunda na economia ou se quebrará contratos.

‘‘Nada disso preocupa os eleitores, porque hoje, no Brasil, se tem a convicção de que as instituições são sólidas e que, qualquer que seja o partido vencedor, serão necessárias alianças para viabilizar o governo’’, ressaltou a vice-presidente do Conselho das Américas, Susan Purcell. ‘‘Hoje não se fala mais, se o Lula ganhar, em fuga de capitais ou de empresários.’’

Procurando desanuviar as expectativas a respeito do PT e de seu candidato, o governador disse que essa preocupação está concentrada no exterior. ‘‘Pelo programa econômico apresentado, o PT deixou de ser um partido exótico. O programa do PT é muito parecido com o do PSDB e não assusta ninguém’’, frisou.
Ressaltando que sua intenção política no momento é concorrer a uma vaga para o Senado pelo Ceará, Tasso deu outro voto de confiança ao PT, quando questionado sobre o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

‘‘Nenhum governo vai alterar radicalmente essa lei. Não existe clima na opinião pública brasileira, nem nos setores econômicos, nem na sociedade organizada para isso’’, disse. ‘‘O que pode acontecer é se mudar um ponto aqui ou ali, mas sempre para melhor’’, ressaltou.

Quem estranhou o discurso recheado de boa vontade com a oposição, recebeu ainda com mais surpresa ataques virulentos ao ministro da Saúde, José Serra, pré-candidato do PSDB à presidência. Tasso disse, em reposta à economista Emy Shayo, do banco Bear Stearns, que Serra dará muita dor de cabeça ao partido se não decolar nas próximas pesquisas de intenção de votos. ‘‘Nem é bom pensar nisso.’’ Afirmou que o prazo limite para o ministro da Saúde mostrar que sua candidatura é viável, conquistando os eleitores, será a convenção do PSDB, em abril ou maio. E se Serra não decolar? ‘‘Será preciso passar por cima dos projetos pessoais’’, aconselhou Tasso.

O governador do Ceará voltou a pregar a manutenção da aliança governista como única garantia para a vitória de um candidato apoiado pelo Palácio do Planalto. ‘‘Se quisermos ganhar as próximas eleições, temos que fazer o maior esforço para manter a aliança que une o PSDB, o PMDB e o PFL’’, enfatizou.

Reação de FHC
Ainda que não demonstre convicção na arrancada da candidatura Serra, o governador disse acreditar que, a partir do momento em que largar o Ministério da Saúde, provavelmente neste mês, o pré-candidato tucano terá mais tempo para fazer campanha e conquistar o apoio do eleitorado. Mais uma vez, no entanto, ele fez questão de frisar que o tempo para Serra mostrar que pode chegar ao Palácio do Planalto vai até a convenção do PSDB.

No Brasil, os golpes do governador cearense ecoaram por todo o PSDB. O presidente Fernando Henrique Cardoso comentou com um ministro que não entende os motivos da mágoa de Tasso com o ministro da Saúde. E arriscou dizer que as costuras que resultaram na retirada da pré-candidatura de Tasso em favor de Serra, no início do ano, foram mal feitas. Integrantes da cúpula do PSDB, como o deputado José Aníbal (SP) e o governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira, passaram boa parte do dia tentando explicar o pronunciamento de Tasso Jereissati no exterior. Hoje, todos os presidentes regionais do partido se reúnem em Brasília para definir o roteiro de Serra nos estados, a partir do dia 18, quando ele deixa o Ministério da Saúde.


Governo proíbe ações na Justiça por decreto
Duhalde tenta enquadrar Judiciário para manter confisco de contas. Advogados dizem que medida é autoritária e inconstitucional

Buenos Aires — O governo argentino suspendeu ontem, por decreto, durante seis meses, os processos judiciais contra as restrições aos saques bancários (corralito) e a pesificaçãodas poupanças e dívidas em dólares. A medida tenta evitar saques dos depósitos congelados, o que provocaria ‘‘o colapso final’’ do sistema financeiro, argumenta opresidente Eduardo Duhalde.

O decreto foi questionado imediatamente depois de sua edição. O advogado constitucionalista Eduardo Barcesat entrou com ação na Justiça contra o presidente Eduardo Duhalde e seu gabinete. Ele considera que é o Judiciário quem pode decidir ações judiciais contra o confisco.
Com a medida, Duhalde quer se livrar dos problemas jurídicos decorrentes do curralzinho, que ameaçam a viabilidade do pacote econômico. Na sexta-feira, a Suprema Corte de Justiça havia declarado a inconstitucionalidade do confisco bancário — iniciado pelo ex-ministro Domingo Cavallo, em 3 de dezembro, e mantido pelo atual governo. A decisão do tribunal provocaria uma avalanche de ações na Justiça.

Para o advogado constitucionalista Ricardo Monner Sans, o decreto é medida autoritária e afronta à Constituição argentina. ‘‘Ninguém pode ser impedido de entrar com ação na Justiça’’, explicou ao Correio. O primeiro direito estabelecido pela Carta Magna é à vida, e o segundo à jurisdição, ou seja, iniciar ação na Justiça. Ele diz que a suspensão de processos não se justifica em nenhum caso, sequer em situação de emergência econômica.

Mais de cem poupadores indignados se reuniram, ontem, em frente aos Tribunais para protestar e coordenar ações. ‘‘Vai acabar, vai acabar, essa mania de roubar’’ eram os gritos de guerra da turma que continuou a manifestação até o fim do dia, apesar da chuva. ‘‘Vou brigar até a morte’’, gritava, indignada, Lidia Garcia, 63. A briga entre os dois poderes começou semana passada, quando os juízes se viram ameaçados com a destituição e revidaram declarando a inconstitucionalidade do curralzinho. A decisão foi considerada um golpe de Estado judicial pelo governo, que pressionou o Congresso no final de semana. Por isso, a Câmara dos Deputados começa a analisar hoje o processo de impeachment dos nove membros da Suprema Corte.

Os juízes são acusados de corrupção e falta de decoro e de ética, além de não terem agido com rigor nas investigações dos casos da venda ilegal de armas ao Equador e a Croácia e o atentado contra a embaixada de Israel em Buenos Aires, década passada. Sem contar com a libertação do ex-presidente Carlos Menem, num caso que escandalizou os argentinos em 2001 e aumentou a ira contra os ‘‘cortesão s’’.

SINAL DE APOIO

O presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, recebeu um sinal de apoio externo. O secretário do Tesouro norte-americano, Paul O’Neill, disse ontem estar satisfeito com as medidas econômicas anunciadas no domingo para o país sair da crise. Em um comunicado, O’Neill pede que o governo argentino acelere as discussões com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para estabelecer um programa econômico sustentável e um orçamento apropriado.


Invasores voltam à Câmara Legislativa
Os sem-teto de Ceilândia voltaram a ocupar a área em frente à Câmara Legislativa (foto). Cerca de 50 manifestantes estavam dispostos a reerguer um acampamento no local e ficar ali para pressionar o governador Joaquim Roriz a cumprir promessa de entregar lotes às famílias carentes de Ceilândia. ‘‘Não vamos embora enquanto Roriz não cumprir o que prometeu’’, avisou Andréia Godói, 22. Andréia estava entre os sem-teto que ocupavam o gramado da Casa há mais de quatro meses e que foram retirados dali há dez dias pelo Serviço de Vigilância do Solo (Siv-Solo). Algumas famílias insistiam em ficar nas redondezas. Chegaram a erguer acampamento às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento e resistiram a duas operações de retirada. Na última, ontem, o Siv-Solo removeu 20 barracas. Os sem-teto reclamaram da ação. Depois que PMs e o Siv-Solo foram embora, os sem-teto voltaram à Câmara Legislativa.


GDF pede reforço militar
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal pediu, ontem, ajuda ao Exército para combater focos de Aedes aegypti — mosquito transmissor da dengue — em 14 regiões da capital. O reforço tem por objetivo controlar o surto da doença, que assusta São Sebastião. Dos 19 casos confirmados da doença, 18 são da cidade. Se o Exército concordar, os soldados começam a trabalhar depois do carnaval, quando a infestação tende a aumentar. Os brasilienses que viajarem para outros estados podem trazer o dengue tipo 3 — encontrado no Rio de Janeiro e Rondônia — para o DF. Ele é mais forte que os tipos 1 e 2, aumentando as chances da versão hemorrágica da doença. Existem duas mortes suspeitas de dengue hemorrágica sendo investigadas no DF. A confirmação deve sair em 15 dias.


Pedro Parente explica tarifaço
Depois de quatro dias do anúncio do pacote de medidas para ajudar o setor elétrico, que inclui aumento de tarifas e criação de um fundo de até R$ 2,5 bilhões, o governo federal decidiu chamar as entidades de defesa do consumidor para explicar o modelo. O presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE), ministro Pedro Parente, admitiu a possibilidade das entidades tomarem parte de negociações sobre reajustes de tarifas de energia elétrica, telecomunicações e serviços postais. A diretora do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Andréa Lazzarini, acha que se o governo não atender apelos dos órgãos poderá haver ‘‘gritaria geral’’.


Artigos

O Estado da União
Jarbas Passarinho

Nas monarquias portuguesa e brasileira, chamava-se Fala do Trono o discurso do monarca perante o Parlamento no início de um período legislativo, propondo-se a bem gerir os negócios do país e a fazer felizes os seus súditos. No Brasil republicano, o presidente envia todos os anos ao Congresso a sua mensagem levada por um ministro de Estado e tradicionalmente lida no plenário pelo 1º secretário da Mesa. O documento contém uma parte retrospectiva, referida ao ocorrido no ano anterior, e uma prospectiva, anunciando as medidas e os projetos a realizar. Não repercute no Congresso habitualmente, ao invés de provocar o debate entre governo e oposição.

Nos Estados Unidos, tem o nome de O Estado da União. É proferido pelo próprio presidente diante do Congresso, desde Washington em 1790, e amplamente difundido pela mídia. O presidente Bush fê-lo há poucos dias, enfatizando a questão econômica e a guerra contra o terrorismo, que não considera encerrada com a destruição do Talibã. Ao citar o Iraque, Irã e Coréia do Norte, o ‘‘eixo do mal’’ que estaria desenvolvendo armas de destruição em massa, deixa entrever que as fronteiras geográficas do terrorismo estendem-se além do Afeganistão, pois mais de cem mil terroristas treinados estariam já espalhados pelo mundo. Várias vezes aplaudido de pé pelo Congresso, recebeu 94% de aprovação do povo. Ninguém pode negar-lhe o mérito de galvanizar o fervor patriótico americano diante do mais sério desafio de sua hegemonia desde que, concluída a Segunda Guerra Mundial, exerce uma política externa intervencionista.

Imagino o que seria, no Brasil, uma descrição do Estado da União. O terrorismo que nos aflige é interno. Narcotraficantes detêm o poder territorial como soberanos de enclaves no Rio de Janeiro e São Paulo. Dominam morros e favelas, dão ordens rigorosamente obedecidas pelos moradores dessas ‘‘áreas liberadas’’, incluindo comerciantes que fecham suas portas sob coação. Impõem toque de recolher à noite, à moda dos exércitos de ocupação de território inimigo. A lei do silêncio e, não raro, a conivência de policiais corruptos protegem-lhes de denúncias e eles reinam com poder absoluto. A indústria mais próspera é a dos seqüestros urbanos dos quais não escapam pessoas de qualquer natureza, dos abastados aos aposentados do INSS. Há políticos e religiosos que vêem nisso, com insinuada justificação, apenas a decorrência da perversa exclusão social filha do neoliberalismo.

Nem dentro de casa as pessoas têm segurança. As grades de que ficam atrás, enquanto os ladrões estão soltos nas ruas, não as protegem do assalto, do roubo e até dos estupros. Nos semáforos, obedecer o motorista ao sinal vermelho é certeza de assalto. Nas prisões de suposta segurança máxima, os bandidos usam celulares e comandam os facínoras livres. Propriedades rurais legítimas são invadidas, depredadas e seus donos submetidos até a violências físicas. Se a Justiça concede a reintegração de posse, é muitas vezes desrespeitada. À invasão hierarcas da minha Igreja chamam ocupação, sob o argumento de que Deus fez a terra para todos.

A lição de Montesquieu da divisão de poderes, que devem ser harmônicos, é violada. Magistrados, que outrora só falavam nos autos, permitem-se críticas públicas ao Executivo que com eles trava debate. A polícia, armada para garantir a segurança pública, rasga a Constituição. Faz greve, ocupa quartéis, camufla-se usando capuzes — como os bandidos — e chega a atacar sede de governo estadual. O motim-crime é ignorado. Entretanto, o policial à paisana, se tem vista a identificação, é sumariamente executado pelos bandidos que o assaltam.
Uma nação apavorada é a triste síntese do nosso Estado da União.


Editorial

Homens enjaulados

A guerra contra o terrorismo recebeu o apoio de praticamente todos os países civilizados. Liderada pelos Estados Unidos e com adesão direta da Grã-Bretanha, promoveu três meses de bombardeios contra o Afeganistão. Ali estaria, sob a proteção dos talibãs, a sede da Al-Qaeda, organização fundamentalista liderada por Osama bin Laden. Lá teriam sido treinados homens para disseminar a violência e a intranqüilidade pelos quatro cantos do planeta.

Vitoriosos, os americanos entraram no território afegão e fizeram prisioneiros. Entre eles, 158 talibãs membros da Al-Qaeda. Prenderam-nos em Guantánamo, base dos Estados Unidos em Cuba. Lá, recebem tratamento desumano. Trancafiados em celas individuais, têm as mãos algemadas e os pés acorrentados. Não tomam banho de sol. Só deixam os cubículos para dirigir-se à sala de interrogatórios. Mesmo assim, não andam. Vão de maca porque as correntes lhes retardam a marcha.

A imprensa está proibida de aproximar-se do lo cal. A Anistia Internacional exige que os presos tenham advogados e acesso a observadores independentes. Washington nega aos detentos o status de prisioneiros de guerra. Não estariam, pois, amparados pela Convenção de Genebra, que lhes outorga o direito de revelar tão-somente seus dados pessoais. Os interrogatórios são dirigidos por agentes da CIA, do FBI e outras agências federais.

Bush alega que os presos são ilegais por serem combatentes da Al-Qaeda. Esquece-se o presidente de que eles eram membros do exército talibã. Lutavam, pois, em nome de um governo. Estão, portanto, protegidos pelo tratado que cuida das salvaguardas de combatentes aprisionados pelo inimigo. Mais: esquece-se de que são humanos. E todo humano tem direitos. Direitos que devem ser respeitados.

A posição dos Estados Unidos preocupa. O medo é que a grande potência não cumpra as leis internacionais que lhe contrariem os interesses. Em um ano de mandato, Bush não ratificou o Protocolo de Kioto, que obrigava os Estados Unidos a entrar na luta mundial pela diminuição de gases poluidores. Recusa o tratado antimíssil (1972) porque deseja construir o escudo espacial. Opõe-se ao acordo de não proliferação de armas químicas por não querer abrir as instalações norte-americanas à fiscalização internacional.

Os enjaulados de Guantánamo, portanto, não constituem caso isolado. Tudo indica seja mais um capítulo de rejeição das leis internacionais. Corre-se o risco de a maior potência do planeta só cumprir acordos que atendam a seu interesse. É um enorme retrocesso.


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02/05/2002


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