USP estuda alternativa ao soro antiofídico
Pesquisadores usam proteínas capazes de reconhecer o veneno e inibir suas atividades
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) encontraram uma alternativa para a produção de antivenenos para mordidas de jararacussu e cascavel. O estudo abre caminhos para um novo tratamento, além do já conhecido soro antiofídico.
Produzido pelo Instituto Butantan e utilizado com êxito há mais de um século, o soro antiofídico exige a manutenção de uma fazenda de eqüinos e, ainda, em alguns casos, pode levar a pessoa a desenvolver a chamada doença do soro, uma reação à presença da proteína do animal no corpo humano.
Utilizando engenharia genética, o grupo liderado pelo professor José Elpídio Barbosa, do Departamento de Bioquímica e Imunologia e coordenador do Laboratório e Imunopatologia Molecular da FMRP, produziu fragmentos de anticorpos humanos recombinantes, ou seja, proteínas capazes de reconhecer o veneno e inibir algumas de suas atividades, como por exemplo, a miotoxicidade, onde ocorre a destruição de células musculares.
Para essa produção os pesquisadores utilizaram a técnica de Phage Display que utiliza como ferramenta uma biblioteca de fragmentos de anticorpos humanos, desenvolvida pelo Centro de Engenharia de Proteínas da Universidade de Cambridge (MRC Centre), Inglaterra, pelo grupo do professor Greg Winter.
"A biblioteca é composta por bacteriófagos (vírus que infectam bactérias) que expressam na sua superfície fragmentos de anticorpos capazes de identificar uma grande diversidade de alvos, inclusive substâncias tóxicas dos venenos. Foram produzidos anticorpos específicos para inibir uma das atividades do veneno dessas serpentes, a fosfolipásica, que provoca a miotoxicidade, ou seja, destrói as células musculares", diz o coordenador.
Utilizando a biblioteca de anticorpos do MRC frente ao veneno bruto da jararacussu e da cascavel foram selecionados os anticorpos específicos, ou seja, os anticorpos presentes na biblioteca que se ligaram às toxinas do veneno. Após separar os fragmentos de anticorpos específicos da biblioteca, estes foram multiplicados, em bactérias, e a cada processo de multiplicação, selecionados os que melhor se ligavam. "Tanto nos testes in vivo como in vitro, esses fragmentos foram capazes de inibir a atividade miotóxica e a formação de edema num período mais tardio", revela Barbosa.
Segundo o pesquisador, a produção de antiveneno por esse processo apresenta algumas vantagens. "Não há necessidade de grandes quantidades de veneno, vantagem óbvia para aqueles animais que produzem pouco veneno, mas que podem ser letais, como a cobra coral, por exemplo. Também não haveria necessidade de se manter um serpentário grande, além da diminuição de gastos com a fazenda de cavalos, necessária para a produção do soro antiofídico". Ainda, segundo Barbosa, as bactérias produtoras destas moléculas são imortalizadas quando colocadas em congelador a -800C (80 graus centígrados negativos).
Ele alerta que ainda há um longo caminho a ser percorrido, como aperfeiçoar o método de purificação desses fragmentos, numa escala que permita testes mais avançados. "Precisamos conhecer melhor essas moléculas, seqüenciando-as para, se necessário, melhorar ainda mais a capacidade de bloquear os venenos. Mas elas já se mostraram eficientes, tanto em ensaios in vitro como in vivo, em camundongos", diz Barbosa.
Na pesquisa com o veneno da jararacussu foram testados três clones dos anticorpos separadamente, mas no futuro pode ser preciso trabalhar com os três juntos para uma neutralização completa ou ainda com a combinação de dois deles. "Pode ser que cada um se ligue a um pedaço diferente do veneno e um só desse pedaço neutralizado não seja suficiente para eliminar a ação do veneno, que é composto de muitas proteínas. O ideal é conseguirmos neutralizar os mais importantes", diz. Foram realizados somente alguns testes de toxicidade dessas moléculas e os resultados foram promissores. "Usamos uma escala muito pequena dos venenos, ainda precisamos realizar mais testes de toxicidade".
Antiveneno tradicional
Atualmente, a única forma de se tratar acidentes com mordidas de serpentes é por meio da aplicação do antiveneno adquirido a partir de soro eqüino. Neste processo o veneno da serpente, ou outra peçonha como de escorpião e de aranha, por exemplo, é desidratado e cristalizado, depois diluído e injetado no cavalo.
Ao atingir o nível de anticorpos desejado, em média 40 dias depois de injetado, retira-se cerca de quinze litros de sangue em três etapas, com um intervalo de 48 horas. No plasma - parte líquida do sangue - são encontrados os anticorpos. O soro é obtido a partir da purificação e concentração desse plasma.
Da Agência USP de Notícias
06/08/2008
Artigos Relacionados
Soro antiofídico poderá ser vendido sob a forma liofilizada
Tião Viana propõe mudança na fabricação do soro antiofídico
Aprovado projeto que obriga metade do soro antiofídico do país a ser liofilizado
Metade do soro antiofídico produzido no país deve dispensar refrigeração
Tião Viana pede à Câmara aprovação do projeto que trata da produção e importação de soro antiofídico
Garibaldi anuncia que Senado estuda alternativa para a CSS